Justiceira escrita por Clarisse Arantes


Capítulo 14
Parte treze




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            Eu não diria para ele que me importava com ele, porque parecia estúpido e desnecessário no momento. Ash não possuía nenhum tipo de superpoderes, porém, sua vontade de ser mais do que um policial, fazia-o se vestir divertidamente e ter gosto em salvar as pessoas do perigo evidente.

            Ash deu de ombros e, mais uma vez na noite, juntei minha mão em si e voamos, dessa vez para minha casa.

            Tivemos que entrar pela porta da frente, dessa vez.

            — É uma casa bonita — elogiou-me Ash.

            — Obrigada, eu acho — dei um sorriso nervoso. — Bom — olhei em sua direção, captando seu olhar observando cada canto do apartamento. — Pedro disse-me que quer uma luta final amanhã, ou hoje, às dez. Eu preciso de um plano.

            Ash sorriu e sentou-se no sofá.

[...]

            O plano era simples, mas, ao mesmo tempo, complicado. Anna ao chegar a minha casa, depois de tê-la ligado desesperadamente, dormiu por lá. Ash despediu-se e foi embora. Ele sabia se cuidar, não precisava dormir sob meu teto, também. Todavia, eu sequer conhecia-o sem a máscara. O tempo que ficou em meu apartamento preocupou-se em mantê-la.

            A madrugada avançava e cada vez mais meus olhos pesavam para que eu descansasse. Eu sabia que teria que trabalhar no dia seguinte, porém, eu não iria com certeza. Depois inventaria qualquer desculpa. O céu já estava começando a ficar claro mais uma vez e eu ainda não havia dormido.

            O sofá da sala estava desconfortável, mas nunca como naquele momento, ele pedia para que eu desce uma dormida. Respirei fundo e dei mais um gole do café gelado, que não fazia mais efeito.

            Anna remexeu-se no colchão ao lado do sofá. Aos poucos seus olhos foram se abrindo e ela viu-me encará-la.

            — Você dormiu? — ela conseguiu sibilar, preguiçosamente. Seus olhos fecharam-se.

            — Não. Não posso, se ele entrar aqui... ou...

            Ela inclinou-se em minha direção, sorrindo confiante.

            — Ele não vai.

            Essas três palavras foram o suficiente para que meu cérebro sentisse-se calmo e deixasse-me dormir, pelo menos, três horas até o celular despertar. Dessa vez, meu corpo indisposto não teve tempo para reclamar.

            Era hora de mandar um tchau definitivo para Pedro, ou melhor, Garoto Solitário.

[...]

            Com o seu ar de esnobe, ele fez-se presente numa praça pública em São Paulo. Trajava o seu uniforme de vilão, um verde com as letras G e S, engajadas uma na outra sob a cor vermelha. Nos pés, sua bota de couro. Seu rosto estava desprovido de qualquer tipo de pano ou pintura que escondesse seus traços, como ele fazia antigamente.

            Ele sorriu e deu dois passos em minha direção. Havia dois casais de adolescentes pela praça e só. Mas eles estavam dispersos uns nos outros para reparem que aconteceria dali minutos, uma batalha épica de super-heróis.

            — Como você está, minha querida?

            Foi minha vez de sorrir.

            — Muito bem, obrigada.

            — Parece não ter dormido muito — ele percebeu. — Espero não ter sido a causa da sua insônia.

            Meu sorriso vacilou.

            — Não há tempo para conversas — proferi, e tomando velocidade, voei em sua direção. Como experiente que é, ele voou também, impedindo-me de acertá-lo.

            Um dos adolescentes nos notou, e gritou, alertando todos em sua volta. Então voamos ainda mais para cima, eu aproximando-me para atacá-lo e ele se esquivando.

            O jogo somente inverteu quando me afastei irritada. Pedro aproximou-se veloz e, certeiro, deu-me um golpe bem no meio do estômago. Senti meu corpo inteiro tremer devido a sua força e a velocidade.

            Em seu soco seguinte, agarrei sua mão perante meu estômago e girei seu braço. Ele rugiu alto. Chutei-o para longe. Enquanto caia do céu feito um pássaro, eu ia logo atrás.

            Pedro recuperou-se rapidamente e começou a atacar-me.

