Visionária escrita por Jafs


Capítulo 7
Últimos ritos




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A máquina de secar roupa fazia muito barulho.

Mami já tinha se acostumado e felizmente ela não recebera nenhuma reclamação dos apartamentos vizinhos. O som também era útil para avisar que a máquina estava trabalhando, enquanto ela estava distraída com outras tarefas, ou também para camuflar suas aventuras musicais.

Enquanto passava e dobrava a roupa para por em um cesto, normalmente Mami aproveitaria o momento para cantarolar. Contudo, suas inquietações falavam mais alto.

Aquela fora uma manhã inesperada.

/人 ‿‿ 人\

A campainha tocou no apartamento dos Tomoes.

“Hã?!” Mami estava a caminho da cozinha. Já arrumada, porém sonolenta, ela ainda estava pensando sobre o que haveria para o café da manhã.

A campainha tocou novamente.

Mami apressou seu passo em direção a porta. “Já estou chegando... Já estou chegando...” Abriu uma pequena fresta para ver quem era.

“Bom dia, Mami-san.” Oriko cumprimentou. Carregava consigo uma bolsa. “Eu sabia você já estaria acordada a essa hora.”

“Oriko-san?” Mami abriu completamente a porta, percebendo então que a outra estava sozinha. “A-Aconteceu alguma coisa?”

Oriko fez um gesto com a cabeça, confirmando. “Sim, é sobre Kyuubey.”

“Ah...” Mami passou a mão no cabelo, se lembrando que não havia arrumado ele ainda. “É sobre as áreas que vamos revisitar hoje à luz do dia? Ou sobre o horário?”

“Creio que isso não será mais necessário.” Oriko abriu a sua bolsa.

Os olhos de Mami cresceram ao ver o que estava lá dentro.

“Posso entrar?” Oriko olhou para os lados, procurando por alguma improvável testemunha daquela reação. “Eu preciso ser breve. Gostaria de retornar antes que a Yuma acorde.”

Mami, atônita, demorou para responder. “Ah... é... claro! Claro! Por favor...” Ela guiou Oriko até a sala de estar.

Nisso Kyouko saiu do quarto, de pijama e com o seu longo cabelo solto. Esfregava os olhos enquanto bocejava. “Uuuuuuaaahhh... Ei Mami. Quem é que ficou enchendo o saco com a campainha?”

Oriko respondeu. “Fui eu, Sakura-san. Ah... e bom dia para você também.”

Kyouko forçara a vista. “Ué? O que tu tá fazendo aqui?”

Sorrindo, Oriko enfiou a mão dentro da sua bolsa e de lá retirou a cabeça de Kyuubey.

Mami vendo novamente aquilo, percebeu que, devido a expressão e o olhar impassivo daquela criatura, era difícil discernir se ele estava vivo ou morto. Isso a deixou ainda mais perturbada.

“Eita!” O sono de Kyouko foi embora de imediato. “Onde você achou esse desgraçado?”

Oriko colocou a cabeça novamente dentro da bolsa. “Isso é uma evidência que confirma os meus temores. Ele realmente está nos seguindo, nos vigiando.”

“Merda...” Kyouko cerrou os punhos.

“Você encontrou com ele ontem?” Mami inquiriu.

“Sim.” Oriko suspirou. “Kirika deve ter informado a vocês que eu fui resolver assuntos pendentes em Shirome.”

“Uhum.” Mami confirmou.

“Eu deveria ter sido capaz de senti-los com a minha conexão telepática...” Oriko apertou os lábios, assim como a mão que segurava a alça na bolsa. “Eles devem ser capazes de se camuflar diante do meu poder, mas ontem houve uma quebra da rotina quando me separei de Kirika e Yuma e ele deve ter se descuidado. Eu tentei capturá-lo, mas acabei o matando.”

Kyouko sorriu. “Heh. Como se isso fosse ruim.”

“Kyouko, isso É ruim.” Disse Mami. “Essa pode ter sido a nossa única chance de descobrir onde ele está e o que está fazendo.”

“Não. Nada está perdido.” Oriko trocou olhares com Mami e Kyouko. “Enquanto perseguia ele, eu consegui entrar em sua mente. Obtive várias imagens, não muito claras, mas que devem ser valiosas pistas sobre os locais onde ele esteve ou ainda possa estar.”

“Entendi, por isso que veio. Você vai me descrever o que viu e com isso você acha que serei capaz de descobrir onde é.” Mami comentou.

Oriko acenou com a cabeça. “Perfeitamente. Eu confio em você, Mami-san.”

Então o silêncio tomou conta da sala, que logo Mami tratou de quebrá-lo. “Então... por que não se senta no sofá? Eu posso preparar um cházinho enquanto você me conta mais.”

“Não. Eu disse que preciso ser breve.”

Kyouko estava de acordo. “É, fala aí.”

Oriko respirou fundo antes de prosseguir. “Eu vi... túneis feitos de concreto, nas paredes haviam grossos tubos metálicos. O lugar parece ser subterrâneo e úmido, com iluminação artificial. Eu também vi que esses túneis interligam gigantescas galerias, certamente seria possível colocar um navio de grande porte dentro delas. Eu vi de relance a parede de uma dessas galerias e lá estava pintado o nome da nossa cidade junto com um número e... foi isso que eu vi...”

“Hah!” Kyouko mordiscou o lábio. “Eu sabia que a gente devia ter procurado com mais afinco nos esgotos. É claro que lá é o habitat natural desses merdinhas.”

“Não, eu não acho que isso seja os esgotos...” Mami franziu a testa enquanto ponderava... “Hmmm... Oriko-san, tem certeza que as galerias são tão grandes assim?”

“Sim. Porém eu... não consigo imaginar para qual fim existe todo aquele espaço.” Oriko falou. “O mais incrível é que tudo indica que fora construída por mãos humanas.”

“Uhum. Se o local é subterrâneo, para conter galerias desse tamanho precisaria estar a uma centena metros abaixo do solo. Com certeza não é os esgotos.” Mami juntou e apertou as mãos, seus olhos pareciam brilhar com epifania. “Contudo, eu acho que sei onde esse lugar poderia existir.”

Oriko abaixou o olhar. “Sério Mami-san...”

