Liars and Killers escrita por A Lovely Lonely Girl


Capítulo 41
Capítulo 37


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos. Gostaria de me desculpar pela demora desse capítulo, eu ando tendo alguns problemas no namoro e tenho alguns episódios depressivos devido à ansiedade e a esse momento da minha vida (estou me questionando constantemente sobre o porquê de eu ter deixado a vontade das outras pessoas prevalecer sobre a minha).
Para ser honesta, a única coisa que eu faço que me faz sentir bem e realizada é escrever. E, por consequência, a segunda coisa é ler. Ambas são formas de escapar dessa realidade e é isso que deixa tudo muito mais mágico. Eu consigo me imaginar facilmente escrevendo histórias fantásticas para o resto da vida, perdida nos mundos e universos que criar. Meus cílios e meu cabelo estão caindo, mas ajo como se tudo estivesse bem. Estou no último ano da faculdade, de um curso que deixei que escolhessem por mim, mas aceitei por continuar estudando.
Cada vez mais perto do TCC, agora vejo que fiz muito mal de ter concordado com isso por medo de ir atrás do que eu realmente queria. Me sinto culpada e tenho inveja do brilho no olhar daqueles que não tiveram medo de falar o que queriam estudar. Me afastei de todas as minhas amigas. Mandar e responder mensagens é muito difícil para mim. Eu só quero ficar na minha bolha, com meus personagens e filmes que já vi muitas e muitas vezes para ficar bem. Já cheguei a ficar quase três dias inteiros dormindo.
Eu não sei o que fazer. Sinto muito pelo desabafo. Não sei o que há de errado comigo, só sei que não estou bem. Passei minha vida inteira fazendo o que os outros queriam, vivendo para agradar aos outros, que não me questionava sobre o que eu mesma queria para minha vida. Hoje, eu sei. Hoje, estou me tornando outra pessoa, uma que eu sempre quis ser. Mas me sinto mal. Mal porque as escolhas que a “antiga eu” fez, de se anular e deixar que outros fizessem as escolhas por ela, ainda estão aqui para me assombrar. O maldito curso é uma delas. Mudar dói. Ter coragem de ser você mesma depois de anos sendo um camaleão para agradar aos outros dói. Não é uma mudança fácil e infelizmente estou no meio dela.
Agradeço de todo o meu coração a cada pessoa do outro lado da tela que já leram alguma de minhas histórias. Vocês conseguem ver quem eu sou de verdade através de minhas histórias, e sou muito grata por isso. Cada comentário significa tanto, tanto... Porque escrever foi a única decisão arriscada e corajosa que tomei por conta própria. Ver que está dando certo me acalma e me deixa muito mais feliz do que qualquer diploma jamais conseguiria. Não seria exagero dizer que, com essas histórias, estou compartilhando partes de mim. Partes que eu nunca disse em voz alta, que nem minhas melhores amigas sabem que existem. Eu só posso agradecer por vocês quererem ler de verdade.
Muito obrigada por tudo o que fazem, desde as visualizações aos comentários. Isso me mostra que minha única decisão corajosa foi bem mais do que eu esperava. Me mostra que estou no caminho certo, minha vida está no rumo certo. Obrigada a todos.



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{Katherine Adams Kohls}

          Entrei no apartamento da tia Sarah com uma sensação estranha dentro do peito. Olhei em volta, me atendo a cada detalhe, desde o tapete felpudo da sala até as cortinas que haviam sido trocadas por outras mais claras com flores azuis bordadas no tecido branco. Respirei fundo, absorvendo tudo o que me acontecera nos últimos... Dois ou três dias? Eu não conseguia me lembrar bem. Tudo o que sabia é que o conceito de solidão havia mudado para mim — antes, era uma bênção, pois Kitty não conseguiria machucar ninguém com quem eu me importasse e eu poderia ler e desenhar em paz, mergulhando em mundos mágicos para me esquecer da realidade. Depois de tudo o que aconteceu, mesmo em um espaço de tempo diminuto... Eu queria voltar para o Recanto das Musas. Queria saber mais sobre o reino mágico repleto de criaturas maravilhosas. Tudo aquilo era real. E queria estar com Sigyn, Hunne, Luke, Henry, e talvez até Loki, quando voltasse.

            — Você está bem? — A voz de Pietro me fez voltar para a realidade. Me virei para ele, encontrei seus olhos imensamente azuis fixos em mim. — Sage me disse que você viajou por dois dias. Com o Thomas. — Meu rosto estava inexpressivo. Eu me apeguei à melancolia que se abateu sobre mim, usei-a a meu favor para não estragar tudo. Não poderia deixar um Vingador aliado de Thor desconfiar de meu envolvimento com Loki. Dirigi um pequeno sorriso a ele:

            — Sim, é verdade. Mas só viajei com Thomas porque Sage estava ocupada com algumas coisas da minha festa de aniversário. — Dei de ombros. — Não vi motivo para deixar a Anna e Lucien esperando. Estávamos ajudando-os com a mudança. — Apontei discretamente a porta da sala. — São os novos vizinhos. — A cada nova mentira inventada eu me espantava ainda mais com a facilidade e naturalidade com que saíam da minha boca. Existia ironia maior do que uma aspirante a mentirosa experiente que sempre sabia quando mentiam para ela?

            — Entendo... — Seus olhos percorreram a minha roupa, minha jaqueta jeans escura com bottons de várias bandas colocados por mim, minha camiseta preta em gola v com o desenho de uma rosa vermelha de pétalas caindo e, principalmente, o colar dos Quatro Astros Protetores que eu me recusava a tirar do pescoço a não ser para tomar banho e dormir. Coloquei as mãos nos bolsos da jaqueta, assumindo uma postura mais composta e relaxada. Fosse qual fosse o milagre que Amaridis havia feito comigo, eu finalmente estava com a postura exemplar que sempre havia sonhado, mas ainda me espantava por não sentir a necessidade compulsiva de estralar meus dedos e meu pescoço a cada dez segundos. Toda e qualquer tensão havia se esvaído do meu corpo para sempre. Será que aqueles que me observavam conseguiam perceber isso também?

