A Filosofia do Existir de um Imortal escrita por Teffyhart


Capítulo 2
Ii




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O templo qual seus pés pisavam não era mais do que pedras sujas, afinal nenhum objeto ou gesto é encontrado já com as marcas do sagrado, mas ele ainda se recordava de seu significado. E, naquele momento em que a coisa obtém um significado, a pedra que antes era concreta e bruta, passa a ser circundada com uma aura misteriosa, que os olhos da fé podem ver a ligação entre ela e o sagrado. Qual era o sentido de limpar as pedras do musgo ou manter os bancos, sempre vazios, limpos? Ele não precisava de um sentido, ele só sabia que devia. Sabia que necessitava manter tudo organizado porque seria um sacrilégio se não o fosse. O pôr do Sol avermelhado, no entanto, lhe trazia lembranças de outra época, mas não havia com quem compartilhá-las no templo vazio.

Sem respostas e sem mais para onde seguir, era uma das primeiras vezes que o mundo estava em paz. Era, no entanto, a primeira vez que não havia significado para sua existência, nem mesmo o mais vago sentido de todos. Ele existia porque seu corpo não o permitia o fim da existência - sim, era paradoxal. Ele respirava pois seus pulmões necessitavam. Devagar havia se tornado um humano. Devagar havia deixado de ser um.

Não havia terra que fosse sua ou mar que o pertencesse. Tudo havia sido desbravado e tudo que fora tomado também tivera sido retornado. Mas quando lhe faltara, quando não lhe restara nada além da dúvida silenciosa e da solidão sufocante, finalmente havia retornado para casa. Sua verdadeira casa.

Onde suas pedras sujas possuíam um significado. Onde uma estatueta limosa e cheia de poeira representava algo à mais. Representava um horizonte. Algo santo. Era a única coisa que, por mais que não respondesse suas dúvidas, ao menos as calava. Era sutil e invisível, por mais que estivesse eternamente silenciosa, ao menos era algo que sentia existir. Era algo que coexistia consigo. Algo tão mais velho do que ele próprio.

Tão antigo que o próprio tempo os havia esquecido.

Por anos, se foram décadas ou séculos não sabia, havia vivido ali, solitário. Sozinho relembrava-se do necessário para entoar cânticos para sua Deusa, mas nunca havia obtido resposta. Em silêncio havia vivido todo esse tempo. Toda manhã conversava com a figura feminina e toda tarde contemplava o pôr do Sol.

Acreditava na analogia da cativação. Estivera por muito tempo longe de sua Deusa, mas havia sido cativado por ela. Então quando nada mais lhe restou, quando sua liberdade na verdade o sufocava, olhava para o horizonte, sua razão para a caminhada, para o Sol que se punha sempre com a calma de um gigante, e relembrava quando ela estivera na terra. Relembrava quando humanos, tão humanos quanto ele, a glorificavam e levavam as mãos aos céus, agradecendo por suas bençãos.

Aos poucos eles pararam de vir, apesar de que as bençãos nunca os abandonaram. Aos poucos eles acreditavam que as Deusas os haviam esquecidos, mas o imortal retornara todos os anos para fazer suas preces. Ele era a imagem do sagrado, assim como todos os seres humanos, ele, no entanto, seguia de perto os passos dos grandiosos, uma vez que teria que caminhar tanto quanto eles.

Mas, depois do pôr do Sol, a noite vinha gélida. Era uma tristeza nunca antes sentida, como se cantasse, fúnebre, o fim da vida. O fim de um ciclo qual ele nunca conseguiria concluir. Ela vinha regada de sua individualidade eterna, seus medos e angústias, em uma onda sufocante que o atordoava e fazia-o ficar, muitas vezes, acordado durante todo o período.

Era natural, ele achava, pois a noite existiu antes dele e continuaria a existir mesmo que um dia ele se fosse. Ela tinha o direito de se sentir triste, mas de sua própria maneira tinha a calma de um ancião, contando histórias antigas para um imortal que, perante sua grandiosidade, era apenas uma criança. Toda essa sensação só era sanada quando o Sol voltava a nascer, trazendo consigo o brilho de um novo dia e os afazeres que, agora, eram uma rotina.

Algumas vezes ficava, por horas, à relembrar dos outros seres vivos que um dia viveram consigo. O canto dos pássaros e o zunir das abelhas. Pelas Deusas! Sentia até mesmo falta do falar infindável qual o humano proporcionava. E muitas vezes sentia inveja, até mesmo dos animais.

Estes que nunca precisaram ficar sem sentido. Sempre havia ordens naturais a cumprir e, uma vez que elas se perdessem, eles simplesmente deixavam essa existência para seguir para outra ainda maior. Um dia havia se voltado contra suas funções biológicas, fora ensinado a ser, a ouvir, a ler. Ouvira histórias de outros tempos e formou uma opinião, uma cultura. Havia construído espadas, coberto seu corpo com couro e metal, havia se tornado conquistador do mundo.

O mundo se adaptava à ele, não ele ao mundo. Conquistara o desejo de ser. Conquistara sua própria liberdade. Os animais não. A aventura da liberdade não lhes é oferecida, mas não receberam, em contrapartida, toda a neurose da angústia. Eles nunca haviam sido livres, mas nunca necessitaram de tal coisa.

O quanto ele próprio gostaria de esquecer tudo e simplesmente deitar em um campo e deixar de existir? Deixar de ser um unário para renascer como parte de um todo? Ele não tinha a resposta para isso. Ele queria, desejava, almejava, o fim de sua eterna existência, que, à passos lentos, se estendia para o sempre.

Ele queria respostas. Queria o afago de sua morte. Mas não possuía o controle sobre seu corpo, somente sobre suas vontades. Então, como uma vez prometera e continuaria sempre acatando suas ordens mudas, que nunca mudariam apesar de já não terem mais significado, cantaria a glória das Deusas. Protegeria sua imagem. Livraria as terras sagradas, as que foram criadas para os seres vivos, de todo o mau.

Mas já não havia para quem cantar as glórias. Não havia mau que não houvesse sido derrotado. Já não havia nem mesmo outros seres vivos além de si.

E, como na analogia do horizonte, não importasse quanto ele caminhasse, o horizonte se afastaria mais e mais. Seu objetivo, por mais que claro, não tinha nenhum significado uma vez que fosse, por demais, subjetivo. Alcançar o horizonte sempre houvera sido o motivo de sua caminhada, mas uma vez que percebera que ele era inexistente…

Outra noite se aproximava. Mais um dia que se seguira igual à tantos outros. Silencioso, cheio de dúvidas e um choro contínuo de sua alma que pedia por redenção.

Por quanto tempo mais sua Deusa permaneceria calada? Ele não sabia.


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