“É algum lugar que a gente já visitou?” Kyouko perguntou.

“Não e certamente seria um dos últimos lugares que nós procuraríamos.” Mami continuou. “Oriko-san, talvez você esteja ciente do sistema de prevenção de inundações que fora construído anos atrás.”

“Oh? Sim... Fica nos limites da cidade, próximo do canal.”

“Eu me lembro na época que anunciariam as obras.” Mami engoliu seco vagarosamente. “Eu... estava com os meus pais assistindo TV. O principal motivo era que rio acima há barragens e, no caso do rompimento de uma delas, seria possível desviar parte da água do canal para um local temporário. Com isso, as autoridades ganhariam um tempo valioso durante a evacuação. Claro que também poderia ser usado em caso de muita chuva.”

“Então aquelas galerias são como cisternas.” Oriko complementou. “Ainda mais com aqueles tubos, faz sentido. Como o local é subterrâneo, isso também explica o porquê da minha conexão telepática não ter sido capaz de localizá-los.”

“Ué. Tem certeza disso Mami?” Kyouko ergueu uma das sobrancelhas.

Mami sorriu. “Eu nunca estive lá dentro, mas eu vi em um documentário de engenharia que Tóquio tem algo similar ao que Oriko descreveu. Claro que lá deve ser bem maior que este aqui em Mitakihara.”

“Se isso é verdade, então se encontramos em uma situação ainda mais perigosa.”

Mami e Kyouko voltaram sua atenção para Oriko.

“Agora sabemos que Kyuubey está nos observando.” Oriko continuou. “E especulando pelos quais motivos para ele parar de nos contatar e precisar de tamanho espaço...” Ela balançou a cabeça em negação. “Creio que ele não estará disposto a receber visitas.”

“Infelizmente, você deve ter razão.” Mami suspirou. “Devemos nos preparar.”

“Não temos mais tempo para isso.” Oriko replicou com seriedade. “Agora que eu matei um deles, não devem ficar muito tempo por lá e mesmo que fiquem...” Pressionou os lábios. “O mundo precisa que nós tomemos uma atitude.”

“E logo mesmo, hein?” Kyouko se manifestou. “Já anunciaram que vai ter toque de recolher.”

“Ainda que Mitakihara e Kazamino não tenham sofrido tantos atentados, logo enviarão soldados para cá.” Oriko fechou os olhos. Sua voz revelava o quanto estava abalada naquele momento. “Eles estarão sob a mercê dos demônios. Assim que a primeira arma de fogo for disparada...” Então os abriu em uma expressão de convicção. “Nós iremos hoje.”

“Hoje?!” Mami ficara surpresa.

Mesmo diante daquela reação, Oriko continuava determinada. “Desculpe Mami-san, mas realmente estamos perdendo essa guerra.” Ela se virou e começou a caminhar em direção a saída. “Eu vou falar com a Kirika e Yuma sobre isso e voltaremos aqui à noite. Então você nos guiará até o local. Vamos terminar isso de uma vez por todas.”

“Ei garota.”

Oriko parou e atendeu ao chamado da Kyouko.

“Eu e você temos uma história conturbada, não é?” A ruiva sorriu. “Mas eu até que tô gostando do teu jeito de lidar com as coisas. Não tem medo de sujar as mãos.”

Notando que Kyouko olhava para a bolsa que ela carregava, Oriko respondeu. “Assim como vocês, eu e Kirika estamos cientes da natureza do Kyuubey. Ele não é deste mundo e suas intenções não são as das mais nobres.”

Kyouko concordou. “Pode apostar em tudo isso aí que tu falou.”

“Ao contrário de vocês, no entanto, eu nunca considerei ele como um inimigo.” Oriko ficou cabisbaixa. “Ao menos eu sempre nutri esperanças de que eu não estaria enganada.”

“Oriko-san...” Mami levou a mão ao peito. “Eu sei como deve ter sido difícil. Eu era muito próxima dele antes de descobrir.”

“Entendo. Então poderiam me fazer um favor?”

“Manda ver.” Kyouko deu uma piscadela.

“Yuma tem certo apego por Kyuubey.” Oriko prosseguiu. “Poderiam manter o fato que matei um deles em segredo? Eu acho que seria devastador.”

“Sabe o que eu acho?” Kyouko falou em tom mais sério. “Que você devia manter ela fora disso.”

“Isso seria ainda pior, nesse caso eu estaria traindo ela...” Oriko falou em tom baixo, quase como um sussurro.

“Mas Kyouko tem razão.” Disse Mami. “Se iremos confrontar Kyuubey, você não vai conseguir esconder mais isso dela.”

“Eu sei...” Oriko respirou fundo, sentindo o peso do dilema. “Apesar de que ainda espero que consigamos convencer ele com palavras, ela ficará do nosso lado se ele tomar alguma atitude hostil, do lado daqueles que querem proteger esse mundo. Não se preocupem com isso.”

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O som da máquina de secar roupa fez Mami sair de seu transe ou, melhor dizendo, a ausência dele. Felizmente o ferro de passar não estava sobre algum tecido, ainda assim a loira pôs as mãos sobre a face.

Daqui algumas horas ela estaria arriscando a vida em uma possível única chance que o mundo teria de sair daquela crise.

Talvez devêssemos ter procurado por outras garotas mágicas para nos ajudar...

Contudo Oriko havia deixado claro que Kyuubey estava as observando.

Só temos esta chance de encontrar ele por um golpe de sorte. Se tivéssemos procurado a ajuda de mais garotas, ele simplesmente fugiria. Sem contar que as outras localidades ficariam desprotegidas.

Puxando a pele da face enquanto suas mãos desciam, Mami deixou escapar um suspiro. Ela precisava distrair aquela ansiedade.

Voltando para suas tarefas na lavanderia, Mami começou a tirar a roupa de dentro da máquina. Os dias estavam cada vez mais frios e, conseqüentemente, as roupas usadas eram mais grossas e mais difíceis de secar. Checava com cuidado as golas e pontas, assim como bolsos, procurando por qualquer resquício de umidade.

Até que ela pôs as mãos em uma jaqueta verde com gorro. Mami notou como ela estava bem usada, pudera, era uma das poucas peças de roupa que Kyouko tinha quando retornou para Mitakihara.