            — Então... Aceita um copo de água ou um café? — Me esquivei de seu olhar analisador e segui para a área da cozinha, liguei a cafeteira e abri a geladeira para verificar o conteúdo. Eu não me permitiria ficar surtando e pensando demais no que eu havia feito. Sim, eu estava saindo com Pietro e havíamos nos beijado algumas vezes. Sim, eu havia sucumbido ao Loki em um momento de tensão e o tinha beijado também. Não negava nenhum dos dois fatos. Porém, deixaria a análise emocional para uma hora mais propícia, quando estivesse sozinha. — Quer um lanche de salame com queijo? Eu sei fazer na frigideira, fica muito bom. — O platinado seguiu calmamente até a banqueta da cozinha e se sentou, sem me responder. Ergui uma sobrancelha para ele. — Então...?

            — Só quero um copo de água, por favor. Café me deixa muito agitado. — Por um segundo, imaginei o esquilinho do desenho “Deu a louca na Chapeuzinho”. Foi muito difícil engolir o riso, mais difícil ainda tirar da cabeça a imagem mental do esquilo doido com o cabelo branco do Pietro. Respirei fundo, coloquei um pouco de água em um copo e entreguei a ele. Cortei um pedaço de salame e comi, em seguida fechei a geladeira. Ele bebeu a água em silêncio.  

            — Então, como ficaram as coisas na SHIELD depois que eu... Você sabe...? — Indiquei Luke com o queixo. Desnecessário dizer que eu quase o havia matado com um bastão de madeira enquanto Kitty sussurrava para que eu o fizesse. Meu amigo loiro estava fora do apartamento, dando as boas-vindas à Hunne (cujo nome falso era Anna). Eu ainda não tinha conversado com ele sobre o que aconteceu e ele estava claramente me evitando a todo custo.

            — O Steve ficou uma fera com você. Ficou repetindo como você parecia uma adolescente revoltada e inconsequente e que ele estava se questionando se o fardo de ser uma agente seria muito grande para você. Psicologicamente falando. — Suspirei. Coloquei uma cápsula de chá na cafeteira e esperei ficar pronto.

            — Meu treinamento chegou ao fim então? Já que o Capitão quer desistir de me ensinar...

            — Não chegou ao fim. — Adocei o chá e o assoprei, observando Pietro. — Banner interveio a seu favor, Katherine. — Baixei a xícara, não consegui controlar o sorriso que se abriu em meus lábios. — Ele disse que você tem certos... Problemas com a raiva. Que, assim como acontece com ele e o Hulk, seu sangue ferve, acontece uma descarga grande de adrenalina no organismo e você transforma isso em agressividade irrestrita e incontrolável. Por isso, ele, como especialista pessoal no assunto, resolveu te ajudar a controlar essa parte. — Se Bruce Banner estivesse na minha frente naquele momento, eu o abraçaria tão apertado que ele morreria por asfixia. Eu estava sem palavras.

            — Bruce... — Bebi um gole do chá e me controlei para não fazer uma careta. Não era muito concentrado, tinha gosto de água quente com açúcar. — Não posso me esquecer de agradecê-lo, então. — Meus olhos esquadrinharam o rosto do Maximoff, que se mantinha sereno ali. Por um momento, me permiti admirá-lo. Algo nele exalava sua confiança sutil e constância. Constância... O que significava que ele não desistiria facilmente, que ele conseguia ser incrivelmente leal e confiável. Pietro era como eu, só que um pouco mais estável tanto mentalmente como emocionalmente. E, como eu, parecia ser oposto ao deus da mentira em alguns aspectos. Eu sabia que, mesmo depois do que havia acontecido entre nós dois, Loki poderia voltar a me tratar do mesmo modo que me tratava quando me conhecera. Eu sabia que ele estava quebrado, sabia que ele havia mostrado muito para mim na noite em que dormimos juntos; um lado dele que ele não deixava que os outros vissem para que ele não se machucasse. Eu compreendia. Como eu, Loki também tinha muros altos ao seu redor para que ninguém se aproximasse, porque quem chega muito perto está fadado a se ferir.

            — Sage me disse que os ensaios de dança começam em três dias. — Um pequeno sorriso se formou nos lábios do platinado. — Talvez eu devesse pegar os pés de uma das armaduras do Tony emprestados para que consiga sair do salão com todos os meus dedos intactos? — Fiz uma careta e mostrei a língua para ele. Pietro riu de leve.

            — Ela não me conta nada. Nunca. Deve ser porque a especialidade da Sage é conseguir que eu faça o que ela quiser na base da ameaça e da coerção. Ah, e sem aviso prévio, é claro. — O Vingador me observou por alguns instantes, sem dizer nada. Joguei a água quente açucarada na pia e lavei a xícara.

            — Ele precisa de você, Kate. — Me virei bruscamente, surpresa por Pietro usar um tom tão baixo. Ele indicou a porta com o queixo, em seguida, surgiu à minha frente, estávamos a trinta centímetros um do outro. — Sei que Lucas pensa que está fazendo a coisa certa escolhendo a SHIELD... Mas eu e você sabemos que deve-se ter certa... Cautela... Quando se trata de uma agência de espionagem como essa. — Assenti firmemente. — Cá entre nós, ele confiou muito facilmente em tudo isso... Acho que...

