Visionária escrita por Jafs


Capítulo 15
Ano zero




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“Huhuhaha! Essa história foi muito boa, Sayaka.”

Era festa no apartamento da Mami, as garotas haviam voltado da escola ansiosas por este momento. O local estava decorado com balões e uma grande faixa colorida de boas vindas.

“Você vai ter que contar essa de novo quando eles aparecerem.” A loira estava de pé e deu um tapinha no ombro da garota de cabelos azuis, que estava sentada à uma grande mesa, repleto de gostosuras.

“Enquanto eles não vêm, sirvam-se! Não se acanhem! Tem mais na cozinha.” Disse Mami, agora olhando para a ruiva que estava sentada na cadeira vizinha. “Mas sem pegar tudo com a mão, tem talheres para isso. Não é Kyouko?”

Contornando a mesa, ela foi até as duas garotas que estavam arrumando a pilha de presentes. “Madoka, Homura. Já está bom assim, podem se sentar à mesa. Por favor. O resto deixe comigo.”

Enquanto guiava as duas, Mami checava se tudo estava ordem, se nada faltava. Ela constatou que, sim, algo estava em falta. “Nagisa?! Você já comeu todo o cheesecake?!” Ela então piscou para a outra menina. “Não precisa ficar com essa cara, Yuma. Eu vou trazer um pedaço só para você.”

A garota com grandes cachos seguiu até a cozinha, mas no meio do caminho ela parou para contemplar a luz que adentrava através das grandes janelas.

O céu branco e suas nuvens negras cobriam o mundo com suas cores tão ameaçadoras quanto tristes. E saber que apenas alguns centímetros separavam aquilo do ambiente aconchegante e feliz que todas estavam.

Acho melhor instalar umas cortinas bem coloridas. Mami sorriu, satisfeita com a idéia, quando então ela ouviu o som da campainha. “Hã?! Eles chegaram?” Excitada, ela correu até a porta.

Porém, antes de por a mão na maçaneta, sentiu um arrepio na espinha. Eram seus instintos que estavam lhe avisando? Ela não tinha certeza, mas além daquela porta havia um mundo muito, muito perigoso. Todo cuidado era pouco.

Com toda a educação, ela falou. “Residência dos Tomoe.”

“Mami-san? Que alívio, você está bem.” Respondeu a voz feminina do outro lado da porta.

Voz que Mami reconheceu. Gentil, inocente, para não dizer ainda infantil. “Q-Quem... é?”

“Sou eu, Madoka Kaname.”

A loira se virou para as pessoas na mesa. Madoka estava justamente naquele momento cortando um pedaço de bolo para Homura. Confusa, e agora até assustada, ela pediu. “Poderia repetir?”

“Madoka. Não se lembra de mim?”

“Bem... é que você não pode ser Madoka, pois ela já está aqui.” Mami levantou a voz para chamar a atenção das outras garotas.

“Ah...”

Aquilo tinha sido um suspiro de decepção? Mami não tinha certeza, mas era o que ela havia sentido. “Olha... se de algum modo você descobriu que haveria uma festa aqui e queria participar, não tem problema algum. Eu recebo de braços abertos. Contudo, é muito feio mentir e ficar fingindo que é outra pessoa...”

“Vai ficar tudo bem. Deixe-me entrar e eu explicarei tudo.”

Vai ficar tudo bem? Mas tudo já está bem. Aquilo só deixou Mami ainda mais confusa. “Só pensarei em deixar você entrar se você revelar quem realmente é.” Então ela sentiu de súbito uma poderosa magia do outro lado porta.

“Eu terei que entrar. Eu irei entrar.”

O que era aquilo? Nunca havia sentido algo similar. A voz expressou suas palavras com determinação, até era ameaçadora, como as coisas que existiam lá fora. Seria alguma nova forma de demônio? Ou até mesmo alguma garota mágica mal intencionada?

Não vendo escolha, seu uniforme escolar deu lugar para suas roupas mágicas e conjurou um mosquete. “Certo... só um momento.” Enquanto se afastava da porta, flashes de luzes, cada um de uma cor, iluminaram o apartamento. Mami olhou para trás, contente em saber que não estava sozinha.

Da sua mão livre, dois laços foram conjurados. Um foi direto até a maçaneta da porta e o outro passou por baixo dela.

“Ahhh!”

A voz denunciou que havia dado certo. Mami então abriu a porta e puxou a sua presa para dentro. Diante dela agora estava uma garota em um majestoso vestido branco, onde a parte interna da saia era de um indiscernível vazio escuro, como um abismo. Seus olhos eram exatamente o oposto, um dourado fulgurante. Seu cabelo rosa tinha mechas tão compridas que iam até porta e desapareciam na paisagem branca.

Mas as feições, estas Mami não pôde negar. “Você se parece mesmo com ela.”

A garota presa pelos laços respondeu. “Você se lembra de muita coisa, isso é um bom sinal.”

“O que quer dizer com isso?” Mami fez um gesto com a mão.

Os laços puxaram a garota contra a parede.

Ela apontou o mosquete. “É melhor mesmo que se explique.”

“Não! Para Mami!”

A loira mal teve tempo de virar antes de ser abraçada por uma menina com touca marrom e longos cabelos brancos, que veio correndo pela entrada.

Mami ficou estupefata. “Nagisa?!”

“Somos nós! Baixe a arma, por favor...”

Ouvindo o apelo dela, Mami quase obedeceu, só não o fez porque logo se deu conta que algo estava muito errado. Ela empurrou Nagisa e fez laços surgirem do chão para segurá-la. “O que é isso?! Outra impostora?!”

“Impostora?” Nagisa ergueu as sobrancelhas.

“Ela precisa de ajuda.” Disse a outra garota que estava amarrada.

“Parem com isso!” Mami se exaltou. “Eu não preciso de ajuda! Parem de nos confundir!”

“Mami!”

Ela atendeu ao chamado da menina, que estava sorrindo.

“Por um momento eu achei que tínhamos nos separado novamente.” Nagisa continuou. “Mas agora, mais do que nunca, tenho certeza que a distância que ainda há entre nós é muito pequena.”

Mami pôs sua mão trêmula na cabeça.

“Só basta provar quem eu sou.” Nagisa transformou sua face.

Não somente isso, Mami viu a menina encolher, fazendo com que os laços que a seguravam acabassem no chão. Em meio a eles, lá estava uma boneca de pano.

“Bebe...” A loira ficou boquiaberta, mas ainda não estava completamente convencida. “Isso... isso só quer dizer que você pode se transformar também.” Nisso ela chamou a outra Nagisa, a verdadeira, até ela. “Vamos, mostre para nós.”

Porém, a outra Nagisa nada fez.

“Nagisa...” Os lábios de Mami estremeceram. “Vamos!”

“Ela não pode.” Disse a garota de longos cabelos rosas.

“Não fala! Não fala!” Mami ameaçou com o mosquete em uma mão, enquanto a outra ela pôs no ombro da menina. “Se transforme! Eu... Eu preciso disso. Por favor!”

Bastou um empurrão.

A outra Nagisa, a verdadeira, caiu no chão como uma estátua e se estilhaçou em milhares de fragmentos de cerâmica, tão finas quanto a casca de um ovo.

Mami arregalou os olhos. Entre os fragmentos havia um laço que estava conectado ao seu tornozelo. Ela seguiu o laço até as garotas mágicas próximas a mesa e percebeu que todas elas estavam enroladas nele. Ela então, com a sua vontade e magia, moveu o laço, fazendo com que elas se movessem também.

“Elas não são reais.”

A afirmação daquela garota que dizia ser Madoka deixou Mami mais perturbada ainda. Não eram reais? Então como passou um bom tempo com elas planejando essa festa? As reuniões na escola? Estava tudo tão claro...

Mami prendeu a respiração. Não, não estava claro. Não havia memórias, apenas um sentimento, um desejo. “Mas... essa era a festa de boas vindas dos meus pais. Eles...?”

“Sinto muito.” Disse Madoka.

A boneca abaixou a cabeça. “bbbrrriiii...”

“Ah...” Mami voltou a tremer. Raiva, desgosto, fúria, tristeza, sua face não sabia qual expressão transmitir, somente atos o fariam. “AAAAHHHHHH!” Ela atirou com o mosquete, estourando a cabeça de Homura e Kyouko que estavam no caminho da bala, que também perfurou o vidro da janela e a paisagem atrás.

AAAHHH! AAAHHH!” Enquanto o céu branco, com as suas nuvens negras, rachava, Mami correu e com o corpo da sua arma, foi quebrando cada uma das suas falsas amigas. “AAAHHH!” Laços brotaram do chão e jogaram a mesa e todas as suas delícias para o alto.

Os laços que prendiam Madoka ficaram frouxos e ela se libertou.

A boneca escondeu seu rosto com as suas longas mangas.

Por fim, Mami arremessou seu mosquete contra a pilha de presentes e caiu ajoelhada. “Ah... ah... sempre serão apenas sonhos, não é?”

“Não há mal em sonhar.” Respondeu Madoka.

“Huhu... huhu... huhuhahaha...” Em meio a gargalhada, Mami olhou para as suas próprias mãos. “Eu posso ver agora. Eu não posso sonhar, pois eu nem sou REAL!

Logo após ouvir aquilo, a boneca viu o corpo de Mami se desfazer em um turbilhão de laços que subiu até o teto do apartamento antes de formarem um monte no chão.

Madoka fechou os olhos. “Está enganada...”

Nagisa, com as suas pequeninas pernas, se aproximou e lá estava, em meio a eles, uma boneca de pano. Era muito pequena, do tamanho de uma xícara de chá. Seu corpo era desproporcional, fina como um palito na cintura, mas tinha busto e um quadril muito largo, tudo estava coberto por vestido com saia de cor verde desbotado. Na saia havia um bolso azul com bordas vermelhas que chamava muito a atenção por se parecer como uma boca. Abaixo da saia, seus quadris e pernas eram compostas por finos laços brancos que espiralavam até os seus ‘pés’. Similar, seus braços eram laços, tão amarelos quanto a sua larga touca envolta da cabeça. A cabeça em si era como uma pequena e delicada flor, com uma chamativa combinação de pétalas verdes, azuis e caramelo, com um núcleo branco com pistilos vermelhos. Uma etiqueta estava amarrada na touca, com runas inscritas em ambos.

“bbbrrriiiiCandeloroii?” Nagisa leu as runas que estavam na touca da outra boneca, considerando que aquele era o nome da bruxa de Mami.