Parecia que tinha acontecido ontem, mas aquela manhã fria estava bem mais distante.

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Mami, em seus trajes de garota mágica, pulava entre os topos das construções de Kazamino. “Tem certeza que ela ainda está lá?”

[Sim. Ela passou a madrugada toda sentada naquele lugar.] Kyuubey estava agarrado no ombro da loira.

Era inverno e estava nublado. Ainda que não tivesse ocorrido neve, o frio era intenso. Mami tinha consciência que uma garota mágica podia se manter aquecida com magia, mas também sabia que fazer isso por tanto tempo seria custoso. Seu coração se apertava.

[Naquele prédio.]

Mami alcançou o topo do local que Kyuubey havia indicado e lá estava ela, Kyouko, também usando suas vestimentas mágicas e com sua fiel lança ao lado, sentada na beirada e olhando para o que havia abaixo. Ela decidiu se aproximar mais antes de dizer alguma coisa.

Mas quem quebrou o silêncio foi a ruiva de cabelos longos. “Kyuubey te avisou que eu estava aqui?”

Kyuubey saltou do ombro da Mami para o chão. [Não pude evitar. Você ignorou suas funções.]

“Tch...” Kyouko balançou a cabeça vagarosamente em negação.

“Kyuubey, deixa que eu falo com ela.” Disse Mami. “Kyouko-san, o que houve? Já faz algumas semanas desde que você parou de me visitar em Mitakihara. Kyuubey me informou que você queria ficar sozinha e eu respeitei isso, mas agora ele me disse que você nem está mais caçando demônios.”

“Pois é...” Kyouko continuava a olhar para baixo.

Mami notou como as mãos de Kyouko tremiam, aquela brisa estava muito fria. “Me diga o que lhe aflige. Por favor.”

Kyouko deixou escapar vapor pela sua boca por um momento antes de falar. “Meu pai descobriu.”

“Sobre o quê?”

“’Sobre o quê’?” Kyouko repetiu aquela pergunta, incrédula. “Sobre as minhas escapadas durante a noite, sobre eu ser uma garota mágica e meu desejo. Tudo.”

Mami ouviu um fundo desespero naquelas últimas palavras.

“Meu pai me disse que eu o amaldiçoei. Ele até convenceu todo mundo de que eu era uma bruxa. Bruxas não caçam demônios, não é Mami-san? Hahaha...”

Mami viu uma singela gota se formar no queixo da garota que ainda estava de costas para ela. “Kyouko...”

“Ele mandou todos os fiéis embora, ficou violento.” Kyouko continuou. “Eu tentei mostrar para ele o que eu fazia, mas meu pai não me ouviu...”

Mami empatizou com o pesar da sua aprendiz e companheira. “Kyouko-san. Vamos resolver isso, deixe que eu a ajude.”

“AJUDAR?!” Kyouko se virou.

O coração de Mami parou de bater ao ver a gema da alma oval da outra escurecida.

“Meu pai SE MATOU!”

Mami deu um passo para trás.

“Mas não antes dele persuadir minha mãe e minha irmãzinha de fazer o MESMO!” Kyouko rangeu os dentes. “MEU DESEJO MATOU TODA A MINHA FAMÍLIA! Vai me ajudar como, hein? Com chá e biscoitos, HEIN?!”

Mami mal conseguia respirar, muito menos continuar a encarar aquele olhar furioso. “Ky... Kyuubey, por que... por que você não me avisou que situação estava tão grave?”

[Você sempre perguntou pela Kyouko, nunca pela família dela.] Kyuubey olhou para Mami. [Além do mais, eu não estou convencido de como sua intervenção poderia ter mudado alguma coisa.]

“Sabe.” A voz de Kyouko foi ficando mais calma, enquanto ela voltava a olhar para o que havia dezenas de andares abaixo. “Eu fiquei aqui por horas pensando se eu devia morrer, se isso poderia aliviar a minha culpa.”

Kyuubey se manifestou. [Se pretende se jogar, eu devo avisá-la de que, sendo você uma garota mágica, suas chances de sobrevida são significativas.]

“Eu sei disso, seu retardado.” Respondeu Kyouko. “Mas não custaria tentar, né?”

“Não faça isso!” Mami suplicou.

“Relaxa garota. Hehheheheeeuuuhh...” A risada sem vida de Kyouko terminou em um soluçar. Ela fungou o nariz. “Eu pensei bem sobre isso. Pelo o que eu fiz, o único lugar que está reservado pra mim é o inferno e, mesmo que eu reveja a minha família, eles jamais me perdoariam.” E então se levantou, portando a sua lança. “É... eu preciso viver com isso.”

A integridade emocional de Kyouko estava ruindo, Mami sabia que precisava fazer alguma coisa. “Kyouko-san... Venha comigo até o meu apartamento.”

“Como É?!” Kyouko apontou a lança para Mami. “Depois do que você ouviu, ainda acha que as coisas podem ser como eram antes?”

“Não! Não é isso!” Mami gesticulou. “Eu perdi minha família também, eu sei...”

“Para de falar merda.” Kyouko interrompeu, depois voltou sua atenção para Kyuubey. “Ei. Eu não preciso matar todos os demônios, né? Só o suficiente pra a minha gema ficar limpa.”

[Está correta.] Kyuubey afirmou. [Apesar que a população de demônios tenderá a crescer e deixará o lugar mais perigoso.]

“Hmmmm...” Kyouko ponderou. “Só preciso jogar segura, isso não é nada demais.”

“O que está dizendo?” Mami ficou estupefata. “Você não pode fazer isso!”

“O que eu não posso é continuar sendo idiota que nem tu.” Kyouko respondeu. “Ficar perdendo tempo todas as noites e se arriscando só pra não deixar nenhum demônio pra trás. Foi por isso que meu pai descobriu e foi por isso que eu não estava lá quando ele... ele...” Seu braço fraquejou, ao ponto de baixar a lança.

Mami então voltou a se aproximar. “Você... você está errada.”

“E tu acha que tá fazendo o certo.” Kyouko sorriu. “A verdade é que tu faz isso em busca de algum tipo de redenção e acha que eu deva fazer o mesmo. Vou te contar um pequeno segredo: isso é BESTEIRA!”

