Justiceira escrita por Clarisse Arantes
Tudo se apagou como uma simples luminária, e iluminou-se da mesma maneira. Quando meus olhos se acostumaram com a iluminação fraca, gemi. Eu não sabia onde exatamente estava, mas parecia sob um alçapão.
O local estava iluminado por uma lâmpada que pendia do teto à fios soltos. Eu estava amordaçada, tampando minha boca e impedindo de gritar e espernear o quanto eu queria. Meus pés estavam amarrados aos pés da cadeira com uma corda que raspava minha pele, e meus braços estavam pra trás do mesmo. Puxando minha pele e fazendo-a doer. Imaginava já estar há tanto tempo daquele jeito que a dor estava passando a ser algo normal. Além dos braços para trás, podia sentir um material gélido em forma de argolas, prendendo minhas mãos ainda mais. Impedindo-me de fazer qualquer coisa ao meu alcance.
Mas eu possuía superpoderes, certo?
Mas não naquele lugar diabólico.
Bufei frustrada.
Havia caixas e caixas de papelão ao meu redor. Todas amontoadas e, um pouco longe de meus olhos – e de mim mesma -, estava a porta. Com um sistema que não parecia da época, ou algo que eu conhecesse, a porta tinha um sistema azulado e sabia que esse sistema, essa tecnologia, prendia-me ali dentro.
— Carregamento completo — ouvi uma voz robótica dizer, bem parecida com a do Garoto Solitário, porém feminina. Um arrepio conseguiu cobrir-me sob as cordas.
O deslizar da porta, chamou-me atenção para o ser desprezível que passava através dela. O rapaz charmoso e bonito, já não possuía o ar tão sexy que carregava há horas. Seus cabelos escuros balançavam conforme ele caminhava em minha direção, retirando um pedaço de pele falsa de seu queixo, revelando por fim, a cicatriz infernal, que ia da sua alma até seu lábio inferior.
Gemi em frustração. Como pude ter beijado aquilo, sem sequer, reparar?
— Não se estresse — apressou-se ele ao dizer, o ar superior já tão presente.
Eu já estava chamando os responsáveis pelo Grammy, para entregá-lo um de Melhor Ator do Ano e um para mim de Melhor Trouxa do Ano.
Pedro aproximou-se o máximo que pôde, e curvou-se sobre mim. Sustentou-se sobre os seus joelhos. Sua mão foi parar em minha mordaça, retirando-a por fim.
Meu instinto foi cuspir exatamente. Porém, como se já esperasse por isso, desviou-se e riu. Sua mão esquerda foi parar em meu rosto, acariciando-me.
— Tire suas mãos nojentas de mim — praticamente gritei.
Ele novamente, trajando sua armadura da canalhice, riu.
— Você não reclamou ontem à noite.
Eu fiquei vermelha tanto de raiva quanto de vergonha. Eu queria matá-lo mais do que nunca.
Como pude ser tão estúpida ao ponto de dormir com a pessoa que matou meus pais?!
— Você não sabe o quanto é gratificante vê-la aqui... tão exposta. O quão aberta foi-se. E agora não é nada. Esteve procurando por mim quando a maioria do tempo estive ao seu lado.
— Você é repugnante — disse-lhe. Ele deu de ombros e levantou-se.
— Sua opinião, querida, não me vale nada.
Foi minha vez de atacar.
— A de seu irmão deve valer, não é? Tadinho. Viveu a vida pela sombra do grande irmão... Ah, coitado. Nunca pôde brilhar porque alguém sempre brilhou mais. O irmão é tão melhor. O irmão é tão mais fod...
E um tapa cortou-me o rosto. Jurava que naquele momento eu possuiria uma cicatriz tão igual a dele.
— Está sangrando — ele passou o dedo. — Sua estúpida, olha o que me fez fazer.
— Eu não estou te controlando.
Ele riu. Afastou-se, entrando no meio das pilhas de caixas e voltou arrastando uma cadeira. Colocou-a de frente para mim e sentou-se.
— Estou definindo se vou matá-la ou deixá-la minha prisioneira.
— Por que você possui vários documentos de outras pessoas? — disparei, cortando qualquer linha de raciocínio que ele fosse ter.
Como se não se importasse, e ele realmente aparentava não se importar de fato, ele deu de ombros e sorriu cafajeste.
— Alguns cartões, documentos, certamente foram roubados — explicou ele, balançando freneticamente os pés. — Outros, eu mesmo quem fiz. Outras vidas. A minha às vezes é bem tediosa.
— Você é insano.
— Mas como eu dizia, meu amor..
— Não sou seu amor.
Ele bufou.
— Minha querida — ajustou-se, ainda sorrindo de canto —, acho que terei que matá-la. Então, antes disso, vou te dar um último pedido e vou responder-te duas perguntas que deve ter se feito sua vida inteira desde a adolescência.
Minhas sobrancelhas viraram uma só, pela surpresa.
— Quais?
— O porquê eu matei seus pais — meu coração esfriou-se. — E o porquê você tem poder.
Eu não interferi, porque realmente queria saber as respostas. Entretanto, sabia que sabê-las, descobri-las, desvendá-las, significava ir em frente. E talvez, eu não fosse.
Porque ele estava bem contente com o fato de que me mataria e acabaria com nossa brincadeira de anos.
— A segunda é muito simples. — Ele sorriu, jogando as costas para trás e balançando a cabeça, incrédulo. — Você tem poder, assim como eu, porque nossa mães, sim, àquelas vadias eram amigas — ele riu. — E, as duas foram postas à radiação. Você sabe. Uma radiação desconhecida. Até hoje os cientistas não sabem como exatamente a radiação atua sobre nossos corpos. Na deles, atuou de uma forma bem diferente. As duas ganharam superpoder. E bom — ele pareceu ficar nervoso, mas o sorriso inabalável continuava no lugar — minha mãe, aparentemente, ficou um pouco o efeito ao contrário do que esperavam. A sua tornou-se uma super-heroína, e a minha, acabou que matou meu pai por sua superforça. Então, eles tiveram que caçá-la e lhe mataram.
Seus olhos encontraram-se os meus.
— Eles mataram minha mãe, e sequer sabiam que ela havia um filho. Eu estava vivo há sete anos já. Estávamos na barriga daquelas imprestáveis quando elas foram expostas a radiação, e depois nascemos e aqui estamos. Resultado de experimentos bem sucedidos.
Meu celular vibrou sob a calça.
— É por isso que temos superpoderes? — questionei, ainda pasma. Surpresa. Atônita. Um misto de sentimento se fazia presentes e eu não sabia o que questionar primeiro e o último. Tudo parecia importante. Tudo deveria ser respondido. Precisava. Queria.
— Somente duas, se lembra? — ele sorriu.
A cadeira de Pedro vacilou e ele riu, equilibrando-a no lugar, devido ao balanço e a maneira deplorável que ela se encontrava.
— E a resposta do porque matei seus pais — ele deu de ombros — acho que não preciso responder claramente, não é mesmo? Eu matei-os, porque, apesar de minha mãe ter sido uma horrível pessoa, ela não merecia a morte.
— Apesar de eles terem sido péssimas pessoas, eles não mereciam a morte.
— Eles mereciam o igual. Eles deixaram duas crianças órfãs, uma deveria ficar também. — Ele sorriu sem graça.
Levantou-se da cadeira e deu dois passos para trás.
— Último desejo?
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