Visionária escrita por Jafs


Capítulo 16
Epílogo




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“Oláááá povo que está conosco na FM 76.5! Eu sou Yoshikazu ‘Yoshi’ Fujioka.

E eu sou Takeji ‘Takou’ Kouta! Juntos trazemos...

TODA MITAKIHARA PARA VOCÊS!

Ei Yoshi.

Fala.

Acho que devíamos mudar o nome do nosso programa para ‘Meia Mitakihara para vocês’.

Seja sério Takou! Com isso não se brinca. O certo seria ‘Um terço de Mitakihara para vocês’.

Hahahaha... você não presta.

Olha que pode ser que esses caras vendam a cidade para pagar a conta.

Verdade, já que as seguradoras não estão pagando...

Sim! Quando que foi a tempestade mesmo? Dois meses atrás, certo?

Vai fazer dois meses semana que vem.

Então Takou! Nada do dinheiro para famílias, quem eles acham que podem reconstruir essa cidade?

Devem achar que as Forças de Autodefesa vão pagar.

HAHAHA! Assim você me mata.

Eu não sei como eles podem ter tamanha cara de pau de negar o envolvimento depois que acharam aquela plataforma de mísseis no meio do canal. Sem falar dos vestígios de C-4 que encontraram naquela cratera na zona industrial.

Tem também os lança foguetes e morteiros.

É! Quase me esqueci.

Eles falam que foi ataque terrorista, eles falam que o vento derrubou os prédios.

Um tornado pode fazer isso.

Sim Takou, mas seria uma destruição mais localizada, um caminho bem definido por onde ele ou eles passaram, não poderia ter a extensão que teve. Só se a cidade inteira é feita de papel.

Sim, sim. Você está certo, Yoshi.

Pior que vazou vídeos na Internet da base militar onde as armas foram roubadas. Você pode ver o exato momento que a plataforma de mísseis simplesmente desaparece e o relógio continua marcando o tempo normalmente.

É editado, é falso.

Sim, eles são muito escrotos. Acham que podem escapar do processo assim. Só falta falarem que tem alienígenas envolvidos nisso.

Cabeças vão rolar.

Como vão! Só que eu acho que tem algo mais sinistro...

O que Yoshi? É sobre aquela teoria do complô entre as seguradoras e o exército?

Não, é algo bem pior, mas é bom ter lembrado disso. Para os nossos ouvintes que sintonizaram no nosso programa pela primeira vez, eu digo: VOCÊ ESTÁ SENDO LESADO. Meu dinheiro, seu dinheiro, nosso dinheiro está não mão de BANDIDOS, gente corrupta da pior espécie.

Isso mesmo.

E é fácil saber, não é Kouta? É só parar e pensar um pouco. Com toda essa lerdeza e confusão nas investigações do envolvimento do exército nesse desastre, quem está sendo o principal beneficiário? As seguradoras não cobrem casos de traição, certo?

Quem iria imaginar?

Sim, só que isso me deixou mais preocupado. Para quem já me ouviu, me conhecem bem sobre as minhas explorações nas teorias da conspiração.

E para quem nunca ouviu o Yoshi divagar, agora vai.

Hahaha. Só que é algo bem coerente, entende? Pois esse complô só seria possível com planejamento, mas como planejar uma tempestade?

Ah... Já sei aonde você quer chegar.

Sim Kouta, mas tem que ver que essa tempestade começou de forma estranha e terminou mais ainda.

Uhum... O tempo limpou de uma hora para outra.

Entendeu, né? Isso só pode ser um caso daquilo que eu falei sobre geo... geo... hmmm...

Geoengenharia?

Isso Kouta! Geoengenharia.

HAARP, SURA dos russos, projeto picapau...

Isso, isso. Mas vamos falar mais sobre transformar cidades em cobaias para testes de armas climáticas depois dos comerciais. Continuem ligados!

No TODA MITAKIHARA PARA VOCÊS!”

Morning rescuuue! Moooorning rescue! Morning rescuuue! UOOOUOOOUUUO...

/人 ‿‿ 人\

Sob uma pintura a óleo pós-impressionista de um céu de fim de tarde, Madoka estava sentada em um monte redondo, cercada por lápides. Sua longa saia branca cobria as artes cubistas e surrealistas pintadas em preto e branco no solo.

Seus olhos dourados estavam estáticos, assim como todo o seu corpo.

A artista, ao menos, havia lhe permitido mover a boca.

“Estou quase terminando, Madoka-san. Só faltam uns toques finais.” Disse a garota que estava sentada próxima a ela, desenhando em uma tela de papel com grafite e giz pastel. Ela se vestia como uma verdadeira rainha, com um vestido laranja com saia armada, adornado por laços pretos. Seu cabelo alaranjado era raspado, oferecendo seu espaço para uma coroa com uma gema central em forma de troféu de cor similar. Seus olhos negros combinavam com a maquiagem excessiva que os contornavam.

“Tome o seu tempo, Shiori-chan.”

Shiori parou e ficou analisando sua tela. “É... Você mudou bastante.”

Madoka abaixou as sobrancelhas. “Sério...”

“Não se mova ainda.” Shiori voltou ao trabalho. “Bem... Eu posso entender se algumas garotas ficaram preocupadas com tudo isso. Muitas delas devem ter alguma rixa não resolvida com os demônios.”

“Eles não devem ser destruídos pelo mal que fizeram, ao invés disso deve se fazer com que eles compensem por tudo.” Respondeu Madoka.

“Isso soa mais justo.” Shiori sorriu. “Além do mais, eu estava ficando entediada. É bom saber que esse lugar não é imutável.”

“Wehihi. É...”

“Madoka, eu só não irei chamar a sua atenção por rir porque está pronto.” A garota deixou o material no chão e pegou a tela.

“Que bom que posso me mover. Vamos ver como ficou...” Madoka olhou para o desenho na tela. Era um contorno preciso do seu perfil sentado, bem ao contrário do conteúdo onde estava pintado com amarelo e inúmeros rabiscos agressivos. As linhas negras e onduladas se cruzavam, ficando muito difícil discernir seu início e fim.

“Desculpe.” Shiori apontou para o desenho. “Está bem diferente das últimas vezes. As linhas formavam algo bem mais coerente.”

Madoka ficou mais séria. “Você disse que sua arte representa o estado de espírito da pessoa no momento que a desenhou.”

