Sussurros do Vento escrita por Yann Livramento
Notas iniciais do capítulo
Este texto é uma releitura da música The Core Of My Existance, da banda In Dying Arms.
Tudo passa tão rápido. Queria não me lembrar de tantas coisas dramáticas em um momento tão curto como este. Sabe, quanto mais vazia está a taça, mais você saboreia o que há dentro dela.
Não, eu não estou bebendo. Na verdade, não estou fazendo nada. Nunca havia percebido as sutis rachaduras — filhas do passar do tempo — que estão no teto. Elas me lembram do inevitável: o tempo passa. E passa rápido.
Acho que é neste tipo de momento em que a gente se pergunta sobre qual é o verdadeiro propósito da vida, não é? Eu acho que finalmente entendo qual é, mas não sei colocar em palavras. Tudo o que sei dizer é que parece que estou direcionando-me — cada vez mais depressa — para o centro.
Para o centro da minha verdadeira existência.
Penso que a última página do caderno nunca é igual para mais de uma pessoa. O que você escreve desde o começo muda a sensação de tudo quando se chega no final. Muda a aceitação — ou o arrependimento. A única coisa certa nisso tudo é: páginas escritas não podem ser reescritas. Na maioria das vezes, uma decisão precipitada pode levar a resultados incorrigíveis, certo?
Estou cheio de questionamentos, mesmo sabendo que o momento é curto. Eu deveria estar aproveitando esta oportunidade para me lembrar de todas as coisas boas, mas parece que as decepções e os arrependimentos sempre gritam mais alto. Realmente é muito mais fácil enxergar os erros do que os acertos — ainda que as coisas boas estejam bem embaixo do nosso nariz.
Posso admitir que este momento é bem diferente do que eu achei que seria. Não estou desesperado, não estou nem com aquele frio chatinho na barriga. A sensação que tenho é de aceitação. É como se os tijolos das paredes ao meu redor começassem a desmoronar — e eu, desarmado e quieto, sou apenas mais uma peça desse quebra-cabeça.
Não há para onde correr e, mesmo se tivesse, acho que não me moveria. Afinal, como eu disse, páginas escritas não podem ser reescritas; e as minhas, infelizmente, acabaram. Esta é a última linha da última página.
Ironicamente, o fim da linha.
O que mais me intriga é que, por mais que eu tenha tentado, nunca consegui ser o que você quis que eu fosse. Caramba, como você é complicada. Nada do que eu fiz foi suficiente, nada foi digno do seu reconhecimento. Aceitei suas críticas, engoli suas agressões a seco, senti seus pés batendo na minha nuca, com força — tudo isso, quieto. Ainda consigo ouvir, bem baixinho, no mais íntimo da minha memória, sua voz ecoando:
"Idiota... Idiota... Idiota..."
Nunca entendi o que fiz de tão errado, mas não há jeito de contrariá-la. Afinal, eu dispus minha vida a agradar a pessoa mais mal-agradecida que já existiu. Acho que é a sensação do fracasso que não me permite pingar o ponto final da última linha do meu caderno, mas não adianta. As páginas anteriores não me permitem um fim que não seja este. É melhor que eu aceite, enquanto minha taça continua a esvaziar.
Tudo faz muito sentido, neste momento. É sério. A cada instante que passa, tenho mais certeza de que estou dirigindo-me... Dirigindo não, despencando. Eu estou despencando para o seio da minha real existência.
Ainda assim, sinto-me enganado, sinto-me injustiçado. É como se o nosso amor fosse um fósforo que você acendeu para ver a beleza que o fogo poderia ter e queria fazer parte dela. E fez. Mas logo aquele fogo passou a ser apenas eu — e você me assistiu queimar. Reclamou que a minha beleza não era bela o suficiente, e é claro que nunca seria: ela estava incompleta.
Faltava você ali.
E quando minha incompletude cansou seus olhos, você fez o biquinho mais lindo que eu já vi na minha vida e... Soprou. Seus lábios, agora, acinzentados, perderam o significado.
Nós bebemos o vinho inteiro, juntos, mas o último gole ficou no fundo da minha taça. Eu não consegui tornar-me o que você quis que eu fosse. Realmente sinto muito por isso.
Infelizmente estou para saborear o último gole, não há mais tempo para tentar de novo. Eu estou perto de alcançar o núcleo da minha verdadeira existência, do meu motivo.
As páginas em branco. Cíclico.
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Obrigado por dispor do seu tempo para ler meu texto. Espero que tenha gostado e que o tempo que passou aqui tenha sido bem investido.