            — Luke provavelmente não me dará ouvidos, Pietro. — Franzi o cenho e coloquei as mãos na cintura. — Você viu o comportamento dele. Nada o faz se sentir mais realizado do que sentir que ele pertence a um lugar. À SHIELD. Especialmente se for um lugar que ele pode demonstrar suas habilidades e ser como... — Me aproximei um pouco mais do platinado e baixei o tom de voz. — O pai dele. — Nós dois nos viramos para a porta da sala, verificando se Luke apareceria naquele momento. Como ele estava entretido ainda conversando com Veliran, Pietro perguntou:

            — Por que ele quer ser como o pai? O que houve? — Eu suspirei mais uma vez.

            — O tio Ethan era policial. Foi morto no ataque de New York, quando os alienígenas atacaram a Terra da primeira vez. Ele estava tirando as pessoas da rua, quando o comandante do ataque explodiu os carros que estavam abandonados na rua. — Engoli em seco, tentando afastar as lembranças que eu tinha com o tio Ethan. Eu não queria chorar na frente do Vingador. — O tio Ethan estava checando se havia mais alguém por perto... — Pietro franziu os lábios, eu respirei fundo. — Encontraram o corpo dele no meio dos escombros do carro. O identificaram pela foto que ele tinha em um dos bolsos, era a foto do último Natal que passamos todos juntos. — Abri o celular e comecei a procurar a foto. Não demorou muito, já que eu tinha um álbum dedicado apenas às nossas fotos em família. Mostrei a Pietro. — Minha mãe, Elise, meu pai, John, o tio Ethan e a tia Sarah, tia Eloise, tio Nikolai e tia Varya... As crianças são eu, Luke, minha prima Cécile e os meus primos gêmeos, Mikhail e Anastácia.

            Sua mão acariciou suavemente a minha bochecha. Ergui o rosto, encarando-o, alerta. Uma parte minha ainda sentia como se uma descarga elétrica ainda pairasse entre nós dois.

            — Sinto muito, Kate. — Sorri fracamente, guardei meu celular no bolso e dei um passo para trás, desviando de seu toque. Eu não estava muito disposta a intimidades, ainda me sentia exposta demais. Me lembrar de Tyler... Do quão baixa Kitty conseguia ser para mostrar seu poder... Eu precisaria de um pouco de tempo para me recuperar.

            — Obrigada. — Olhei para o apartamento mais uma vez, como se uma parte de mim sempre ficasse esperando que o tio Ethan entrasse pela porta em seu uniforme trazendo uma caixa de doces e uma seleção de filmes de animação para que os assistíssemos durante o fim de semana, quando meus pais ficavam para visitar os Singer. Respirei fundo. — Acho que foi difícil para mim porque não consegui me despedir, entende? Eu estava em coma quando ele morreu. Mas o que foi mais difícil foi quando... Quando percebi que meu melhor amigo havia perdido o pai e eu não estava lá para confortá-lo. — Engoli em seco, sentindo o nó da garganta se apertando cada vez mais. — Eu tenho tanta raiva disso... Por uma estupidez, eu perdi um dos piores momentos da vida do Luke. Perdi a oportunidade de confortá-lo, de estar presente ali, de... De fazer alguma coisa por ele.

            — Entendo, Katherine... — Ele respirou fundo, colocou as mãos nos bolsos de sua calça jeans azul. Ele usava seus tênis de corrida usuais, mas parecia um visual mais despojado devido à blusa de moletom grafite claro com duas listrar diagonais azul e branca. Onde a faixa alcançava o peito esquerdo, havia o logo da marca Adidas. Ele indicou mais uma vez a porta. — Não pode voltar para o passado, mas pode fazer algo por ele agora. Além do mais... Agora vocês moram sob o mesmo teto. Precisam se entender, pelo bem da convivência. — Vi ali minha chance de reverter a situação de uma forma mais leve. Ergui uma sobrancelha:

            — É isso que o Tony te diz quando você destrói as armaduras dele na Torre? Que vocês têm que se entender pelo bem da convivência? — Um sorriso zombeteiro surgiu em minha face, Pietro colocou a mão na nuca, com um meio sorriso nos lábios. Seu celular vibrou, ele o retirou do bolso e franziu o cenho para a tela, sua expressão se tornou séria. Seus dedos digitaram uma resposta com sua agilidade sobrenatural, depois ele colocou o aparelho de volta no bolso.

— Reunião dos Vingadores. Plano de ataque, estratégia e tudo mais. — Sua expressão era levemente hesitante quando me fitou. Não o culpava, já que nem eu mesma sabia mais o que éramos um do outro. Não que eu me importasse com um rótulo, claro. Éramos amigos, certo? Mas havíamos nos beijado algumas vezes. Nada além disso, até onde eu entendia. Eu não cobraria uma definição para a nossa relação, e tampouco me importava com a opinião daqueles que tentavam colocar rótulos precipitados em nós dois.

            — Me avise quando eu puder te ver de novo. — Lhe dirigi um meio sorriso. — Eu gostaria que você conhecesse o meu primo Mika, tenho certeza de que vocês se darão bem. — Ele assentiu brevemente, olhou para a minha boca por um instante, em seguida desviou o olhar para os meus olhos. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, me aproximei dele e beijei sua bochecha, com um pequeno sorriso no rosto. — Agora pode ir, não quero que se atrase por minha culpa. — Pietro beijou a minha testa num segundo e, no seguinte, não estava mais no apartamento. Respirei fundo. Onde raios eu tinha me metido?

{...}

            Bati na porta de madeira escura enquanto checava meu celular. Cece estava tão empolgada pela festa que me mandava mensagem de cinco em cinco minutos. A porta se abriu quase no mesmo instante, e Henry saiu de seu apartamento colocando a carteira no bolso da calça.

— Estamos atrasados? — Tirei o crachá da minha bolsa e rodeei a fita sobre seu pescoço. Ele colocou os óculos escuros e jogou o cabelo para o lado, ajeitando-o com os dedos. Henry usava uma calça jeans preta, com uma camiseta vinho escrita “RIOT” e uma jaqueta dourada. Coloquei meu próprio crachá e o escondi sob minha jaqueta jeans abotoada.