“Sim, sim...” Shiori se virou com a tela. “Não que isso seja verdade, eu apenas desenho o que sinto e estou longe de ser uma grande artista...”

“Não diga isso.” Madoka se levantou.

“Você sabe a minha história melhor do que eu. Eu achei que a minha arte iria triunfar, bastaria eu poder dedicar todo o meu tempo para isso, sem os grilhões que a condição mundana impõe sobre nós.” Shiori viu uma mão se estender para ela.

“Tempo não lhe falta agora.” Disse Madoka. “E você não tem recebido visitas? Elas não apreciam sua arte.”

“Apenas por educação e nunca mais as vejo, apesar de que, sim, tem garotas que me visitaram mais de uma vez.” A garota se levantou com ajuda da outra. “Ah... Eu não deveria reclamar tanto, afinal quantos artistas tiveram a oportunidade de fazer um retrato de uma deusa?”

“Pois é... Wehihi...” Madoka abriu um grande sorriso. “Podemos fazer o seguinte: Por que não faz visita para algumas garotas e demonstra sua arte? Eu posso depois providenciar uma exposição dos seus trabalhos.”

“Sério?!” Shiori deu um pulinho.

“Não seria nem um pouco difícil.”

“Claro que não, por que eu achei isso? Hahaha...” Shiori ajeitou a coroa que havia saído do lugar. “Obrigada Madoka! Obrigada! Eu sabia que sua visita traria algo de bom.”

“Guarde consigo essa idéia, ela te salvará.” Madoka então se afastou. “Preciso ir.”

“Tchau.” A rainha inclinou seu tronco. “Já estou ficando ansiosa pela sua próxima visita.”

“Tchau Shiori-chan, na próxima vez aumentaremos mais sua coleção.” Com isso, a barreira começou a desaparecer diante de Madoka, ficando em seu lugar por um breve momento o holograma do beijo da bruxa.

Agora em sua realidade, a garota de longas mechas cor de rosa estava cercada por seus lacaios, com suas faces cobertas por miasma.

“Ela não precisa mais de vocês, por hora...” Madoka pronunciou, quando então sentiu uma presença. Ao se virar, se deparou com uma garota de costas.

Era igual a ela, mas vestia seu vestido rosa e branco, com a característica abertura em forma de coração na parte superior. Estava de cabeça baixa, agarrando-se a saia com força, em aflição.

Porém, Madoka não teve compaixão em suas palavras. “Eu não irei falhar com Homura.”

A garota ergueu a cabeça de súbito ao ouvir aquilo e começou a virá-la lentamente...

O estrado superior de um beliche era tudo o que ela via. Se dando conta, Madoka jogou a coberta para longe e tratou de ficar sentada, sentindo o chão frio sob seus pés.

O quarto já estava sendo iluminado pela luz da manhã que vinha da janela, mas a tinta acinzentada e descascada das paredes tornava tudo mais escuro. Um som crescente de bate estacas e ronco de motores podia se ouvir vindo lá de fora.

Madoka se levantou para afastar a cortina e tornar o ambiente um pouco mais aconchegante. Estava bastante nublado, o brilho do sol parcialmente visível entre as nuvens e os altos prédios do centro da cidade, mesmo assim ela sentia que seria um dia quente e úmido. Dezenas de metros abaixo, no outro lado da rua, homens trabalhavam sem parar na reconstrução.

Caminhando pelo quarto, ela parou para olhar para sua imagem refletida no espelho da penteadeira, vestindo uma camisola branca com um laço preto na gola. Sorriu. Seu cabelo solto não estava tão desgrenhado quanto o de costume.

“AIE!”

“Mãe?” Ouvindo o grito de dor, Madoka correu até a porta para abri-la.

Junko estava no corredor, ainda de pijamas, pulando com um pé só.

Madoka franziu a testa. “Deu uma topada com o dedão do pé de novo?”

“Claro! Ai, aiii...” A mulher colocou o pé com cuidado de volta ao chão. “O corredor desse apertamento está ficando mais estreito a cada dia.”

A voz de Tomohisa foi ouvida. “Se não tentasse caminhar por ele de olhos fechados, saberia que isso não é verdade.”

“Mas como vou manter eles abertos se eu não posso dormir!” Junko levou as mãos à cabeça. “Todo esse barulho... por isso que eu nunca quis morar no centro. Por que... Por que um caminhão tinha que cair justo na nossa casa. Uuuuu...”

“Calma mãe...” Madoka forçou um sorriso. “Só vamos ficar aqui um tempo.”

Tomohisa complementou. “Quando a situação das seguradoras se resolver, vamos restaurar a nossa casa. Nós já conversamos sobre isso.”

“Quando a situação se resolver?!” Junko balançou a cabeça em negação e voltou a andar. “Vocês são muito otimistas...” Até chegar a porta do banheiro e abri-la. “Oh! Desculpe... não sabia que já tinha acordado.”

Homura, em um pijama violeta e seus longos cabelos soltos, estava olhando para o espelho. “Não precisa, eu já estava de saída.” Ela se virou, com um leve sorriso. “E bom dia.”

Junko já estava quase com os olhos fechados novamente. “Ah hmmm... Bom dia...”

Madoka já estava no corredor quando viu Homura sair, cumprimentou quando as duas cruzaram caminho. “Bom dia!”

“Bom dia.” Homura continuou até entrar no quarto.

Diferente da antiga casa, o banheiro era pequeno demais para que mãe e filha compartilhassem. Madoka esperou por longos minutos, mas, ao menos, quando Junko saiu, ela parecia outra pessoa. “Se sentido melhor?”

“Sou obrigada.” Junko alongou o pescoço. “Eu devo ter assustado a sua amiga.”

“Wehihi. Não.”

Diante do riso da sua filha, ela falou. “Depois de tudo o que aconteceu, com a sua velha amiga...”

Madoka ergueu as sobrancelhas e seu sorriso desapareceu.

“Ver você assim agora...” Junko continuou. “Acho que muito se deve a essa nova garota.”

A garota desviou olhar. “É...”

Junko então se virou, rumo à cozinha. “E arruma bem esse cabelo.”

“Hã?!” Madoka ficou piscando. “Mas... Mas ele não está tão mal assim.”

“Está sim.”

