Visionária escrita por Jafs


Capítulo 11
Sem futuro




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Sob o manto quebrado e apagado de um céu que outrora fora reluzente e vívido, os escombros chamuscados ali presentes não davam indícios de que pertenceram a uma grande torre, assim como se havia alguma vida ali.

Para as duas coisas, seria um equívoco achar o contrário, apesar de que, para o caso da vida, deveria ser usado de uma forma mais figurativa.

Em uma pilha de destroços, um pedaço de uma parede caiu, empurrado por fortes braços desnudos de cera branca. Saindo de forma ágil do vão onde estava, graças principalmente de suas curtas e justas vestimentas negras que permitiam uma maior liberdade de movimento, Ibari ficou em pé sobre a pilha em uma pose galante, como se estivesse acabado de escalar a maior de todas as montanhas.

No entanto, ela logo constatou que a maior montanha estava muito, muito longe... com suas escarpas negras e ondulantes, que atravessavam o céu de cristal.

Após chacoalhar bem a cabeça para tirar toda poeira em seu curto cabelo loiro, Ibari voltou a olhar para o vão, onde seus olhos azuis encontraram com outros semelhantes. Ela então fez um gesto para que viessem até ela.

Porém, do vão, apenas despontou a cabeça de Okubyou. Ela olhou para grande montanha negra e depois de volta para outra boneca.

Ibari, estalando as articulações mecânicas de seu corpo, novamente a chamou para vir.

Okubyou balançou a cabeça, em sua expressão de medo e retornou para o vão.

Ibari colocou as mãos na cintura e revelou sua arcada afiada, nem um pouco contente com aquilo.

De repente, Okubyou saiu do vão em um salto.

Ibari ficou desnorteada quando a outra correu para ficar atrás dela.

Do vão, Reiketsu saia calmamente, com um alfinete em riste. Se aproximando das outras duas, ela jogou seus longos cabelos loiros para trás.

Okubyou estava inquieta, dividindo sua atenção entre a montanha e a ponta daquele alfinete.

Até levar uma forte cotovelada.

Mais sorridente, Ibari viu seu incômodo rolar pelo monte de destroços até o chão de cinzas. Depois voltou sua atenção para Reiketsu, que apenas acenou com a cabeça.

Havia muito trabalho a se fazer, era necessário formar a trupe novamente.

Descendo o monte, as duas chutaram Okubyou para que ela levantasse. Mas que chorona! Elas seguiram entre os destroços da torre até que logo se depararam com uma curiosa cena.

Em um vão esforço, Ganko golpeava repetidas vezes com a cabeça de um alfinete sobre uma parede caída enterrada em sob uma pilha de escombros. Presa embaixo, com apenas a cabeça e os braços para fora, Warukuchi socava o chão furiosa.

Ao lado de Ganko, Nekura estava de cabeça baixa, balançando-a, nem um pouco convencida com que a outra estava fazendo.

Muito menos Namake, que estava sentada de pernas cruzadas assistindo aquilo. Ela foi a primeira a avistar as outras chegando. Contudo, mesmo com Ibari parando na frente dela com um olhar inquisitivo, o máximo que ela levantou foram os seus próprios ombros.

Enquanto isso, Reiketsu chegou até Ganko, porém a outra não parou de golpear a parede com o seu alfinete. Sem mais paciência alguma, Reiketsu então procurou segurá-la.

Ganko reagiu da pior forma possível, empurrando Reiketsu com corpo de seu alfinete.

Reiketsu respondeu na mesma altura e uma disputa ocorreu sob o olhar assustado de Nekura e Okubyou.

O azul e branco dos olhos de Ganko deram lugar ao verde vermelho, expressando sua raiva. Foi nessa hora que ela sentiu sua perna sendo puxada pela Warukuchi.

Aproveitando a distração da sua adversária, Reiketsu empurrou com toda a sua força e a derrubou.

Caída, Ganko mostrou seus dentes afiados, enquanto ajustava a sua grande touca preta.

Porém, Reiketsu já tinha voltado a sua atenção para a outra que estava presa sob os escombros.

Warukuchi viu então apontar o alfinete para ela. Arregalando os seus olhos inumanos, ela colocou as mãos na cabeça.

Como ela estava enganada! Reiketsu enfiou a ponta do alfinete entre o chão e o escombro. Fazendo força, ela o usou o alfinete como uma alavanca e tentou erguer a parede caída.

Ganko já estava de pé quando percebeu o que a outra estava fazendo. Ela olhou para o seu próprio alfinete.

As duas então trocaram olhares, Reiketsu acenou com a cabeça.

Com os olhos retornando para as cores azuladas, Ganko fez o mesmo.

Okubyou testemunhou as duas trabalhando juntas até que Ibari veio até ela. A loira apontou para Warukuchi. As duas foram até a que estava caída e cada uma pegou um dos braços.

Em resposta a ação das outras, Ganko e Reiketsu redobraram os seus esforços, conseguindo mover um pouco os escombros. Ibari e Okubyou então começaram a puxar Warukuchi.

Até os braços serem arrancados.

Ibari e Okubyou caíram no chão, com os braços de cera se debatendo sobre elas.

Warukuchi, ainda mais furiosa, agora batia a cabeça contra o chão.

Namake, agora deitada, bocejou.

Enquanto Nekura apenas balançava a cabeça, triste. Foi quando um alfinete fora arremessado contra ela.

Ibari já estava de pé, com outro alfinete, e apontou para os escombros.

Ainda que relutante, Nekura obedeceu e juntas elas foram ajudar Ganko e Reiketsu, enquanto Okubyou voltou a puxar Warukuchi, agora pela cabeça.

Dessa vez, os escombros foram erguidos o suficiente para conseguirem tirá-la debaixo. Mesmo sendo ajudada pelas outras para se levantar, Warukuchi não estava nem um pouco agradecida. Seus braços escalaram pela sua calça e encontraram um caminho entre as suas roupas para poderem se reconectarem aos seus lugares de origem. Ela então pegou seu pequenino chapéu no chão e ajeitou em seus cabelos ruivos.

