Segredos de vida escrita por Lana Talita


Capítulo 5
Capítulo Cinco reescrito


Notas iniciais do capítulo

Geeente, tive que reescrever esse capítulo, leiam porque mudei muita coisa e acrescentei coisas essências pra estória! Boa leitura!



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O dia amanheceu chuvoso. Às cinco e quarenta da manhã os relâmpagos ainda iluminavam o céu cinzento, e rajadas de vento castigavam as árvores da redondeza. Levantei da cama com o humor afetado pelo tempo, odiava chuva. E, para piorar, ela persistia desde a noite anterior. Desci para a cozinha e vi minha tia sentada com a cabeça em cima da mesa. Era a oportunidade perfeita para tomar conhecimento de alguns segredos.

– Bom dia. – Cumprimentei.

– Bom dia.

Sentei na sua frente e a encarei, ela estava um caco. O cabelo estava completamente bagunçado e cheio, parecia mais uma juba de leão. Os olhos carregavam olheiras fundas e a expressão era de alguém prestes a matar qualquer um que a irritasse.

– Uau, você tá horrível. O que aconteceu? – Perguntei rindo.

– Ontem a noite teve uma confraternização do trabalho. Digamos que exagerei no álcool, e talvez, só talvez, tenha feito coisas que me arrependo.

– Precisava estar lá pra ver isso! Bom... preferia que estivesse em perfeito estado pra conversarmos, mas vai ter que ser assim mesmo.

– Conversar sobre o quê?

– Rafael.

Ela endireitou o corpo na cadeira, enrijeceu o maxilar e franziu a testa.

– Já te falei que ele é assunto meu. – Falou.

– E eu quero saber mesmo assim!

– Ana, Ana. Você está querendo ir por um caminho sem volta.

Um calafrio percorreu minha espinha no mesmo momento em que um raio rasgou as nuvens. Por um instante senti a vontade de manter a conversa se esvair, mas eu precisava de toda a verdade.

– Fala logo tia. – Reclamei.

– Ele é um dos meus clientes. Mais um que veio atrás da advogada criminal. Apenas isso.

– Não é apenas isso. Por quê ele está morando aqui? E por quê ele precisou ir atrás de você?

– Que droga Ana! Chega de tantas perguntas! – Ela gritou.

Tia Fernanda levantou da cadeira tão rápido que quase fez o objeto cair, passou ao meu lado e encostou-se à parede atrás de mim. Virei para ela analisando sua expressão corporal. Respiração ofegante, lábio ligeiramente torto, testa franzida, mão fechada em um punho. Minha tia estava prestes a explodir. E quando ela explodia, conseguia ser mais cruel que minha mãe.

– Eu não pararei de perguntar enquanto não obtiver respostas. – Pronunciei.

Ela olhou-me como se pudesse me perfurar. Mais um raio rompeu uma nuvem cinzenta. O céu podia desabar sobre minha cabeça que eu não notaria, só tinha atenção para aquele olhar que parecia querer me quebrar.

– Eu te amo Ana, mas estará sendo estúpida se quiser se meter nessa história. Saiba que eu não apoiarei isso, nem estarei ao seu lado se precisar. – Sussurrou.

– Tia eu não vou me meter nisso! Eu não quero ter algo a ver com essa confusão, só não gosto que me façam de boba.

– Bom, sua cabeça é seu guia. Rafael é filho de Vidal, estou tomando conta dele.

– Então Rafael não precisa dos seus serviços? Minha mãe sabe disso?

– Não ele não precisa dos meus serviços, nem Vidal. Sua mãe sabe que Rafael é filho de Vidal, mas apenas isso.

– Uau... incrível como sempre os empregados estão envolvidos em algo. Igualzinho às estórias de terror...

– Sim, e é só isso que você precisa saber. – Ela me interrompeu.

