Sussurros do Vento escrita por Yann Livramento


Capítulo 2
O vaga-lume viu


Notas iniciais do capítulo

Este texto é uma releitura da música Hotaru no Hikari, da banda Ikimono Gakari.



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"Sha, lá, lá!", eu ainda lembro-me da sua voz cantando comigo enquanto assistíamos a lua, brilhante, ardendo nossas expectativas para o amanhã. A lua ainda está lá, no mesmo lugar, todas as noites, mas ela não arde mais nada.

Eu não gosto de lembrar-me dos motivos que acarretaram nisso. Todas as noites eu ainda vou lá, no bosque que um dia chamamos de mágico, e a lua está lá, mas o vaga-lume não. Esse sentimento que, tímido, finge que não existe mais, aperta tanto no coração e na garganta que sempre dá vontade de chorar, embora nós dois saibamos que os vaga-lumes que se vão para a luz do verão, nunca mais voltam... Não é?

Forcei-me para esquecer o dia e o ano, a hora e a cor do seu cabelo, que você estava sempre pintando. Afinal, quanto menos recordações, melhor. Quanto menos nitidez tiver essa imagem, menos ela vai doer. Menos ela irá existir. A única coisa que não há como esquecer é a falta que você fez e a maneira como foi. Um beijo, um sorriso e uma desculpa qualquer. Mesmo estando completamente magoado e sabendo que seria irreparável o erro de te deixar ir embora, eu o cometi mesmo assim. Não faria o menor sentido prender um vaga-lume tão lindo a uma luz que, de pouco em pouco, deixou de fazer parte do seu capricho. Voe, então, para o verão. Mas, por favor... "Shá, lá, lá!", lembre-se.

Por favor, lembre-se.

A cada dia que passa, me acostumo mais com sua ausência. O fato, em si, de você não estar mais sentada na mesa me chamando, irritada, pra tomar café porque está atrasada para o trabalho já não incomoda mais, e é isso que mais me mata: a falta da sua falta. Nós assistimos tantos romances fofos que nos ensinaram sempre que o amor é imortal, e que, se for pra ser, será; que não há parede que vença o desejo de amar, e isso é verdade, mas quando o desejo de amar vai-se embora, os vaga-lumes tendem a viajar em direção ao verão. Eu espero que tenha, pelo menos, encontrado seu verão, encontrado uma luz mais nítida e atrativa, porque eu ainda não encontrei a minha, mas, quem sabe, eu encontre um dia.

Sim, eu sei que isso vai contra as histórias que lemos juntos. Um casal tão lindo deveria ficar lindo para sempre, porém a realidade acontece de várias formas, e nós regamos uma variante bem diferente da habitual. A pior parte de enfrentar um caminho nunca dantes caminhado é a falta de mapas. Eu sempre achei que amores de verdade vertiam felicidade para sempre, mas você me mostrou que não é assim que funciona sempre, e eu vou ter que desenhar o mapa que todos têm medo de desenhar.

Eu sempre me pergunto se algum dia irei, verdadeiramente, esquecer você. Sabe, muitas coisas já estão ofuscadas pelo tempo e pela força que faço para me desapegar. Eu já não lembro mais da sua altura, não lembro o número que você calça, não lembro o tamanho do seu sutiã, não lembro o número do seu celular. Eu não me lembro da sua voz. Eu não me lembro do seu beijo, do seu sexo. Dizem que as sensações do homem são muito oculares, mas eu discordo. Eu já não me lembro de quase nada que os olhos podem ver, mas o que meu coração sentiu, eu não consigo esquecer. Eu não lembro do seu sexo, mas lembro do seu cheiro. Não lembro a sua altura, mas lembro do seu sorriso. Não lembro seu número, mas lembro do quanto me ligava. Eu devo, então, aceitar que você foi embora e pronto? Você não vai mais voltar, não é? Os vaga-lumes nunca votam.

É horrível não poder ter certeza de nada. Tudo que eu queria saber é se eu deveria esperar. Você acha que eu deveria esperar? Você acha que um dia eu vou acordar e você vai estar me chamando, histérica, pra tomar café por ter perdido a hora?

Eu acho que sempre vou te amar.

É realmente impossível conter esse choro. Eu espero que, como você, um dia este vaga-lume encontre uma nova luz, ainda mais nítida que a anterior, para fazê-lo feliz. Onde quer que esteja, eu sei que, embora você também não lembre de quase nada, ainda vê a lua, formosa, que, ainda que disfarçadamente, esquenta memórias quase apagadas. Espero que você, como eu, ao ver um vaga-lume, escute-o sussurrar: "Shá, lá, lá!".


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Notas finais do capítulo

Obrigado pela sua leitura. Que o tempo aqui gasto tenha sido bem investido.



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