Foram mais alguns longos minutos no banheiro, tanto que, quando Madoka voltou ao quarto, ela viu Homura já com o uniforme escolar de verão, sentada em frente à penteadeira. Era um suéter bege sem mangas, sobre uma camisa de manga comprida com um laço vermelho amarrado na gola. A garota estava escovando seu cabelo escuro.

O que fez os olhos da Madoka brilharem, de uma forma não literal. “Ah! Posso fazer suas tranças hoje?”

Homura olhou de relance para a outra. “Esteja à vontade.”

“Obrigada!” Madoka já estava atrás dela, como se aquela resposta já fosse esperada.

Guardando o pente, Homura começou. “Madoka, acho que eu não deveria continuar morando com vocês.”

“Minha mãe tinha razão, ela assustou você.” Respondeu Madoka. “Mas não se preocupe com isso. Assim como nós e você, muita gente perdeu suas casas e estão compartilhando o mesmo teto. Meus pais ficariam tristes se você fosse embora, Takkun também.”

Homura sentia seu cabelo sendo puxado. “Chegará o dia que vocês irão sair daqui.”

“Verdade, mas a sua casa fica na parte antiga da cidade. Eu acho que a reconstrução vai demorar mais para começar por lá.” Madoka então amarrou o laço violeta na ponta da trança. “Um já está pronto!”

“Está cada vez ficando mais rápida.” Homura sorriu.

“Tenho que ser ou vamos estar super atrasadas para aula. Nem estou de uniforme ainda!” Respondeu Madoka, acelerando ainda mais o seu trabalho.

No espelho, Homura viu a outra mostrar a tranças.

“Como ficou?”

“Estão ótimas.” A garota escondeu seus olhos violetas sob as pálpebras e suspirou. “Madoka...”

“Sim?”

“Poderia trancar a porta?”

Madoka ficou parada por um momento, antes de atender ao pedido. “Homura... mas nós já fizemos isso essa semana.”

“Eu sei.” A garota sentada esfregou as mãos. “Mas eu gostaria de sentir...”

Madoka retornou, segurando sua semente da aflição. “Aqui.”

Homura deslizou os dedos sobre o objeto.

“Não, pegue. Eu tenho que trocar de roupa.” Depois de entregá-lo, Madoka foi ao armário ao lado da penteadeira e tirou de lá o uniforme, deixando sobre o beliche. “Está sentindo algo diferente? Minha maldição?”

Homura sentia os relevos frios da semente. “Não." Quando voltou a olhar ao espelho, o reflexo mostrava as costas nuas da outra. “Parece... inerte.”

“Eu sei que está preocupada, mas confie em mim. Se acontecer qualquer coisa, eu farei questão de você ser a primeira a saber.” Antes de vestir a camisa, Madoka deu um tapa na testa. “Ai! Eu quase esqueci!” Ela voltou correndo até o armário.

Curiosa, Homura se virou e viu Madoka caminhando de costas para ela, vestindo um sutiã.

“Pode fechá-lo?”

“Hmmm... Claro.” Após ajudar, a garota de cabelos escuros voltou ao assunto. “Mas você desconhece o futuro desse mundo.”

“Sim! Sim! Mas estou atenta.” Atarantada, Madoka vestiu seu uniforme e saia de qualquer jeito, arrumando-os durante o caminho até os laços para o cabelo. Após amarrá-los, ela se viu no espelho e deu dois tapas na bochecha. “Ok! Então Homura? Está bom?”

A garota devolveu a semente com um sorriso.

“Wehihi. Acho que sim.”

Tomohisa anunciou. “Madoka! O café da manhã.”

“Mas eu nem coloquei a meia ainda.” Madoka pegou a semente. “Depois eu faço isso. Vamos!”

/人 ‿‿ 人\

O caminho para escola era bem diferente de outrora. Ao invés de residências suburbanas, a paisagem era composta por arranha-céus e campo de obras. Desviar de cones e bloqueios improvisados era algo corriqueiro.

Não que isso incomodasse Madoka. “Hoje tem aula de história...”

Ou Homura. “Sim, procure não corrigir o professor.”

“E-Eu não vou fazer isso!” Disse Madoka. “Só... foi naquela vez porque a data estava errada...”

“E tente fingir que o seu inglês não está tão bom.”

“Tá bom...” Madoka concordou, emburrada. “Por falar nisso, eu ouvi algumas colegas falando do seu cabelo.”

Homura permaneceu em silêncio.

Isso sempre deixava Madoka encabulada, sempre. “Sobre as suas tranças...”

“Achei que meus cabelos soltos chamavam mais a atenção.” Homura comentou.

“Acho que você sempre vai chamar a atenç...” Madoka levou a mão à boca.

Homura olhou para outra com a testa franzida, mas depois voltou sua atenção para o caminho. “Não posso evitar, eu deixei uma primeira impressão. Pelo menos, as pessoas estão parando de falar sobre a Shizuki-san.”

“Tem razão...” Madoka abaixou a cabeça. “Depois do que aconteceu com Sayaka-chan, o relacionamento entre os dois ficou difícil. Agora que Kamijou-kun saiu da escola...”

Homura proferiu de uma vez só. “O relacionamento entre os dois era impossível de qualquer forma e você está ciente disso.”

“Eu estou.” Madoka então olhou para a companheira. “Homura, você podia ser amiga da Hitomi-chan também.”

“Não posso.” Homura segurou a alça da sua bolsa com mais firmeza. “Meu foco é as garotas mágicas e as bruxas.”

“Mas Mami-san está trabalhando nisso.” Madoka olhou para o céu. “Ah... Eu julguei mal, não levei em conta o quanto a reputação dela poderia agilizar as coisas.”

Disse Homura. “Ela me falou que um grupo intitulado ‘bruxas plêiades’, que está atuando em uma das cidades que ela visitou, se prontificou a ajudar.”

Madoka acenou. “Sim! E se nós pudermos acompanhá-la nos fim de semanas, podemos convencer mais garotas ainda.”

As duas atravessaram a rua, entrando em uma das pontes sobre o canal de Mitakihara que sobreviveu a destruição.

“Porém, há uma grande diferença entre passar a mensagem para as cidades vizinhas e todo o Japão. Deve levar anos, se conseguirmos...” Homura ponderou. “Isso sem falar o mundo inteiro.”

“Eu sei que será difícil, mas se houver uma garota para ser salva, eu não desistirei.” Madoka cerrou o punho. “Felizmente, Incubator está fazendo a sua parte. Ele tem trazido as sementes da aflição para mim.”

