A Filosofia do Existir de um Imortal escrita por Teffyhart


Capítulo 4
Iv




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Fazia tanto tempo que ele nem mais se lembrava de porque tudo aquilo havia ocorrido.

De alguma maneira, uma maneira horrível provavelmente, tudo havia terminado com uma guerra. Não tinha tanta razão, não tinha umporque real. Somente havia o fato que ambos os lados queriam guerrear, e a guerra eles conseguiram.

Cidades arrasadas, oceanos e terras conquistadas. A morte veio para cada um. Devagar e letal. Havia alguma coisa que impulsionava os humanos naquela torrencial de violência, ele próprio era um antigo amante dela, mas algumas vezes simplesmente não conseguia entender o frenesi de um mortal. A impulsividade. A necessidade de fazer as coisas tão rápido antes que os anos se passassem e eles fossem deixados para trás.

A necessidade de armas cada vez mais poderosas. Cada vez mais perigosas. Os portais aos poucos se tornaram mais e mais instáveis e tudo, certo dia, acabou com uma explosão. Levou mães e filhos em seus leitos, trabalhadores em seus atos, pais em suas tarefas… E guerreiros no campo de batalha.

Assim, como um clique.

Primeiro veio o terremoto, parecia que a própria terra clamava por paz, então veio o barulho ensurdecedor. Ninguém viu luz alguma, ninguém mal sentiu a dor do final daquele ciclo. As coisas simplesmente acabaram ali.

Exceto pelo imortal, atingido pela onda de choque, que consciente, porém imóvel, viu o mundo acabar.

O silêncio que tomou toda a imensidão do planeta e o cheiro pútrido que ele foi obrigado a sentir de todos os corpos se decompondo. Quando finalmente pode se mexer, sentindo que finalmente seus ossos não eram mais gelatina, ele se pôs a caminhar. Não sabia para onde, nem o porquê. Só caminhava.

Caminhava pelos rostos conhecidos.

Caminhava pelos corpos destruídos.

Caminhava pelas amizades e amores que haviam acabado ali.

Ele sentiu a tristeza que corroeu seu ser e o desespero de se ver sozinho. Por uma centena inteira ele caminhou pelas terras, alcançando cada um dos pontos do mundo. Conquistando cada uma das terras, desbravando cada uma das matas. Ainda assim, em busca de sobreviventes, ele viu que somente ele e sua própria sombra haviam restado.

Não havia fauna ou flora existente.

Pelas ruínas das cidades encontrara apenas ossos esfarelados pelo tempo. Em casas tomadas pela destruição só achara resquícios de objetos. Aos poucos ele se habituou a estar em silêncio. Ele se habituou a estar sozinho.

Ele nadou pelos mais profundos oceanos e descobriu cada uma das mais escuras cavernas. Não havia nem mesmo monstros ou resquícios de magia. Ele se viu incapaz de, sequer, canalizar suas chamas. Ele não sentia a vontade, não entendia o motivo. Então até mesmo sua vontade por destruição se desfez.

Algo dentro de si havia sido purificado. Algo que fora tomado. Ele sentia falta, mas não a necessidade de tê-lo de volta, então simplesmente esqueceu.

Esqueceu como esquecera seu nome. Seu motivo. Os rostos dos amados que ficaram para trás na guerra. Esquecera até mesmo os cabelos ensanguentados abaixo de si, qual tentara proteger com sua própria vida. Esquecera-se de tudo, mas não da cena.

Existia apenas ele e o tempo. Quantas vezes se pegara olhando para as estrelas e clamando para poder refazer aquele momento. Pedia para ter a chance de, dessa vez, conseguir proteger ao menos alguém.Qualquer um. Ela.

E sobre a luz pálida dos astros e o acalento da noite, ele chorava. Tomado pela inexistência de seu próprio ser. Por que existia se somente ele existia? Por que se lembrava das coisas quando não havia mais motivos para isso?

Então, aos poucos, esqueceu também aquele dia.

Acabou chegando ao continente dos Deuses, em busca de um consolo. Em busca de uma onipotência qual não havia sido destruída. Não havia ninguém. Então, naquela tarde chuvosa, pelo território da Deusa da Vida, o imortal acomodou-se sobre a fachada do templo de Ernasis.

Se não havia mais nada para se lembrar. Nada para se lutar. Nenhum motivo para existir… Sieghart voltou para seus primórdios. Voltou para o momento em que deixara seu túmulo. Em que aceitara as palavras de poder que acorrentavam sua alma. Voltou pelo perdão. Pela redenção.

Nas próximas centenas de anos que passara sobre aquele teto, vestindo nada mais que trapos e obedecendo a uma rotina silenciosa, esperando pelo dia que Ernasis o responderia, Sieghart se viu lembrando-se de cada uma das vidas que vivera em apenas uma. Lembrava-se dos momentos e os esquecia depois, deixando-os no vácuo.

Da vez que fora cavaleiro, sacerdote, paladino, templário, rei. De quando lutou as guerras pelas Deusas, das bênçãos que obteve. Das vezes que se apaixonou, todas as vezes pela mesma alma, paixões avassaladoras que o deixavam depois de anos, tomadas pela morte.

Lembrava-se dela. De cada uma das vezes e cada uma das faces queela obteve. Lembrava-se de sua devoção por sua Deusa. Lembrava-se como, cada vez mais, elas se fundiam em uma imagem só. Em um amor só.

Lembrava-se da sacerdotisa pela qual ele virara um templário. Da princesa pela qual ele fora cavaleiro. A freira pela qual ele era um sacerdote. Da impotente pela qual ele virara paladino. Da rainha que precisava de um rei. Também se lembrava da cavaleira pela qual ele não havia se tornado nada. Ela havia aceitado o gladiador que era. O avatar que era. O imortal que era.

E repensava o quanto ele achava que a Grand Chase nunca seria derrotada. Pegava-se pensando que, depois da desolação, restara ele e uma bandeira rasgada, que trazia o símbolo, o emblema, da liberdade contra o mau. Trazia a liberação em imagem, em um estandarte que simbolizava a esperança e a força de todos eles que se estendiam atrás, em um exército pequeno, repleto de vontade, de coragem. Um exército composto apenas pelos melhores. E liderado pela mais grandiosa de todas.

Algumas vezes ele tentava se lembrar das cores. Dos sons. Ele tentava se lembrar dos rostos. Mas, com muito esforço, havia tentado esquecer para calar a dor. E havia conseguido, apagando aquelas memórias de si.

E ali, sob o olhar das estrelas, pensava que não deveria tê-los esquecido. Que agora que o mundo reganhava sua cor, sua vida, ele poderia trazê-los na história, imortaliza-los junto com ele próprio.

Mas, tolo como era, humano como esperava ser… Falhara. Errara. Mais uma vez. Sozinho, acalentado pelo teto do templo e o cantar dos pássaros, ele queria não mais lutar. Queria, quieto, assistir o mundo sem nunca mais interferir.

E esperar a roda girar novamente. Dessa vez sem atirá-lo pela tangente e deixa-lo viver quando tudo mais morrera.


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