Amandil - Sombras da Guerra escrita por Elvish Song


Capítulo 6
Nas Montanhas


Notas iniciais do capítulo

Olha um novo capítulo, saindo direto do forno para vocês! Espero que gostem!



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Bilbo tremeu dentro de sua capa: a umidade parecia penetrar-lhe na pele e chegar aos ossos, enregelando cada centímetro de seu corpo; a neblina escondia o caminho, e ele mal podia acreditar que Thorin conseguisse achar a trilha em meio à névoa densa que os cercava. Suas pernas doíam por causa da subida íngreme, e ele começava a se questionar se deixar Rivendell para trás fora uma decisão acertada... Elrond lhe dissera que era bem-vindo para ficar quanto tempo quisesse... Por que, em nome de todos os Valar, ele havia continuado naquela missão?! Era um hobbit do Shire, não um guerreiro anão, ou um caçador elfo...

E por falar em elfos, ele percebera que uma relação bizarra se instalara entre Thorin e Amandil: após a prova de lealdade dada pela moça, o ódio explícito de Thorin se aplacara... Contudo, havia no olhar do anão um brilho estranho, quando fitava a mulher... Como se sentisse raiva por não ter motivos para odiá-la. Como se quisesse poder culpa-la de algo, afastá-la sob algum pretexto, mas estivesse desarmado... E passara a ressentir-se dela exatamente pelo fato de a mulher não lhe dar motivos para ter-lhe raiva... Parecia frustrado por não conseguir odiar a elfa, como se esta fosse uma necessidade absoluta de seu ser! Ela, por outro lado, não dava mostras de perceber a velada hostilidade do anão – se a percebera, cuidara para agir de modo absolutamente natural. Estendera suas gentilezas e conversas amáveis ao líder da Comitiva, talvez tentando vencer aquela necessidade irracional do homem em odiá-la, e o tratava com a mesma amizade e cuidados que dispensava aos demais; contudo, o olhar dela não era inocente: em seus olhos ela revelava a manipulação realizada no intuito de quebrar a inimizade, que só existia na mente do lorde anão. Uma situação deveras delicada, certamente.

Pensando naqueles assuntos, o hobbit escorregou novamente nas pedras úmidas: estavam numa encosta rochosa, onde pedregulhos afiados e seixos rolados se misturavam, tornando o percurso penoso e dolorido. Os pés do halfling estavam cortados – por que, mesmo, sua raça não usava sapatos? – e tudo o que queria era deixar-se cair no lugar e descansar, mas obrigava-se a continuar pela pura força de vontade: não seria um fardo naquela viagem, não seria um estorvo. Como se lendo seus pensamentos, Balin segurou o braço do Pequeno e, ajudando-o a se firmar na trilha, falou:

– Você pode ser tudo, meu caro Bilbo, menos um estorvo.

– Como vocês fazem isso? – perguntou o moço, curioso.

– Isso o que? – devolveu o ancião, com ar gentil e bondoso.

– Sabe o que estou pensando. Você e Amandil fazem isso o tempo todo...

– Você não é difícil de decifrar, Bilbo... Além disso, eu já vivi muito, e creio que a dama seja ainda mais velha do que eu... Não se trata de truque algum: apenas experiência. Vejo em seus olhos que está assustado, sentindo-se um peso... Sentindo que está deslocado. É normal que sinta isso, meu rapaz, mas vai mesmo perder a chance de ter todas as aventuras que desejou, apenas por causa de um sentimento tão tolo? – e quando Bilbo mirou o chão – Você é um de nós. Não significa que precisa ser igual a um anão, ou ter a resistência de um elfo, mas ainda é um de nós, e cuidamos uns dos outros. – ele ajudou o halfling a se firmar no terreno escorregadio – vamos lá, garoto. Ainda temos uma boa subida pela frente.

– Essa maldita neblina está gelando até meus ossos! – resmungou Óin, esfregando os braços com as mãos antes de se voltar para Amandil – pode fazer algo quanto a isso, ou sua magia é que nem a de Gandalf, que não pode interferir no tempo?

Seguindo praticamente no final da fila, Amandil ergueu a cabeça e contemplou o anão que falara por alguns segundos; geralmente não se devia alterar o clima de um lugar, mas a neblina realmente poderia mata-los, encobrindo um desfiladeiro, um abismo, ou mesmo fazendo com que se perdessem. Assim sendo, apenas assentiu e falou:

– Vamos parar um pouco: preciso me concentrar para dissipar a névoa.