Quando parecia que a situação estava menos tensa, foram ouvidas explosões.

Elas se entreolharam, Ganko foi a primeira apontar para onde havia vindo o som. Todas concordaram que era preciso checar.

Ou quase todas.

Namake, com a cabeça recostada em um escombro, dormia tranquilamente até que fora puxada pelas pernas e arrastada pelo chão. Quando acordou, viu Reiketsu a segurando e as outras com um olhar de desaprovação. Ela respondeu com um sorriso e dando de ombros.

Juntas, todas foram até onde as explosões continuavam a ocorrer. Em cima de uma grande pilha de destroços, elas encontraram Noroma sentada, que parecia estar vibrando por alguma coisa.

Ao se aproximarem dela, se depararam com uma grande batalha. Wagamama,Yakimochi, Mie, Higami, Usotsuki... cada uma por si em uma luta com alfinetes voadores explosivos.

Ibari foi tomar satisfação com Noroma sobre o que estava acontecendo. A que estava sentada apontou excitada para a grande flor em sua cabeça.

Agora tudo fazia mais sentido.

Observando melhor, Wagamama não estava apenas com uma flor branca em seu ostensivo chapéu, mas também uma flor preta esturricada. Yakimochi, Mie e Higami com certeza queriam aquilo para elas, enquanto Usotsuki... bem... ela mentiria se fosse para por mais fogo no circo.

Ibari coçava a cabeça, pensando em como resolver aquilo, quando Warukuchi tomou a iniciativa e arremessou um alfinete.

Wagamama estava concentrada se desviando das outras. Não poderia ser nada além de inesperada a direção por onde veio aquele ataque. A explosão a arremessou longe, fazendo ela se separar de seu chapéu assim como da flor.

Antes que a flor negra caísse no chão, Reiketsu a pegou através de um grande salto. Ao pousar, as outras que estavam lutando já estavam diante dela. Ela estendeu a mão e revelou o que havia pegado.

Elas abriram a boca em alegria.

Então Reiketsu fechou a mão, esmagando a flor, deixando escapar as cinzas entre seus dedos duros e frios.

Elas ficaram beiçudas, tristes, exceto Usotsuki, que gargalhou.

Wagamama se levantou e tirou a poeira de seu vestido negro. Furiosa, ela avançou em direção a Ibari, que tinha o seu chapéu em mãos. Ela o arrancou da outra e a ficou encarando, com as mãos na cintura.

Ibari fez a mesma pose, além de erguer um pouco seu queixo.

Foram alguns segundos de tensão entre as duas até que Wagamama relaxou e ofereceu um abraço, no qual Ibari retribuiu. A trupe estava quase completa, faltavam apenas três.

A próxima elas nem precisaram se dar ao trabalho de encontrá-la, pois Manuke apareceu com o seu jeito tranqüilo e desengonçado de ser. Provavelmente atraída pelo som das explosões, ela carregava consigo uma coroa de flores violetas.

Mie encheu os olhos. Com todas aquelas cores de morte a sua volta, ela com certeza se destacaria. Muito melhor do que aquelas cinzas no qual estavam disputando! Porém, antes que ela pudesse dar o primeiro passo, ela acabou sendo atropelada pelas outras que logo cercaram Manuke.

Todas queriam tocar na coroa, naquelas flores, todas exceto Reiketsu, que estava mais interessada na Manuke em si. Manuke então apontou por onde ela veio.

O lugar onde ela encontrou a coroa.

Assim que chegaram, elas logo constataram que tal lugar era diferente dos demais. Não havia apenas destroços, o solo estava revirado também e havia muitas penas brancas espalhadas, além da existência de uma fonte de magia.

Manuke subiu sobre os escombros de onde a magia originava e logo as outras começaram a removê-los. Pudera, como não reconheceriam tal fonte?

A mais esquisita da trupe.

Ganko foi a primeira levantar o seu alfinete com o achado. Nagisa estava suja e inconsciente, mas ainda respirava. Mesmo que pudesse sobreviver a um peso esmagador, se podia dizer que ela teve sorte por estar em um vão de segurança.

Todas se reuniram envolta dela. Ibari pisou algumas vezes na cabeça de Nagisa, mas ela não acordou. Usotsuki sentou em cima e com seus dedos puxou os lábios da garota de longos cabelos brancos o máximo que pôde, abrindo um largo ‘sorriso’ nela. Reiketsu derrubou Usotsuki de cima com um preciso golpe de seu alfinete, ela encarou as outras enquanto jogava seu cabelo para trás. Depois ela voltou sua atenção para Nagisa e mirou seu alfinete direto no coração dela, pronto para estocá-lo.

Higami interveio, segurando o alfinete. Reiketsu a fitou de forma ameaçadora, mas ela não recuou, ao invés disso ela apontou para os seus dentes afiados e então para a garota caída.

Reiketsu ponderou por um momento e então voltou a olhar para Higami, acenando com a cabeça e se afastando. Higami tirou o chapéu e conjurou um alfinete de menor tamanho comparado aos das outras. Ela bateu na borda do seu chapéu algumas vezes com o alfinete e de dentro saiu, em um pulo, um grande pedaço de queijo parmesão.

Noroma avidamente pegou o pedaço de queijo e o colocou em sua boca. Feliz, ela mastigava o queijo, até que se deu conta da expressão descontente das demais. Ela então parou e tirou um belo pedaço entre seus dentes e ofereceu para Higami. Nada mais justo. Contudo, os golpes que as outras começaram dar nela diziam o contrário.

Higami apenas balançou a cabeça em desapontamento e fez surgir um novo pedaço de queijo em seu chapéu. Ela o prendeu na ponta de seu alfinete, que ganhou tamanho e comprimento, e aproximou-o da face de Nagisa.