Ouvir aquele nome fez Homura apertar os lábios. “Você está depositando confiança demais nele.”

“O que meu desejo fez não tem precedentes para ele e você me ajudou a convencê-lo de que o risco é grande demais se ele atentar contra nós” Madoka sorriu.

“Saiba que para ele isso não significa ter medo de nós, apenas uma conclusão dos fatos.” Homura começou a remoer as idéias em voz alta. “Mesmo que ele não tente nada, ele pode estar nos enganando. Não temos garantia que ele não esteja fazendo contratos ou mesmo se está entregando todas as sementes... hmmm...”

Madoka se inclinou. “Homuuu~...”

Surpreendo Homura. “Madoka?! V-Você está me empurrando...”

“Você tem que relaxar! Eu estou cuidando disso.”

“Eu sei... preciso confiar...” Para Homura era difícil, ainda mais que era um completo mistério sobre o que Madoka era capaz. Havia muito medo para o que o amanhã reservava, mas por trás disso existia um significado de valor. A garota que salvou sua vida, pelo qual ela lutou e moldou seu ser, estava ao seu lado. Elas agora podiam compartilhar um sorriso juntas.

Antes de chegar ao outro lado da ponte, Madoka parou.

“O que foi?”

Os olhos rosas da garota quase ficaram dourados, enquanto ela se virava para uma direção. Suas mãos estremeceram. “Uma gema da alma...”

Homura, mais atenta, sentiu traços da magia de uma garota mágica. “Não vai me dizer que...”

Madoka se recompôs com uma expressão mais determinada. “Temor que ir... Hã?!” Ao menos até receber a bolsa da Homura.

“Deixe isso comigo. Você pode dizer na escola que eu tive uma palpitação e fiquei indisposta. Ninguém deve desconfiar.” Ela se virou e começou a correr. “Eu vou voltar assim que possível.”

Deixando uma Madoka estupefata para trás. “Homura...”

As suas tranças esvoaçavam a cada passada, sua expressão era de suspeita. Talvez fosse sua experiência ou até mesmo sua natureza, mas havia algo a mais naqueles traços, uma presença familiar e repugnante.

/人 ‿‿ 人\

Uma jovem garota caminhava pelas ruas da cidade. Seu cabelo castanho claro e liso era longo o bastante para formar uma trança na altura do seu peito. Seus olhos verde limão estavam semi-abertos, cansados. Seria normal para alguém que estivesse a caminho da escola naquela manhã.

Mas ela não estava de uniforme. “Será que eu preciso andar muito ainda?”

No ombro da sua blusa amarela, uma curiosa criatura de pelagem branca falou. [Isso vai depender de encontrarmos um lugar ideal.]

A garota suspirou. “Você não me disse que isso podia trazer risco as pessoas.”

[Verdade, mas não vi necessidade em deixá-la preocupada com isso antes da hora. Você teria mais dificuldade em agir naturalmente se soubesse disso, não?] A longa cauda felpuda da criatura afagou a cabeça da garota.

“É... eu teria.” Ela sorriu. “Obrigada Kyuubey.”

[Olhe. Aqui parece bom.]

O local era um terreno que estava sendo utilizado para o descarte temporário de entulhos e escombros da cidade destruída.

“Sim, acho que não tem ninguém...” A garota entrou no terreno, passando entre pedaços de mobília e veículos.

[Temos que achar um lugar que ninguém possa te ver.]

“C-Certo...” A garota então apontou para um pedaço de uma parede de concreto armado que estava se apoiando em uma pilha de destroços. “Será que ali está bom?”

[Perfeito.] Com agilidade, Kyuubey saltou do ombro da garota até o chão coberto de poeira.

“Finalmente...” Com o corpo tão cansado, ela nem reclamou da sujeira. Ajeitando sua calça jeans capri, ela se sentou e recostou na parede. Aproveitando o momento, ela abriu sua mão esquerda e observou sua gema da alma.

Kyuubey também. [Ela está bem escura, não deve faltar muito tempo. Está sentindo algo?]

“Fadiga... um pouco de dor... é assim, não é?” A garota abaixou a cabeça. “Kyuubey, será que vão demorar muito para achar meu corpo aqui?”

Kyuubey se sentou na frente dela. [Existem variáveis, mas duvido disso. Existe algum problema?]

“Não... Eu acho...” Ela sentiu seu coração bater mais forte com a angústia. “Você já sentiu medo de morrer? Eu acho que eu não posso evitar isso no fim das contas...”

Kyuubey balançou a cabeça. [Não, sou substituível.]

“Substituível?” Ela ergueu as sobrancelhas. “Acho que ninguém deveria ser assim.”

[É isso que você realmente deseja?] Kyuubey focou nos fundos dos olhos dela. [Por acaso se arrependeu do seu contrato?]

“Não! Definitivamente não... eu... eu...” A garota parou de falar, surpresa ao avistar outra garota se aproximando. Ela usava um vestido negro e couro sobre seus braços e pernas. A pele pálida e o olhar frio dela só reforçavam que ela estava diante de um anjo da morte.

Kyuubey se virou. [Homura Akemi. Onde está Madoka?]

“Eu não reconheço essa garota mágica.” Homura parou diante da criatura. “Um contrato recente?”

Percebendo que ela não estava disposta a responder, Kyuubey falou. [Eu não diria que ela seja uma garota mágica.]

“Garota mágica?” A que estava sentada disse, confusa. “O que é isso? Q-Quem é você?”

Homura semicerrou o olhar. “Explique-se...”

[Eu fiz um contrato, mas ela nunca manifestou sua magia. Ela nem sequer tem consciência disso.] Kyuubey continuou. [Portanto não fere o nosso acordo. Aliás, estamos mais do que honrando ele.]

“Duvido.”

Com a resposta sucinta da Homura, Kyuubey voltou a olhar para a outra garota. [Itsuko Fujita desejou curar seu irmão mais novo de uma doença terminal. Nossas análises apontavam uma capacidade intelectual bem acima da média nele.]

Itsuko ficou boquiaberta. “Você sabia do meu irmão...”

“Ele só está começando...” Homura comentou.

[Entenda Itsuko, apesar da possibilidade de você gerar uma prole superior ao seu irmão, esta seria muito pequena.]

“O quê...?” Agora eram olhos de Itsuko que se abriram mais.