Ela se dirigiu a porta da cozinha apressadamente, mal deu quatro passos e já estava fora do cômodo. Saltei da cadeira e fui atrás dela. A encontrei deitada na cama de casal do próprio quarto. Deixei meu corpo cair ao seu lado, encarei o teto amarelo com uma luminária grande e de vidro no centro. Minha tia esfregava as mãos no rosto, um sinal claro de seu nervosismo. Puxei todo o ar que meu pulmão foi capaz de guardar, e o soltei vagarosamente.

– Nós ainda não acabamos. – Falei.

– Sim, acabamos.

– Quero saber de tudo o que aconteceu, como nunca soube que Vidal tem um filho, por que tem que tomar conta de Rafael. Enfim, tudo o que está escondendo.

– Meu Deus, por que é tão enxerida? Quer saber, eu não vou falar mais nada, me recuso a saciar sua curiosidade. Se quer saber de tudo então fale com o próprio Rafael..

– Mas ele não vai me contar!

– Porque ele é prudente. Nunca é bom deixar o outro saberem demais.

Levantei da cama e saí do apartamento batendo a porta com toda a minha força. Havia ganhado mais dúvidas do que respostas. No entanto, por hora, decidi não pensar mais nisso. Ao chegar em casa arrumei-me para a escola ignorando a existência de uma mãe destruída pela ressaca no sofá da sala e de Vidal falando com o garoto que o ajuda a cuidar do jardim.

***

Horas depois estava em casa novamente, olhando Vidal mover, lentamente, a vassoura pelo chão da sala de jogos. Ele era um senhor velho. Andava com a coluna torta, era gordinho, possuía poucos cabelos na cabeça e rugas espalhadas por seu rosto sorridente. A esposa dele era uma senhora simpática, mais magra que ele, e estava de licença médica há algumas semanas por motivos desconhecidos por mim.

Saí de perto da porta da sala de jogos, fui para sala e acordei minha mãe que ainda estava no sofá da sala.

– O que você quer? – Mamãe perguntou.

– Você não vai trabalhar hoje não?

– Não não vou. Meu personagem não aparece no episódio da novela hoje. – Falou enquanto fechava os olhos novamente.

– Vai dormir no quarto então, esse sofá é péssimo pra dormir. Vai ficar dolorida.

– Tá eu vou, que chatice.

Mamãe subiu para o quarto e eu fui ao seu lado, ainda precisava fazer algumas tarefas de casa e arrumar meu armário, seria uma longa tarde.

**

No dia seguinte não fui para casa depois da escola, portanto lanchei um salgado e refrigerante na hora do almoço e fui para casa da minha tia. Chegando ao local, entrei com meu coração batendo descompassadamente e minha mente gritando para eu ir embora. Rafael veio em minha direção e abriu um pequeno sorriso com o canto do lábio, passou a mão pelo cabelo e falou:

– Oi ruivinha, a Fernanda não está.

– É com você mesmo que quero falar.

– Ora, o que devo a honra?

– Eu sei que você é filho do Vidal. O que não sei é como eu nunca soube de você, nem o que está acontecendo pra minha tia precisar tomar conta de um homem quase adulto já.

Ele pegou a minha mão e me levou até a sala, jogou o corpo no sofá e me puxou de forma que eu sentasse ao seu lado.

– Bom, saiba que a Fernanda está recebendo bastante pra me manter aqui. O salário que seus pais, juntos, pagam pros meus pais é incrivelmente alto, ficaria chocada se soubesse. Acho que só pagam muito por consideração mesmo, eles trabalham pros seus pais desde que você nasceu. – Falou.

– Meus pais? Eles trabalham pro papai também? Sabe...depois do divórcio.

– Trabalham sim, na sua mãe trabalham de manhã e de tarde, e no seu pai apenas de noite.

Por alguns minutos o silêncio tomou conta de nós. Minha cabeça estava uma confusão, não conseguia entender como não sabia que meus pais tinham os mesmos empregados.