Em um primeiro momento nada aconteceu, mas assim que o pedaço foi esfregado em seus lábios, passando por baixo de suas narinas, o nariz de Nagisa começou a trabalhar ferozmente.

Higami sorriu com o resultado.

Nagisa abriu um pouco os lábios, provando timidamente aquele pedaço... o abocanhando inteiramente, inclusive uma parte do alfinete, com os seus grandes dentes! Mal mastigou e já o engoliu, lambendo os seus beiços com uma grande língua roxa, que contrastava com a pele completamente branca de sua face. Então ela abriu seus olhos multicoloridos, substituindo sua expressão de êxtase por uma de pavor. “Rawr? RAAAWWRRR?!”

Em um salto, Nagisa se pôs de pé, suas mãos em seu rosto, sobre os círculos amarelos em suas bochechas. “Owr nãuwwr! Euwr comi a Mawrmi!” Ao procurar pelo sangue, se deparou com o seu vestido rosa sujo. “Ewr?” Ela passou a mão na cabeça, mas não encontrou nada além do seu cabelo e os laços vermelhos que o prendiam. “Hã? O-O que aconteceu comigo?”

Confusa, porém mais calma, Nagisa percebeu as bonecas a sua volta que olhavam para ela, exceto uma com chapéu que estava olhando assustada para o alfinete quebrado que segurava. “V-Vocês fizeram alguma coisa?” Ela nem chegou a esperar pela resposta, pois percebeu que tudo estava muito estranho. Haviam pilhas de destroços, sim, mas o cenário era diferente em relação as suas lembranças. Então ela olhou para o teto de cristal rachado, ou se aquilo mesmo seria um teto... “Isso aqui não é casa da Homura-chan.”

Enquanto vagava com o seu olhar, ela se deparou com algo que fez sua grande boca abrir em espanto. Distante, uma grande montanha negra havia atravessado aquele teto e a sua base estava subindo. Na base, inúmeros tentáculos negros se debatiam. Nagisa continuou a vislumbrando, até a montanha desaparecer por completo no grande buraco formado no cristal.

“O que foi aquilo?” Nagisa voltou novamente sua atenção para as bonecas e descobriu que elas estavam partindo, dando grandes saltos, em direção aonde a montanha estava. “Vocês vão até lá?”

Uma boneca se aproximou dela, carregando consigo uma coroa de flores.

Nagisa reconheceu a cor. “Homura-chan...”

A boneca deu um sorriso um pouco desajeitado.

Mesmo assim, Nagisa o retribuiu. “Vamos!”

/人 ‿‿ 人\

Primeiro veio a dor.

Mami pôs a mão na cabeça e logo sentiu que estava caída. Ao abrir os olhos, constatou que sua visão estava embaçada, como se houvesse uma névoa.

Ledo engano.

Quando se levantou, ela concluiu que realmente estava em meio a uma espessa névoa. Mal se podia ver a mureta.

Mureta?

Sim, era uma mureta, de rocha tão vermelha quanto o resto da passarela.

Surpresa, Mami tentava se localizar, procurando se lembrar aonde na galeria ela poderia ter visto algo semelhante. Enquanto isso, sua visão se acostumou com a névoa e ela notou a silhueta de uma passarela mais ao alto, que passava sobre a que ela estava. Ela foi até a mureta de pedra, decidindo investigar o que havia além. O que encontrou foi uma queda de aparente sem fim pela névoa e uma passarela que passava por baixo, que se bifurcava mais além em uma demonstração arquitetônica bizarra.

Onde?

Havia atividade na névoa, flashes luminosos que ganhavam formas que Mami conseguiu distinguir: notas musicais, cruzes e flores. Um rápido movimento colorido registrado pelo canto de seu olho e ela se virou assustada. Diante dela, um belo cardume de peixes calmamente nadava pela névoa.

Onde estou?

Com tantas surpresas, Mami demorou em se dar conta que ela não estava vestindo seu uniforme de garota mágica, e que suas mãos estavam vazias. “Minha gema... não pode ter caído muito longe.” Ela estendeu a mão com o anel e se concentrou.

Um brilho amarelado fraco, porém distinguível, despontou na névoa. Não devia estar a mais de uma dezena de metros.

Mami suspirou mais aliviada, mas então ouviu o som de uma marcha. A passarela vibrava a cada passada. Olhando para trás, ela avistou o tremular de inúmeras tochas pela névoa que se aproximavam.

Não crendo que aquilo podia ser algo bom, Mami correu até onde a sua gema estava. Dando uma estrela, ela pegou o objeto no chão e antes dos pés tocarem no mesmo, ela já havia se transformado. Mais confiante, ela apontou seu mosquete para a horda de chamas.

Apesar que nada em sua imaginação se comparava com aquilo.

Soldados surgiram na névoa, todos vestindo belos quimonos coloridos, com estampas de flores. Porém eles com certeza não eram humanos, pois seus corpos eram feitos de papel, incluindo a cabeça. Cada um carregava não uma tocha, mas uma grande vela, que eles portavam como se fossem lanças.

Mesmo diante daquilo, Mami tentou dialogar. “Parem! Eu não quero lutar com vocês.”

O exército parou.

O coração de Mami se acalmou um pouco, mas ela manteve sua postura, aguardando por uma resposta.

Ela veio. As cabeças dos soldados se desdobraram como um origami, seus pescoços se alongaram. O produto final de tudo isso foi a cabeça de dragão que eles agora possuíam. Eles então coloram a chama das velas de fronte a eles.

Já consciente da intenção deles, Mami deu um grande salto, escapando da bola de fogo do qual eles sopraram. No ar, ela conjurou dezenas de mosquetes ao redor dela e ordenou que eles disparassem.

A saraiva de balas fora tão devastadora, que não só derrubou os soldados como também parte da passarela de pedra.