Candeloro virou sua cabeça e estendeu seu ‘braço’.

“bbbrrriiii!” Nagisa não estava preparada para desviar e o laço a prendeu, iniciando uma forte constrição em seu corpo. “bbbrr...” Ela fechou bem a boca, onde logo suas bochechas estufaram. Deixar escapar sua forma de serpente poderia escalar a situação para algo muito mais perigoso.

“Você é real, Candeloro.”

A bruxa lançou seu outro braço contra Madoka.

Que bloqueou com o seu próprio, a garota observou o laço serpenteando sobre o seu membro e o apertando. “E podemos fazer uma festa de boas vindas real, com convidados reais.”

Candeloro virou-se para a garota e começou a flutuar.

“Por isso que estou aqui, preciso de você. Eu até trouxe alguém para te ajudar.” Madoka sorriu. “Ela se chama Charlotte e ela é muito boa na cozinha, sabia?”

Os laços afrouxaram e Nagisa pode expressar seu alívio na forma de um gole.

O laço, aos poucos, foi deixando o braço da Madoka. “Ela aprendeu com alguém muito especial, ela pode contar algumas histórias sobre isso enquanto vocês preparam tudo.” Ela então olhou para a porta. “Ah... eu preciso buscar eles, vocês podem começar agora?”

Candeloro deu uma pirueta e levou o laço a sua cabeça ao ver toda aquela bagunça. Sem perder tempo, ela saiu voando em direção a cozinha.

“bbbrrriiii!” Com Nagisa sendo puxada pelo laço. Seus olhos multicoloridos se encontraram com os dourados.

Madoka levou as mãos ao peito.

A boneca respondeu com um sorriso antes de sumir de vista.

/人 ‿‿ 人\

Os olhos de Oriko registravam um mundo sem igual. Caída sobre um chão inexistente, ela via infinitas cadeiras flutuarem em uma paisagem de branco sem fim.

Com memórias dos últimos acontecimentos, sua voz cansada pronunciou a única conclusão plausível do que estava acontecendo. “Eu... estou morta...?”

“Não.”

A garota deitada viu Homura, de braços e pernas cruzadas, sentada em uma cadeira que flutuava próximo dela. “Você...”

A garota de longas tranças negras sorriu. “Bem... eu posso providenciar isso.”

Oriko rangeu os dentes, mas não pela raiva e sim pela dor que a consumia. “Aaaahhgg!” Seu braço fez um movimento reflexo e sua gema da alma corrompida rolou pelo chão.

“Então você não se transformou ainda, eu realmente estava achando estranho.” Comentou Homura. “Eu nunca vi você se tornar bruxa, nunca lhe dei tal chance. O que vai ser? Hmmm...”

“B-Bruxa... esse é o nome...” Oriko tentava alcançar a gema com o seu braço trêmulo. “Para o... que acontece... q-quando uma garota mágica não... desaparece...”

“Você não tem idéia alguma.” Homura suspirou. “Eu até simpatizo contigo, pois houve uma época em que eu também acreditava que nossas almas eram entregues a inexistência. Porém, no final é isso que somos, não podemos escapar.”

“Ei você! Fica longe do amorzão!”

Oriko virou a cabeça em direção aquela voz, surpresa.

De pé naquele cenário branco, Kirika estava com Yuma ao lado dela.

“Vocês também estão aqui, e presumo que com as sua gemas...” Homura pendeu a cabeça para o lado. “Aliás, elas devem estar impuras, mas mesmo se não estivessem, acham que teriam alguma chance?”

Kirika estendeu sua mão, fazendo surgir sua gema e, em um flash de luz, seu uniforme de garota mágica.

“Contudo, eu não tenho interesse por lutas sem sentido...” A cadeira flutuante onde Homura estava sentada começou a recuar. [Você sabe com o que eu estou curiosa, Oriko Mikuni.]

“Ela está se afastando. Mama precisa da gente!” Yuma fez menção de avançar.

Prontamente impedida por Kirika. “Tenha cautela, amorzinho. Vamos bem devagar.”

Oriko, em meio a dor, continuava a ouvir a voz de Homura.

[Como será que elas vão reagir quando você revelar, pessoalmente, o destino das garotas mágicas?]

Ela arregalou os olhos e tentou gesticular para as duas garotas que se aproximavam, mas seu corpo não obedecia. “... n... a...” Sua voz, agora, também não saía. A primeira a chegar foi Kirika, que segurou sua cabeça enquanto devia estar olhando para Homura. Mas ela não sentiu o toque, muito menos ouviu qualquer coisa quando a garota abriu a boca para falar. Só havia dor em seu ser, que parecia que estava prestes a eclodir por debaixo da sua pele suada.

Foi então que ela viu Yuma passar envolta dela e pegar a sua gema. A menina mostrou para Kirika como ela estava escura, mas Oriko viu algo mais: alguns pontos de luz dançavam em meio a corrupção e ela sentia que sua dor seguia o mesmo padrão. Mesmo com tamanho sofrimento, ela sabia que precisava resistir ou aconteceria algo muito pior do que todos os seus pesadelos e visões. Ter a oportunidade de ver as pessoas que ela amou tanto, vivas, apenas para que ela mesma destruísse, era impensável.

Mas morte delas não seria algo ruim.

A idéia que surgiu dentro de Oriko fez com que a sua dor sumisse de súbito.

Qual o sentido de viver naquele vasto nada que elas estavam? A morte só viria mais lenta, era melhor terminar agora e não precisar mais ter medo de perdê-las.

Não, a dor ainda estava lá, apenas agora ela havia preenchido todos os cantos, até os mais obscuros, do seu corpo. Não havia sobrado espaço para o oposto disso.

Já era mais do que chegada a hora de eu me fechar em meu mundo.

Kirika e Yuma estavam tão pequenas. Claro! Como poderia ser diferente se a imagem delas estava em uma pequena coluna na página do jornal, um evento sem importância. Algo que será esquecido e abandonado que nem ela foi.

A gema que Yuma segurava começou a estremecer e soltar faíscas negras.

Para se tornar notícia principal tem que ser algo mais brutal. Eu posso tirar a vida delas rápido e depois arrancar algo do corpo delas para...

Um mantra ecoou pelo ambiente, fazendo com que Oriko convulsiona-se. “A... Agg...”

Com aquele cenário branco, não fora tão fácil discernir os demônios que surgiram em volta das garotas.

“Droga!” Kirika se levantou. “Mais essa agora?”

“E-Eles estão machucando a mama.” Yuma passou o polegar sobre anel da sua mão. “E eles têm cubos!”

“Não temam!”

Os demônios desapareceram com aquela voz e a garota no chão parou de se debater. Kirika e Yuma se viraram para onde havia vindo aquilo.

Madoka vinha voando lentamente com suas asas de luz. Suas mechas sem fim balançando como se estivessem imersas em um líquido.

Kirika estava mesmerizada. “Não... é aquela garota.”

Yuma também. “Uhum...”

Oriko viu a garota de olhos dourados descer até ela e por ambas as mãos em seus pômulos.

O semblante de Madoka era ao mesmo tempo sereno e imponente. “Você acredita agora?”

Seu corpo continuava exausto, mas dor havia ido embora, se escondeu diante daquele toque que ela fora capaz de sentir. Sua face contraiu e chorou, chorou em alívio e vergonha.

“Oi...”

Madoka atendeu aquela tímida chamada. “Olá minha jovem Yuma-chan. Vocês podem me chamar de Madoka.”

“Você sabe meu nome...” Yuma desviou o olhar, um tanto surpresa, mas logo estendeu sua mão com a gema escura. “Hmmm... você pode ajudar ela?”

“É...” O choro da sua amada cortava o coração da Kirika. “Aqueles demônios desapareceram assim que você apareceu. Você deve ser bem forte, né?”

“Eles não estavam fugindo de mim.” Madoka respondeu. “E eu não posso salvá-la.”

Kirika e Yuma ficaram aturdidas.

“Somente ela pode se salvar, eu apenas seguro a mão.” Com o tecido das suas luvas, Madoka secou as lágrimas da Oriko. “Mas essa não é a hora.” Ela se levantou e virou.

Caminhando pela paisagem branca, Sayaka evitava as cadeiras no caminho.

“Ela também tá aqui.” Comentou Kirika enquanto afastava uma mecha rosa que ficou na sua frente.

“Sayaka-chan...” Madoka acenou.

“Você me assustou! Tudo virou luz, achei que tivesse acontecido o pior.” Sayaka parou na frente dela. “Eu acho que vi uns demônios também.”

“Aqui eles não farão mal algum.”

“Certo... então eles são do bem agora?” A garota de capa olhou de relance para a escuridão na saia da outra. “hmmm... Madoka... está tudo bem?”

“Isso era o que eu esperava.” Madoka juntou as mãos, sua expressão mais séria. “As coisas mudaram, mas para melhor.”

Sayaka acenou, concordando. “Como você, assim espero. É muito perigoso quando você sai e fica sob o alcance do Kyuubey ou de qualquer um que possa interferir a esperança que você construiu aqui.”

Madoka abaixou o olhar.

Porém, Sayaka não notou, pois sua atenção estava voltada para as outras três garotas. “E parece que você já está trabalhando, conseguiu resgatá-las bem rápido.”

“Na verdade elas ainda estão com as gemas.”

“Sério?” Sayaka então viu que a menina estava segurando uma gema da alma completamente corrompida. “Como isso é possível?”

“Devemos acreditar em milagres.” Madoka sorriu. “E você trouxe algo que eu estava precisando.”

“Ah sim...” Sayaka revelou que estava carregando uma semente da aflição em sua mão. O objeto tinha adornos metálicos na forma de um grande olho, assim como havia no topo do globo negro.

“É a Kyouko-chan, não é?”

“Sim, foi uma luta difícil.” A garota mágica azul entregou para Madoka. “Eu pude sentir o quanto ela estava perturbada.”

“A alma dela já estava nesse estado muito antes dela sucumbir ao desespero.” Madoka deslizou seus dedos sobre a semente, enquanto voltava sua atenção para Yuma. “Vamos trazê-la de volta.”

A menina ficou curiosa com a aproximação da garota com aparência divina. Ela viu quando a garota colocou o estranho objeto perto da gema, logo absorvendo a essência negra assim como os cubos faziam.

Com isso, Oriko puxou ar pela boca e ergueu seu torso de súbito.