– E o que aconteceu com a sua mãe que está sem trabalhar? – Perguntei.

– Ela machucou.

– Sim, mas como?

– Machucando. E você? Como soube dos meus pais?

– Bom, consegui fazer a minha tia contar. Mas ela não falou tudo, coisa que quero que você faça, até como sua mãe se machucou.

De repente Rafael começou a encarar o chão e seu corpo ficou rígido. Coloquei a mão em seu ombro, mas ele se afastou. Quando voltou a falar, ainda sem olhar para mim, sua voz saiu baixa e agressiva.

– Não vou dizer que não está acontecendo nada, porque você não é idiota. Mas também não irei contar.

– Por quê? Eu pararia de insistir nessa história se você desembuchasse logo! – Falei indignada.

– Pô... primeiro porque eu mal te conheço. Se você não notou essa é a primeira vez que conversamos de verdade, sem contar que você nem sabia da minha existência antes de eu aparecer. E eu sempre soube da sua. Segundo porque você não tem nada a ver com isso.

– Como você sabia de mim? E se eu terei que conviver contigo na casa da minha tia, então tenho tudo a ver com isso!

– Meus pais já me falaram de você. Tem até foto tua lá em casa, quando fez quinze anos. Eles se preocupam muito contigo, não sei por quê. Já que você nunca deu intimidade para eles, sempre os tratou apenas como os empregados.

– Como pode saber se os trato assim? Não sabe nada de mim! – Gritei.

– Você não saber que eles têm um filho e trabalham pro seu pai já é um indicio.

– Quer saber, que se dane você também! Se não quer me contar então vou descobrir sozinha.

Levantei queimando de raiva, me dirigi até a porta do apartamento e a abri. Não queria ir para casa, então resolvi visitar uma amiga da escola. Ao chegar ao lar dela toquei a campainha três vezes e ninguém atendeu, liguei para seu celular, mas caiu na caixa postal. Por fim resolvi ir para casa do papai, lá seria melhor que a minha. Quarenta minutos depois já estava dentro da residência de papai, observando, pela primeira vez, o quão limpo o local estava. Os pais de Rafael sempre foram os que sabiam fazer uma faxina, o resto da família mal chegava perto de uma vassoura, exceto a tia Fernanda. Dirigi-me ao meu quarto e sentei no Puff que ficava embaixo da janela de vidro com tela transparente contra pernilongos. Após alguns minutos minhas costas começaram a doer, portanto dei uns dois passos e saltei em cima da cama que ficava no meio do quarto.

Cada minuto que passava mais raiva sentia. Raiva dos segredos, raiva de mim. Tanta raiva que, antes que eu percebesse, um grito percorreu minha garganta e ecoou no ar. Um grito que, imediatamente, deu lugar a uma enxurrada de lágrimas. Enxurrada que se tornou cansaço. Cansaço que me fez adormecer completamente quebrada. Acordei mergulhada no escuro. Já estava tarde e meu celular tocou uma música chata, mostrando que havia chegado uma mensagem. Fechei os olhos novamente, mas outra mensagem chegou. Levantei e peguei o celular da bolsa que deixei em cima do Puff, quando fui coloca-lo no silencioso vi uma mensagem de um número desconhecido. Nela estava escrito “Oi ruivinha, desculpe incomodar essa hora, mas acho que começamos a nos conhecer do jeito errado.”.

Respondi perguntando quem é e como conseguiu meu número. Antes que o celular bloqueasse outra mensagem chegou. “Pô ruivinha, é o Rafael, e peguei teu número na agenda da sua tia”. Deitei na cama sem responder nada, alguns minutos depois outra mensagem chegou. “Enfim, quero conversar contigo, ainda não te contarei o que tanto quer saber, mas isso não impede de nos darmos bem. Então... podíamos sair um dia. O que acha?”.