“Eles são numerosos, mas não são fortes.” Mami pensou alto enquanto voltava a pisar em algo firme. “Mas o que é isso? Parece com o que aconteceu com Akemi-san.” Ela então engoliu seco. “Kyouko...” Sem perder tempo, ela se concentrou, buscando encontrar qualquer fonte de magia pelas redondezas.

Por fim encontrou algo. Era difícil de confiar com toda aquela névoa, mas não parecia estar tão distante e se movia depressa em direção a uma outra fonte, esta porém mais fraca e oscilante, quase imperceptível.

/人 ‿‿ 人\

As lâminas de energia rasgaram o soldado de papel.

“Merda... ah... o que aconteceu?” O sangue de Kirika era quase indistinguível em relação as rochas da passarela. Ela se arrastava, usando a mureta como apoio. “Droga... onde foi que eu errei?”

Não havia mais magia ou cubos, o sangue vertia cada vez mais depressa. A passarela começou a girar.

“I-Isso é mal... uhh...” Sem forças, Kirika se entregou ao chão. “Amorzão... eu fui uma incompetente de novo.” O frio tomava conta, seu corpo se arrepiava. “Ah... eu... tenho que me desculpar... ah... dizendo que te amo umas mil vezes...” Além de tremer. “... ou talvez cem.”

Sua única companhia em seu ato perdão no momento era alguns peixes que nadavam por ali.

“Eu amo... uh... amo... a... amo...”

Era difícil contar quantos eram, pois sua visão perdia foco.

“... mo... mo... a... mo...”

Ficou ainda mais difícil quando um vulto pairou sobre ela, um com olhos azuis vivos.

Acendendo uma faísca em Kirika. “Oh... minhas preces... foram atendidas... não pude ver você... uh... uma última vez... amorzão... mas ao menos estou tendo... ahh... uma visão do nosso amorzinho...”

Uma forte luz verde a cegou e com ela o frio se foi, assim como a tremedeira. Uma sensação de alivio e bem estar preencheu seu corpo, aonde apenas antes se encontrava angústia e sufocamento. A dor Kirika ainda estava bloqueando, mas com certeza ela deveria ter ido embora também. Ela até registrou o exato momento que o coração voltou a bater com força.

“PAPA! PAPA!” Yuma estava ajoelhada, segurando a cabeça da Kirika. “Você está bem?”

“É você?” Kirika respirou fundo, a alegria tomando conta dela quando os seus dois pulmões inflaram. “É você mesmo amorzinho?”

“Mama me enviou.” Disse Yuma. “Ela não previu isso e me disse que você estaria correndo perigo.”

Kirika subitamente se levantou. “Ela não previu isso? Então eu devo ter cometido um erro muuuito grande!”

“Erro?”

“Ah... hmmm...” Kirika olhou de relance para Yuma. “I-Isso eu tenho que ver com o amorzão.”

Aquela resposta não tinha satisfeito a curiosidade Yuma, mas sua atenção foi desviada para algo mais urgente. “Sua gema!”

“Oh... sim! Sim! Ela deve estar bem escura.” Kirika se virou. “Você tem cubos?”

“Uhum.” Yuma já estava com os cubos da aflição em mãos. “Ela tinha deixado um monte comigo.”

“Ela sempre é superprotetora, né?” Kirika estava quase pegando os cubos quando parou. “Espera! Deixa eu ver a sua.”

“Ok.” Yuma se virou e baixou a cabeça.

Kirika arregalou os olhos. A gema na nuca de Yuma estava apagada, com mais de dois terços tomado por uma completa escuridão. Pudera, aquilo tinha sido quase uma ressurreição, a menina não tinha medido esforços para salvá-la. “Amorzinho, sua gema ficou um pouquinho suja, eu já cuido disso.” Ela foi usando os cubos um por um para aproveitá-los ao máximo, arremessando os que já tinham sido muito usados para fora da passarela.

“Já terminou?”

“Quase, é que é difícil segurar tantos cubos, eu estou tomando cuidado para não deixar cair nenhum no chão.” Kirika suou frio. Amorzão jamais me perdoaria por eu fazer Yuma usar quase toda a sua magia. Ainda bem que ela fora precavida em deixar tantos cubos.

Foram quatorze cubos.

Depois de purificar Yuma, Kirika levou a mão com vários cubos para as costas a fim de limpar a sua própria. Ela sentiu até o corpo fica mais leve com o processo. “Pronto.”

Yuma se virou novamente e viu Kirika arremessar um punhado de cubos, que desapareceram na névoa. Havia ainda cubos o suficiente apenas para cobrir a palma da outra mão da garota.

“Esses aqui são o que sobraram.”

“S-Só isso?!”

“É... minha gema estava bem corrompida...” Kirika respondeu, enquanto fechava a mão. “Eu vou ficar com eles agora.”

“Uhum... hmmm...” Yuma olhou para os peixes. “Papa, o que aconteceu?”

Kirika balançou a cabeça. “Nem eu sei direito.”

“Onde eu e a Mama estávamos, nós vimos a névoa se formar no túnel e, quando eu entrei, eu já me encontrava aqui.” Yuma continuou. “Esse lugar é muito estranho. Eu acho que vi gente carregando tochas pela névoa.”

“Fique longe deles!” Kirika alertou. “São monstros perigosos.”

“Monstros?! Que nem os demônios?” Yuma ficou assustada. “Foram eles que fizeram isso contigo?”

Kirika baixou a cabeça. “Sim, foram... mas... só porque me pegaram de surpresa.”

“Sim... isso tudo aconteceu tão de repente.” Yuma olhou em volta. “Mas você sabe onde estão...”

Um inconfundível som de pisar na rocha fora ouvido. Atraídas por aquele som, Kirika e Yuma se depararam com uma garota mágica se equilibrando sobre a mureta, carregando consigo um mosquete.

“Mami-senpai!” Yuma saiu correndo.

“Amorzinho...” Distraída com a aparição, Kirika fora incapaz de impedir a menina.