            As sequências de soco que trocamos foram muito parecidas com todas as outras batalhas que tivemos. Eu sabia qual seria seu próximo golpe e ele sabia o meu. Já tínhamos lutado tantas vezes que parecia mais uma peça para o teatro. A emoção dessa batalha era porque nós dois sabíamos que, dentre todas as batalhas que já tivemos, essa seria a última. A definitiva. E era isso que dava-nos gás para continuar com a pura demonstração de violência.

            Eu recebi um sinal no céu. Uma forte luz vermelha chamou a atenção de nós dois, no meio da batalha épica. E soube que o tempo de batalha havia acabado. O plano tinha finalmente começado. Que até então fora basicamente estressá-lo e distraí-lo. Eu tinha sido muito boa até aí.

            Voei para um galpão, não muito longe de onde trocávamos socos.

            Como o esperado, Pedro seguiu-me. A escuta em meu ouvido estava silenciosa, mas conseguia ouvir respirações através dela.

            Pedro quis testar-me. Inventou um novo jogo no meio de nossa batalha e parou de me seguir. Fazendo com que eu fosse atrás dele.

            Quando vi aonde havia pousado meu coração parou por dois segundos e o sangue gelou.

            Ele ainda teve a cara de pau de olhar para trás e ver minha expressão diante tudo. Ele estava na empresa que Anna trabalhava. Estávamos na porta. Eu tinha sido idiota o suficiente para que permitisse que ela trabalhasse hoje também.

            Como se não esperasse por mim, Pedro passou pelas portas de vidro, fazendo-as se quebrarem em milhares de cacos e chamar a atenção de todas as pessoas ali presente. Eu tinha sorte de estar uniformizada.

            Voei atrás dele, e vi-o jogando algo em uma senhora que segurava um livro aos braços. Corri na direção dela, impedindo que o gabinete do computador da assistente pegasse em seu rosto. Fiquei vermelha de raiva e fúria.

            Enquanto caminhava até a sala de Anna, eu ia resolvendo as merdas que ele aprontava. Eu ia arrumando. Ajeitando. Salvando as pessoas de terem hematomas para a vida toda, ou em casos extremos, morrerem.

            Foi após salvar uma moça da minha idade que Pedro sossegou. Ele rendeu Anna com as mãos em seu pescoço. Ambos de nós sabíamos que era muito fácil fazer com que ela morresse ali e agora. Ele tinha os mesmo poderes que eu e possuíamos força. Muita força. Quebrar um pescoço não era nada comparado a segurar um carro. A parar um trem.

            A facilidade era extrema e eu possuía medo dela.

            Estávamos no seu escritório. Logo atrás dos dois, uma estante novíssima fazia-se presente. O ambiente estava totalmente silencioso e as pessoas ao redor não sabiam o que fazer. Pouco mais tarde a policia estaria ali e descrever o que havia acontecido seria uma tarefa para corajosos.

            — Você não precisa fazer isso — falei e notei os olhos desesperando de minha amiga. As lágrimas já corriam sobre o seu rosto inchado. Ela soluçava alto. Sabia que era o fim. — Não precisa — repeti. — A vida foi muito injusta com você, eu entendo. — Vi o sorriso de Pedro vacilar. — E você foi muito injusto comigo também.

            — Você mereceu! — ele gritou. — Seus pais fizeram aquilo comigo.

            — Foram eles — meus olhos encheram-se de lágrimas também. A vida de Anna dependia de minhas palavras e dependia de quanto elas iriam abalá-lo. — Eu não tenho culpa. Você — dei ênfase — não tem culpa também. Nós podemos esquecer isso. Você segue sua vida e eu sigo a minha. Vamos ser gentis um com o...

            — Não se ganha a guerra com gentileza — ele riu, seus olhos tomando uma coloração mais escura. — Se ganha a guerra com coragem. Se ganha a guerra com força. Não me venha com um papo de “vamos esquecer isso”. — Ele havia pirado. Estava começando a enlouquecer. Com rapidez, esqueceu-se de Anna e jogou-a para o lado com facilidade. Ela gritou e bateu de costas com uma estante de documentos.

            — Cadê vocês? — ouvi a escuta sussurrar em meu ouvido. Uma voz conhecida de um novo amigo dizer.

            — Você sabe — comecei, tomando cuidado em minhas palavras. — Desde que nos encontramos, só temos feito coisas ruins. Nada tem dado certo. Nós somos uma mistura química que cria o caos. Nós somos... uma bomba relógio.

            Ele inclinou-se em minha direção, com um sorriso no rosto.

            — Você está recitando algo?

            — Droga.

            E foi quando me atacou.        E eu voei para longe dali.


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