“Amorzão!” Kirika segurou para que ela não caísse.

Ela ainda estava suada, mas Oriko não sentia fadiga alguma, respirar retornara a ser algo trivial. Alegre com a sua recuperação, só notou que sua gema brilhante estava de volta em sua posse quando sentiu ela ser colocada na palma da sua mão, pela própria garota que ela jurou salvar.

A esperança encarnada.

“Mama...” Yuma não escondeu suas lágrimas de medos que não se confirmaram.

Madoka ainda carregava a semente. “Eu preciso purificar vocês duas também.”

As gemas das almas verde e roxa passaram pelo mesmo processo, enquanto semente agora pulsava uma luz branca.

“Isso é mais do que suficiente, obrigada.” Madoka se afastou. “Poderiam aguardar aqui? Depois eu falo com vocês.” Oriko já estava de pé, abraçando sua família, quando ela retornou até Sayaka.

“Então... vai começar?” A garota de cabelos azuis indagou.

“Sim.” Madoka jogou a semente, mas o objeto não foi ao chão. Ao invés disso ele ficou rodopiando no ar cada vez mais rápido até que uma imensa coluna de fogo o engoliu.

“O que...” Aquilo chamou a atenção da Oriko.

O som das intensas labaredas aos poucos deu lugar para um de relinchar e uma cavaleira pulou para fora daquele inferno com o seu cavalo.

Yuma ficou boquiaberta. “Ah... ah...”

“Isso não pode ser real...” Com Kirika não foi muito diferente.

A única chama que restou no final foi a que estava na vela da cavaleira, que empinou seu cavalo e girou sua lança. Foi nessa hora que as longas mechas de cabelo a seguraram.

“Muito bem Madoka!” Sayaka comemorou.

A cavaleira lutava para se libertar, até usava seu fogo para queimar as amarras.

Mas Madoka enviava mais mechas. “Kyouko-chan... você vai se lembrar quem você é.”

Sayaka trocou olhares com o cavalo. “Ei... será que eu posso ajudar?”

“Eu estou entregando a ela as memórias da sua existência ao longo da miríade de possibilidades. Logo vai acabar.” Disse Madoka. “Mas se quiser participar, não há problema.”

“Ok.” Sayaka se aproximou mais da bruxa, com um sorriso. “Kyouko, você sabe, não é? Não tenta fingir que não ouviu.”

A chama da vela queimou mais forte.

“Você perdeu.” Sayaka cruzou os braços. “Isso significa que você me deve um picolééé~.”

O cavalo relinchou, chutando o ar como podia com os seus cascos presos.

“Eu vou querer ele agora.” Ela continuou. “De preferência, sabor framboesa.”

A cavaleira puxou com toda sua força os cabelos que a prendia, até sua vela apagar. Seu corpo, assim como o do cavalo, rachou e colapsou, formando um tapete de cinzas no chão. O quimono vermelho desceu suavemente, cobrindo tudo.

“Elas derrotaram aquilo facilmente...” Comentou Kirika, para tentar quebrar o silêncio entre elas.

Mas Oriko não se manifestou.

Enquanto Yuma estava atenta para o que se erguia por debaixo daquele manto.

Madoka recolheu suas mechas, satisfeita.

“Eu... não... me lembro...” Disse o que rastejava sob o tecido.

“Oi?” Sayaka se inclinou e pôs a mão na orelha. “Desculpe, eu não ouvi.”

“Eu não me lembro de ter apostado de novo!” Kyouko se ergueu, em seu uniforme de garota mágica, o quimono se tornando seu longo rabo de cavalo assim que ela o balançou. “Qual é! Depois fala que eu é que tô fingindo que não... ouviu...”

Sayaka respondeu. “Certo, eu vou deixar essa passar.”

A certa distância dali, três garotas ficaram ainda mais estupefatas. Especialmente Yuma. “Kyouko-neechan...”

A ruiva ficou piscando os olhos. “S-Sayaka?!” Ela observou uma cadeira flutuando atrás da outra garota. “Aquilo é...”

“Bem vinda, Kyouko-chan.”

Kyouko deu atenção aquela voz e... “AAAHHH!”

Madoka recuou com o grito dela.

“Ei Madoka, esses olhos assustam, sabia?”

A dona dos olhos dourados abaixou a cabeça. “É?!”

“Não se preocupa.” Disse Sayaka. “Ela se acostuma.”

“Perae, perae... Sayaka, Madoka...” Kyouko ficou apontando para as duas.

“Uhum...” A espadachim acenou com a cabeça.

“Esse lugar esquisito...” A garota mágica vermelha olhou para si própria. “Então eu... s-sem chance! I-Isso quer dizer que eu...”

Sayaka fechou os olhos e sorriu. “Sim.”

“Como é possível?” Kyouko levou a mão à cabeça. “Eu não consigo me lembrar, quer dizer, eu me lembro, mas são tantas coisas... n-não faz sentido...”

“Isso é normal, Kyouko-chan.” Madoka falou com sua voz mansa. “Essas memórias são suas, mas que estiveram separadas pelos caprichos das eventualidades.”

“Ai não! Cê parece a Homura falando desse jeito, só pra dar dor de cabeça...” Kyouko olhou envolta, tentando compreender aquele lugar que mais parecia uma barreira de bruxa, quando se deparou com uma menina. “Yuma? Yuma?!”

A menina de cabelos verdes ficou assustada com a forma que a ruiva olhava para ela.

“O que foi?” Sayaka indagou.

“Por que ela está aqui? Por que essas duas malditas estão aqui?!” Kyouko exasperou. “YUMA! Sai de perto delas!”

Yuma, ainda mais assustada, se escondeu atrás da Kirika.

“Mas o quê...?” Tão confusa quanto indignada, a garota com rabo de cavalo avançou. “YUMAAH!”

Porém, Madoka segurou seu braço firmemente.

“Me larga!”

“Não, Kyouko-chan!” Madoka forçou a garota para ficar de frente para ela e segurou seus ombros. “Essa não é a Yuma que está pensando ser.”

Kyouko mantinha sua voz erguida. “Do que diabos está falando?!”

“Por favor! Você é capaz de se lembrar disso.”

Com o pedido de Madoka, os olhos vermelhos da garota pararam de se mover, pois ela procurou por algo que somente encontraria dentro de si mesma. “Sim... tem algo que eu me lembro. Uma fumaça preta...” Depois seus olhos foram tomados pela fúria, focando em uma garota.

Kirika sentiu o intento homicida. “Oh-oh...”

“Aquela garota me drogou ou algo assim.” Kyouko tentou se libertar. “Eu vou matar ela!”

“Não Kyouko! Você não po...”

A ruiva deu uma cabeçada na cara da Madoka, a derrubando, então estendeu seu braço para chamar a sua lança. Antes que ela viesse, porém, uma garota pulou em suas costas. “Ah! Sayaka?!”

“Fica calma!” As duas rolaram no chão. No fim, Sayaka acabou ficando sob Kyouko, imobilizando a outra em um forte abraço.

“Me solta! Eu vou acabar com a raça dela! Ela merece!”

“Não!” Sayaka dava o seu melhor para conter toda aquela ira. “Eu não vou deixar você seguir esse caminho de novo!”

Kyouko rangeu os dentes. “Você não sabe! Ela me fez eu ver minha família queimar!”

Oriko via tanto a luta daquelas duas como Yuma e Kirika, estarrecidas ao seu lado. Nada podia fazer além de baixar a cabeça e pôr a mão no peito.

“Eu sei que matar ela não vai mudar isso, só ficará um vazio.” Sayaka respirou fundo e exclamou. “E quando se der conta, você nunca mais vai deixar de ser uma bruxa!”

“Deixa eu matar ela! Deixa eu matar ela... uuu... deixa... uuuu... uuuaaahhh!”

Sayaka sentiu o corpo da sua companheira se render as lágrimas. “Você pode chorar. Quando vim para cá, foi a primeira coisa que eu fiz.” Seus olhos, que também lacrimejavam, registraram a presença de uma garota em pé ao lado delas.

Madoka tinha uma mão cobrindo sua face, que aos poucos ela abaixou revelando uma expressão de compaixão e empatia.

[Madoka Kaname.]

A garota atendeu a telepatia da Oriko.

Que continuava de cabeça baixa. [Sakura-san tem razão, exceto que a culpa não é da Kirika. Eu que sou a responsável...]

[Você fala como se tivesse matado ela.]

A interrupção fez com que Oriko olhasse com surpresa para Madoka.

[A verdade é que você apenas a fez confrontar com os seus demônios interiores, a maldição que corroia sua alma, que cedo ou tarde ela teria que fazer.] Madoka então começou a voar até a outra garota. [Agora cabe a ela decidir seu próprio destino.] Quando ela pousou, sorriu. “Posso falar com a Yuma-chan por um momento?”

Oriko ficou atônita, como uma presença e voz podia ser tão suave quanto intimidadora? “C-Claro...”

Yuma, ao ouvir aquilo, se escondeu novamente atrás da Kirika.

Mantendo o sorriso, Madoka assegurou para as duas. “Eu sei que é perturbador o que presenciaram, mas eu estou aqui para que tudo termine bem.” Depois se agachou. “Yuma-chan, poderia mostrar a gema em seu anel?”

A menina olhou para Kirika, que em resposta acenou e pousou a mão em suas costas. Com isso, ela timidamente mostrou a palma da mão esquerda.

“É uma cor muito bonita” Madoka usou suas mãos para cobrir aquela. “Eu farei algumas perguntas, não tenha pressa em responder.”

“O-Ok...”

“Então vamos começar.” Madoka então indagou com serenidade. “Você ama Oriko-san?”

Oriko, que não estava olhando para elas, sentiu um arrepio com a questão.

“Sim! Ela é a minha mama.”

E um aperto no coração com a resposta.

“Bom.” Madoka voltou a perguntar. “Se ela mentisse para você para te proteger, você ainda a amaria?”

Oriko apertou seus lábios e punhos.

“Hã?” Yuma ergueu as sobrancelhas, até Kirika fez o mesmo.

Madoka apertou mais a mão.

A menina desviou o olhar, o contrair de suas têmporas denunciando sua tensão. Por fim, ainda sem olhar para a garota, ela acenou com a cabeça confirmando.

“Isso, Yuma-chan. Agora uma última questão.” Madoka continuou. “Se ela machucasse pessoas para proteger o mundo, você ainda a amaria?”