Parando na frente de Mami, Yuma desatou a falar em júbilo. “Que bom! Papa estava ferido, eu fiquei muito preocupada pensando no que podia ter acontecido com vocês, mas agora eu sei que tudo... está bem...” Porém ela parou.

A face de Mami estava tensa, sua respiração presa em uma expressão de dor. Seu corpo todo se estremecia, especialmente as mãos que seguravam o mosquete, o dedo deslizando no gatilho.

“Mami-senpai...” Yuma balbuciou, sentindo um familiar mal estar espalhando pelo seu corpo, que sempre ocorria quando sua antiga mãe gritava pelo seu nome pela casa. Ela aguardou durante aquele eterno instante por uma resposta da Mami, mas o que veio foi uma mão em seu ombro e Kirika tomando a sua frente.

Além de um vibrar da passarela, seguido por forte tropel de cascos. Aquilo chamou imediatamente a atenção das três para a grande chama que se aproximava rapidamente pela névoa.

Com um relinchar, uma sinistra figura apareceu. Gigante, com dez metros de altura, era um cavaleiro que vestia um opulento quimono vermelho adornado por flores e algas. Seu corpo, por assim dizer, era composto por uma grande vela que estava acesa. O cavalo era tão peculiar quanto o seu dono. Sem sela, ele era feito de esmalte composto de cinzas, formando um minucioso padrão em preto e branco. Seu pescoço, muito longo em contrapartida com as suas pernas curtas para tal animal, carregava um grande medalhão vermelho. Se tal visão já não fosse ameaçadora o suficiente, o cavaleiro ainda tinha em mãos uma massiva lança de duas pontas, decorado com a pintura de uma roseira.

“Ah!” Yuma ficou apavorada. “Então esses são os monstros?”

“Não.” Kirika ficou boquiaberta. “E-Esse aí é muito pior!”

O fato de Kirika, tão acostumada a lutar sozinha contra hordas de demônios, estar temerosa fez com que Yuma tremesse ainda mais. Mesmo assim, ela juntou a vontade e o senso de dever para conjurar sua vara peluda. “Papa, N-Nós devemos lutar. Se esse monstro chegar à superfície, pessoas podem morrer, temos que destruí-lo!”

NÃO!

Yuma viu Mami pular da mureta, pousando entre elas e o cavaleiro. Mesmo de costas, a arma que tremia continuava a evidenciar a tensão da garota.

“Deixe isso comigo...”

“Hã?” Yuma ficara confusa, a voz calma e baixa da loira não correspondia com o grito anterior. “Mas... nós podemos ajudar, não, devemos!”

“Eu já enfrentei um desses, é muito perigoso para vocês duas.” Mami virou a cabeça, sorrindo. “Confie em sua senpai, ok?”

Aquela expressão também não correspondia com o que ela havia acabado de presenciar. “Mas...”

Mami novamente voltou sua atenção para o cavaleiro. “Vão! Por favor...”

“Amorzinho.” Kirika começou a puxar Yuma. “Ela quer ficar sozinha, que nem eu faço, entende? Vamos procurar pela mama.”

Yuma não chegou a resistir, um tanto atônita, porém não deixou de escapar um suspiro ao ver Mami e o cavaleiro desaparecerem pela névoa.

Ela não pôde testemunhar Mami levar a mão à boca, com os lábios estremecidos. “Eu não poderia... não poderia...”

O cavaleiro empinou o cavalo e apontou a sua lança.

“Você sabe que eu não seria capaz de tamanha barbárie.” Mami revelou um triste sorriso para o cavaleiro. “Não é? Kyouko.”

A chama da vela tremulou.

“Agora é somente eu e você, consegue me ver? Me ouvir?”

O cavaleiro então começou a cavalgar com a sua lança em riste.

“Não... espere!” Mami estendeu a mão e dezenas de laços brotaram da passarela para segurar o gigante que vinha em sua direção. Era necessário pará-lo antes que ele ganhasse momento e para isso ela o ergueu do chão. “Calma... calma...”

Usando a chama de sua vela, além de sua lança, o cavaleiro lutava para se libertar, mas mais laços apareciam.

“Como aconteceu com Akemi-san, você deve estar sofrendo muito.” Disse Mami. “Mas você deve se lembrar que ela se recuperou com a nossa ajuda. Eu estou aqui para isso, por você. Por favor.”

O cavaleiro parou de se mexer e, então, desapareceu, fazendo com que os laços que o seguravam caíssem no chão.

“Eh?!” Mami ficou completamente confusa com o ocorrido, até ela ouvir um relinchar que vinha acima dela. Ela mal teve tempo de ver e desviar da lança do cavaleiro que veio caindo pela névoa, mas a passarela não teve a mesma sorte. “AAAHHH!”

Tudo desmoronou e ambos começaram a cair. Mesmo nessa situação, o cavaleiro brandia sua lança da forma como podia na tentativa de atingir a garota mágica.

Guiada pelo seu instinto, Mami lançou um laço, que se enroscou em uma passarela. Se segurando firme a ela, a garota se distanciou do cavaleiro que continuava em queda livre. Como um cipó, ela se balançou e saltou, por fim pisando em solo firme.

Ela respirou fundo, deixando o efeito da adrenalina passar. “Uma... ilusão?” Uma pontada de dor a alertou para um corte mais profundo em seu abdômen, que ela só pôde cogitar que fora proveniente da lâmina da lança.

“Por que... isso aconteceu? Onde está a Lei dos Ciclos?” Depois de amarrar um laço para estancar o sangramento, ela conjurou um novo mosquete. De cabeça erguida, fitando a névoa a sua frente, Mami retornou a sua solitária caminhada pelas passarelas.

/人 ‿‿ 人\

“Esperem! Esperem!”

Acompanhar as bonecas não era uma tarefa fácil, ainda mais em meio a um grande deserto de areia e rocha. Nagisa já havia perdido a conta de quantas escarpas ela havia escalado, assim como já tinha desistido de entender como ela havia parado ali. A única esperança que lhe restava era de encontrar Homura.