— Eles chegam no aeroporto em meia hora. São pelo menos mais quarenta minutos dedicados a autógrafos e fotos com os fãs depois disso e só aí conseguiremos voltar. — Henry assentiu, segurou minha mão e me guiou até o elevador. Depois de pressionar o botão do estacionamento e as portas se fecharem, Wright me analisou cautelosamente, sentia o peso de seu olhar mesmo por trás das lentes escuras. Ele me dirigiu um meio sorriso e olhou para frente, para as portas do elevador.

— Agradeça à sua amiga fadinha ruiva por mim, ela finalmente consertou suas costas. —  Revirei os olhos, as portas se abriram e nos apressamos para Porsche preto de Henry, o qual eu apelidara carinhosamente de Matadouro. Desnecessário explicar o apelido, considerando o quanto o rockstar era bem-cotado. Entramos no carro, colocamos o cinto e, três segundos depois, o motor rugiu. Continuei olhando minhas mensagens, principalmente aquele grupo novo que eu havia feito. Hunne estava fazendo compras com Sigyn, isso incluía várias selfies das duas no grupo e de todos os modelitos que compravam. Sorri ao pensar em Loki e Lonyr, os dois já deviam ter jogado seus aparelhos pela janela.

— Amiga nova? — Olhei para a rua, percebi que estávamos parados no engarrafamento. Mostrei a ele as fotos.

— Dia de compras. Sage adora esse tipo de coisa.

— Me espanta a naturalidade com a qual você consegue dizer nomes falsos. O nome dela é Sijyn, não?

— Sigyn. — O corrigi, respirando fundo. — Ela é uma fugitiva, assim como...

— O cara que me atacou. — O moreno abriu o porta luvas e tirou um pote de chicletes dali. Pegou um e começou a mascar. Fiz a mesma coisa. — O nome dele... Loki, não é? — Franzi os lábios, sentindo a culpa recair sobre mim.

— Não era para você ser envolvido nisso. O que ele fez foi... Um golpe baixo. Ele não joga limpo. Estava com raiva de mim e queria que eu sofresse, então foi atrás de você. Foi Sigyn que me levou até lá, foi ela quem lhe deu uma lição. Eu sinto muito mesmo, Henry. — Ele balançou a cabeça, desconsiderando, e apontou o celular em minhas mãos.

— Essa garota... Quem ela é? Ou melhor, o que ela é? — Sorri de lado, feliz por finalmente poder falar com alguém sobre isso. Eu sabia que ele jamais contaria nada a ninguém, ele era meu amigo mais leal.

— O nome dela é Hunne. É uma elfa da luz. De verdade. Com orelhas pontudas e tudo. Nos conhecemos em um... Outro lugar, não sei dizer onde fica. Nos demos bem logo de cara, sabe? Ela é incrível, super animada, gentil e encrenqueira. — Ele riu e engatou outra marcha, os outros carros começavam a acelerar.

— Você é um ímã de encrencas e encrenqueiros agora, Kate? Não bastou começar o treinamento na SHIELD e começar a namorar um Vingador? — Bufei:

— De que adianta ser recruta de uma agência secreta se isso não fica em segredo? — Henry riu. — Além do mais, Mercúrio e eu não estamos oficialmente namorando. Saímos e nos encontramos sim, e nos beijamos de vez em quando. Nada além disso.

— Nossa, que maneira fria de descrever sua relação com ele. — Dei de ombros:

— Você quer que eu diga o quê? Não estou mentindo, sabe. Eu gosto dele, mas não tenho a ilusão de me apaixonar loucamente, me casar, ter três filhos e um cachorro, me mudar para um sítio e viver o resto da vida em função de uma família acreditando em “felizes para sempre”, enquanto fico esperando meu marido voltar para casa cansado depois de salvar o mundo. Nada contra as mulheres que têm esse sonho, claro. Só não acho que isso seja o certo para mim. Eu quero mais, entende?

Wright ficou em silêncio por um instante, com um pequeno sorriso nos lábios. Passei a olhar as fotos de Hunne e Sigyn, naquele momento, elas estavam comprando sapatos e bolsas em uma loja.

— Diga à Hunne, se ela estiver interessada, para aparecer no meu estúdio amanhã. Ela é muito fotogênica, e tem o tipo de beleza que se destaca na multidão. Gostaria de fazer um álbum e enviar para algumas agências, se ela concordar. — Sorri para Henry. — A mesma proposta se aplica a você, sabe. Tenho todos aqueles álbuns seus ainda guardados, só esperando para serem entregues.

— Talvez eu use algumas daquelas fotos quando eu for uma atriz famosa, sabe. Sempre é uma possibilidade. — Henry ligou o som do carro e colocou I wanna be yours, da Arctic Monkeys. Cantamos pelo caminho, mexendo nossas cabeças no ritmo da música. Depois foi a minha vez de escolher, I was made for lovin’ you, do Kiss. Berramos a letra pelo caminho, repetindo-a várias vezes. Era essa música que estava tocando na festa quando fomos apresentados um ao outro. Aquele era o tipo de informação que eu levaria para o resto da vida — minha música com Sigyn era Love Story, da Taylor Swift, com Luke era We will rock you, do Queen, com Dylan era Going Under, da Evanescence. Ainda tinha que descobrir qual era a minha música com Hunne, estava dividida se associaria uma música a Lonyr. Quanto ao Pietro e ao Loki... Eu provavelmente não escolheria uma música para compartilhar com nenhum dos dois. Seria... Estranho. Muito pessoal, talvez. E, quando se tratava de minha vida amorosa, eu tendia a ser bem, extremamente pessimista. Tinha receio de criar expectativas altas demais e me frustrar futuramente.