Com a pergunta, Yuma olhou para Oriko, que não conseguia esconder o tremor de seu corpo.

“Ei garota.” Kirika interveio. “Não acha que isso é muito...”

“Ela precisa responder.” Madoka foi enfática.

Yuma respirou fundo antes de perguntar. “São pessoas más?”

“Não.” A garota de pomposos laços brancos balançou a cabeça.

Yuma então abaixou cabeça.

Madoka sentiu entre suas luvas o estremecer daquela pequenina mão.

“Elas... são garota mágicas?”

Oriko ergueu a cabeça. Respirava pela boca, seu tenso corpo incapaz de se controlar.

Madoka voltou a abrir um sorriso. “Podem ser...”

Yuma fechou os olhos e contraiu a testa, além de seu queixo ao prender a respiração.

Madoka era como uma estátua agora, aguardando pela resposta.

Kirika também ficou cabisbaixa, percebendo o quanto seu pequeno amor agarrava-se a suas roupas com a outra mão.

Finalmente, Yuma voltou a sua atenção para a expressão calma e paciente a sua frente. Ela exalou todo ar preso e engoliu seco. Seus olhos azuis pareciam até mais vivos, quando ela entreabriu a boca, pronta para proferir as primeiras palavras

Porém, Madoka soltou a mão dela antes disso. “Basta, não precisa.” Ela se levantou e voltou até Oriko.

A garota estava de olhos fechados e dentes rangendo, parecia estar implorando para alguém.

“Agora só depende de ti.” Disse Madoka. “É o que eu posso fazer por tudo o que fez.”

“O que quer dizer com isso?” Oriko abriu os olhos. “Eu falhei. Eu...”

“Você salvou mais do que pode imaginar.” A garota de longos cabelos rosa olhou para as duas garotas de joelhos. “Mesmo havendo dor em seus atos.”

Sayaka limpava a face da Kyouko, que não escondia o abatimento, com a sua capa.

“Como isso pode ser verdade?” Indagou Oriko.

“É uma questão de esperança.” Madoka deu as costas e saiu voando. [A verdade é que eu esperava que você descobrisse que era preciso quebrar o pequeno prisma.]

Os olhos verde oliva de Oriko cresceram.

[Mas você deu o seu melhor pelo o que acreditou e eu estou grata por isso.] Com essa última afirmação, Madoka voltou sua atenção para a sombra mais escura, que já estava distante, um ponto no horizonte branco.

O olhar frio de Homura examinava as cadeiras flutuantes, cada uma completamente distinta uma das outras, inclusive ao qual ela estava sentada.

Madoka chegou ao lado dela, também sentada em uma cadeira, bastante apreensiva. “Homura?”

“Esse é o fim que você desejou?”

A garota de vestido branco viu que a outra havia descosturado o couro negro que cobria sua mão, palma para cima. Debaixo dele, não havia pele ou carne, apenas ossos. Suspirando, ela pousou sua mão sobre a dela. “Não... não tinha visto chance alguma, mas tínhamos que nos agarrar a esperança.”

“Esperança.” Proferiu Homura, com um olhar perdido. “Ela tem um gosto muito amargo no final.”

“Sim, nem tudo que é bom é prazeroso.” Madoka concordou. “Esse é mais universo que se apaga, assim como tantos outros que eu já vi isso ocorrer, assim como tantos que eu já vi nascer.”

A garota vestida para um funeral olhou de relance para outra.

“No entanto, essa é a primeira vez que eu sou diretamente responsável por isso.”

A atenção de Homura ficou mais focada quando notou uma veia escura, como se fosse uma rachadura, formando um caminho na face da Madoka.

“Eu devo ficar contente, pois a minha maldição não irá se espalhar pelos outros universos.” Ela continuou, contraindo a face. “Mas é tão difícil!”

Novas veias escuras se formaram na face, agora descendo até o pescoço. Temerosa com o que estava acontecendo com Madoka, Homura decidiu falar. “Então era assim que ela iria ‘tentar de novo’...”

“Não existe ‘ela’, apenas eu.” Disse Madoka. “Eu sou a única que carrega essa missão.”

Aquilo explicava o que Homura estava presenciando, porém levantava outras dúvidas. “Mas...”

“Se minha maldição tivesse tempo para concentrar todo seu poder, ela teria possuído você.” Veias negras estavam se espalhando pelo seu peito, como o decote revelava. “Incubator ficou com uma boa parte dela, mas ela pode voltar a crescer se eu não tomar cuidado.”

“Entendo...” Homura não estava certa se ela estava realmente tomando o devido cuidado. “E Oriko Mikuni fazia parte do plano?”

“Nem tudo eu pude revelar, ou minha maldição poderia descobrir através de vocês.” Os olhos dourados cintilaram. “Eu posso ver todos os passados e futuros possíveis, mas não tenho certeza por qual iremos trilhar. Mesmo sendo imperfeita, Oriko-san tem vislumbres do que há a frente e é capaz de mudar o curso dos acontecimentos segundo seus ideais.”

“Mas há algo a mais por trás disso, não?” Homura insistiu.

“Sim. Eu vi todas as vezes que você a matou.” Madoka respondeu. “Basta, é hora de perdoá-la.”

Homura suspirou, seguido por um silêncio.

As veias continuavam a se espalhar quando Madoka voltou a falar. “Homura, agora você sabe que eu presenciei muita dor e desespero, além do meu alcance, mas o pior foram as que eu causei.”

“Que você causou?” Homura disse com surpresa.

“Sim. A Lei dos Ciclos é um nome, um título que recebi e que prevaleceu por aqui. A verdade é que tenho outros nomes, do qual as garotas mágicas me chamam em outras épocas.” A veias negras tomavam posse de seus braços. “Esses nomes foram usados para justificar conflitos, torturas e massacres... infinitas garotas eu salvei, para um número igual de vidas serem ceifadas.” O brilho no olhar de Madoka deu lugar para o seu rosa natural, sua voz ficou mais baixa, fatigada com o pesar. “A grande maioria me vê como uma deusa que trouxe apenas coisas boas, mas debaixo desse símbolo tem apenas uma garota que fez um desejo esperançoso...” Foi então que sentiu dedos entrelaçando com os seus, não eram mais apenas ossos ásperos e frios.

Homura afastou o rosto. “Por favor, não se culpe...”

Madoka deu um leve sorriso, porém logo notou seu braço. “Ah!” Ela tirou a mão e observou as veias desaparecendo ao longo do seu corpo. “Eu assustei você de novo, não foi?”

“Então você deve saber... das ruínas daquele edifício sob a chuva.”

Madoka levou seus dedos até os lábios. “Sim, desculpe.”

“Eu disse para não se culpar.” Homura balançou a cabeça. “O erro foi meu.”

“Por quê?”

“Se eu sou uma bruxa, não me importo, não me importo com o que eu me torne.” Aos poucos, o couro voltou a se costurar por si mesmo, cobrindo a sua mão. “Mas você me pediu para eu impedi-la de fazer o contrato e se tornar garota mágica, justamente porque não queria ser uma bruxa. É doloroso vê-la assim.”

“Sabe, Homura.” Na palma da mão esquerda, Madoka revelou sua semente. “Eu desejei apagar as bruxas com as minhas mãos. A questão era... como? Matando-as? Imaginar que elas simplesmente não existissem?” Ela juntou as mãos, com o objeto negro em seu centro. “Não... no final eu decidi salvá-las. Eu acho que essa é a minha natureza afinal de contas.”

“Salvar... bruxas?” Homura falou em um suspiro.

“O universo se reescreveu para atender meu pedido. O conceito de bruxa, como você conheceu, não existe mais.” Madoka fechou as mãos na forma de uma oração, reabsorvendo a semente. “As aflições caminham de mãos dadas com a esperança em um ciclo. No entanto, Incubator maculou esse processo com a sua ciência, negando a oportunidade de nos levantarmos quando estivéssemos caídas. Não importa o preço de nosso desejo, merecemos uma chance de lutar ao menos por nossas almas. Então eu corrigi isso.”

“Madoka...” Cabisbaixa, Homura tentava construir uma sentença quando, de repente, sentiu mechas de cabelo rosa tocando sua face. Ela notou que a garota sentada ao lado havia tentando se recostar nela.

 “Oh, desculpa! Wehihi! Eu algumas vezes esqueço.” Madoka ergueu a cabeça e fechou os olhos.

Homura viu com certa surpresa as mechas se desprenderem e o longo cabelo rosa adquirir um aspecto de piche. A gosma se concentrou mais na cabeça da garota, onde voltou a ser cabelo, agora com o corte curto que ela conhecia bem.

Ao abrir os olhos novamente, Madoka disse. “Não tenha medo.” Então finalmente se recostou na outra. “Agora ficaremos juntas.”

“Madoka...” Homura quase fechou por completo seus olhos violeta. “Você não vai parar, não é?”

“Eu não posso.”

“Eu devia saber, como fui tola...” As palavras saíram entre seus dentes. “Pudera, você não teve escolha não ser dizer que iria voltar.”

“Hã?!” Agora era Madoka que estava surpresa. “Mas é claro que vou voltar!”

“Mas como...?”

“É verdade que eu sempre terei garotas para salvar.” Madoka continuou. “Porém estou além do tempo e espaço, então posso me dar ao luxo de ditar o ritmo disso.”

Homura então trocou olhares com ela.

“Além do mais, existe um lugar que eu não consigo alcançar, então terei que ir pessoalmente.” Então Madoka puxou uma das tranças.

Isso fez com que Homura franzisse a testa.

“Eu também não sei como isso é possível.” Madoka examinou os dois laços na ponta.  “Por isso eu quero que você me acompanhe.”

Pensando sobre aquela oferta, Homura comentou. “Você disse que as garotas daqui dependem de você.”

“Verdade.” Madoka respondeu. “Mas agora eu posso dividir essa tarefa com os meus lacaios.”

“Demônios...” Homura complementou. “... ou devo chamar de anjos.”

“Anjos, demônios... não importa o título, mas aonde você os emprega. Eles são capazes de purificar as almas que vivem aqui e usar a energia obtida para que este lugar seja auto-suficiente.”

“Auto-suficiente? Hmmm...” A garota de cabelos escuros ponderou. “Sua maldição havia me dito sobre a sua incapacidade de enxergar o que ela estava almejando. Agora eu posso ver a ironia nisso.”