“Somos garotas mágicas!” Mami se exaltou, sentindo seu brio ferido. “Por um desejo, não importando suas conseqüências, nós recebemos o dever e o destino de proteger o mundo dos demônios.”

Kyouko fez uma careta em sinal de desdém. “Nah... A gente faz um desejo e vira garota mágica. É só isso. A gente pode fazer o que bem entende com a nossa magia. Os demônios tão aí pra gente ‘encher o tanque’, não precisamos salvar todos, Mami Tomoe.”

“E vai deixar que eles atormentem as pessoas?” Mami retrucou.

“E tu acredita que salvou muita gente, né?” Kyouko apontou em direção a cidade. “Você não se deu conta de como eram as pessoas sob a posse dos demônios? Loucura, depressão, miséria... é isso que vi em todas elas.” Ela girou sua lança e deixou-a em pé. “Então as duas idiotas aqui vão lá, mata todos os demônios e deixa por isso mesmo. Hum? E se no dia seguinte essas pessoas ainda decidem se matar ou, quem sabe, tirar outras vidas. Eu não as culparia, eu já senti na pele as tribulações no qual elas tão passando.”

Mami desviou o olhar.

“Por causa disso que eu fiz esse maldito contrato pelo meu pai, porque ele realmente queria salvar alguém. Já tu... tu é uma farsa.” Kyouko escarrou e cuspiu no chão. “Mas não se preocupe. Tu pode brincar o quanto quiser de super herói lá em Mitakihara, eu não pretendo voltar a pisar lá.” Então se virou.

“Kyouko?” Mami indagou ao notar as intenções da outra. “Você não pode partir assim. Você está muita alterada, não está levando em consideração as suas afirmações.”

“Blah... blah... blah...”

“Kyouko...” Mami olhava para os lados, procurava por qualquer coisa que pudesse dizer. “S-Sua gema está muito corrompida. Eu trouxe alguns cubos comigo...”

“O sol não deve ter nascido faz muito tempo, deve ter alguns demônios perambulando pelas sombras da cidade. Eu me viro. É melhor tu voltar, não tem mais nada pra você aqui.” Kyouko então deu um grande salto.

“KYOUKO!” Mami estendeu a mão. Dela saiu um laço que alcançou e se prendeu na perna da garota que estava no ar.

Quando Kyouko sentiu o puxão, ela imediatamente se virou, cortando o laço com a lâmina da sua lança. Utilizando da magia, ela parou no ar, apontando a lança na direção de Mami e mergulhou.

Vendo na expressão de fúria de sua companheira as suas intenções, Mami recuou com um longo salto para trás.

A ponta da lança tocou no solo, liberando uma onda de energia avermelhada.

Abrindo os braços e as mãos, Mami formou uma barreira de laços entrelaçados que se desintegraram ao bloquear o ataque. “Espere Kyouko-san! Eu não quero lutar, apenas conversar!”

Kyouko já estava no chão quando exasperou. “NÃO TEM MAIS CONVERSA!” Sem tardar, ela partiu para cima da outra em uma corrida.

Mami estava ainda mais assustada. Procurando conter Kyouko, ela estendeu a mão.

Porém a ruiva conhecia bem o modus operandi daquela pessoa, sua mestra. Ela fez sua lança se subdividir e a rodeá-la, ordenando que a ponta da mesma cortasse os laços que brotavam do chão que tentavam prendê-la.

“Pare!” Mami voltava a recuar, enquanto criava um mosquete em cada mão.

Kyouko sorriu. Ela conhecia bem o coração daquela pessoa. Arremessou a peça de metal na base da lança, acompanhado de uma corrente e capturou um dos mosquetes antes mesmo que Mami pudesse sequer movê-lo.

A loira apontou o outro mosquete contra Kyouko, mas o dedo sobre o gatilho estremeceu e hesitou, por tempo suficiente para que a ponta da lança a alcançasse pelo flanco. Usando o corpo da sua arma, ela conseguiu bloquear.

Com tal movimento deixando Mami completamente exposta, Kyouko terminou sua corrida com uma voadora, com o seu pé passando por um espaço deixado pelas subdivisões da lança.

“Ugh!” Atingida em vários pontos pelas subdivisões e com um chute em seu torso, Mami foi arremessada para trás por vários metros, com cubos da aflição caindo da bolsa amarrada em sua coxa durante o trajeto. Ela terminou por ficar estirada de costas no chão.

Vendo que a outra ficara imóvel, Kyouko segurou uma das subdivisões e a lança retornou a sua forma original a partir daquele ponto. Ela estava ofegante, sabia que esse era o seu limite.

[Por que fez isso?]

Também estava ciente que havia esquecido do Kyuubey.

[Por que decidiu lutar contra Mami? Na sua atual condição, ela pode derrotar você facilmente, sem contar que isso fora muito mais custoso para as suas escassas reservas mágicas.] A criatura estava focada em Kyouko. [Por que não usou uma das suas ilusões para escapar? Seria mais fácil e seguro.]

Kyouko baixou a cabeça e se apoiou em sua lança.

Kyuubey, em resposta, abaixou a cabeça também. [Entendo... você não consegue fazer mais isso. Negou o seu próprio...]

“É melhor tu calar a boca...” Kyouko disse em tom de ameaça. “...se não quer que eu arranque essas suas orelhas.” Sua gema da alma estava pesando que nem chumbo. Mami falava sobre a Lei dos Ciclos, assim como o seu pai falava sobre o paraíso.

Deus, eu não sou digna de entrar em Vossa morada, assim como não sou digna para que Vós entreis na minha. Eu não sou digna nem desse solo que piso, eis a maldição que eu carregarei.

Kyouko catou os cubos que estavam espalhados e começou a purificar a sua gema, enquanto se aproximava da garota caída.

Mami tentou erguer o seu tronco, mas foi tomada por uma dor aguda em seu peito, que a fez tossir sangue sobre seu uniforme.

“Opa! Parece que quebrou uma costela.” Kyouko deu um sorrisinho de lado. “Agora tu vai demorar mais pra voltar pra sua casa.” Ela então olhou para mão que estava carregando os cubos. “É... até que foi útil você matar demônios além da conta dessa vez.” E arremessou eles contra a face da outra.