Chegando no topo de mais uma montanha, Nagisa ainda não havia encontrado o que procurava, mas o que ela viu a deixou perplexa. Descendo a montanha, o solo estava completamente tomado por crisântemos vermelhos. Ela olhou para o alto e notou que estava quase embaixo do grande buraco no teto. “Estamos perto...”

As bonecas já haviam alcançado o campo florido.

“Awr! Eu disse para esperawr!”

Assim que pisou em meio aquelas flores, Nagisa sentiu a areia em seus pés. “Elas... estão crescendo em meio ao deserto?” Ela seguiu caminho, ciente que aqueles morros floridos adiante eram na verdade dunas.

Naquele mar vermelho qualquer coisa de outra cor se destacava facilmente, isso incluía uma pequena rocha em forma de losango onde as bonecas estavam se aglomerando em volta. Quando Nagisa se aproximou, ela descobriu que haviam runas inscritas ali.

Aqui jaz

HOMULILLY

Nosso querido mundo dos mortais

"Nós nos veremos novamente"

Os olhos coloridos de Nagisa se arregalaram, aquilo não era uma mera rocha, mas uma lápide. Procurando consultar as bonecas sobre aquilo, ela percebeu que elas estavam arrancando crisântemos do chão. As bonecas esfregavam seus frios e duros pômulos como se estivessem chorando, mas suas bocas continuavam abertas na forma de um sorriso. Elas começaram a jogar os crisântemos sobre a cova. A boneca que carregava a coroa de flores colocou-a com cuidado na base da pedra.

Foi então que Nagisa viu: envolta da coroa havia um objeto que estava recostado na lápide, um que ela reconheceu imediatamente e rapidamente o pegou. “Uma semente da aflição...”

A semente pulsava uma fraca luz branca.

“... onde uma bruxa pode renascer a partir dele.” Nagisa fez surgir em sua mão esquerda sua própria semente. “Mas como se faz isso?” Sua semente então vibrou e pendeu em direção a outra semente. “Oh...”

Permitindo que a atração seguisse seu curso, Nagisa fez as duas sementes se encostarem. Uma essência negra saiu de sua semente e foi absorvida pela outra. Durante o processo, ela sentiu alívio, suas preocupações pareciam ser menores agora. “Nossa...! Espere... minha voz.” Ela percebeu que sua voz estava mais suave, ela abriu a boca o máximo que pôde e não conseguira muito. Passando a língua sobre os dentes, ela confirmou que eles não estavam afiados e nem a sua língua estava grande. “Eu voltei ao normal!”

A semente pulsou uma luz mais forte e começou pular na palma da mão da Nagisa. “Ai!” Não conseguindo mais segurar, deixou-a cair.

Assim que a ponta afiada da semente fincou no solo, a areia envolta começou a mudar para cor violeta.

As bonecas pararam de esfregar seus rostos.

De repente, a areia adquiriu a forma de uma mão, segurando a semente.

Para a admiração de Nagisa. “Será que eu consegui?”

Mais de repente ainda, mãos gigantes feitas de areia se ergueram.

Nagisa observou as mãos subirem cada vez mais. “É... eu acho que consegui sim.”

As mãos deram meia volta e mergulharam em direção aonde estava a semente. O impacto levantou uma grande coluna de areia e flores.

“Aahhh!” Nagisa caiu para trás, mas sem tirar os olhos do que estava presenciando.

As bonecas, outrora tão sorridentes, fecharam as suas bocas.

Quando a coluna desceu, a semente não estava mais ali e sim algo muito mais tenebroso. Com um vestido negro para funeral, tinha feitio e estatura de uma pessoa, mas nada mais corroborava para tal conclusão. O corpo estava coberto por tiras de couro negro costuradas entre si por grossos fios brancos. Braços, mãos, pernas, pés... inclusive a cabeça, onde a costura cobria a sua boca.

Nagisa se levantou vagarosamente diante do que mais parecia um espantalho, completamente imóvel. Ela examinou a máscara que aquilo usava, branca, com um longo nariz pontudo, os buracos onde estariam os olhos nada podia se ver além de um vazio escuro. Acima da cabeça estava um curioso chapéu pontudo, onde sua base era como um disco de vinil e a ponta se dobrava de encontro a ele. Representando um ‘cabelo’, fios brancos estavam colados no chapéu, formando duas longas tranças amarradas por fitas violetas na ponta.

Nagisa então viu que havia algo logo abaixo do chapéu, mais especificamente na testa da máscara. Era um símbolo, a marca da Lei dos Ciclos. “Homura-chan...”

Homulilly finalmente se moveu. Sua cabeça abaixou em direção a Nagisa.

A menina sentiu que aqueles orifícios na máscara poderiam tragar ela para dentro a qualquer momento. “Ehh... Oi. Tudo bem?”

Não houve reação.

“Talvez não... hehe... hmmm.” Nagisa fez uma careta, pensando em o que fazer. Então ela se deu conta e removeu os laços vermelhos presos ao seu cabelo. “Acho que isso pode ajudar você a se lembrar.” Ela então os estendeu para a bruxa.

Homulilly novamente fez um movimento, recebendo os laços em uma de suas mãos.

Nagisa ficou contente com isso. “Eu não acho que eles ficam bem em mim. Não sei quem colocou isso, mas creio eu que eles são da Madoka.”

A mão de Homulilly fechou sobre os laços com força. As bonecas fixaram seus olhares em Nagisa e ficaram imóveis como... bonecas.

“Erm... talvez não sejam da Madoka.” Nagisa sorriu nervosamente. “Na verdade eu estou perdidinha com o que está acont...”

Homulilly moveu o outro braço. Sobre a palma da mão uma energia escura coalesceu, com flashes de imagens de objetos aleatórios sem uma aparente conexão.

Nagisa ficou ainda mais nervosa.

