Teus olhos

Tão tristes

Refletem sua tristeza

Vem da alma

O que aconteceu

Com meu anjo negro?

Encarei-o, surpresa. Era uma gravura feita a mão por mim. Eu já havia visto esse anjo? Eram iguais. As mesmas asas negras. O mesmo cabelo. Os mesmos olhos profundos. Mas havia uma diferença. Estava sorrindo.

O anjo passou a mão no sorriso da gravura.

–Você me desenhou. -Ele observou.

–Sim, ao que parece. -Eu respondi, confusa. -Você já tinha vindo aqui, quero dizer, na Terra, antes? Seja lá de onde você for.

–Eu fazia passeios, quando era alegre. -Ele disse. -Mas minhas asas não eram negras. Eram brancas como a neve. Eram macias. Bonitas. Sedosas. Não eram duras e feias como essas.

–Eu não as acho dura. -Eu disse, tocando numa das asas. -Acho-as aconchegantes.

O anjo fitou-me. Não sorria.

–Gostaria que você sorrisse. Iria ficar ainda mais bonito. -Eu observei, pegando uma pena na mão.

–Eu não posso sorrir. -Ele revelou, triste.

–Por quê não? -Perguntei.

–Foi há muito tempo atrás. -Ele disse, fitando minha gravura. -Eu tinha um dom, um dom que poucos anjos possuem. Eu sabia criar coisas, do nada. Como aquela borboleta que fiz de seu suspiro. -Ele olhou para mim. -Mas certa vez, fui longe demais com esse dom. Eu fui um monstro. Eu não mereço mais nada.

O anjo derrubou lágrimas negras.

–Eu não vou pressioná-lo a contar mais nada. Apenas vou dizer meu nome. -Eu disse, continuando a tocar em suas asas. -Meu nome é Clarke. Eu confio bastante em você, anjo. Você me parece uma boa pessoa. E eu tenho uma prova de que estou destinada a cuidar de você, meu anjo. Eu já o vi. -Toquei na gravura. -Eu vou fazer você sorrir. É minha missão.

–Eu agradeço, Clarke. -Ele disse, os olhos expressando gratidão. -Eu vou estar aqui. Todos os dias. Eu prometo.

Então o anjo ficou em pé, subitamente.

–Você já vai? -Eu perguntei, triste.

–Sim, Clarke. -Ele disse. -Tome uma prova de que irei voltar para você amanhã. -Ele tirou uma pena negra e deu-me. Suspirou e abriu as asas. Ele era realmente bonito. -Eu me chamo Rafael, Clarke. -Ele olhou para mim, profundamente, e impulsionou seu voo, até que já estava no céu, um pontinho preto.

"Para onde vai meu anjo negro?", eu pensei, segurando a pena perto de meu coração.