“Você tinha razão, Homura.” Madoka ajeitou sua cabeça sobre o corpo da outra. “Nós devemos resolver os conflitos desnecessários, eles só trarão o mal...” Nisso ela sentiu sua cadeira quase escapar debaixo dela.

“Estamos nos movendo?” Homura observava as outras cadeiras que estavam passando por elas.

“Sim, estamos sendo puxadas.” Madoka olhou envolta e logo descobriu que, no pé das cadeiras que elas estavam sentadas, havia um laço amarelo.

Enquanto isso, um laço similar havia capturado Kyouko pela cintura e a puxou para o alto. “EEEIII!”

O mesmo aconteceu com Sayaka. “Whoooaaa!”

“D-Droga!” E com Kirika, junto com Oriko e Yuma.

Todas estavam sendo levadas até uma grande mesa naquela imensidão branca, onde havia cadeiras para cada uma.

Exceto para Madoka e Homura, que foram as primeiras a serem colocadas ali.

Assim que cada uma estava em seus devidos assentos, mais laços brotaram do chão. Alguns teceram paredes com o desenho de um céu, com um arco-íris entre nuvens. Laços verdes menores simulavam a grama e outros cresceram ganharam a forma de macieiras.

Kyouko conhecia muito bem aquela magia. “Não pode ser...”

Oriko primeiro checou se estava tudo bem com as outras duas. Kirika era sua vizinha e Yuma vinha logo depois. Apesar de mais um susto, felizmente não fora nada mais do que isso. Então ela examinou o que estava sobre a mesa.

Havia vários tipos de doces e salgados. Desde bolos confeitados a cubos de queijo no palito, além de bules de chá que exalavam seus aromas no ambiente. O que mais chamava a atenção era uma boneca de pano com cara de palhaço.

Uma face que do qual Oriko se lembrara.

Então a boneca se moveu, virando-se para Madoka.

A garota olhou para ela com as sobrancelhas erguidas e um sorriso.

A boneca piscou o olho e sorriu em resposta, mostrando sua língua roxa e abanando suas longas mangas marrons.

Com um sorriso agora mais tenro, a garota acenou com a cabeça.

“Essa boneca...” Antes que suas palavras acompanhassem a conclusão em sua mente, Oriko percebeu que havia outra boneca, muito menor que aquela e com braços feitos de laço. Aquilo estava sobre a mesa logo de fronte a ela. “Hã? O que...”

Essa boneca então saiu voando, passando ao lado da cabeça da garota. No ar, seus laços foram ganhando comprimento e formando um emaranhado que cobriu ela mesma.

Quando Oriko virou a face, viu aquele bolo de laços ganhar uma forma que lembrava a humana e suas cores mudarem. Quando os laços se apertaram, ela considerou o quão tola era fora por não ter descoberto antes.

Mami estava de pé, vestindo o uniforme de garota mágica que Oriko utilizava, incluindo a mitra sobre seus cabelos loiros soltos. A exceção estava nas cores, que no caso era um verde desbotado com detalhes amarelos. “Oriko-san, o que foi? Não reconhece sua amiga?”

“Mami-senpai...” Antes havia sido Kyouko... A mente de Yuma não tentava mais compreender aquela loucura.

“P-Por favor! Me deixe...”

“Shhh...” Interrompendo o que Oriko estava a dizer, Mami se aproximou da mesa. “Não precisa explicar.” Ela preparou um pires e uma xícara, enchendo com um líquido fumegante escuro. “Eu só gostaria que você provasse esse chá.”

Oriko voltou a se manifestar. “Eu fiz porque era necessário... eu não... sabia... desculpe... eu... não...”

“Necessário?” Mami colocou o bule no lugar. “É por isso que você não precisa se explicar. Apenas beba.”

As duas trocaram olhares.

Mami sorriu. “Eu preparei ele com cuidado.”

Respirando fundo, Oriko segurou a xícara com seus dedos. Por eles estarem trêmulos, ela trazia lentamente até a sua boca para não derramar.

Enquanto isso, Mami novamente ficou atrás da garota e se abaixou para abraçá-la, apoiando a sua cabeça sobre o encosto da cadeira.

Quando seria o momento para sorver o líquido, Oriko não o fez.

“Oriko-san?”

“Isso se parece com chá preto.” Ela engoliu seco. “Mas, por acaso, você não colocou algo a mais?”

“Ah sim! Huhu... é uma receita muito especial.” Então Mami sussurrou no ouvido da outra. “Perfeita para M. E. N. T. I. R. O. S. A. S.”

Oriko arregalou os olhos.

Com a tensão quase palpável, Kirika se levantou. “Amorzão!” Infelizmente, laços emergiram da cadeira e puxaram ela de volta. “Ah!” Prenderam o corpo inteiro, com um cuidado especial com os seus punhos, que foram pressionados junto ao peito, apontados para a sua cabeça.

Yuma nem teve essa oportunidade, pois laços passaram envolta da sua cintura.

“Que desagradável.” Disse Mami para elas. “Oriko-san não ensinou a vocês bons modos à mesa?”

Sayaka também tentou se levantar da cadeira para intervir, porém Madoka segurou seu braço e sorriu para ela, negando com a cabeça.

Oriko consultou as outras que estavam à mesa.

Homura apenas abaixou olhar.

Já Kyouko olhava fixo para ela, mas em uma expressão tensa que misturava rancor com resignação.

“bbbrrriiiiMamiii?”

Com uma aparente apreensão, boneca sobre mesa emitiu um som. Aquilo significava algo? Oriko não soube responder.

Mas Mami tinha uma resposta. “Ainda não, Bebe. Nós só vamos comer depois que ela beber o meu chá.”

“Não Mami-senpai! Você não é má!” Yuma implorou.

“Oh... huhuhu... Yuma-san acha que estou sendo má.” Mami comentou para Oriko. “Você também acha isso?”

“N-Não! C-Claro que não.”

“Então beba tudo de uma vez!” A garota de olhos amarelos falou em um tom ameaçador. “E nada de tentar usar magia, ficaria muito desapontada se você não sentisse o sabor.”

Oriko olhou para Kirika e Yuma, a menina balançou a cabeça para que ela não fizesse. Porém, ela prendeu a respiração e bebeu todo conteúdo da xícara. Uma expressão de dor se instaurou e um fio do líquido escapou de seus lábios. Assim que terminou ela levou a mão até a garganta. “Aaaahhh!”

“NÃO!” Yuma gritou.

“Droga! Oriko!” Kirika se debatia, fazendo a cadeira pular. “Eu vou matar você!”

“Não, não vai.” Mami criou um laço para limpar a boca da garota sentada. “Que desperdício... o que achou?”

Oriko arfou algumas vezes antes de dizer. “Ah... ah... muito... quente...”

“Sim. Já que não estou usando garrafas térmicas, tenho que servir assim.”

Então ela colocou a xícara sobre o pires. “No mais, está bom. Doce... com um toque de canela, Sun Moon Lake?

“Huhu.” Mami levou a mão à boca. “Exato. Têm outros chás, eu coloquei etiquetas embaixo dos bules se quiser identificá-los.”

“Obrigada.”

Kirika e Yuma ficaram sem palavras, confusas.

“Eu queria que você sentisse na pele o quão feio é mentir.” Mami afirmou.

“Não que eu não tivesse tentado com a verdade...” Oriko mal terminou a frase e seu cabelo foi puxado para trás. “Ugh!”

Mami novamente sussurrou. “Você só está viva por causa dela.”

“Eu sei.” Oriko olhou com intensidade para a outra loira.

Que, depois de um momento, sorriu em resposta e soltou o cabelo. Após se erguer, anunciou para os outros presentes. “Por favor! Sirvam-se!”

Kirika viu Mami se aproximar dela e libertá-la dos laços com um mero toque.

“Tenha bons modos...” A garota foi até Yuma e fez o mesmo, além de coletar uma singela lágrima que escorria pela face da menina. “Desculpe, ela precisava aprender uma lição.”

Em um exalo, Sayaka se sentiu mais aliviada. “Bem... acho que podemos comer agora.”

“É... podemos.” Sentada ao lado dela, Kyouko não sentia fome alguma, na verdade nem sentia a vontade de mover o corpo.

Mami fez a volta pela mesa até onde estava a ruiva e as duas se entreolharam.

“Heh.” Kyouko deu um sorriso sem graça. “Esse chapéu... eu sempre achei ridículo.”

A loira sorriu e sua mitra se desintegrou em pequenos laços, depois abraçou o pescoço da outra.

“Gueh?!”

“Mesmo que eu tenha passado por uma experiência similar, eu nem posso imaginar como deve ter sido horrível para você.” Mami recostou sua face sobre aquele cabelo vermelho. “Ver você novamente me deixa tão feliz, mas também preocupada. Sinto que algo rompeu dentro de você.”

Sob o calor daquele abraço, Kyouko rendeu-se as lágrimas. “Merda...”

“Eu não sabia que você tinha vindo, Mami-san. Bem vinda!” Disse Sayaka. “Vejo que foi mais fácil para você do que com essa chorona.”

“Olha quem fala!” Kyouko exasperou.

“Obrigada, Miki-san. É verdade que foi mais fácil, eu tive tempo e ajuda para me preparar...” Mami criou um pano com os seus laços e o usou para secar a face da outra. “Kyouko. Se precisar de mim, é só chamar.”

“Ok...”

“Também tem a mim, não é?” Sayaka deu uma cotovelada. “Aí quando se sentir melhor, eu mostro como sou muito superior a você agora.”

“Hah! Vai sonhando...”

Mami deixou as duas discutindo com um leve sorriso estampado no rosto.

“Esse bolo ficou muito bom! Foi você ou a Nagisa-chan que fez?”

“Esse foi mais eu, mas ela me ajudou com a decoração.” Após responder para Madoka, Mami chegou aonde estava sentada Homura, que estava saboreando um chá.

Quando colocou a xícara sobre o pires, se virou.

“Akemi-san, é bom vê-la novamente.” Disse Mami. “Eu pensei que isso não seria mais possível.”

“Hmmm...” Homura meramente desviou o olhar, sem uma expressão definida.

Foi quando uma perna, usando meia calça de bolinhas, saiu da boca da boneca próxima delas.

“Ah?! Nagisa!” Mami pulou de susto. “Você vai derrubar as coisas da mesa assim.”

A boneca rolou e caiu sobre o chão gramado, então outra perna saiu. Se debatendo, Nagisa tentava botar o quadril para fora.