“Kyou...ko... não.” Mami fechou os olhos com força, deixando escapar as lágrimas.

“Se quiser se meter comigo agora, é melhor estar preparada.” Kyouko encostou a ponta da lança no queixo da Mami. “Se você me seguir, uma de nós vai morrer.”

Ainda com os olhos fechados, Mami então deixou de sentir o frio daquela lâmina e ouviu os passos ficando distantes. “Por favor... não vá...” Como resposta a sua súplica, apenas a sensação de estar mergulhada em mar de frio e dor, até que patas ficaram sobre a sua barriga.

[Mami, ela já foi. Você está machucada, é melhor se curar. Eu já coletei os cubos que Kyouko usou, não haverá riscos de nascerem demônios agora.]

Mami abriu os olhos, deixando as lágrimas aquecerem sua face gélida. “E o que vai acontecer ela?”

[Considerando que ela purificou completamente a sua gema e não tem intenções autodestrutivas, ela deve sobreviver.]

“Mas ela vai estar sozinha...”

Kyuubey voltou ao chão. [Assim como você já esteve antes e ensinou tudo o que sabia para ela sobre. Vocês duas eram muito eficazes juntas, mas com cada uma atuando em lugares diferentes de forma independente, poderemos cobrir uma área maior.]

Não era esse o motivo da sua pergunta, mas Mami reconheceu que podia estar pedindo demais para Kyuubey. Ela se levantou com dificuldade, conseguindo ficar sentada. Levou a sua mão até a gema na sua presilha de cabelo e a fez brilhar. A dor física foi embora e logo ela conseguiria ficar de pé. “Se possível, você poderia me deixar informada sobre ela?”

Kyuubey ergueu suas orelhas. [Se possível... claro, Mami.]

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Mami apertou as mãos, que ainda seguravam aquela jaqueta.

Nas primeiras vezes que recebeu notícias, ela sentia seu coração acelerar. Contudo, logo a tristeza era reafirmada quando tomava conhecimento das atitudes da Kyouko. Por fim, seus sentimentos já não respondiam diante das informações que Kyuubey repassava, era apenas uma notícia, assim como tantas outras que se vê na televisão ou na Internet.

Mami colocou junto com o resto das roupas estavam amontoadas, ainda havia muito tecido para passar e dobrar.

A única coisa que restara era a sensação de fracasso, mas não de culpa. O terrível acontecimento com a Kyouko estava inerente ao desejo dela, algo que Mami sabia que nunca poderia interferir ou mudar. Uma fatalidade.

Ela voltou sua atenção para o cesto de roupas dobradas, era melhor guardá-las antes de cuidar do resto.

Quando Kyuubey veio com novas notícias, não sobre Kyouko, mas de uma nova garota mágica na cidade, a esperança reavivou dentro dela. O mal é abundante e se encontra em cada canto escuro deste mundo. Essa seria uma nova oportunidade, uma nova chance de ensinar alguém o uso da magia para o que é justo e bom.

Enquanto passava pela sala de estar com o cesto, Mami parou para contemplar a luz do sol que adentrava através das grandes janelas, trazendo consigo um pouco do seu calor.

Nada aconteceu como ela queria. Homura Akemi, a nova garota, tinha problemas de memória e uma aura melancólica. Era como se ela estivesse cansada, como alguém que chega ao fim de uma longa jornada. Porém isso não se refletia em seu potencial, no qual Kyuubey gostava de referir como ‘anômalo’ ou ‘fora dos padrões’. Maior surpresa era que Homura estudaria na mesma escola que ela e que se tornou o centro das atenções de uma colega da sua sala, Sayaka Miki.

A esfera de luz logo encostaria no horizonte, oferecendo seu reinado para as outras estrelas nas horas escuras que estavam por vir.

Sayaka logo conheceu Kyuubey e foi apresentada ao mundo da magia. Para Mami, foi assustador ter duas garotas sobre a sua tutela tão de repente, mas não deu o braço a torcer. O caso da Sayaka era ainda mais especial, pois ela pôde avisá-la sobre a importância de pensar bem sobre o que desejar e o peso que isso traria em sua vida. Quando finalmente fez o contrato, a novíssima garota mágica até agradeceu e afirmou que jamais se arrependeria.

Lentamente as sombras da mobília e das paredes tomavam conta do espaço da sala.

Então Kyouko a surpreendeu com o seu reaparecimento. Estando tão ocupada com as novas garotas, Mami nem havia mais consultado Kyuubey sobre a sua ex-companheira. Ela havia mudado e suas claras intenções eram de pregar sua fúria e amargura como se fosse um estilo de vida. No entanto, o conflito anunciado mudou de rumos com a mudança do comportamento da Sayaka, tomada por uma grande aflição. Kyuubey até comparou aquilo como uma maldição.

Mami deu um leve sorriso e voltou andar. Aquele céu não era nublado como naquela manhã de inverno.

Quando Kyouko se aproximou de Sayaka, quando demonstrou empatia, foi nessa hora que ela soube que sua ex-companheira não estava perdida. Por um momento, o sonho de formar um panteão de defensoras da cidade não parecia ser tão distante. Mas foi apenas um momento, que desapareceu junto com Sayaka naquela estação de metrô, seguida pela partida de Homura.

Chegando na porta que dava para o quarto que Kyouko utilizava, Mami parou novamente. De lá de dentro só vinha o silêncio, a loira logo concluiu que a outra estaria dormindo.

Ela nunca poderia imaginar que todos aqueles eventos, enfim, culminariam em algo extraordinário. A revelação de que todas elas estariam salvas, não importando quais forças que lutassem contra, bastaria aceitar.

Abrindo a porta, Mami se deparou com Kyouko em uma posição curiosa: ela estava de joelhos, apoiando seus cotovelos sobre a cama. Em meio as questões que povoaram a sua mente sobre que a outra estava fazendo, Mami se lembrou do que aquilo significava. Esperançosa que a ruiva não tivesse notado, ela começou a fechar a porta com cuidado e em silêncio.

“O que foi Mami?”

Infelizmente, estava enganada. “Eu só queria guardar algumas roupas. Desculpe por te interromper.”

“Pode entrar.” Kyouko virou a cabeça. “Eu não estou fazendo nada...”