Ouvindo aquilo, Thorin esbravejou:

– Podia ter dito um pouco antes que é capaz de fazer isso!

– O encanto consome energia, o que me deixará mais lenta na caminhada. Além disso, até certo ponto a névoa é nossa aliada, pois faz nossos perseguidores perderem nosso rastro. Deixei para usar o encanto apenas se fosse extremamente necessário, como o é, agora. – ela se adiantou e caminhou à frente do grupo, até encontrar uma plataforma grande o bastante para o restante da Companhia esperar; deixando mochila e capa caírem ao chão, dirigiu-se aos amigos – sentem-se. O encanto leva algum tempo.

Confusos e sem compreender o que a garota ia fazer – como ela poderia ter controle sobre o clima, se nem Gandalf o tinha? – os anões e o hobbit se acomodaram no chão, enrolados em casacos e mantas para reduzir o frio que sentiam. Apenas a elfa, usando só calça e camisa, parecia não ser afetada pela baixa temperatura; sentando-se de pernas cruzadas, ela fechou os olhos e se concentrou por longos momentos, murmurando palavras num tom baixo demais para serem compreendidas. Uma luz suave começou a emanar da pele da moça e, vendo aquilo, Bilbo perguntou com espanto para Glóin:

– Meus olhos estão embaçados, ou ela está brilhando?

– Então nossos olhos estão nos pregando a mesma peça, rapaz – devolveu o anão, confuso e maravilhado enquanto, durante o ato de magia, a elfa se tornava uma luz suave em meio à neblina. Após longos minutos a moça abriu seus olhos, e estes ardiam com chamas azuis quando ela se levantou e falou:

– Sigamos em frente. A névoa nos protegerá. – e assim dizendo, fez um gesto largo e elegante com o braço, que abriu um caminho por entre a neblina, que se dividiu, deixando apenas um estreito caminho de visão livre, por onde o grupo poderia passar. O restante do entorno permanecia mergulhado na confusão cinza-prateada.

Sem tempo a perder, os anões e o hobbit seguiram a dama: a névoa se abria à sua frente e se fechava às suas costas, e a luz branca que o corpo elegante emanava guiava todos pelas trilhas das montanhas. Parecia incrível que aquela moça – pouco mais que uma menina – conhecesse tão bem aqueles caminhos traiçoeiros, e por nem mesmo uma vez eles se perderam ou desviaram do percurso. Foi uma longa e exaustiva caminhada encosta acima, antes que ficasse escuro demais para continuar; àquela altura, nem a neblina seria o bastante para esconder a luminosidade que envolvia Amandil. Novamente exaurida por um longo tempo de encantamentos, a guerreira tinha as pernas levemente trêmulas quando deixou morrer o encanto, cerrando as brumas ao redor de si e dos amigos, enquanto se arranjavam para descansar. Continuariam pela manhã: o encanto da moça lhes dera uma boa dianteira.

Não haveria fogo naquela noite – naquelas encostas, qualquer luz os revelaria e anularia qualquer dianteira que o esforço de Amandil houvesse lhes dado. A refeição teve de ser fria, e apenas os cobertores os aqueceriam. Vendo o cansaço e o frio que a companheira de viagem se esforçava por não demonstrar, Bilbo se sentou junto dela e compartilhou com a moça de seu cobertor; estava maravilhado – assim como os demais – com o que presenciara. A jovem apenas olhou para o hobbit e esboçou um sorriso.

– Como fez aquilo? – a voz que perguntou veio de Kili, que trouxera para a moça pão e queijo. O jovem estendeu a comida para a dama, que a aceitou com um sorriso de agradecimento e respondeu:

– Magia. Manipulação do ar e de sua forma. Não é tão complexo quanto parece, na verdade... Só demanda... Concentração.

– Se também souber invocar brumas, poderemos passar por esta cordilheira sem sermos alcançados – sugeriu Thorin, postando-se diante da mulher – é capaz de fazê-lo?

– Creio que sim, por algum tempo. Mas isso nos deixa lentos, e os wargs sentem nosso cheiro. As trilhas dos despenhadeiros nos porão a salvo. – ela se sentou numa pedra, ficando à mesma altura do anão.

