Aquele a quem chamam Severus Snape escrita por magalud


Capítulo 14
Capítulo 14




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Havia confusão, e era do tipo totalmente inusitado. Era uma confusão branca e brilhante. A mente dele parecia flutuar em pura divagação, enquanto ele tentava perceber onde ele poderia estar. Na verdade, aquilo era mais difícil do que ele imaginava, porque ele tinha memória e consciência, mas ele não parecia ter forma ou feitio.

Demorou muito tempo até ele se dar conta de umas poucas coisas básicas — apenas para assistir todas as suas certezas serem, uma a uma, transformadas em pó. Ele tinha a sensação de estar vivendo uma hecatombe, uma catástrofe de grandes proporções, do tipo que redefine o curso de uma vida. Ao mesmo tempo em que era assustador, era revigorante.

Tudo que ele sabia, tudo que ele conhecia, tudo que ele era, tudo que ele supunha ser verdade, simplesmente não era. Ele não era Severus Snape. Ele não era um bruxo. Ele perdera todos os seus poderes — para sempre. Ele morrera, por tudo que podia ser sagrado. Potter carregara sua mente por ai (oh, as implicações), para que ele, que era chamado de Severus Snape, pudesse reviver.

E não era o suficiente. Ele tinha que ser um anjo. Do tipo que tem asas. Pensando bem, era meio humilhante. Só que ele não se sentia humilhado, de jeito nenhum.

No meio daquilo tudo, tinham as explicações.

Aquela senhora muito agradável que dizia ser mãe dele trouxe-lhe uma paz que ele nunca conheceu quando era vivo. Ele disse isso a ela. Viu os olhos dela ficarem marejados.

— Meu filho — ela sorriu para ele com ternura, como se ele não tivesse mais do que dois anos —, você está vivo. Você está entre nós, novamente.

— E... isto? — Ele tentou bater as asas de uma maneira desengonçada.

Apsara deu de ombros.

— Eu entendo agora que isso deve perturbar você, meu filho. É natural que se sinta como um peixe fora d'água. Você foi criado como um humano, você só conhece coisas humanas. Você provavelmente deve se sentir confortável como humano, mas esta não é sua natureza verdadeira. Você não teria feito tudo que fez se fosse apenas humano. Estamos tão orgulhosos de você.

Aquilo era novidade para Severus: uma família que se orgulhava dele, e que o amava.

Mas havia outro fato que Severus precisava confirmar.

— Dumbledore sabia disso?

— Sim, ele estava bem ciente. Nós dissemos a ele que você não poderia morrer totalmente. Seu pai e eu sempre pensamos que, no mínimo, nós o conheceríamos pelo conteúdo de seu midrash. Era nosso único consolo, nossa única esperança de ver você de volta entre nós, mesmo que fosse só em sua consciência. Mas quando fomos até lá e parecia que ninguém tinha seu midrash... — A expressão de sofrimento em Apsara fez Severus se condoer dela. Ela suspirou, aliviada: — Foi uma dor terrivelmente devastadora. Acreditar que você estava perdido foi demais para suportar. Seu pai estava a ponto de cometer uma grande injustiça quando ele exigiu indenizações ao Wizengamot.

— Indenizações? — ele repetiu.

Apsara explicou e descreveu com riqueza de detalhes tudo que se passara. Severus ficou espantado. Seu pai, com quem ele mal trocara três palavras, tinha se arriscado diante da mais alta corte bruxa para vingar-se (ou quase) de sua morte. Era um conceito difícil de aceitar. Tudo era tão novo e inédito para ele.

Preferiu tentar entender a situação:

— Então agora estou morto para o mundo?

— Para a maior parte dos bruxos, dos humanos, sim, você morreu. Você pode viver uma vida longa e profícua aqui. Somos seu povo. Sei que você nunca teve lembrança da experiência de viver entre seus verdadeiros iguais. Claro que é sua decisão. Seu pai e eu respeitaremos isso. Tenho certeza de que ele está ansioso para falar com você, também.

Severus tentou esconder o choque e o medo, mas foi impossível:

— P-papai quer falar comigo?

Apsara não falhava em observar as reações do filho, e tentou tranquilizá-lo:

— É claro. Ele o ama profundamente. Mas ele sentiu que, pela sua história com a pessoa que pensou ser seu pai, você precisaria de tempo para se preparar até o encontro de vocês.

Apsara suspirou, pegando a mão de Snape:

— Meu filho, você não faz ideia de como sofri ao saber que você cresceu sem saber o que significa ter o respeito e o amor de um pai. Eu devo, contudo, dizer o seguinte: seu pai não somente o ama. Ele também é excessivamente orgulhoso de você e tem grande admiração por todos os sacrifícios que fez. Todos os seus esforços para fazer reparações e compensar o dano que causou aos humanos que você ama significam muito para seu pai. E para mim, também.