Mami estranhou aquela resposta, mas preferiu não fazer perguntas. Entrou no quarto com o cesto e foi até o armário. Entre uma roupa e outra que guardava, ela olhava de relance para outra garota, que estava cabisbaixa, olhando para o colchão da cama.

Até que ela disse. “Mami, eu tenho inveja de você.”

“Hã?” Mami parou o que estava fazendo.

“Você consegue esconder bem sua preocupação. Heh.” Kyouko revelou um tímido sorriso.

“Ah.” Mami também sorriu. “Eu tento me distrair.”

“Fala sério. Você acha mesmo que vamos conseguir?” Kyouko se virou para Mami. “Acha que Kyuubey vai voltar a nos visitar e aceitar nossos cubos e tudo ficar numa boa. É isso?”

“Vamos fazer tudo o que for possível para convencê-lo.” Mami assegurou.

Kyouko fechou os olhos e balançou a cabeça em negação. “Eu compreendo se aquela Oriko ainda tem esperança, mas você? É muita burrice acreditar, sabendo o que aquele safado fez com a Homura.” Ela levou as mãos junto ao peito.

Mami notou como elas estavam trêmulas.

“Ele não dá a mínima pra nós. Ele nos abandonou, Mami. Todos nós. E eu que ficava brincando sobre isso.” Kyouko contraiu sua face, que ficou vermelha, com intuito de segurar um choro. “Muitas pessoas... estão morrendo. Nem precisa de toque de recolher por aqui, pois as ruas estão todas desertas, ninguém quer sair de casa. Há muito medo... muito medo...”

Já havia passado muito tempo desde que Mami viu Kyouko desse jeito. Sua parceira de tantas batalhas podia não saber, mas Mami estava convencida de que ela também sabia esconder.

“Mami, vamos ficar aqui? Não somos obrigadas a fazer isso, não precisamos arriscar mais as nossas vidas do que já arriscamos.”

Foi sua parceira, mesmo que não compartilhasse dos mesmos ideais, que mais ajudou nesse longo e interminável trabalho, no qual ela não poderia torná-lo em vão. “Você já sabe a minha resposta.”

Kyouko contraiu novamente a face, mas não em uma expressão de tristeza. “AAAAHHHHH!” Golpeou o colchão com ambos os braços, com tamanha força que quase partiu a cama em duas.

Mas Mami não se intimidou. “Você fala que Kyuubey abandonou todos nós, quer que a gente seja que nem ELE?!” Se exaltou. “Pense na Madoka, na Sayaka! Elas estão olhando por nós. Devemos acreditar até o fim! É como você dizia... fé... não é por isso que estava orando agora mesmo?”

“Eu não estava orando.”

Mami ficou sem palavras com a seca resposta.

“Eu deixei de orar faz muito tempo...” Kyouko deixou seu corpo apoiar-se na cama. “Eu... só queria conversar com a minha família.”

Mami ficou boquiaberta, o que dizer diante disso?

Kyouko caiu aos prantos. “A coisa tá ficando cada vez mais feia. Se continuar assim...”

“Kyouko...”

“Ah... e se... e se a gente encontrar Kyuubey e ele fazer algo com nós. Se ele conseguir...” Continuou Kyouko, com sua voz fragilizada.

Mami balançou a cabeça. “Não! Não pense assim...”

“Eu queria apenas perguntar se eles ainda me consideram como parte da família, mas eu não consigo dizer nada. Eu sei... que eles não vão me ouvir, mesmo se puderem. Uuuhhh...” Kyouko rangeu os dentes, ela não queria berrar, mas era uma questão de tempo. Porém, grande foi sua surpresa quando Mami se ajoelhou ao lado dela.

“Kyouko. Eu não sei orar, mas quanto a isso eu posso ajudá-la.” Disse a loira. “Vamos fazer o seguinte: eu converso com a sua família em seu nome. Vou falar sobre tudo de bom que você fez.”

Kyouko fungou o nariz antes de proferir. “Não, Mami...”

“Ah... Deixe eu terminar. Vai ser justo.” Mami disse com uma voz suave, enquanto colocava uma mão sobre a da Kyouko que estava na cama. “Pois eu quero que você faça mesmo. Converse com os meus pais em meu nome. Ok?”

“Hã?!”

Mami fechou os olhos e forçou um sorriso. “Eu converso com eles quase todos os dias, mas nunca recebi uma resposta, sabe?” Com a outra mão, ela removeu com cuidado pequenas gotículas que surgiram entre os cílios.

“Mas, Mami...” Kyouko suspirou. “Você não tem culpa pelo o que aconteceu com eles.”

“Eu tinha a oportunidade de salvá-los.” Mami abriu os olhos, que estavam avermelhados. “Era a minha responsabilidade. É o que sinto e é isso que importa.” Então ela entrelaçou os dedos com a mão da outra garota. “Vamos fazer? Juntas?”

Kyouko ficou em um breve silêncio, apertando os lábios, antes de balançar a cabeça em sinal de confirmação.

“Bom.” Mami olhou para alto. Seria para lá que as pessoas que nos deixam saudades estão? Ela não tinha as respostas, só esperança.

No entanto, antes que pudessem começar, Kyouko interrompeu. “Eu queria dizer uma coisa.”

“Sim?”

“Se a gente não escapar dessa...”

Mami fez uma expressão de decepção. “Eu já disse que...”

“Só escute.” Kyouko continuou. “Se não der, né? Acho que não seria tão ruim.”

“Por que acha isso?” Mami sentiu curiosidade.

“Ao menos nenhuma de nós ficaria pra trás, certo?”

“Certo.” Mami voltou a sorrir. “Não ficaria ninguém com as lamentações.”

/人◕ ‿‿ ◕人\

“Por aqui!”

Sob a liderança de Mami e do manto da noite, o quinteto de garotas mágicas saltou sobre o cercado do local.

“Acho que nem precisava de tudo isso.” Kirika olhava em volta. “Esse lugar é tão longe da cidade... não deve ter nenhuma alma viva por aqui com essa crise.”

“Um pouco de precaução não custa nada.” Depois de responder, Mami indicou. “Estão vendo aqueles grandes tubos saindo daquela construção? Se há uma forma de acesso para o subterrâneo, deve estar lá dentro. Temos que...”