Chegamos no aeroporto, que, como havíamos previsto, estava com muitos fãs de patinação no gelo com cartazes, pôsteres para serem autografados e uma quantia considerável de membros da imprensa em volta, junto aos fã-clubes organizados. Respirei fundo, ciente de que os gêmeos eram uma atração e tanto. Henry tirou os óculos de sol e os pendurou na gola da camisa. Coloquei o crachá que me garantiria a ida direta até os gêmeos sem que fosse interrompida. O moreno se adiantou, me puxando pela mão e falando alto com aquelas pessoas que bloqueavam a passagem, praticamente esfregando o crachá na fuça de todos eles. O segui de cabeça erguida e uma expressão séria e cortante para aqueles que encaravam por tempo demais.

Eu havia esquecido de quanta informação o cérebro de um fã é capaz de reter quando se trata de seu ídolo. Uma garota soltou um gritinho de empolgação tão alto e estridente que eu dei um pulo de susto.

É A KATE! A PRIMA AMERICANA DO MIKA E DA ANYA! — As amigas que estavam por perto deram gritinhos e começaram a tirar fotos minhas. Sorri para elas e acenei, ao passo de que outra garota disse:

— AI MEU DEUS, ELA É A GAROTA DO MERCÚRIO! — Aquela constatação obviamente chamou a atenção da imprensa, que queria mais detalhes. Henry foi mais rápido, repetindo várias vezes “Katherine não tem nada a declarar” enquanto nos movíamos para perto da ala de desembarque. Apresentamos nossos crachás para os seguranças que estavam ali e ficamos a alguma distância do resto dos fãs, da imprensa e do restante da multidão. Respirei fundo ao lado de Henry, pronta para a tempestade que viria. Nós dois sorrimos e acenamos para quem apontava as câmeras para nós, ignorando as perguntas inquisidoras que provavelmente estariam nos tabloides logo.

Deu-se início ao desembarque, todos ali esperavam com ansiedade e empolgação. Eu cruzei os braços, tentando não ficar batendo o pé no chão. Eu ansiava por interagir com meus tios e meus primos sozinhos, no hotel que ficariam. Os gritinhos femininos foram massivos e estridentes quando eles saíram, os dois com as jaquetas combinando do Viktor e do Yurio que eu havia lhes enviado de presente quando estava totalmente obcecada por Yuri On Ice. Não que eu ainda não estivesse, claro. Anya correu até onde eu estava e me cumprimentou. Mika começou a acenar para os fãs e se aproximou deles, logo a irmã o seguiu, os dois começaram a autografar as fotos, desenhos e pôsteres que os fãs traziam. Sempre atenciosos, sempre sorrindo, sempre tendo que manter a imagem perfeita perante a mídia.

— O segredo é não deixar os flashes das câmeras te devorarem por inteiro. — Me virei para trás, tia Vanya já estava esticando uma garrafa térmica para mim. — Como vai, querida? Comece com os vinhos suaves, sempre. — Ela piscou para mim, e aceitei um gole de sua bebida. Era café, obviamente. Tia Vanya não bebia álcool faziam quase cinco anos, depois que saíra da clínica de reabilitação. Tio Nikolai estava cumprimentando alegremente Henry, lhe dando tapas nas costas e o parabenizando pela carreira que estava construindo do zero. Eu ri de leve pela expressão de surpresa estampada na cara do rockstar. Ele ainda tinha dificuldades em aceitar que fora aceito pela minha família há eras e que não precisava mais bancar o cara estiloso e misterioso “sem vínculos aparentes”.

— Estou tão feliz que vocês todos estejam aqui. — Confessei para a mais velha com um sorriso no rosto.

We strike as an unit. — O sotaque russo enfatizava cada palavra, e sorri de lado. “Atacamos como uma unidade” era o lema que ela havia inventado para a nossa família, que não era de sangue, mas que era unida por um laço muito mais forte que esse. Ela jogou o curto cabelo com as pontas pintadas de azul para o lado e seguiu para dar assistência aos seus filhos. Abri os braços quando vi que Nikolai se aproximava, ele me abraçou com força e me ergueu, tirando maus pés do chão.

—  Katerina, você veio! — Ele me colocou no chão e bagunçou meu cabelo, me fazendo rir e tentar arrumar a bagunça.

— Também senti saudades, tio Nick.

— E como vão seus pais? Me surpreende que Elise não a tenha esganado por aparecer na mídia internacional com aquele Vingador. — Respirei fundo, cansada. Nikolai riu quando compreendeu o que aquilo significava. — Bem, o importante é a diversão, Katerina. E lembre-se de mandar as consequências para o inferno. — Meu sorriso psicopata espelhava o do tio Nick. Ele era o melhor amigo da minha mãe tanto quanto o pior pesadelo dela. Isso porque Nikolai sempre fez questão de me guiar para um caminho bem mais divertido — e perigoso — do que a minha mãe queria para mim. De certa forma, suas intervenções tiveram um impacto positivo na minha criação — apesar de Elise ser controladora às vezes, ela ainda me permitia escolher minha própria carreira a meu próprio tempo, sem me pressionar constantemente sobre isso. Tio Nick tirou um pequeno objeto do bolso grande de seu casaco e entregou a mim. — A propósito, isso é um presente para você, já que vai fazer dezoito anos e finalmente poderá beber comigo quando vier me visitar na Rússia.

Olhei para o objeto — era um cantil quadrado de aproximadamente vinte centímetros. Era dourado, com “Kate” escrito ao centro em letras cursivas com pequenas pedras que pareciam esmeraldas.