– A salvo dos lobos de Gundabad, e à beira de uma queda de dois mil metros. – resmungou o anão – perdeu o juízo, mulher?

– Não, mas sei fazer cálculos: quatorze pessoas contra cento e poucos lobos, com seus cavaleiros. Não é preciso ser um gênio para saber como isso acaba.

– Então sugere realmente que sigamos a trilha dos penhascos?

– Acho o mais sensato. Conheço bem aquela região. Se tivesse de seguir invocando a névoa para nos ocultar, pela trilha convencional, eu nos atrasaria muito, e ficaríamos não apenas à mercê dos lobos, mas seria impossível chegar à porta de Erebor antes do Dia de Dúrin. E isso é o mais importante, afinal, não é?

Thorin silenciou por longos segundos, encarando os olhos da moça... Aqueles olhos tão perturbadores, que tinham a cor e a profundidade do céu noturno, fazendo-o sentir como se estivesse fora do chão. Que feitiço era aquele? Que feitiço o atraía para aqueles olhos, para a luz que eles desprendiam? A voz em sua cabeça gritava que deveria odiá-la, que a mulher era uma maldita elfa, mas... Mas não conseguia odiá-la. Contudo, ressentia-se dela, sem sequer saber porque! Por Aulë, o que era aquilo que estava sentindo?! Meneando a cabeça para se livrar do atordoamento que os olhos da elfa lhe provocavam, declarou:

– Vou confiar em suas palavras, Amandil. Da última vez em que não o fiz, as coisas não correram bem. Vou lhe dar meu voto de confiança: guie-nos pelos penhascos.

Anuindo, a garota anuiu e, num gesto impensado, tocou com as pontas dos dedos a mão de Thorin, agradecida. Para o guerreiro, foi como se um choque percorresse seu corpo, e ele retirou a mão, afastando-se em silêncio. Kili percebeu aquilo, e dirigiu-se à princesa:

– É, eu tenho de me curvar a você, Amandil! Conseguiu demover meu tio. – e sentando-se ao lado dela, soou com genuína preocupação – como se sente?

– Cansada, mas bem.

– Descanse. Precisará de toda a sua força para nos guiar por caminhos perigosos como os dos penhascos. – ele abriu a boca para tocar num assunto mais delicado, mas então desconversou – obrigado por tudo que tem feito.

A elfa apenas sorriu e anuiu quando o jovem se levantou; internamente, porém, ela se preocupou: sabia exatamente o que Kili pretendia lhe dizer, quanto a Thorin estar se sentindo atraído por ela, e isso não era uma coisa boa. Onde atração e ódio se confundiam, coisas muito ruins podiam acontecer. Não já, é claro, mas à medida em que avançassem, e os conflitos internos do anão se misturassem a toda a turbulência causada pelo retorno ao lugar que um dia fora seu lar... Ela poderia estar em perigo.

*

A travessia pelos despenhadeiros fora dura e penosa, perigosa, realizada sob uma chuva torrencial. Caminhos estreitos e escorregadios haviam feito a Comitiva passar perto de escorregar por muitas vezes, e em diversas ocasiões quase haviam perdido membros do grupo. Não bastasse aquilo, terremotos sacudiam a pedra, e por mais de uma vez Balin assegurou que aquilo se tratava de uma guerra entre os gigantes de pedra das montanhas. Ao ouvir aquilo, Amandil sorrira ao seu modo misterioso e respondera:

– E nós não queremos nos meter entre uma guerra de gigantes, não é? – isso fora alguns segundos antes de uma enorme rocha atravessar os ares e se chocar poucos metros adiante do grupo. A estrada se partira, e por pouco Bilbo não rolou encosta abaixo; a mão de Thorin foi rápida ao segurá-lo, e sua língua mais rápida ainda, em censurá-lo:

– Se não sabe onde está, senhor Baggins, então não devia ter deixado o Condado!

Amandil teria interferido, mas estava ocupada demais tentando manter todos vivos enquanto a parede de pedras trincava e ameaçava matar a todos.

– Fili, Kili! – gritou para os dois jovens, que escalavam com a facilidade de cabras alpinas – ajudem-me a encontrar um túnel para entrar na montanha. Há um nas proximidades, mas não consigo vê-lo daqui!