Mami suspirou. Com um gesto, laços ajudaram a tirar a menina, puxando ela pelas pernas.

Ela acabou ficando dependurada, seus longos cabelos brancos e a parte de trás do xale laranja puxados pela gravidade. “Oie... Acho melhor eu comer nessa forma.” Ela então pôs as mãos no chão.

Com isso, Mami a liberou dos laços para que ela pudesse ficar de pé. “É por isso que há mais cadeiras.” Então olhou para quem estava do outro lado da mesa.

Oriko estava cabisbaixa, com as mãos juntas sobre o colo. Kirika até olhava para a comida, mas não se movia. Yuma abraçava a si própria com a face virada.

“Akemi-san.”

Homura atendeu a loira. “Sim.”

“Eu e Kyouko tínhamos uma idéia sobre bruxas e a Lei dos Ciclos.” Mami continuou. “Mas agora eu percebi, para elas deve ter sido algo muito...”

“Elas não passaram por isso.” Homura interrompeu.

“Hã?”

“Elas estão com as gemas intactas.”

Mami franziu a testa. “Mas... como...”

Antes que as perguntas viessem até ela, Madoka decidiu se levantar. “Todos! Eu tenho um importante anúncio a fazer.”

/人 ‿‿ 人\

Após o banquete, as garotas estavam reunidas novamente em meio a paisagem branca e vazia, excetuando as cadeiras.

A frente delas, Madoka segurava a sua semente.

Sob o questionamento da Sayaka. “Você acabou de chegar, como pode querer se ausentar de novo? Isso não dá para esperar?”

“Dessa vez é diferente e eu posso voltar quando eu quiser. Tente pensar que são como umas férias.” Madoka olhou para onde Oriko e as outras duas estavam. “Além disso, eu preciso tirar elas daqui. Não chegou a hora delas ainda e pode ser muito perigoso.”

“Até podia entender se fosse só isso, mas se aquela garota vai com você também.” Sayaka apontou para Homura e então sussurrou. “Ei...”

“Oi?” Madoka ergueu as sobrancelhas.

A garota mágica azul chegou mais perto. “Será que ela não mexeu com a sua cabeça?”

“Ah... n-não! Hihi.” Madoka sorriu. “Ela não consegue mais exercer esse poder sobre mim.”

“Sei não...” Sayaka olhou com suspeitas para a garota de cabelos negros. “Vou com vocês.”

“Hã? Mas...”

“Nada de ‘mas’! Está decidido.” Sayaka bateu em seu peito. “Preciso ter certeza que a minha Madoka não vai correr perigo.”

“Sua Madoka?” Homura comentou.

“Ela minha amiga ou esqueceu?” Sayaka indagou irritada, porém, logo sorriu e falou com tom de malícia. “Ou isso é ciúme?”

Homura se virou. “O que disse?”

“Nem sei por que a surpresa. Você não confessou seu amor? E ela não anda te chamando apenas de ‘Homura’?” A espadachim cruzou os braços e fechou os olhos. “Eu devia ter imaginado, aquele momento com vocês a sós, consumindo chá e biscoitos.”

Homura cerrou os punhos. “Bolinhos...”

“Erm... Sayaka-chan?” Madoka corou.

“Certamente esse ato de consumação levou vocês a um nível de intimidade que desafia o espaço e tempo. Hohohohoho...” Quando ela abriu os olhos, se deparou com Homura praticamente esbaforindo em sua face. “Ah!”

“Você sempre consegue me surpreender com a sua tolice.”

“Calma Homura! Ela está brincando, eu acho...” Procurando mudar o assunto, Madoka as chamou. “Mami-san, Kyouko-chan.”

As duas garotas estavam juntas, com Nagisa ao lado da Mami.

“Esse é um lugar sem nome, a maioria das garotas simplesmente o chama de Lei dos Ciclos também.” Madoka continuou. “É um lugar de descanso, onde vocês terão todo o tempo que precisarem para procurar ou construir a sua felicidade. E vocês não precisam fazer isso sozinhas, Nagisa-chan sabe muito bem.”

Mami e Nagisa se entreolharam.

“Concentrando-se em sua magia, vocês poderão encontrar com as outras garotas. Apesar de que eu recomendaria que vocês se estabelecessem primeiro.” Madoka juntou as mãos ao peito. “Assim nem precisam explorar, basta abrirem suas almas que elas virão.”

“Hmmm... Kaname-sama.”

“Oh não! Não me chame assim.” Madoka gesticulou para Mami. “E pode me chamar de Madoka também.”

“Ah... certo...” A loira acenou com a cabeça. “Madoka-san... posso ir também?”

“Mas por quê...?”

“Durante todo esse tempo como garota mágica, eu usei o poder que me foi conferido para o bem. Talvez eu não ajudei de muitas formas, mas busquei fazer a minha parte.” Mami abaixou cabeça. “Eu me sinto útil assim. Portanto eu gostaria de acompanhá-la na sua missão, antes que eu crie laços com esse lugar.”

“Entendo.” Madoka falou de forma mansa. “Eu não posso garantir que eu precise da sua ajuda, mas ficarei feliz de você vir comigo, assim como Nagisa-chan.”

“Eu?!” A garota de xale ficou boquiaberta.

“Você iria pedir, não?”

Ela ficou remexendo os dedos. “Bem... hehe... sim, iria...”

“Ei!”

Madoka olhou para Kyouko, já esperando pela resposta.

“Parece que todo mundo que eu conheço vai.” A ruiva deu de ombros. “Então se não for problema...”

“Não será...” Os olhos de Madoka voltaram a brilhar em tons dourados. “É chegada a hora.” Seu cabelo cresceu, com mechas se estendendo pelo ambiente.

“E lá vamos nós...” Disse Sayaka ao ver o branco se dividindo em um emaranhado de cores.

Oriko abraçou Kirika e Yuma e as três fecharam os olhos.

Homura instintivamente também protegeu os olhos diante dos flashes de luzes, mas ela ainda estava ciente que o mundo a sua volta estava mudando através dos seus outros sentidos. O ar estava mais frio, que era trazido por uma brisa. Havia cheiro de queimado e do que seria cimento. Cantos de pássaros, acompanhado por um ruído distante e efêmero de um desabamento.

Quando voltou a enxergar, ela descobriu que estava em uma avenida deserta em uma cidade em ruínas. Haviam escombros por todo lado e alguns prédios tinham vários de seus andares completamente arrancados fora. Diferente do sentimento que aquele cenário desolado transmitia, o firmamento era de um azul vívido e com algumas nuvens de branco puro. “Esse lugar...”

“Isso é Mitakihara?!” Oriko circulou pelos escombros com pressa, olhando em volta. “O mundo não acabou? Mas toda essa destruição... isso não condiz com o que eu vi...”

“Isso não tem nada haver com o que aconteceu.” Homura respondeu. “O que causou isso foi outro evento.”

“Qual?”

A garota abaixou seu olhar violeta e rangeu os dentes. “Walpurgisnatch.”

“Walpurgis...?”

“Mas parece que foi derrotada...” Homura dirigiu a palavra para Madoka. “Que mundo é esse? Você tem que saber de alguma coisa.”

A garota ainda tinha suas mechas rosa conectadas a um portal, com moldura de pétalas de flores, atrás dela. “Eu sei sobre esse mundo, só não tenho idéia de como ele ficou assim.”

[Talvez eu possa ajudar.]

“Ah não...” Kyouko disse, aborrecida ao ouvir aquela telepatia. “Lá vem aquela bola de pêlo de merda.”

Kyuubey estava na beirada de um escombro, observando as garotas abaixo. [Realmente a garotas mágicas abrem infinitas possibilidades, assim como bruxas como você, Madoka.]

Homura arregalou os olhos. “Você sabe?!”

[Esse conceito é trivial para nós, Homura Akemi.] Kyuubey balançou sua cauda. [Porém, isso não era verdade para nossas contrapartes do outro universo. Se fosse o caso, eles teriam um melhor uso para ela.]

“Como você sabe de tudo isso?” Homura começou a caminhar até ele. “Não importa, você não vai...”

Porém, Madoka tomou a frente dela, a impedindo. “Incubator, você sabe o resultado do meu desejo? Por que aqui não mudou?”

“Seu desejo?” Homura desviou o olhar, atônita com a realização. “Então esse é o mundo onde...”

[Não tivemos muito tempo para analisar, pois tecnicamente você fez seu desejo minutos atrás. Contudo, estamos certos que deve ter sido justamente ele a causa.]

“Como?!” As mechas de cabelo de Madoka balançaram.

[Você adquiriu uma quase onipresença, mas sua origem é única e está ligada a esse ponto. Portanto, mesmo que seu desejo tenha blasfemado a ‘causa e efeito’, o que lhe levou a fazê-lo ainda é suscetível a ele.]

“Oh não...”

A criatura continuou. [Para lidar com tal paradoxo, quando os universos foram reescritos, uma parte deve ter rupturado. É difícil dizer exatamente onde isso ocorreu, mas as suspeitas recaem sobre Homura.]

A garota cerrou seus punhos de couro.

“Por que ela?” Madoka indagou, mas sentia que já sabia a resposta.

[Ela uma anomalia dessa linha do tempo. Todos os eventos que culminaram com o seu contrato começaram a partir dela. O fato da viajante do tempo Homura Akemi ainda existir é a prova de que seu desejo não pode torná-lo ele mesmo impossível.] Com a pata traseira, Kyuubey coçou sua orelha. [Mas devo dizer que você trouxe mudanças, Madoka, e são excelentes.]

“E quais são?” Os olhos dourados cintilaram.

[A chave definitiva no combate contra a entropia.] Kyuubey apontou com sua pata dianteira para o portal. [Graças a informação que vazou do outro universo a partir do evento cataclísmico, eu sei que sua barreira é um eixo que conecta inúmeros universos e eras. E matéria, logo energia, e informação não pertencentes a esse universo podem existir aqui sem ferir princípios.]

Oriko ficou abismada. “O-O que ele pretende fazer?”

“Você tem idéia do que está dizendo?” Madoka não escondeu sua indignação. “Nesses lugares existem seres da sua espécie!”

[De fato, mas o que é um universo, mil, milhões... comparado ao infinito?]

“Isso era justamente o que eu esperava ouvir de um Incubator.” Ela afirmou, ainda irritada.

A criatura piscou duas vezes.

“Você nunca terá acesso a esse lugar.” Declarou Madoka. “Afinal, nós temos um contrato...”

[O contrato...]