— É lindo. — Sorri para ele. — Muito obrigada, eu amei. — Ele piscou para mim, em seguida esticou gentilmente seu braço direito como um cavalheiro. Rodeei meu braço esquerdo no dele e erguemos nossos queixos instintivamente, depois seguimos para todo aquele caos com amplos sorrisos. Tio Nick basicamente observava enquanto seus filhos interagiam com os fãs, dando um ou outro puxão de orelha quando eles esqueciam de assinar um ou outro pôster ou desenho de alguma fã baixinha. Henry se adiantou e rodeou o próprio braço ao meu braço direito e sorriu para Nikolai:

— Fique à vontade para fazer seu trabalho. Eu fico de olho nela. — Nikolai assentiu com um sorriso e começou a gritar instruções em russo para Anya e Mika. O momento parecia ocorrer em câmera lenta, toda aquela comoção, todos aqueles fãs gritando ansiosos por meros minutos de atenção de seus ídolos. Henry inclinou a cabeça em minha direção e falou alto, perto do meu ouvido, devido ao barulho. — Sabe que um dia você também terá fãs como esses, não? — Sorri para ele, que retribuiu meu sorriso. As pupilas de seus olhos azuis estavam dilatadas, o que me lembrava do meu gato de estimação às vezes. — Um dia você conquistará as estrelas, Kate. E milhares de pessoas se curvarão aos seus pés. — Revirei os olhos, rindo:

— Você é um profeta agora? Ou um Oráculo? — Ele sorriu de canto.

— Não preciso ser profeta nem vidente para saber que você nasceu para brilhar sob holofotes, Kate. É de sua natureza. E, depois de conhecer sua mãe, me arrisco a dizer que o talento para isso deve estar nos genes.

Vanya e Nikolai escoltaram seus filhos para uma pequena sala para que eles falassem com a imprensa rapidamente. Henry e eu seguimos para a loja de conveniências mais próxima e passamos a experimentar os óculos que estavam perto do caixa. Me detive quando meu olhar cruzou as prateleiras de livros que estavam mais afastadas. Devolvi o óculos que estava experimentando ao seu lugar e passei a analisar os títulos dos livros, muito interessada. Sorrindo, peguei o prequel de Jogos Vorazes, A cantiga dos pássaros e das serpentes. Suspirei observando os outros títulos, tentando controlar minha compulsão por comprar livros e devorá-los. Henry surgiu atrás de mim, com uma boina xadrez amarela na cabeça. Franzi as sobrancelhas:

— Você está absolutamente ridículo. — Ele sorriu de lado, pegou o livro das minhas mãos e leu a sinopse. Em seguida, seus olhos registraram os outros livros nas prateleiras. Ele segurou uma nova edição de Coraline entre os dedos, seu olhar parecia levemente perdido.

— Eu costumava ler esse livro sempre que sentia medo. — O moreno suspirou, balançou a cabeça para afastar qualquer que fosse a lembrança que o livro desencadeara, em seguida voltou a sorrir gentilmente para mim. — Quer mais alguma coisa? Uma caixa de chocolates ou sorvete, talvez? — Balancei a cabeça em negativa. Seguimos até o caixa e dividimos a conta. Quando saímos da loja, ele entregou o livro Coraline para mim.

— Henry, não posso aceitar...

— Então só o Nikolai tem carta branca para te dar presentes quando ele quiser? E quanto ao seu velho amigo bêbado aqui, hein? — Revirei os olhos e guardei os livros na bolsa.

— Obrigada, Henry. — Chequei meu celular. Tinha uma mensagem de Vanya dizendo que eles estavam chegando no carro que haviam alugado, em seguida ela informou o endereço do hotel.

— De volta à missão?

— De volta à missão. — Assenti, concordando. Sem hesitar, voltamos para o carro e encaramos mais uma vez o trânsito de New York, determinados a chegar ao hotel.

— Como vão os estudos? As aulas de teatro? — Suspirei e contei a ele todo o problema do trabalho que teria que fazer, que teria que descobrir o passado sobre meu pai biológico e sobre a família da minha mãe; um assunto que ela não mencionava por ser doloroso demais. Contei sobre o problema de ter que acobertar tanto Sigyn quanto Loki, e agora Lonyr e Hunne também.

— Toda essa coisa de SHIELD e treinamento... Eu ainda estou tentando entender o quão enrascada eu estou nessa história toda, para ser sincera. Eu sei que uma hora tudo vai voltar contra mim, mas... Quero um sundae. — Olhei para uma sorveteria relativamente perto de onde estávamos. A fachada era muito colorida, com muito rosa, azul, verde-claro e laranja.

— Diga ao Mikhail que vamos nos atrasar um pouco. — Henry entrou no estacionamento da sorveteria e estacionou. Descemos e entramos no lugar, um sorriso instantâneo surgiu no meu rosto quando senti um cheiro de chiclete muito agradável. Segui até o caixa, era uma garota asiática com um delineado bem definido cor de rosa. Ela sorriu instantaneamente e estava prestes a dizer algo, quando seus olhos se fixaram no rosto de Henry. A atendente empalideceu instantaneamente. Os olhos de Henry registraram a tatuagem no pescoço da garota, uma espécie de brasão avermelhado com espadas cruzadas e um corvo de asas abertas sobre elas. Wright sorriu para ela, o seu sorriso especial para as fãs genuínas da The Wild Hunters. Royal Fight é um dos melhores álbuns, na minha opinião. Qual sua música favorita... — Ele checou o crachá da atendente por um segundo. — ... Lisa?

—  Stories of a dead emperor é uma das minhas favoritas. — Ela baixou levemente a cabeça e limpou a garganta antes de se recompor, o sorriso de volta no rosto. — Bem, o que gostariam? Temos todos os tipos de doces gelados que alguém poderia querer!

— Essa é muito boa, mas gosto mais de Six feet under you.