O trio se pôs a procurar, e não demorou para que Fili encontrasse a entrada do túnel. Sob uma chuva de pedras que cruzavam o vazio, os quinze viajantes se enfiaram pela abertura, indo se acomodar tão fundo quanto possível na caverna.

– Onde estamos, Amandil? – perguntou Thorin.

– Se não sabe onde está, não devia ter deixado seu lar – tornou ela, ácida, arrependendo-se em seguida – perdoe-me por isso. – e com um suspiro tenso – essas cavernas são habitadas por goblins. Não vêm até tão alto, mas eu não me arriscaria com fogo, nem conversas. Vamos apenas aguardar a noite passar, e seguiremos adiante.

– Passar a noite numa toca de goblins? – Nori estava mesmo zangado – o que você tem na cabeça, elfa?

– Acha que eu gosto da idéia? – perguntou ela – mas não há como prosseguir: a estrada rachou ao meio, e com esta chuva, no escuro, não tenho como encontrar outro caminho. – ela deixou a própria mochila no chão – já acampei nesta caverna, antes. Cuidado onde pisam: há armadilhas, mas os goblins não virão se não forem ativadas.

– Armadilhas?

– As pedras no chão são alavancas. Não as movam. – respondeu a moça. Ela estava estranha, isso era claro para todos. Ao se aproximar da jovem, Bilbo percebeu que sua companheira de viagem tremia levemente.

– Você tem medo de lugares fechados! – exclamou, o que lhe rendeu um olhar fuzilante da moça:

– Grite mais, Bilbo, anuncie isto para metade da Terra-Média. Acho que os goblins ainda não ouviram você.

O halfling corou e percebeu que todos os anões olhavam não apenas para ele, mas para Amandil, que baixara o rosto em constrangimento ao ter sua fraqueza revelada. Sisuda, dirigiu as últimas palavras aos amigos:

– Faço o segundo turno de vigília. Acordem-me quando for a hora. – e assim dizendo, encostou-se à parede e fechou os olhos, naquele transe semiconsciente no qual os elfos entravam. Seus companheiros apenas a fitavam, alguns surpresos pelo inusitado medo da guerreira, outros compreensivos, outros apenas imaginando se aquela realmente seria uma boa idéia. Acampar num lugar cheio de armadilhas que os levariam direto aos goblins? Bom, certamente era melhor do que se arriscar na chuva torrencial por caminhos que mal podiam ver. Estavam entre o fogo e a espada, encharcados e cansados. Só restava dormir, e tentar descansar um pouco, antes que o dia raiasse.

Foi pouco depois de todos estarem dormindo que Bilbo se levantou; já havia passado por mais medo do que podia enfrentar... Ia voltar pra Rivendell. Não adiantava insistir: ele não nascera para aquilo. Queria ser um bravo aventureiro, mas a verdade é que era um Baggins, do Bolsão, e não um Tuk. Já era hora de despertar e voltar para um ambiente tranquilo, onde não fosse correr risco de morte a cada segundo.

– Aonde está indo? – Bofur interrompeu o halfling, erguendo-se.

– De volta para Imladris. – respondeu o hobbit – Olhe, Bofur, eu tentei, mas esta vida não é para mim... Vocês podem estar acostumados com isso; são guerreiros, são viajantes, conseguem enfrentar os desafios... Enquanto eu... – ele meneou a cabeça – não sou um guerreiro, nem um feiticeiro, como Amandil, e nem mesmo um ladrão de verdade. Já é hora de ir pra casa.

O anão baixou os olhos; deu um passo na direção do hobbit, quando a voz de Amandil soou estridente, em alerta:

– Bofur, não!!! – Mas era tarde demais: os pés do guerreiro chutaram a pedra à sua frente, e um rangido alto se fez ouvir por todo o lugar, acordando todo o grupo. Em verdadeiro desespero, a elfa se ergueu de um pulo, e uma luz branca parecia se desprender dela novamente – Saiam! Saiam rápido!

Não houve, contudo, tempo suficiente para saírem da caverna: o chão se abriu sob seus pés, mergulhando a todos na escuridão.


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Notas finais do capítulo

E então? Que tal? Eu sei que está bem parecido com a história do filme, mas logo, logo, começam as mudanças maiores, ok? Não me abandonem, por favor!
Espero realmente que tenham gostado, e deixo um beijo enorme para vocês, meninas!
PS - deixem reviews, por favoooor!



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