Severus não sabia o que dizer, mas as emoções dentro dele pareciam querer explodir. Mas Apsara continuou:

— Vejo agora que você precisa ouvir essas palavras para tranquilizá-lo, filho. Senti muito a sua ausência, como qualquer mãe sentiria. A mulher humana que o criou também o amava muito, como tenho certeza que sabe. Quando pensei ter perdido você para sempre, pensei nela. Ela também estaria arrasada, se tivesse vivido para ver seu passamento.

Severus assentiu, concordando. Ao se lembrar de Eileen Snape, sua mãe humana, ele o fez com carinho. Ela o ensinou a ler, a escrever, a valorizar sua magia. Jamais a esqueceria.

— E este é meu mundo, de verdade? — Ele tinha dificuldade em aceitar esse conceito. — Aqui é meu lugar, meu povo?

Apsara continuou a explicar, com paciência:

— Eu sei que tudo isso é um choque para você. Talvez seu pai deva lhe dizer todos os detalhes do acordo que ele fez com aquele homem, Dumbledore. Ele estava com tanta raiva que fiquei com medo que ele trouxesse Dumbledore de volta à vida só para puni-lo.

Severus achou por bem perguntar:

— Ele poderia fazer isso?

Apsara deu mais um daqueles sorrisos como se estivesse falando com uma criança.

— Não, não poderia. Mas naquele momento eu sabia que ele gostaria de tentar.

Após alguns segundos, Severus chamou:

— Mãe?

Ele sentiu uma emoção intensa ao chamá-la de mãe. Era intensa e misturada: ele até se sentia envergonhado, ao mesmo tempo em que sentia um conforto quase inédito. Por outro lado, ele se sentia uma verdadeira criança ao lado dela, tanto que não conseguia chamá-la de outra coisa.

Ela sorriu:

— Sim, meu filho?

— O jeito como diz 'Severus' me faz pensar que esse não seja mais meu nome. Estou errado?

— Na verdade, depende de você — respondeu ela. — Sei que esse é o único nome que lembra, é o nome que seus pais humanos lhe deram, e ele é sua identidade humana. Se você optar escolher uma nova vida aqui conosco, você tem liberdade para escolher um novo nome, também. Não importa agora: podemos tratar disso mais tarde. Está com fome. Talvez queira comer algo e descansar. Você ainda está se recuperando.

O ex-bruxo confessou:

— Na verdade, eu estava pensando sobre as crianças. Todos voltaram a Hogwarts?

— Não, estão aqui. Querem muito ver como está.

Severus ficou alarmado.

— Há quanto tempo estão aqui? Os outros não vão ficar preocupados?

Apsara deu um tapa afetuoso no braço dele.

— Filho, não precisa mais protegê-los ou cuidar deles. O jovem Harry pode cuidar de si mesmo agora. Acredito que queiram apenas se despedir e verificar com seus próprios olhos que você está em boa saúde.

— Eu também gostaria de vê-los — admitiu Severus, com sinceridade. — Mas mais tarde.

— É claro. Descanse agora. Nós nos falaremos depois, meu filho.

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Dizer que o primeiro contato com seu pai foi embaraçoso era o mínimo. Severus (pois ele ainda pensava em si mesmo assim e considerava altamente improvável que isso mudasse tão cedo) precisou se esforçar para se desprender do medo e ressentimento em relação a figuras paternas em geral antes que ele pudesse apreciar totalmente a bênção que era ter um pai presente e amoroso.

O que mais surpreendeu Severus era que Elohim gostava de ser pai, mesmo que de um homem crescido e não uma criança. Elohim confessou, sem constrangimentos, que adorava ser chamado de "papai". Severus estava espantado.

Nem era preciso dizer que Elohim tentava compensar todos os anos perdidos. Mas, para Severus, a sensação era inédita, e os dois experimentaram um pouco da mais genuína interação pai-filho extremamente atípica para pessoas da idade deles.

O diálogo soava estranho em vozes tão adultas.

— Isso, filho! Mais alto! Tente mais alto!

— Não consigo!

— Não desista! Você está quase lá! — Elohim era puro incentivo. — Mantenha os pés juntos e braços esticados!

— Mas pai! Estou cansado! — Era a coisa mais estranha e "não snapeana" de se dizer, mas ele estava cansado. Ainda assim, ele continuava tentando dominar a habilidade que seu pai tentava ensinar.

Músculos doloridos, Severus não conseguia conter o júbilo de seu primeiro voo solo. Seu pai o acompanhava, bem a seu lado, cuidando de seu filho como se fosse um garotinho aprendendo a andar de bicicleta sem rodinhas. Para aquele Severus recém-redivivo, porém, voar com suas próprias asas trazia uma sensação só comparável ao momento em que ele descobriu ser um bruxo com poderes. Havia medo, havia alegria, e havia uma liberdade que ele jamais experimentara em qualquer uma de suas vidas.