— Posso pegar o quanto eu quiser dali? — Perguntei, apontando para os freezers com sorvetes de massa. A atendente assentiu. Me virei e segui até os sorvetes, me servi dos mais variados sabores, pistache, chiclete, algodão-doce e iogurte. Voltei para o caixa e, depois de pagar o que escolhi, me sentei em uma mesa próxima da janela. Sorri de leve olhando Henry conversar com Lisa animadamente. Tirei uma foto do sorvete colorido e enviei para o grupo, com a legenda “morram de inveja, bocós”. Sigyn instantaneamente perguntou se eu estava zanzando pela cidade sozinha. Tirei uma foto de Henry de costas e enviei também. Digitei “Tem um humano bunda-mole tomando conta de mim. Relaxe um pouco, Pequena Sereia .  

Bloqueei a tela do celular e devorei o sorvete, fazendo uma lista mental do que tinha que fazer... Desde decorar e ensaiar minhas falas e deixas para o curso de teatro até continuar com a pesquisa sobre meus ancestrais para a aula de História. Quando terminei de tomar o sorvete, me levantei, peguei a chave do carro com o Henry para pegar minha sacola de livros e segui até o estacionamento. Eu estava há dois metros da porta do passageiro quando um vulto preto deu um rasante e aterrissou à minha frente. Levei um susto quando vi que era um corvo, ele fazia barulhos muito altos e parecia querer avançar em mim, me afastando do veículo. Ele abriu as asas e começou a grasnar violentamente, como se fosse me atacar. Engoli em seco e acenei para o bicho, tentando dar a volta para pegar minha sacola:

­— O-Oi, Senhor Corvo, tudo bem? Preciso pegar uma coisinha no carro, é rapidinho... Bicho maluco. — Cliquei no ícone do chaveiro para destravar o carro. Fui arremessada para longe, o impacto da minha cabeça contra o concreto me fez apagar de imediato.

O Matadouro havia explodido.

{Loki, God of Mischief}

Os olhos de Sigyn estavam vermelhos pelas lágrimas que ela havia derramado. Estávamos na sala de recepção do hospital, Katherine havia dado entrada com ferimentos graves devido à explosão do carro de Henry. O amigo estimado de Katherine estava andando em círculos, agarrando os próprios cabelos, com os dentes trincados. Sigyn estava me abraçando, o rosto encostado em meu peito, enquanto ela usava sua telepatia para ler a mente de todos aqueles que tinham informações sobre Kate.

Eu estava verificando a memória de Henry, engoli em seco com a imagem do corpo de Katherine sobre o asfalto, sangue carmesim saindo da boca e do nariz, uma fratura exposta no cotovelo, o corpo chamuscado, com hematomas e sangue, os estilhaços perfurando seu tronco... Segurei Sigyn com um pouco mais de firmeza, trincando os dentes. Eu ansiava — e muito — saber quem era o responsável por tal ataque. Lucas entrou apressadamente pela porta, o rosto tão transtornado quanto o de Sigyn. Quando ele viu Henry, pulou sobre o mais velho e começou a lhe deferir socos no rosto.

— EU TE FALEI PARA FICAR LONGE DELA, SEU FILHO DA PUTA! A CULPA É SUA! ­— A recepcionista estava chamando os seguranças, várias pessoas gritavam, horrorizadas com a cena. Henry não revidou, porque acreditava que era completamente merecedor de cada soco que Luke lhe deferia.

A ruiva se levantou e, em uma série de movimentos ágeis, precisos e eficientes, ela imobilizou Lucas contra a parede antes dos seguranças chegarem. Ele se mexia com ferocidade, querendo se soltar. Sigyn sibilou:

Contenha-se, Lucas. Todos estamos tão preocupados com Katherine quanto você. — Quando ele parou de se debater, a deusa da fidelidade o soltou. Ambos se encararam fixamente, era visível que havia uma espécie de tensão ali. Porém, aquele não era meu foco, de maneira nenhuma. Me levantei e estendi a mão para Henry, que aceitou ajuda para se levantar do chão. Olhei a memória de Wright mais atentamente, procurando qualquer um que lhe parecesse suspeito. O culpado poderia ter colocado a bomba na garagem do prédio de Henry, ou ele o havia seguido até o estacionamento da sorveteria e colocado a bomba ali. Também havia a possibilidade de ter sido durante o tempo que ele e Katherine haviam passado recepcionando os russos no aeroporto.

— Eu devia ter checado. — Murmurou Henry para mim, seu rosto machucado revelava seu arrependimento. Minha expressão era impassível.

Sim, você devia ter checado. — Sibilei, cortante. Ele balançou a cabeça, ergueu o rosto e suspirou. Se ele sabia que estava sob a mira de mafiosos e neonazistas, ele devia ser o mais cauteloso possível. Sempre. Fechei as mãos em punhos, contendo a aura de minha magia dentro de mim. Não poderia me permitir perder o controle por algo como aquilo. No entanto, se Katherine morresse... Olhei de soslaio para o humano. Eu o responsabilizaria pessoalmente por seu erro e o faria pagar por aquela estupidez. Mandei um comando mental na mente da recepcionista e dos seguranças para mantê-los longe, já que a breve confusão já havia sido resolvida.

Sigyn convenceu Lucas a ir até a cafeteria para que ele se acalmasse e então todos esperaríamos notícias juntos o mais breve possível. Checando a mente de Lucas, eu entendi instantaneamente o surto e a violência usada contra Henry — ele estava furioso consigo mesmo por considerar que, se tivesse deixado seu orgulho de lado e feito as pazes com sua melhor amiga, ela não teria recorrido a Henry. Lucas sempre fora a primeira opção quando Katherine precisava de ajuda. Ele estava revoltado consigo mesmo, isso era fato.

Um homem levemente grisalho, com óculos quadrados e nariz delgado, entrou correndo na recepção, sua mão segurava o braço de Elise Adams com firmeza, como se ambos fossem uma única força. Ele se apressou para a recepcionista, enquanto a mãe de Katherine esquadrinhava atentamente o enorme corredor. Quando seus olhos se fixaram nos meus, senti uma parte de mim se abalar; uma parte tão frágil, tão facilmente esquecida em função de me tornar um guerreiro mais impiedoso e um feiticeiro implacável... A cor dos olhos era diferente, entretanto eu já conhecia aquele olhar. A preocupação, a mágoa, o desespero, o coração de uma mãe se partindo... Aquele era o mesmo olhar que Frigga havia me lançado quando eu havia dito, olhando em seus olhos, que ela não era a minha mãe.