“Acha que você obteve todo esse conhecimento por acaso?” Ela sorriu. “Eu não o firmei com um indivíduo, mas com todos da sua espécie.”

[Então você planejou isso...] Kyuubey ergueu levemente sua cabeça. [Mas saiba que você não cumpriu com a sua parte. O universo...]

“Eu não cumpri?” Madoka interrompeu, franzindo a testa. “A minha parte se referia a entrega de certa quantia de energia, não havia nada a respeito de universo algum.”

[Isso...]

“Vocês deveriam ter perguntado.” Ela semicerrou o olhar. “Respeite isso ou será o início de uma guerra.”

Mami ficou paralisada. “Madoka... -san?”

[Guerra?] Kyuubey remexeu suas pequenas orelhas. [Por que fazer algo tão sem sentido?]

“As garotas mágicas desse mundo tomarão conhecimento da Lei dos Ciclos e da história por trás da sua criação. Isso será inevitável. Você não poderá continuar com o que está fazendo ou terá que arcar com as conseqüências.” Madoka levou a mão ao peito. “Com a energia gerada com o meu desejo, vocês tem tempo para encontrar outra forma de obtê-la.”

A criatura peluda ponderou sobre aquelas afirmações, até ela se virar e saltar para longe da vista das garotas. [Pois muito bem... mas saiba que esse universo é sua origem. O que acha que pode acontecer se ele desaparecer? Você já tem a solução, não a desperdice.]

Com o silêncio que se sucedeu, Madoka suspirou.

“Mandou bem, garota!” Kyouko comemorou. “Deu quase pra ver a cara de bunda dele.”

“Então iremos contatar todas as garotas mágicas do mundo...” Homura comentou.

“Não exatamente.” Madoka respondeu. “Espero conseguir fazer com que a verdade se espalhe de garota para garota.”

“Então pretende formar uma religião, hein?” De repente, Kyouko ouviu um fungar e sentiu um bafo quente na sua nuca. Ela se virou e ficou completamente surpresa com o animal de cor de pêssego. “Ué?! Um cavalo?! De onde ele veio?”

Oriko respondeu sem expressividade. “Ela surgiu dos escombros e foi direto a você.”

Ao contrário da Sayaka. “É na verdade uma égua!”

“Égua?” Kyouko olhou embaixo do animal. “Ah é... deve ser.”

A égua tinha seus olhos fixados na ruiva e suas orelhas em pé.

“Ela parece estar bem a vontade contigo.” Disse Oriko.

“Tch... mas eu não a conheço, nunca tive um cavalo na minha vida.”

Homura também estava bastante confusa. “Será que é um lacaio?”

“Não tenho certeza.” Madoka afirmou. “Mas tem uma forte conexão com ela.”

“Ok! Ok!” Kirika começou a pular para chamar a atenção. “Alguém me responde isso antes que eu fique mais doida!”

“Mais doida? Isso é possível?” Kyouko olhou para ela com raiva. “Por que não tenta ficar mais morta?”

“Calma!” Falou Sayaka. “Qual é a sua dúvida?”

“A gente tá em um tipo de mundo paralelo ou alternativo ou algo assim, certo?”

“Uhum.” Madoka acenou.

Kirika sorriu. “Quer dizer que tem outra de mim por aqui?”

As garotas se entreolharam entre si.

Exceto Homura, que logo respondeu. “Eu a matei.”

“Hã?!” A garota com olhos cor de brasa ficou boquiaberta.

“Assim como a sua companheira.” Ela continuou. “Eu desovei seus corpos dentro de uma barreira de bruxa para desaparecerem.”

Oriko se manifestou, atônita. “Você... você teve a coragem de fazer isso com a Yuma também?”

“Ela não estava com vocês.”

Com o que Homura disse, Yuma perguntou. “Então realmente existe alguém igual a mim?”

“Ela está morta.”

A menina se virou para ver Oriko cambalear.

“Amorzão.” Kirika a ajudou.

“Eu vi, eu tive que ver.” Oriko pôs a mão na testa. “Eu estava checando notícias antigas. Encontraram o corpo da Yuma em um parque, os pais dela estão presos.”

“Então eles estão vivos...” Yuma balbuciou.

Ouvindo as lamúrias daquelas três, Kyouko comentou. “Vixe... agora eu me lembro que esse é mundo era coisa ruim. Eu estou morta também.”

“E foi por causa de mim.” Sayaka complementou em um tom melancólico.

“Não esquenta, eu ia acabar virando uma bruxa.” A ruiva acariciava cavalo com cautela. “Bem... não que eu não tenha virado uma de certa forma.”

“Mas pensando por outro lado, é bom que estejamos mortas.” Disse Sayaka. “Assim não temos o perigo de toparmos com nós mesmas.”

“O seu caso é diferente Miki-san, pois encontraram seu corpo.” Homura complementou.

“Jura?”

“Sim, eu estive no seu funeral.” Madoka confirmou. “Se a sua família e seus amigos além de nós te verem, haverá muitos problemas. Era isso que eu queria te dizer antes.”

“Haha... hahahaha...” Sayaka botou as mãos atrás da cabeça e forçou um sorriso. “Então no final das contas eu virei um zumbi...” Então viu Kyouko se aproximar para cheirar. “O quê?”

“Tu não me parece um zumbi, não tem cheiro de carne podre, só de suvaco.”

“Suvaco?!” Sayaka empurrou a outra. “Não me vem com essa!”

A ruiva ergueu a sobrancelha. “Quem é a chorona agora, hein?”

A garota de cabelos azuis fez um bico, emburrada.

“Você ainda é a Sayaka, não se esqueça.”

Quando o ânimo entre as duas se acalmou, Mami questionou. “Como vocês sabem de tudo isso? O-O que aconteceu comigo?”

“Ué? Você não se lembra?” Kyouko ficou confusa.

“Eu não acho que esqueci de algo.” Mami olhou para Madoka. “Ou esqueci?”

“Está tudo bem Mami-san. É que você só estava confusa, então não precisei entregar suas memórias de outras vidas.”

“Mas isso é ruim.” Kyouko falou. “Toda a experiência de combate contra bruxas... ela seria mais útil se soubesse.”

“Tem razão.” Madoka se virou para Mami. “Eu farei isso.”

“Eu não vejo necessidade.” Homura opinou.

“E eu não vejo nada de errado.” Kyouko rebateu.

Os olhos violetas se encontraram com os de cor laranja da menina ao lado da Mami. “Madoka, é melhor poupá-la dessa experiência. Você compreende os riscos?”

“Sim e é por isso que vou fazer.” Madoka começou a caminhar até a loira.

Mami ficou ansiosa. “Experiência de combate contra bruxas?”

Homura engoliu seco. “E-Ela não precisa disso! Ela é mais do que competente!”

“Pode ser verdade, mas também pode chegar a hora que ela precise e esse é o momento mais seguro.” Madoka parou na frente da loira.

“Não! Eu não irei permi...” Homura sentiu seu ombro ser puxado, forçando ela a se virar, e então um soco atingiu em cheio seu plexo solar. “Agh... uuuu...” Ela caiu de joelhos e subdivisões de madeira conectadas por correntes prenderam seu corpo.

Diante dela, estava Kyouko. “Eu sei que tu é durona, então não vou ser fácil contigo.”

Enquanto isso, as mechas do cabelo de Madoka se enrolavam na Mami. “Tente relaxar, isso será natural.”

Nagisa apertou os lábios e ficou de costas para as duas.

“Suas idiotas...” Homura abaixou a cabeça.

A garota mágica vermelha apertou mais as correntes. “Você esquece que eu sei muito bem o que ela pode fazer.”

“Está feito.” Disse Madoka com certa preocupação, enquanto recolhia seu cabelo.

“Isso são as minhas... memórias.” Tremendo, Mami olhou para suas próprias mãos. “Minhas... minhas...” Então ela se virou para aqueles longos cabelos brancos. “Nagisa...?”

A menina fechou os olhos e os punhos. Os pesadelos agora não eram apenas seus. Mesmo que soubesse que um dia isso aconteceria, não havia como se preparar para dizer essas palavras. “Eu sinto mui... Ah?!”

“O que eu fiz?! Eu atirei em você, eu matei você tantas vezes...” Mami abraçou Nagisa, com a sua voz aflita. “Todas as bruxas que eu matei... eu fiz isso até com um sorriso no rosto.”

“Heh. Você não atirou só contra bruxas.”

Mami arregalou os olhos para Kyouko e levou a mão à cabeça, rangendo os dentes.

“Eu não pensei que você seria capaz disso, mas é tudo culpa daquela coisa branquela que nos enganou. Não vou levar isso pro lado pessoal.” Kyouko ajeitou seu rabo de cavalo. “Você fez o certo, bruxas estavam matando pessoas e não tinha outro jeito de pará-las.”

“É... não tinha.” Mami olhou para Madoka.

“São apenas memórias agora, Mami-san.”

A loira respirou fundo, mas ao ver Homura, sua tensão não diminuiu.

“Você não deve estar tão feliz de me ver agora.” Disse a garota de joelhos.

“A Akemi-san que eu tenho em todas as minhas memórias é justamente você, não é?” Mami segurou suas mãos para que elas não tremessem mais. “Você passou por tudo isso... eu entendo agora.”

“Não. Você nunca vai entender.” Respondeu Homura e então as correntes ficaram frouxas.

“Satisfeita?” Kyouko puxou as subdivisões com as correntes para que formassem a lança, antes dela evaporar a arma. “Mami pode não ser tão forte quanto pareça, mas você tem que parar de nos subestimar.” Depois se virou. “Ok... agora eu vou embora.”

“Embora?! Para onde e por quê?” Mami indagou.

“Eu já sou graduada, né? Agora você tem essa garota pra cuidar.” Ela começou a caminhar em direção a Oriko. “Madoka falou em felicidade. Só que eu vi a pior coisa que poderia acontecer comigo, nada se compara. Mitakihara, Kazamino... minha vida se resumiu a esses lugares e eles vão ficar me lembrando disso.” Ela parou e olhou para o céu. “Se eu posso ter a felicidade que me faça esquecer dos meus pecados, ela não estará aqui.”

“Então era melhor que você não tivesse voltado.” Falou Homura enquanto se levantava. “Você não tem idéia da sua condição, é muito perigoso ir sozinha.”

“Tudo bem Kyouko.” Disse Madoka. “Se encontrar garotas mágicas em sua jornada, dê a elas palavras de esperança, espalhe a verdadeira salvação.”