“O que está planejando?” Indagou Homura.

[Você não vê? Estamos ajudando a humanidade progredir.] Kyuubey alongou seu corpo. [Quem sabe um dia vocês possam se tornar aliados ativos no combate à entropia. Eu acredito que Madoka aprova isso.]

“Aprovar?” Disse Homura, incrédula. “Você continuar a enganar assim?”

[Não. Nós adaptamos nossa metodologia. Só trabalhamos com contratos muito específicos, reduzindo nossa atividade nesse planeta para apenas 6,66%. Devo ressaltar que isso é insuficiente para obter o mínimo de energia, caso ainda desconfie.] Kyuubey circulou Homura e parou ao lado dela. [Ela sabe o preço do desejo dela.]

“Sério?” A garota de longas tranças negras dirigiu a palavra para a outra. “Você, me fale sobre isso.”

Itsuko estava com a mão na cabeça, ainda tentando compreender aquela situação.

“Vamos!”

Mas a outra não iria esperar. “Ele... Ele me disse que quando essa gema ficar muito poluída, eu vou deixar esse corpo. Eu... vou morrer...”

Homura suspirou e cerrou os punhos.

[Você entende agora, não é? Poucas garotas fariam um contrato sob essas condições, esse é mais um fator na redução da nossa atividade.] Kyuubey fechou os olhos. [Bem... Agora que está tudo certo, devo aproveitar a chance de falar contigo sem Madoka por perto.]

A raiva da Homura foi abrandada pela curiosidade. “Do que se trata?”

[Nós temos observados vocês ao longo desse tempo. Ainda é uma conclusão preliminar, mas esses corpos parecem conter suas almas...] Kyuubey pendeu a cabeça em direção a Homura. [Sob um ponto de vista empírico, nós estamos interessados em saber se você consegue sentir sua maldição também.]

“Não estou interessada em compartilhar...”

[Isso já é uma resposta.] Kyuubey reabriu os olhos. [Devemos supor que não consiga sentir, mas ainda assim você consegue notar mudanças no comportamento, como nós percebemos na Madoka.]

Homura olhou para criatura, erguendo uma sobrancelha. “Você está... com medo?”

[Apenas conjecturando. Ela representa um risco além desse mundo e nossa única evidência de suas reais intenções é o relacionamento entre vocês duas.]

“Nosso relacionamento?” Homura não tinha idéia sobre onde aquela criatura queria chegar.

[Homura... Madoka pode se manifestar nesse mundo e trazer garotas mágicas, quantas ela desejar. Não duvide, muitas são mais poderosas do que você.] Kyuubey balançava a cauda de uma lado para o outro. [A questão a se fazer é: Por que Madoka escolheu você para ser a mais próxima dela?]

“Tolo.” Homura abriu um largo sorriso. “Isso está além da sua compreensão.”

[Você se baseia apenas em emoções? Elas são a única explicação válida? Se sente satisfeita o bastante com isso?]

“Satisfeita? O que...” Homura indagou com irritação, mas lhe veio uma realização que a deixou ainda mais irada. “Você tem a coragem de dizer que ela está fazendo isso somente por causa de mim?”

[Conjecturas, Homura Akemi, conjecturas...] A imagem da garota furiosa refletia nos olhos fixos e vermelhos da criatura. [Quer saber a nossa? Acreditamos que ela está fazendo isso porque você é a única que é ainda capaz de detê-la.]

“Detê-la...” Homura olhou para as suas mãos de couro preto costurado e depois para Itsuko, que estava assustada. O silêncio fora longo o bastante para ela notar os sons distantes de automóveis.

Kyuubey continuava olhando para ela com grande interesse.

Homura não suportou, virando a face e falando em voz baixa. “Eu não acho...”

[Tem certeza?] Kyuubey piscou mais uma vez, antes de seu corpo explodir, acompanhado por um som distante de arma de fogo.

Uma porção de sua carne respingou no rosto de Itsuko. “Hã?! Ah... Ahhh!”

“O quê?!” Ainda surpresa, Homura viu duas garotas mágicas chegarem até ela em um grande salto. “Vocês...”

“Madoka-san nos ligou avisando sobre o que estava acontecendo.” Disse Mami, portando um mosquete com mira telescópica. Ainda saía fumaça da boca da arma.

“Ela estava super! Hiper preocupada!” Exclamou Nagisa.

“Madoka...” Homura respirou fundo. “Aliás, belo tiro. Foi mais de duzentos metros, não?”

“Sim, mas foi sorte. Fazer uma lente de qualidade é muito difícil...” Mesmo com o elogio, Mami continuava séria. “Eu vi que estava conversando com o Incubator. Não deveria dar ouvidos. O que foi que ele disse?”

Homura olhou para Itsuko, que estava em estado de choque. “Nada de relevante além dessa garota.”

Nagisa também. “A gema dela...” Tomada pela apreensão, ela se aproximou e se abaixou ao lado dela. “Oi.”

Itsulo não parava de tremer.

“Então ele ainda está fazendo contratos.” Disse Mami.

Homura cruzou os braços. “Verdade, mas essa daí nunca foi uma garota mágica.”

“Hã?”

Nagisa limpou o rosto da outra com a sua luva. “Está tudo bem, estamos aqui para ajudá-la. Eu me chamo Nagisa Momoe. Qual é o seu?”

O mundo havia virado de cabeça para baixo para Itsuko e só agora havia se dado conta. Talvez devesse ter desconfiado mais quando uma criatura estranha lhe deu a oportunidade de um desejo. Não deveria haver mais volta, como nos livros, mas não que ela quisesse. Todas aquelas garotas vestiam trajes estranhos, mas ao menos as duas novas que apareceram não eram tão assustadoras. “Ah... hmmm... Itsuko... Itsuko Fujita.”

“Itsuko é um nome legal, posso chamá-la assim? Você também pode me chamar pelo primeiro nome.” Nagisa sorriu. “Você parece ser da minha idade...”

“V-Você pode... Eu tenho doze.” Itsuko respondeu timidamente.

“Ah! Eu quase acertei.” Nagisa fingiu estar decepcionada. “Eu faço doze no final do ano.”

“Eu faço treze.” Itsuko desviou o olhar. “Quer dizer... eu faria.”

“M-Mas você vai fazer!”

Itsuko nem deu ouvidos a Nagisa, pois se deparou com algo completamente inesperado.