A energia se solidificou em uma ampulheta com uma armação de ébano polido. O compartimento superior continha uma areia violeta que, ao passar para o compartimento inferior, cada grão crescia e se transformava em alfinetes negros.

Nagisa ficou admirando o objeto, ouvindo o tilintar dos alfinetes, até que a dona do mesmo o virasse para uma posição horizontal. “Ai... ai...” Dores agudas se manifestaram pelo seu corpo e logo descobriu que estava completamente perfurada por centenas daqueles alfinetes. Quando voltou a atenção para a sua agressora, a bruxa já estava segurando novamente a ampulheta na posição vertical.

Os alfinetes, então, afundaram em sua carne.

“AHH! AAAIIIEEEE!” Nagisa caiu, tamanha a dor. “Homu... AHH!”

Homulilly não reagia. Os alfinetes continuavam a tilintar dentro da ampulheta.

“AAAH! AAAAWWWRRR!” A face agonizante de Nagisa voltou a se transformar na de sua bruxa. De sua boca, a grande serpente Charlotte saiu tão assustada que, em um salto, passou por todo o campo florido e pela montanha no qual havia escalado anteriormente.

Pousando nas areias do deserto, ela serpenteou o mais rápido possível. Quando venceu uma grande distância, alcançado outra cadeia de montanhas rochosas, ela resolveu parar e olhar para trás.

Homulilly não estava tão longe quanto ela gostaria, voando em asas de borboleta composta da mesma energia escura de anteriormente.

Charlotte rangeu seus grandes dentes afiados em pavor. Aqueles alfinetes não eram nada comestíveis! Ela jamais conseguiria escapar e nem sequer se esconder... ao menos não dessa forma. A serpente abriu sua boca e deixou sua língua para fora, por onde uma boneca de pano saiu rolando. “bbbrrriiii!” Caindo sobre um grupo de Pyotr que a estavam aguardando.

Enquanto a serpente se desinflava e se desfazia, Charlotte foi sendo carregada pelos seus lacaios entre as rochas da montanha. No caminho eles encontraram uma rachadura grande o suficiente em uma escarpa. Dando cambalhotas, a boneca deixou seus lacaios e adentrou na rachadura, se arrastando para ir o mais fundo possível.

Tudo estava frio e escuro, com um pouco de luz vindo por onde ela havia entrado. Charlotte se enrolou em suas longas mangas marrons e ficou encolhida.

A luz diminuiu, indicando que algo estava na entrada da rachadura.

“bbbrrriiii...” Charlotte começou tremer. Será que a outra a havia encontrado? Nesse caso, seria ela capaz de alcançá-la ali dentro? Não havia uma rota de fuga.

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“bbbrrriiii?” A bruxa estava falando com ela?

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Ela não conseguia entender o que estava sendo dito, mas não deixou de reconhecer a voz. “bbbrrriiiiHomura-chanii...” Se rastejando novamente e com cuidado, ela espiou.

Homulilly estava em pé e imóvel diante da rachadura, era como se a cena anterior estivesse se repetindo, exceto pelos laços vermelhos entre seus dedos.

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Além de uma salamandra em seu ombro esquerdo, que emitia um forte brilho violeta em todo o seu corpo. Ela rastejou até os orifícios da máscara, por onde então entrou.

Quando Charlotte descobriu que aquilo era oco, os orifícios na máscara emitiram uma luz ainda mais forte que a da salamandra.

A bruxa levou a sua mão de couro negro até a máscara e a retirou. Por detrás, os olhos violetas frios e a pele pálida, porém viva, de uma garota foram revelados.

“bbbrrriiiiHomura-chanii!” A boneca de pano abriu um sorriso e saiu da rachadura.

Homura arrancou as tiras de couro que cobriam metade de seu rosto e voltou a respirar. Ela então retirou o chapéu, deixando que o seu verdadeiro cabelo que estava preso dentro dele caísse e o jogou ao vento. “Eu não preciso disso para me lembrar do que eu sou.” Sentindo um peso familiar, ela examinou seu cabelo e franziu a testa ao ver que eram suas velhas tranças.

A boneca abriu a boca e de dentro saiu primeiro um braço e logo atrás a cabeça de Nagisa, vestindo seu uniforme de garota mágica. Ela se ergueu, se desfazendo da boneca como uma calça justa. “Que bom que se recuperou!”

“Madoka me mostrou a saída desse labirinto uma vez.” Homura observou os laços em suas mãos. “Apesar que fora inesperadamente fácil... então eu precisei ter certeza que era você. Sabia que seria capaz de sobreviver aquilo.”

Nagisa abraçou a si própria e desviou o olhar. “Hehe... Que bom que eu consegui provar, né?”

Homura sorriu. “Já faz um bom tempo desde a última vez que conversamos.”

“É?” Nagisa franziu a testa.

Homura também. “Você não se lembra de nada?”

“Eu... eu estava ajudando a Mami, mas eu comecei a me transformar... e...” Nagisa foi ficando apreensiva.

“Tomoe-san estava bem na última vez que a vi.” Homura afirmou.

“Que bom...” Nagisa semicerrou o olhar, tentando se lembrar. “Depois eu acho que apaguei, o resto é como um sonho depois que acordamos. Não consigo...”

“Tem coisas que é melhor não lembrarmos.” Homura pegou uma de suas tranças e, próximo da fita violeta que o prendia, amarrou um dos laços vermelhos.

“Mas o que aconteceu?”

“Seria uma longa história.” Depois ela fez o mesmo com a outra trança. “Eu não tenho tempo para contá-la, Madoka precisa de nós.”

“Ela precisa?!” Disse Nagisa, confusa.

“Digamos que certa bruxa mentiu para mim.” Respondeu Homura com um sorriso mais malicioso. “Nós precisamos ir... hmm... Momoe-...”

Nagisa ficou ainda mais confusa. “Pode continuar a me chamar de Charlotte.”

“É?”