Engoli em seco. Eu tinha que reprimir minhas emoções. Tinha que controlar a minha magia. Olhei para minhas mãos — estavam tremendo. Antes que pudesse me dirigir a outro lugar para suprimir todas as memórias ruins que haviam sido desencadeadas, Elise segurou a minha mão. Ela segurou a minha mão.

— Thomas. — Seu olhar era infinitamente triste. Ela apertou levemente a minha mão, me permitindo sentir seu calor. A mulher balançou a cabeça. — Eu sinto muito por todas as coisas ruins que disse a você... Eu... Só queria cuidar... Da minha valquíria. — Ela respirou fundo, tentando reprimir as lágrimas, porém elas rolavam por seu belo rosto da mesma maneira. Eu compreendia tudo perfeitamente. Katherine amava a mitologia nórdica, crescera acreditando neles — em nós. “Valquíria” era um apelido carinhoso, dado à sua filha, cujo sonho era um dia ser aceita de bom grado no Valhalla. As Valquírias eram guerreiras de elite fortes, inteligentes e astutas. Valorizavam a honra, a glória e a coragem. E, além de tudo, eram extremamente fiéis a si mesmas, aos seus e, acima de tudo, às suas morais e aos próprios ideais. Sorri fracamente:

— “Valquíria”... Um termo mais do que apropriado para ela. — O homem se aproximou, seguiu diretamente até Henry e o avaliou:

— Você está machucado também? — Ele balançou a cabeça em negativa:

— Estou bem, John. Luke estava meio nervoso, só isso.

— Alguma notícia da minha filha? — O rosto do homem estava um pouco mais estável do que o da bailarina, mesmo ele estando tão angustiado quanto ela. A postura de Elise se enrijeceu e ela desviou os olhos para Henry, aguardando sua resposta.

— Ela estava... Muito machucada. Apagada no asfalto, tinha tanto sangue... —  A mulher de cabelos castanhos soluçou e começou a chorar. John se aproximou e a abraçou, acariciando suas costas. Tirei o lenço verde do bolso de meu paletó e me detive por um instante, observando-o. Aquele fora um presente de Katherine, junto com uma gravata e abotoaduras. Uma bandeira branca em nossa relação conturbada, um gesto de gentileza, respeito e — por que não? — admiração. O que aconteceria com ela? Quão grave haviam sido seus ferimentos? Ela sobreviveria? Devagar, ofereci o lenço à sua mãe. Elise aceitou o lenço e voltou a abraçar seu marido, o padrasto de Katherine. John me avaliou por um segundo, gratidão implícita em seu olhar pelo meu ato de compaixão.

— Henry quis dizer que os médicos ainda não nos informaram sobre o estado dela. — Disse, polidamente. Me surpreendi com a urgência que sentia em acalentar os dois humanos à minha frente. Fechei as mãos em punhos, certo de meu papel ali. — Os deuses estão ao lado dela, tenho certeza. Katherine é muito forte. — John ergueu as sobrancelhas por um instante, em seguida guiou Elise até uma cadeira de espera. Sigyn e Lucas voltaram da cafeteria, o loiro se apressou em abraçar sua “tia”; a ruiva se aproximou e começou a confortar a mãe de Katherine. John verificou se Elise estaria estável o suficiente para que ele se afastasse em seguida se levantou e se aproximou de mim.

 — Acho que não fomos apresentados. Sou John, o pai da Kate. — Ele estendeu sua mão para mim, o cumprimentei.

— Thomas Collins. Conheci Katherine através de Sage, as duas são amigas muito próximas. — O meio-grisalho assentiu levemente, parecia distraído e levemente perturbado devido à sua preocupação paternal. — Lamento que nossa apresentação tenha sido durante circunstâncias tão tristes. O senhor é uma figura muito importante para a senhorita Kohls, então estava curioso para conhecê-lo.

— Minha esposa me contou sobre você. — Ele franziu levemente o cenho. — Suas palavras não foram gentis ao descrevê-lo. Porém, se está aqui agora, isso significa que seu caráter não é tão duvidoso quanto Elise me fez acreditar que fosse. Significa que se importa com Kate. Obrigado por estar presente. — Eu conseguia sentir cada uma de suas palavras ressonando em minha mente, nenhuma delas era mentirosa. Assenti firmemente. — Quanto aos seus “deuses”, no plural... — Paralisei por um instante. Eu havia cometido um deslize, será que deveria ter me referido ao deus cristão monoteísta? John me dirigiu um sorriso triste. — Eu agradeceria muito se pedisse a eles para que minha garotinha sobreviva e fique bem... Se não for pedir muito, claro.

Um homem que não julgava a crença do outro. Alguém sem preconceitos, que não se deixava levar pela opinião dos outros. John preferia ver e ouvir primeiro para só então julgar. Um homem justo, amável e protetor. Aquela fora a figura paterna que Katherine tivera durante a maior parte de sua vida. Ela havia tomado para si tais traços de personalidade. Graças a ele e à Elise, Kate havia se tornado uma pessoa tão extraordinária quanto era. John esperava que “meus deuses” salvassem a vida de sua filha; e quanto aos deuses deles? Quando mais nova, Katherine adorava e pedia forças aos deuses asgardianos, não? Não seria responsabilidade desses deuses a sobrevivência e recuperação dela? Não seria minha responsabilidade? Olhei fundo em seus olhos castanhos.

— Tem a minha palavra de que a senhorita Kohls se recuperará.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Muito obrigada por lerem a história!



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