Outro Kyuubey chegou até os restos mortais do outro e o digeriu. [Isso é uma perda de tempo.]

“Eu redescobri que não é.” Disse Homura, sem olhar para criatura.

[Poderia elaborar melhor essa conclusão?] Kyuubey então notou que Itsuko apontava para ele. [Essa sua expressão é de alguém assustado? Eu não lhe disse que sou substituível?]

“Ela não está assustada por causa disso.” Homura afirmou.

[Então o que...] Kyuubey obteve a resposta antes de terminar de perguntar, pois foi pego pelas costas. Ao virar cabeça, viu que estava diante da face de uma boneca de cera branca, com dentes afiados. [Eu não entendo, por que cont...]

A boneca pegou-o pela cauda e começou a girá-lo rapidamente acima da sua cabeça. Porém outra boneca queria também participar da brincadeira e as duas começaram a disputar pelo brinquedo até que ele se rasgasse.

Mami viu, impassiva, outras bonecas chegarem que nem abutres e arrancarem uma parte também.

As crianças correram pelos escombros, jogando uma contra as outras pedaços de carne retorcida e pêlo. As gargalhadas delas ergueram as pontas dos lábios da Homura. “Por que é divertido.”

Nagisa tentava acalmar. “Itsuko-chan, não se preocupe, elas não vão machucar você.”

Quando gargalhadas ficaram muito distantes, Homura voltou a ficar séria. “Certo. Ouça garota.”

Não só Itsuko, mas Nagisa e Mami também prestaram atenção.

Homura continuou. “Quando sua gema fica corrompida demais, chegará o momento que você vai deixar seu corpo, sim, mas para se tornar uma bruxa.”

“B-Bruxa?”

“Ela realmente não sabe.” Mami comentou.

Homura descruzou os braços e estralou os dedos da mão. “Vamos ter que mostrar para ela.”

“Será que devemos?” Mami questionou. “Como...”

Homura, em um rápido golpe, perfurou e rasgou o abdômen da loira com a sua mão aberta. A garota deixou cair o mosquete no chão enquanto seu torso pendia para frente.

Nagisa e Itsuko arregalaram seus olhos.

“Não tente se esconder.” Homura enfiava mais fundo seu braço na abertura que tinha feito, por onde não vertia sangue algum, na verdade parecia oco. “Peguei você!” Ela então retirou o braço e mostrou para as outras duas. “ISSO é uma bruxa! Se você tiver sorte...”

Itsuko viu que naquela mão havia uma pequenina boneca de pano, mas não ficou olhando por muito tempo, pois logo seus olhos acompanharam os laços amarelos que saíam daquela boneca até onde eles se conectavam...

O corpo da Mami estava se contorcendo e, aos poucos, parte dele estava se separando na forma de laços. A expressão de sua face era errática, sua boca fazendo grunhidos ininteligíveis, seus olhos se reviravam sem parar.

Diante de sórdida visão, Itsuko foi tomada pelo pavor. “KYYAAAAAHHH! NÃÃÃOOOO!”

“Homura-chan, para com isso!” Nagisa gritou com raiva. “BOTA A MAMI DE VOLTA!”

Homura meramente soltou a boneca e ela retornou ao corpo de Mami como um elástico.

A loira novamente se dobrou como se tivesse tomado um soco e os laços começaram a retornar aos seus devidos lugares. Onde havia sido rasgado, novos laços se entrelaçaram para fechá-lo. Quando finalmente se recompôs, ela se abraçou e veio com um olhar de consternação para Homura. “Por que... assustá-la?”

“Assustar? Se eu quisesse assustar, eu mesma teria demonstrado.” Homura esfregou suas mãos de couro. “Ou talvez Charlotte pudesse revelar sua face.”

Itsuko olhou para sua gema. “Não...” E voltou a se desesperar. “NÃO! EU NÃO QUERO ISSO!”

“Itsuko-chan!” A irritação de Nagisa se converteu para preocupação ao abraçar a outra. “Olhe para mim! Olhe! Eu pareço uma bruxa para você?”

Ela parou e ficou olhando assustada para Nagisa, mas Itsuko então negou gesticulando com a cabeça.

“Viu? Eu até me esqueço que sou uma às vezes.” Nagisa voltou a sorrir. “Não é tão mal assim.”

“Não tente fazer parecer que não há conseqüências.” Disse Homura.

Mami ainda desaprovava a atitude da outra, mas ela tinha que concordar. “Verdade. Exige responsabilidade e cuidados, mas você vai aprender e eu tenho certeza que pode conseguir. É muito melhor do que morrer, não?”

“Mas...” Itsuko arfava. “Mas eu quero morrer!”

“Por quê?!” Mami balançou a cabeça, sem compreender. “Por que deseja morrer?”

“A pergunta certa seria...” Homura sorriu. “... o que ela ganha com isso?”

Mami e Nagisa trocaram olhares confusos.

“Você salvou a vida do seu irmão com o seu desejo, acreditando que morreria no lugar dele.” Homura continuou, em um tom mais malicioso. “Vocês devem ter pais, não? Eles devem ficar tristes ao perderem filha...”

Itsuko engoliu seco.

Homura abriu um sorriso ainda maior. “Era exatamente isso que você queria.”

Mami indagou. “Akemi-san?”

Homura gesticulou para que a loira ficasse em silêncio. “Seus pais devem amar muito o seu irmão, ele é um prodígio. Na verdade, o que importa é que eles o amam bem mais do que você.”

“Você não sabe de nada sobre mim!” Itsuko respondeu irritada.

“Errada! Eu sei bem o que é ser inferior.” Homura levou seus dedos até o queixo. “Não é algo explícito, certo? É a forma como olham para você, o tom de voz, aquela momentânea expressão que registrou como ferro quente em sua memória. Talvez um flagrante, um trecho de conversa abafada pelas paredes.”

A garota sentada rangeu os dentes. “Cala boca! Isso é mentira!”

“Tem os padrões, as rotinas... quando seu nome era mencionado, você não tinha dúvidas que o do seu irmão viria logo depois. Você é apenas um detalhe, a moldura de uma obra. Fufufufu...” Homura continuava. “No final, não tem mais espaço dentro de nós para guardar esses pequenos rancores que se acumulam, então começamos usar nosso quarto para isso. Lá nós continuamos a nutri-los e ao mesmo tempo consumi-los até engasgar, enquanto escondemos nossas depravações no lado de fora.”