“Pregação, hein? Então está acertado.” Kyouko voltou a andar.

“Madoka!” A tranças da Homura balançaram com a magia. “Isso é abusar da ingenuidade!”

“Ei! Você sabe tanto quanto nós agora. Ninguém está aí pro que você diz.” A garota mágica vermelha estava diante da Oriko.

“Sakura-san.”

“Mami pegou leve contigo.”

Erguendo as sobrancelhas, Oriko respondeu. “E você vai ‘pegar pesado’?”

“Nós já tivemos nossa conversa.” Kyouko deu um sorrisinho de lado.

O que deixou a outra confusa. “Qual é a graça?”

“Acho que esse negócio de karma existe mesmo.” Com essa deixa, a garota mágica vermelha foi até Yuma.

A menina desviou o olhar, temerosa.

“Ei fedelha. Não sou boa com enrolação então vou direto ao ponto.” Kyouko se abaixou para chegar mais perto. “Você é uma garota mágica, então não tem desculpas pra não cuidar de si mesma. Se esses dois trastes te maltratarem, não pense duas vezes e caia fora. Procura pela Madoka, tenho certeza também que Mami pode te acolher...” Ela então se virou.

Homura estava olhando para ela com sua costumeira indiferença.

“É... essas duas tá bom.” Kyouko se levantou e foi até o cavalo. “Estejam avisadas, qualquer dia eu apareço pra te ver.” Passando a mão sobre o lombo do animal, falou consigo mesma. “Ok... como monto nisso, nem sela tem.”

Ela pegou um bom impulso e conseguiu subir, mas quase caiu para outro lado. De forma desajeitada, ela girou seu corpo deitado sobre o animal antes de ficar sentada.

“Você é bem dócil, hein? Até que foi fácil.” Antes que pudesse pensar em como andar, alguém bloqueava o seu caminho.

“Por mais que eu não queira.” Sayaka estava com os braços cruzados. “Tenho que admitir que Akemi tem razão. Eu não posso permitir que vá.”

Kyouko alongou as costas. “Hmmm... mas Madoka deixou.”

Sayaka balançou a cabeça, irritada. “Eu não sei o que deu nela, mas se você tentar fugir, eu vou atrás de você.”

“Então por que não vem logo?” Kyouko apontou para trás dela.

“O quê?”

A ruiva revirou os olhos. “Eu só disse que ia embora. Não estou impedindo ninguém de me seguir.”

Ainda surpresa, Sayaka consultou Madoka só com o olhar.

A outra estava com um gentil sorriso.

“Deus escreve certo por linhas tortas.” Kyouko afirmou.

“Certo.” Sayaka se dirigiu até a parte de trás do cavalo. “Então vou ser sua supervisora.”

“Supervisora? Heh. Você pode tentar...”

Em um salto, a garota de capa tentou subir, mas apenas seu torso ficou sobre o animal.

“Foi pouco.” Kyouko sorriu. “Quer aju... ei!”

Segurando o rabo de cavalo da ruiva, Sayaka conseguiu ficar sentada atrás dela.

“Tch... isso dói viu?”

Ignorando a reclamação, Sayaka virou a cabeça. “Tchau para vocês. Madoka, eu ainda sei o teu e-mail. Eu vou pedir por notícias...” Ela trocou um olhar suspeito para Homura.

“Tchau Sayaka-chan! Ficarei aguardando.”

“Ei Mami.” Kyouko também se virou. “Quando chegar o seu aniversário, guarda um pedaço de bolo pra mim.”

A loira acenou com um sorriso. “Farei isso e tchau Kyouko...”

“Beleza!” Kyouko apontou para frente. “Agora tu pode andar, pangaré.” Mas o animal não obedeceu. “Droga.”

“Mantenham suas pernas retas e alinhadas e usem-nas para pressionar o corpo dela. Não exagerem.” Instruiu Oriko.

“A-Assim?” Kyouko obedeceu e a égua começou andar. “Ah!”

Sayaka quase caiu para trás. “V-Você não devia ter começado sem saber como parar!”

“Fiquem calmas! Ela está devagar.” Oriko continuou. “Usem o peso dos seus corpos, joguem para frente para fazê-la parar. Jogue uma perna para frente e faça pressão para fazê-la virar para o lado que vocês querem. Sem chutar!”

“Ok, peguei a idéia.” Kyouko começou a contornar os escombros. “Isso... vai devagar...”

Oriko suspirou. “Vocês tem sorte dela ser inteligente.”

Sayaka estava ficando inclinada. “Ah! Eu estou me desequilibrando!”

“Segura em mim garota... Ah! Não no cabelo!”

Homura observou as duas até sumirem de vista. “Isso é um erro.”

“Não.” Madoka respondeu. “Isso é um passo.”

“Madoka Kaname.” Oriko voltou a se manifestar. “Não há demônios e nem cubos nesse mundo, certo?”

“Sim.”

Oriko desviou o olhar e respirou fundo antes de prosseguir. “E vocês... irão purificar as nossas gemas?”

“Vocês têm tempo para se preparar.” Madoka estendeu as mãos. “Quando chegar o momento, estarei lá para ajudá-las.”

Oriko olhou de relance para Yuma, que estava assustada, imaginando como seria aquele ‘momento’. Depois sussurrou para si mesma. “Eu serei a primeira...”

“Ow! Ow!” Kirika ergueu os braços. “Me deixa ver se eu entendi. Quando nossa gema fica muito corrompida, vai acontecer com a gente o mesmo que aconteceu com a ruiva e a loira?”

Nenhuma garota se manifestou.

O que para Kirika fora como uma confirmação. “Isso... isso... É SUPER LEGAAAAL!” Ela socou ar em excitação. “Vamos poder criar nossas bizarrices, até ter um exército pessoal! Amorzão! Isso vai... ser...”

Oriko olhava furiosa para ela.

O que fez Kirika coçar a cabeça e dar um sorrisinho sem graça. “Hmmm... Eu na verdade estava querendo dizer que até que é legal... algumas vezes?”

O som distante de sirenes começou a ser ouvido por elas. Madoka abandonou suas mechas, deixando o seu cabelo curto, e elas adentraram no portal que se fechou.

Oriko pegou a mão da Yuma. “É... hora de irmos. Tenho que ver como está a minha casa...”

“Aposto que está tudo no lugar, amorzão.” Disse Kirika

“Assim espero.” Ela olhou uma última vez para Mami antes de partir.

Com Kirika acompanhando. “Será que a minha mãe tá viva?”

“Você deve saber que ela não é a mesma que você conhece.” Oriko respondeu. “Além do mais, ela não te vê há muito tempo.”

“Ah é! Vou dizer que fiz uma viagem com uma...”

Com vozes desaparecendo com a distância, Mami se pronunciou. “E agora?”

“Nós temos que ir também.” As roupas brancas de Madoka brilharam, evaporando aos poucos em dezenas de pontos luminosos. “Só preciso que você prepare uma roupa nós.”

“Oh... vou tentar.” Mami se concentrou e seu uniforme e corpo se desfizeram em laços.

Para o espanto de Homura e Nagisa, eles voaram e envolveram elas além da Madoka.

Quando terminou, Mami reformou em sua imagem usando o uniforme escolar, enquanto Nagisa estava usando seu vestido rosa com bolinhas.

Homura também usava o uniforme da escola de Mitakihara, o que lhe trouxe muitas lembranças. Eram tantas, que o couro em suas mãos estavam ganhando o tom característico da sua pele e as costuras foram absorvidas.

“Homura...”

Ela viu Madoka, exatamente como em suas memórias, exceto...

A garota desamarrou os laços amarelos que prendiam seu cabelo e olhou para os vermelhos que estava na ponta daquelas longas tranças. “Obrigada por guardá-los.”

/人 ‿‿ 人\

O ginásio de Mitakihara era o maior abrigo disponível para a população da cidade. Quando as quatro garotas adentraram nas imediações internas da construção, se deparam com inúmeras famílias carregando o pouco que haviam levado consigo além de suas vidas.

“Parecem que elas já vão embora.” Disse Nagisa quando se dirigia junta com as outras para escada que dava acesso as quadras.

“A ameaça que havia não existe mais, as autoridades devem ter liberado a saída.” Respondeu Mami. “Agora elas irão procurar por suas moradias.” Então concluiu melancolicamente. “Se ainda existirem...”

“A destruição se concentrou no centro da cidade. Seu apartamento deve estar a salvo.” Madoka liderava a subida. “O problema é que você está sendo considerada como desaparecida.”

“Ah sim. Vou falar com o síndico que eu visitei parentes distantes.” A loira olhou para Nagisa. “E que eles deixaram a filha deles sob a minha tutela.”

A menina sorriu, mas não muito, pois sentia certa ausência. Ao virar a face viu que Homura subia os degraus vagarosamente.

Quando alcançaram a área das quadras, ainda havia muita gente, mas Madoka se lembrava muito bem onde eles estavam. Ela correu, deixando as outras para trás.

Tomohisa foi o primeiro a avistar a sua filha. “Aí está você! Eu já pensando em procurá-la.”

“Madoka!” Tatsuya ergueu os braços em alegria.

Quando ouviu esse nome, Junko, que estava sentada segurando os seus joelhos, se virou. Sem conter sua ansiedade, ela logo se levantou.

“Agora temos que ver como... vamos sair...” Tomohisa ajeitou os óculos, um pouco surpreso com mãe e filha se abraçarem com tamanha vontade.

“Minha filha...” Junko não conseguia respirar direito. “Você fez o que era certo?”

“Hmmm...” Tomohisa ficou mais confuso. “Madoka, você não procurou pelas amigas da escola?”

A garota franziu a testa para a sua mãe.

Junko desviou olhar com um sorriso.

Compreendendo, Madoka se virou para o seu pai. “Sim e encontrei todas elas.”

Vendo aquela cena, Mami não pode deixar de comentar. “Ela mais do que merece isso.”

“Mami!”

Ao ouvir Nagisa, a loira viu que Homura havia caído de quatro.

Algumas pessoas começaram se aproximar com intuito de ajudar.

“Está tudo bem.” Mami gesticulou para a multidão e depois se abaixou para ver como estava a outra. “Akemi-san?”

Nagisa também. “Homura...-chan?”

Mas Homura não respondia. A face trêmula e olhar catatônico pertenciam a alguém que testemunhara demais o impossível.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Epílogo



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