Kyouko acabou de interromper o que Mami dizia ao oferecer uma caixa de Pocky. As duas trocaram olhares por um breve momento.

Então Mami sorriu e, ainda em silêncio, pegou um dos palitos doces.

Depois, Kyouko ofereceu para as outras. “Ei, querem também?”

Alegre, Yuma foi a primeira pegar.

“Yay!” Seguida por Kirika.

Kyouko por fim olhou bem para Oriko e balançou a caixa, insistindo na oferta.

Porém a garota mágica branca recusou. “Não... obrigada.”

Aquelas palavras soaram com pesar, mas Kyouko não tinha o que de achar estranho, a situação não era animadora. “Beleza.” Ela então pegou um punhado de palitos da caixa com a boca.

Oriko voltou a falar. “É melhor não perdermos tempo.”

“Siffmm...mm!” Mami respondeu, mas quase deixando cair o palito da boca. Como Kyouko consegue falar assim?

Elas chegaram até o prédio por onde partia os tubos. Pelas janelas se constatava que todas as luzes estavam apagadas. A porta dupla da entrada estava trancada com corrente e cadeado.

“Bem... parece que teremos que procurar por uma forma de entrar.” Disse Mami.

“Já encontrei!”

“Hã?!” Mami ficou um pouco surpresa com a afirmação da Kyouko. “E qual...” Antes que pudesse perguntar, a ruiva havia conjurado sua lança e cortado a corrente em um único golpe. “K-Kyouko! Não devemos arrombar!”

“Com o que anda acontecendo, ninguém vai se preocupar com isso. Heh.”

“Mami-san.” Oriko interveio. “Por mais que eu condenasse tal atitude, ela realmente tem razão. Nós temos prioridades mais urgentes.”

Mami acenou com a cabeça. “Certo.”

Ao abrirem porta, um ambiente ainda mais escuro fora revelado.

Kirika forçou a vista. “Nossa! Não dá para ver nada! Deve ter um interruptor por perto.”

“Não. Isso pode chamar a atenção.” Oriko conjurou uma esfera para emitir luz. “Eu irei tomar a dianteira de agora em diante.”

Enquanto caminhavam lá dentro, Yuma ficara espantada com o que via. “Que máquinas grandes...”

“Isso deve ser usado para bombear a água que estiver armazenada.” Mami cogitou. “Elas passam pelos tubos até desembocar no canal.”

Oriko parou. “Encontramos.”

As garotas haviam se deparado com um elevador, que mais parecia com uma gaiola.

Kyouko apontou. “Ei! Isso aí parece com aqueles que usam em minas.”

Kirika ergueu as sobrancelhas. “E achou que seria como, sabichona?”

“Tch...” Kyouko desviou o olhar. “É que ter toneladas de rochas sobre a minha cabeça não era os meus planos pra hoje.”

Felizmente, a porta que dava acesso não estava trancada. Foi isso que Oriko constatou. “Vamos entrando.”

Com o apertar de um botão em um painel, o elevador começou a descer.

Durante a descida, Kyouko observou números pintados de branco nas paredes do fosso, indicando a profundidade. Ela se perguntava quando eles iriam parar de crescer.

Até que, em um baque, o elevador parou.

“Olha! Não estamos a uma centena de metros abaixo, só noventa.”

Ignorando o sarcasmo da Kyouko, Oriko inquiriu. “Vocês duas trouxeram cubos da aflição consigo?”

“Sim.” Mami respondeu. “Vocês também, não?”

Oriko apenas acenou com a cabeça para confirmar antes de abrir a porta do elevador.

Elas se deparam com outra porta, de aço, com um volante. Já era possível sentir um ar mais pesado, confinado.

Quando Oriko fez menção de abri-la, Kyouko se manifestou. “Tem certeza que não tá cheio de água no outro lado?”

“Está com medo, Sakura-san?”

“Tch.” Com o questionamento da Oriko, Kyouko desviou o olhar. Não havia como desmentir. Foi então que sentiu alguém segurar a sua mão.

Os olhos azuis de Yuma estavam voltados para ela. “Vai dar tudo certo!”

“Ahhh...” Kyouko suspirou. “Ser confortada por uma garotinha.”

Yuma fez um beiço. “Garotinha mágica!”

“Huhuhu...” Mami riu.

“Absoluta certeza? Não tenho.” Disse Oriko. “Mas como Yuma lembrou muito bem, podemos lidar com isso.” Ela então começou a girar o volante, fazendo a porta destravar. Se for para os temores de Kyouko se confirmarem, ela estaria sendo agora jogada para trás pela força esmagadora das águas.

Mas ela já sabia que isso não se sucederia.

Após passarem pela porta, elas se encontravam em um túnel. A luz proveniente de lâmpadas fluorescentes revelava paredes de concreto reforçado, acompanhadas por tubos metálicos.

Mami notou a umidade no chão e nas paredes. “Esse lugar já deve ter sido inundado ao menos uma vez. Uma parte da água eles não devem conseguir bombear.”

“Sim e ela evapora, condensando no teto e nas paredes.” Oriko acompanhou o raciocínio da outra garota. “É como uma caverna... exatamente como eu tinha visto.”

“E é normal as lâmpadas estarem acesas por aqui?” Kyouko perguntou

Oriko fez sua esfera desaparecer. “Se alguém já estiver aqui antes de nós...”

Mami compreendeu perfeitamente aquela afirmação. [Kyouko, é melhor você se desfazer da sua lança.]

[Por quê?]

[Mesmo que tenhamos que lutar, eu preferiria ter uma oportunidade de falar com Kyuubey antes.] Mami continuou com a telepatia. [Se andarmos armadas, será bem mais difícil disso acontecer.]

Yuma abraçou a si mesma, um tanto assustada com o ambiente. “Será que o Kyukyu realmente está aqui?”

“Não se preocupe amorzinho.” Kirika deu uma piscadela. “Mama sabe o que está fazendo.”

[Ainda acha que vai ter papo, depois que Oriko matou um deles.] Kyouko sorriu e sua lança evaporou. [Já vou avisando, ao primeiro sinal de perigo, eu não vou hesitar.]

Oriko apontou. “A saída desse túnel deve estar próxima. Sigam-me.”