Itsuko levou a mão à cabeça. “F-Façam ela parar! Façam ela PARAR!”

Porém, Mami e Nagisa abaixaram o olhar e continuaram a ouvir.

“Infelizmente, a cada dia ficamos com mais medo de que tudo isso transborde. Uma solução definitiva deve ser encontrada e você a encontrou, mas seu irmão conseguiu estragar tudo novamente com a doença.” Homura jogou uma de suas tranças para trás. “A aparição de Kyuubey fora muito conveniente, sempre é. Se seu irmão morresse, a reputação dele se tornaria inabalável e seus pais iriam perguntar por que não poderia ter sido você. Mas e se fosse o contrário?”

Itsuko segurou sua gema com mais firmeza.

“Seus pais se lembrariam que tinham uma filha, o irmão de sua irmã. Eles se sentiriam culpados, claro... seu nome se tornaria uma dedicatória freqüente nos trabalhos do seu irmão. Ninguém notaria a sujeira que deixou para trás.” Homura semicerrou o olhar. “Isso se você fez um ‘nobre’ sacrifício anônimo, o que eu duvido muito. Seu planinho é um completo fracasso, garota.”

As lágrimas escorriam pela face de ódio de Itsuko. “Você...” Com dificuldade, mas com vontade, se levantou. “Você é a coisa mais nojenta que já existiu!”

Homura abriu os braços, em uma das mãos, uma aura de energia negra conjurou uma ampulheta. “Não... Eu sou apenas o seu reflexo.”

Mami e Nagisa se surpreenderam com a fúria no movimento de Itsuko.

“NUNCA!” Ela arremessou a sua gema com toda força contra o sorriso perverso daquela garota. Quase nesse mesmo instante, sentiu um abraço frio.

Homura a envolveu com um braço, enquanto o outro estava segurando a ampulheta deitada.

“Me solta!” Itsuko socou o peito da outra, mas sem força.

“Olhe para a sua gema.” Ordenou Homura, agora mais séria.

Itsuko em um primeiro momento não entendeu, mas notou que o mundo a sua volta havia perdido as cores em um quase preto e branco. As outras duas garotas estavam completamente congeladas, boquiabertas. Seguindo o que havia sido pedido, ela encontrou sua gema parada em pleno ar. Estava rachada, alguns fragmentos já haviam sido deixados para trás na forma de um rastro.

Homura declarou. “Quando o tempo voltar ao normal, você vai ser uma bruxa.”

Agora certa de que não poderia escapar daquele destino, Itsuko baixou lentamente a cabeça e voltou a chorar. “Eu sou horrível... horrível... por favor me matem.”

“Fujita-san.”

Aquela era a primeira que ela havia mencionado seu nome.

“Não desista. Pode chegar o dia que você vai encontrar alguém que vai se lembrar de você, sempre.” Homura a abraçou com mais força. “Por isso que eu peço que nunca desista.”

“Como pode ter tanta certeza?” Itsuko perguntou, ainda chorosa.

“Eu disse que sou seu reflexo.” Homura falou. “Será como se você tivesse retornado aquele quarto para novamente se afogar em suas mágoas. Não é água, somente um mar de lama. Contudo, alguém vai lhe oferecer a mão e, se você lutar, ela vai conseguir trazer você de volta a superfície.”

Itsuko olhou para Homura.

“Eu não vou admitir que a situação com a sua família pudesse melhorar, mas você não depende deles.” Ela então inquiriu. “Você ainda quer morrer?”

Itsuko fungou o nariz e deixou as últimas lágrimas escorrerem antes de proferir. “Não...”

“Ótimo.” Homura sorriu. “Eu serei rápida contigo.”

“O que quer...”

O tempo retornou ao seu fluxo normal.

Enquanto o mundo readquiriu as suas cores, o corpo sem vida de Itsuko desabou.

“Ah!” Nagisa se levantou de susto.

A semente da aflição resvalou em uma pilha de escombros e fincou no chão.

Sob o olhar de Mami. “Você disse aquelas coisas horríveis só para que ela se desesperasse, não foi?”

Homura, que estava ao lado dela, respondeu. “Obviamente, eu não iria ficar esperando.”

No chão envolta da semente brotaram gramíneas que rapidamente se espalharam.

“Lá vem ela.” Homura observou o mundo se transformar. A cidade desapareceu para dar lugar a um firmamento azul escuro e vazio. A grama envolta das garotas foi ganhando tamanho, as cercando. Como pássaros, um conjunto de livros com capas que remetiam a contos de fada voaram em direção a semente e começaram a circulá-la, enquanto esta se erguia do chão.

Mami preparou seus mosquetes quando uma luminescência surgiu dentro da área onde os livros circulavam. Eles então voaram de encontro uns aos outros, escondendo a semente dentro de uma estrutura que se assemelhava ao tronco de uma árvore.

“Hã? Ah?!” Nagisa viu o corpo de Itsuko se erguer novamente, mas devido as raízes que penetraram na sua carne. Sangue ainda fresco caía no chão a cada novo rasgo e elas começaram a sair pela boca e demais orifício que encontravam.

“Bom... A barreira já clamou seu prêmio.” Homura conjurou um grande alfinete negro em sua mão livre.

A bruxa se revelou por completo quando, do topo do tronco feito de livros, saíram gigantescas pernas finas de metal, como de uma aranha. As pontas das pernas ganharam largura e o aspecto de afiados bisturis. As lâminas não refletiam o espaço a sua volta, mas imagens de bocas, que abriam em uma cacofonia de gritos.

Até o tempo se silenciar.

Em seu mundo, Homura lançou seu alfinete contra bruxa e conjurou outro logo depois. Assim ela fez até que estivesse satisfeita com a quantidade, então arremessou sua ampulheta. “Não desista...”

Assim que a ampulheta deixou aquela mão de couro, o tempo moveu-se novamente e os alfinetes atingiram o tronco da árvore. A ampulheta chegou logo depois e, em um flash de luz violeta, explodiu. A onda de choque detonou as cabeças dos alfinetes, em uma destrutiva reação em cadeia.

Mami e Nagisa se protegeram da massiva explosão.

A barreira se desfez de forma tão rápida quanto se formou e a semente quicou pelos entulhos.

Mami então notou que Homura estava partindo. “Aonde você vai?”