Não era só isso: Severus podia sentir mais do que o ar fresco batendo em seu rosto, ou as suas elegantes asas negras batendo graciosamente no céu. O que ele não conseguia descrever era a profunda conexão com cada molécula de ar passando por seu corpo, a imensidão do céu, das nuvens, do chão, de todo o resto que havia. Tudo estava tão vivo à sua volta que Severus achava difícil lembrar que ele já tinha morrido.

— É isso, filho! Está indo muito bem! Agora — instruiu Elohim — vamos tentar aterrissar mais uma vez.

E mais uma vez o corpo de Severus se estarrachou no chão, da maneira mais desengonçada possível. Ele suspirou, aliviado, ao constatar que não tinha torcido o tornozelo ou quebrado a perna. Elohim, entusiasmado, virou-se para ele assim que seus pés tocaram o chão.

— Muito bom, filho! Está melhorando cada vez mais! Eu sabia disso! Você sempre teve jeito, mesmo sem as asas!

— É uma surpresa — confessou Severus. — Nunca fui bom numa vassoura.

— Mas isso provavelmente é porque você se sentia estranho com uma vassoura, por ter instintos naturais de voo. Que achou de sua primeira vez sem minha ajuda?

— Não foi ruim — admitiu Severus, ofegando, ainda sentindo a adrenalina nas veias. — Agradável.

— Relaxe, filho — sorriu Elohim. — Pode deixar. Se você cair, eu estou aqui para segurar sua queda.

Severus olhou fundo para Elohim, de repente sentindo um aperto no peito. Seu pai não se referia ao voo, e ele sabia. A cordialidade nos olhos claros de Elohim significava muito mais para Severus do que apenas aceitação. Era amor, amor de um jeito que ele só vira em uma única pessoa durante sua vida de bruxo. Severus não sabia direito como lidar com essa emoção.

Seus pensamentos foram interrompidos por seu pai.

— Acredito que sua mãe nos espera com uma de suas excelentes refeições.

E foi numa outra das excelentes refeições em família que Apsara comentou:

— Você parece estar criando mais confiança no ar, meu filho.

— Obrigado, mamãe. Eu jamais tinha experimentado muita satisfação em voar até agora, confesso. Papai me permitiu descobrir essa alegria.

— Notei que você anda de muito bom humor — comentou Apsara. — Talvez agora você possa ajudar alguém que precisa de você.

— De mim?

Apsara esclareceu:

— O jovem Harry e seus amigos esperam para vê-lo. Acredito que agora você esteja pronto.

— Eles ainda estão aqui? — Severus ficou alarmado: ele tinha se esquecido completamente dos jovens. — Mas... Já faz semanas!

Elohim sorriu.

— Você já aprendeu o nosso modo de encarar o tempo e a percepção do tempo. Sua mente tem sido “retreinada” em nosso jeito, fazendo você aprender esses conceitos e como eles funcionam. A ciência humana só reconhece a relatividade do espaço e do tempo como um contínuo. Vamos um pouco mais fundo. Você sabe disso agora.

Severus arqueou uma sobrancelha.

— Você quer dizer que meses se passaram, mas a percepção deles é diferente.

— Correto — confirmou seu pai. — Eles acham que você se recuperou nos últimos dias. O interessante é que eu acho que a garota, Hermione, poderia entender esse conceito. Ela é aquela que brincou com o artefato que Dumbledore chamava de vira-tempo.

— Vira-tempo — repetiu Apsara, com um sorriso largo. — Que nome poético. Não é, amado?

— Sim, minha vida. Acredito que o nome contenha uma dose de poesia em si. Mas ainda assim, estamos nos desviando do assunto. Filho, acho que deveria vê-los. Especialmente o jovem Harry.

Embora concordasse internamente, Severus hesitou. A verdade era que ele não sabia o que dizer ao rapaz. De qualquer forma, pensou, seria bom ver o filho de Lily mais uma vez.

Mesmo que fosse uma única, última vez.

Talvez aquilo tudo (morrer, depois não morrer, não ser humano) servisse para dar a ele uma segunda vida, uma em que ele não precisasse cuidar do filho dela, uma vida em que ele não tivesse que sacrificar sua vida, uma vida em que ele não tivesse que viver nas sombras, uma vida em que ele não tivesse que sustentar nenhuma falsa imagem para nenhum bruxo poderoso, das Trevas ou da Luz.

— Pode deixar agora, filho — disse Elohim, lendo os pensamentos do filho. — Além do mais, não precisa ser um adeus. Agora que você foi “retreinado” como um de nós, você sabe o que pode fazer.

Era verdade, pensou Severus. Ele aprendera tantas novas abordagens, tanta informação que naquele momento seus poderes mágicos podiam ser comparados a meros avanços tecnológicos. Ele não tinha mágica, mas ele podia fazer tantas coisas mais do que se fosse apenas um bruxo.

Além do mais, Severus percebeu que devia a Harry Potter pelo menos algum tipo de despedida. Eles podiam falar sobre Lily, por exemplo. Aquilo seria bom, pensou, e a lembrança de Lily o fez sorrir, desta vez sem dor ou mágoa.

Apsara também sorriu para ele.


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