A garota que usava uma mitra estava certa e o que havia além deixou o grupo espantado.

“MAS. QUE. MERDA.” Kyouko deixou de piscar os olhos.

O túnel desembocava em uma imensa galeria, com o teto extremamente alto. As garotas pareciam formigas em proporção a aquele antro.

“E imaginar que possa existir um lugar assim na nossa cidade.” Mami comentou.

Em uma parede, um texto de grandes proporções estava pintado de branco:

MITAKIHARA 01

“Você estava certa Mami-san.” Falou Oriko. “Esse é o lugar.”

Kyouko olhou envolta. “Mas nada de Kyuubey.”

“Há ainda o que explorar.” Oriko olhou para a entrada de outro túnel, que estava no outro lado da galeria. “Vamos continuar.”

Kirika abriu um sorriso. “Já imaginaram se a água começar a invadir.”

“Cruzes!” Kyouko sentiu um arrepio.

“Diferente de ontem, o clima está bom hoje. Espero não termos esse problema.” Mami contemplava aquele espaço. “A verdade é que poucas pessoas devem andar por aqui. Um lugar perfeito para ele se esconder.”

Enquanto adentravam no próximo túnel. Kyouko fez uma observação. “Esses túneis fazem curva.”

“As galerias devem estar dispostas em um círculo.” Mami respondeu para a sua colega. “Quem construiu isso deveria ter uma área delimitada disponível e essa fora a solução.”

“Que doideira.”

Depois de uma boa caminhada, elas chegaram a uma nova galeria.

“E nada de Kyuubey aqui também...” Disse Kyouko, frustrada.

Oriko parou, juntamente com o grupo, diante do texto na parede:

MITAKIHARA 02

O coração dela começou a palpitar, a respiração parecia ser um fardo.

Era tudo real.

Então Kirika se aproximou dela. [É aqui?]

Oriko desviou o olhar para baixo. [Sim, aqui é o suficiente.]

A garota com tapa-olho sorriu. Ela estralou o pescoço, chacoalhou os braços e cerrou os punhos. [E então amorzão? Quer que eu faça do modo limpo ou do modo sujo?]

[Não trate isso como uma brincadeira!] Oriko tensionou os músculos da face. [Faça como eu instrui.]

“Oriko-san, por que paramos?” Mami inquiriu. “Sentiu alguma coisa?”

“Hã? Ah sim...” Oriko virou a cabeça. “É minha conexão telepática.”

“Heh.” Kyouko cutucou o lábio com o seu dente canino. “Sempre esqueço desse troço aí.”

“Vocês poderiam esperar aqui com a Kirika?” Oriko olhou na direção do próximo túnel. “Eu acho que Kyuubey está próximo. Quero chegar mais perto, mas sem arriscar dele nos sentir.”

Mami ergueu uma das sobrancelhas. “Hmmm... ok?”

Oriko estendeu a mão. “Vem Yuma.”

“Mama?” Que a menina segurou, antes delas partirem em direção ao túnel.

Kyouko fez uma careta. “Ei! Por que tá levando a Yuma?”

“Por... segurança.” Oriko apertou o passo.

“Ué? Mas o que você vai fazer não é perigoso? Ei!” Kyouko voltou a chamar a atenção.

Oriko começou a correr. Yuma olhou uma última vez para trás antes das duas sumirem de vista.

“O-Oriko-san?!” Mami franziu a testa, completamente confusa. “Kirika-san, o-o que...”

Kirika tinha um sorriso, que estava crescendo. Seu pescoço se contraia enquanto o rosto ficava vermelho.

“K-Kirika...?” Mami estava ainda mais perplexa.

“Kuu... kuku... kukukukuku...”

Kyouko semicerrou o olhar. “Ah não...”

“...kukuKUKUKUAHAHAHAHAHAHAHA...” Kirika abriu uma gargalhada, jogando a cabeça para trás.

“Depois de tudo! Ainda mais com o que está acontecendo!” Kyouko rangeu os dentes. “Vocês realmente tem a cara de pau de fazer isso?”

“...hahahaaa.” Kirika se recompôs, mas sem deixar de sorrir. “Que peninha, né? Mas que foi engraçado ver essa cara de vocês, foi.”

Mami dirigiu a palavra para Kyouko. “O que significa isso?”

“Ah!” Mas foi Kirika que respondeu. “Significa que esse é o fim da linha para vocês duas.”

/人◕ ‿‿ ◕人\

“Mama!” Yuma chamava por Oriko, que continuava a puxar ela pelo túnel, com passos apressados. “Por que mentiu de novo?”

“Foi necessário.” Respondeu a outra.

“Necessário? Deixar papa com elas para trás?”

“Você logo vai entender.”

“Não. Para!” Yuma resistiu.

Oriko continuou a puxar, fazendo os pés da menina se arrastar pelo chão. “Não temos tempo! Vem comigo. Você vai entender.”

“PARAAA!” Yuma puxou o braço com toda força, escapando.

Oriko trouxe a mão dolorida para si. Ela tinha esquecido da força que uma garota mágica pode exercer.

Yuma começou a recuar. “Você... está mentindo para mim.”

Oriko engoliu seco.

“Nós ainda estamos procurando por Kyukyu?” Yuma começou a chorar. “O que vai acontecer com papa? Mami-senpai? Kyouko-neechan?”

Oriko estremeceu e desviou o olhar.

“Mama, por que está fazendo isso?”

Abaixou a cabeça.

“Elas não são nossas amigas? Por que não podemos estar juntas? POR QUÊ?”

A respiração de Oriko ficou curta. Suas pernas ficaram bambas. Ela tinha guardado aquilo por tanto tempo, que agora estava enraizado dentro dela. Só poderia sair na forma de um grito de dor. “PORQUE VOCÊ VAI MORRER!”

“Eh?!” Catatônica, os olhos de Yuma cresceram. Ouvir aquilo, não, ouvir aquilo da Oriko era certamente aterrador.

Sem uma reação da menina, Oriko ficou de joelhos e abraçou-a. Sua saia branca ficou molhada, assim como a face já estava. Sua cabeça se recostou naquele pequenino ombro e, entre soluços, sua voz era ouvida.

“Você vai morrer... você vai morrer... você vai morrer...”


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Visionária



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