“Sim.” Nagisa deu de ombros. “Mami já me chama de Bebe mesmo. Charlotte não é tão carinhoso, mas eu até acho que é mais bonito.”

“Então que seja assim, bruxa.” Homura acenou com a cabeça antes de se aproximar da outra garota, a energia escura lentamente se formando em suas costas.

Nagisa a abraçou. “Você sabe onde ela está?”

“Lá fora.”

Nagisa ficou considerando as possibilidades daquela resposta ao ser envolvida pela magia.

/人 ‿‿ 人\

“...o que for necessário, deve ser feito.” Oriko não sabia para onde deveria olhar, assim como o que dizer, isso parecia mais fácil em suas visões. Talvez a principal diferença estava no fato de ter companhia.

[Não vai me dizer com quem está falando? Pela forma que fala, não creio que seja outra pessoa além de você mesma.] As vozes dos Kyuubeys ressoavam. [Seria uma mensagem para uma versão sua no passado, que porventura teria uma visão desse momento.]

“Bem elaboradas as suas afirmações.” Disse Oriko. “Contudo, são apenas hipóteses, não?”

[Os indícios são fortes, mas não há uma confirmação definitiva.]

“Ah sim...” Oriko olhou de relance para alguns dos Kyuubeys atentos a ela. “Normalmente, eu não lhe ajudaria com isso, pois eu havia perdido a confiança em vocês. Contudo, a nossa última conversa em minha casa abriu os meus olhos.”

[Você não havia concordado. O que a fez mudar de idéia?]

“Incubators, vocês dizem que não nos compreendem. O fato é que vocês aparentemente são ignorantes de que estão além da nossa compreensão também. Felizmente, os humanos têm uma característica que pode resolver essa questão.”

[E qual seria?]

“Empatia.” Oriko sorriu. “Eu posso não saber a escala de sua missão, mas sou capaz de imaginá-la. O que acontecerá aqui salvará o universo e, em suma, trará uma esperança a esse mundo. Por isso eu afirmo, suas hipóteses estão corretas.”

[Se todas as garotas mágicas fossem como você, Oriko Mikuni, nós teríamos menos problemas.] Afirmaram as criaturas.

“De fato.” Oriko voltou a olhar para o prisma e o monstro negro agarrado a ele. Os restos do prisma menor no chão já não mais exalavam a essência negra que o alimentava e ele começara a perder tamanho e força, sendo absorvido pelo grande globo negro acima.

Isso a fez formular uma pergunta. “Incubators me digam. Quanto falta para alcançar a quota?”

A resposta foi rápida. [Só tínhamos estimativas para basear a quantidade de energia que seria obtida. Agora, com dados mais precisos, sabemos que falta pouco.]

“Pouco...” Oriko balbuciou, sentindo o sangue subindo à cabeça.

[Sim, estamos absorvendo uma imensa quantia de energia, mas podemos lidar com isso. Não somente o universo escapará da atual crise entrópica como o excedente será bem expressivo.]

Ganância.

Como homens que jogavam à mesa com o seu pai, como aqueles que o traíram, todos motivados pelo mesmo fim. Corrompendo o seu país, o mundo e, agora ela sabia, com o universo era o mesmo caso.

Oriko observou Madoka dentro do prisma, se lembrando das vestimentas brancas e puras por detrás da cor âmbar daquele cristal. O que ele fez para pôr você aí?

Yuma eventualmente deixaria de ser criança e saberia toda a verdade, mas para isso o futuro precisava continuar existindo. Oriko sabia o que era necessário fazer.

Esperança. Esperança para esse mundo.

Um ataque decisivo. Não poderia deixar espaços para uma reação.

Madoka Kaname. Ouvi muito sobre você, até que você fosse a encarnação de uma lei. No fundo, eu sei que você é uma garota mágica tanto quanto eu e por isso estou aqui para salvá-la de todo mal.

Oriko sentiu o peso do seu bolso cheio de cubos em seu vestido.

Purificarei sua gema de toda a escuridão que lhe acometer. Os Incubators já obtiveram sua justa parte, eles não sabem quando devem parar. Foi uma longa e custosa jornada, mas finalmente chegou a hora...

“... de proteger meu mundo.” Oriko abriu seus braços e várias esferas foram surgindo acima dela.

[Oriko Mikuni?]

Não havia mais palavras a serem ditas, somente ela pôde ver o que vai acontecer, somente ela poderia agir. Aquelas esferas eram o ato culminante, o legado de seu dom.

Uma aura de energia escura começou a se manifestar aonde estava os fragmentos do prisma menor.

Com isso, a determinação de Oriko fora interrompida. “O quê?! Mais daquela essência?”

[Não.]

Oriko prestou a atenção na voz de Kyuubey.

[Isso é diferente. Sinto que essa magia é proveniente de outra fonte que surgiu de súbito. Me parece familiar.]

“Familiar?” Oriko viu a aura ganhar tamanho, ocupando a área de fronte ao grande prisma. Imagens sem nexo se formavam tão rápido quanto se desfaziam em meio a ela.

Quando a energia foi se dissipando, Nagisa ansiava em descobrir onde elas haviam chegado. O que viu a espantou. “Kyuubeys! Muitos deles!” Mais perturbador é que tubos metálicos estavam conectados nas costas deles. Todos os tubos iam até um orbe negro que estava acima de... “Hã?! O-O QUE É ISSO?!” Uma entidade caótica e viscosa, com inúmeros tentáculos negros, estava sendo absorvida pelo orbe. O monstro estava agarrado a um prisma onde uma garota inconsciente se encontrava dentro. “AQUELA É...”

“Sim...” Disse Homura, observando tudo aquilo em uma expressão estóica, até se virar. Lá estava mais uma legião de Kyuubeys e, liderando eles, uma garota mágica branca e suas esferas flutuantes.

Tal pessoa que ela não pôde deixar de reconhecer. A voz de Homura, antes impassiva, não escondeu sua cólera. “VOCÊ?!”


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Nêmesis



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