“Escola. Por que a pergunta?” A garota não parou. “Vou deixar a semente contigo. Entregue para Madoka no final do dia.”

Com Homura sumindo de vista, Nagisa olhou para parede de concreto, sem vestígios algum de que uma pessoa esteve ali. “Itsuko-chan...”

/人 ‿‿ 人\

Homura caminhava lentamente pelo calçadão às margens do canal de Mitakihara. Aquele era de fato o caminho para escola, mas ela não tinha certeza se esse seria o seu rumo.

Não querendo mais enganar a si mesma, ela parou e contemplou as águas entre as altas cercas de metal. Elas brilhavam, mesmo com fraca luz do sol daquela manhã. Quando foi a última vez que ela admirou isso?

Pássaros negros pousaram na cerca, de perto era possível notar que as toucas violetas que eles vestiam cobriam seus olhos.

“Eu não chamei vocês.” Tomada pela luz, as vestimentas negras de Homura deram lugar ao seu antigo uniforme de garota mágica, mandando os seus lacaios embora.

Então, folhas de jornais carregadas pela brisa tocaram sua canela. Homura ficou rígida momentaneamente e olhou para trás.

De pé sobre o barranco gramado, Oriko estava vestida com o uniforme escolar de Shirome, carregando uma bolsa. Um educado sorriso em seus lábios.

Homura voltou a olhar para o canal. “Parece que hoje todo mundo resolveu matar a aula.”

“Sim, mas por diferentes causas...” Oriko colocou a bolsa no chão e começou a abri-la. “... e conseqüências. Minhas colegas de sala devem estar comemorando.”

“Por que está aqui?”

Oriko retirou da bolsa uma garrafa e canecas, além de duas toalhas que ela dispôs sobre o gramado lado a lado. “Eu queria compartilhar um chá gelado contigo.”

Homura se virou e, vendo o que a outra havia preparado, se aproximou. “Devo considerar que isso seja uma mera coincidência?”

Oriko se sentou sobre uma das toalhas. “Eu não confio mais em minhas visões como outrora, mas algumas vezes eu ainda arrisco.”

Homura ficou parada por um momento antes de sentar também.

“Tome.” Oriko passou uma das canecas com chás.

Homura a pegou. “Como estão as outras duas?”

“É estranho...” Oriko sorveu o chá, enquanto observava cidade além do canal. “Quanto mais a gema fica corrompida, mais Kirika fica excitada. Acho que isso pode ajudá-la quando chegar a hora, mas tenho certeza que ela vai se decepcionar.”

“E quanto a outra?”

“Ela está bem.” Disse Oriko.

O que deixou Homura confusa. “Mas a gema dela deve estar no limite também.”

“Ela está bem.”

A afirmação cortou o ar de forma bem mais afiada que a primeira. Homura ficou em silêncio e decidiu tomar um gole daquele chá.

Oriko respirou fundo, seguido de um longo suspiro. “Sabe. Nós conseguimos o que queríamos. Eu, o mundo, e você, Madoka...”

Homura deu mais um gole.

“Porém, não como gostaríamos.”

Ela permaneceu quieta.

Oriko então olhou para outra. “Será que essa é a diferença entre sonho e realidade?”

Homura falou. “Nós vivemos em mundo onde sonhos estão ao alcance de um desejo.”

“Talvez mesmo nesse mundo alguns ideais são impossíveis.” Oriko colocou um pouco mais de chá.

“Você só saberá que é impossível quando desistir.”

“Não é uma questão de desistir, mas de parar e sentir.” Afirmou Oriko. “Talvez você conseguiu algo melhor que imaginara.”

Homura olhou de relance para a outra. “Acha que um mundo assim existe?”

“Eu protegeria ele.”

Homura então devolveu a caneca. “Obrigada pelo chá.”

Oriko ergueu a sobrancelhas e abaixou cabeça, por fim ela sorriu. “Que bom que gostou.” Então ela começou a guardar coisas.

Homura se levantou. “Você ainda vai para escola.”

“Sim.” Oriko dobrou as toalhas e colocou na bolsa.

“Tenha um bom dia.” Ela desceu o barranco até chegar na calçada.

“Eu digo mesmo.” Oriko ficou de pé, com a bolsa em mãos. “Não tome uma decisão precipitada. Se eu ver algo, eu te aviso.”

“Sério?” Homura questionou. “Quer arriscar?”

“Precisamente.” Oriko começou a subir o barranco.

Homura ergueu a cabeça, contraindo a face. “Somos aliadas agora? Por que eu devo confiar em você?”

“Por que não devemos em confiar em nós mesmas.”

Então veio o silêncio, trazendo consigo a confirmação de que Homura estava sozinha novamente, apesar das palavras da Oriko ecoarem em sua mente, como se ela ainda estivesse ali.

Sob essa atmosfera, Homura ergueu seu braço esquerdo na altura do peito. Surgindo em um espiral, seu escudo metálico refletia a luz do sol que ganhava força e abria espaço entre as nuvens.

Ela examinou o aparato. O compartimento superior estava vazio, enquanto o inferior estava completamente preenchido pela areia violeta. Ao colocar mão direita sobre a borda do escudo, ela fez a menção de girá-lo, sentido então que estava frouxo.

O frio do metal parecia que tinha acelerado seu coração. Homura não compreendia, como ela podia ter um? Seu corpo deveria estar vazio, assim como as respostas que tinha.

Ela iria encontrar?

Precisava encontrar?

Haveria sentido em encontrar?

As águas do canal seguiam seu fluxo ininterrupto.

Naquela manhã, a mão se afastou.


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Notas finais do capítulo

Jafs: Ficou um pouco grande para um epílogo... mas bem... De qualquer forma, obrigado por ler "Visionária".

Infelizmente, essa fanfic não recebeu muita atenção comparada a "Desconexão". Um fator possível para isso é por ele ser uma seqüência. Se houver outro... no momento eu desconheço.

O final dessa obra abriu um novo mundo. Eu tenho vários enredos prontos para serem explorados, mas temo que no próximo trabalho eu estarei escrevendo apenas para mim mesmo... Como tenho uma política de terminar algo que eu começo, eu terei que pensar muito sobre isso.

Em respeito aos meus poucos leitores, ainda haverá um capítulo especial com algumas cenas removidas. Lá eu anunciarei a minha decisão.



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