Li e reli a mensagem com certa raiva, ele era muito corajoso de fazer isso depois da conversa que tivemos mais cedo. Por fim digitei “Só aceitarei se de me responder o que eu quiser” e enviei. Novamente a resposta chegou antes da tela do celular bloquear. “Você não vai largar isso pra lá né? Tudo bem, mas não espere que eu vá te dar muitos detalhes, porque não sei de tudo. Estou mais indo na onda dos acontecimentos. Vem aqui amanha de manhã, umas nove horas, podemos tomar café da manhã em algum lugar para conversarmos. E outra hora, quem sabe, sair sem falar sobre isso.”. Respondi “ok” para ele e guardei o celular, tomei banho e depois coloquei o pijama. Joguei algumas cobertas em cima de mim, e fui dormir tentando controlar meus pensamentos que variavam entre a conversa com a tia Fernanda e o Rafael e as mensagens dele.

**

Acordei nervosa para encontrar Rafael, coloquei um jeans, uma blusa verde fina de calor e arrumei meu cabelo em uma trança embutida. Ao sair do apartamento vi papai na cozinha fazendo café.

– Bom dia querida. Aconteceu algo pra você vir dormir aqui? Sem avisar ainda. – Perguntou.

– Ah me deu vontade mesmo. Desculpe não avisar antes.

– Milagre isso, você nunca tem vontade de dormir aqui. Vai tomar café comigo?

– Não, vou sair. Tchauzinho pai.

Saí antes que ele pudesse me responder, liguei para o motorista de minha mãe pedindo para levar-me até a tia Fernanda. Ao chegar ao edifício não precisei nem entrar, Rafael estava me esperando na portaria. Ele foi em minha direção, sorriu pra mim e estendeu a mão em cumprimento.

– Aonde vamos? – Perguntei.

– É surpresa, e é perto daqui, dá para ir a pé.

Andamos por uns dez minutos, durante todo o percurso observei como ele andava desajeitado, os braços balançavam demais, por vezes batendo em mim, e os pés seguiam o caminho em ziguezague. Chegamos a uma padaria muito bonita, toda de madeira. Em uma metade do local estava pães, biscoitos, tortas, bebidas, salgados, entre outras comidas. Já na outra metade estava diversas mesas com quatro cadeiras, e mais no canto, perto da parede, tinha duas mesas com duas cadeiras. Sentamos na mesa de duas cadeiras, ele sorriu mordendo o lábio, ajeitou a gola da blusa pólo vermelha que usava, e falou:

– E aí? Gostou?

– Aqui é lindo, gostei muito, não me lembro de já ter passado por aqui.

– Provavelmente passou, mas devia estar distraída. A comida daqui também é muito boa.

A garçonete chegou a nós e, com uma expressão mal-humorada, perguntou o que queríamos. Eu pedi apenas um café e Rafael quis achocolatado e um pacote de biscoitos feitos de polvilho, água, leite e óleo. Cerca de quinze minutos depois nossos pedidos chegaram.

– Então... temos que conversar. – Falei.

– Sim, temos.

– Pode falar, conte sua história.

– Nossa, nem sei por onde começar.

– Do começo seria uma boa. – Brinquei.

Ele ficou olhou para os biscoitos por alguns segundos, respirou fundo e começou a falar.

– Bom, eu sempre vivi com meus pais. Eles são pessoas ótimas, e com bastante dinheiro, só não são mais ricos do que os seus pais. Acontece que quando tinha quatorze anos meu pai começou a se envolver com uma galera da pesada, não sei bem em que ele se meteu, mas sempre que ele recebia visita de um homem alto, moreno, barbudo e de terno ele passava o resto do dia mal. Sabe, eles conversavam por cinco minutos, e depois meu pai ficava distante de mim e de minha mãe, já teve vezes que passou alguns dias fora de casa. Mas como já falei, eu sempre fui indo de acordo com os acontecimentos, sem me meter. Meu pai sempre falou que assunto dele, criança não ficava sabendo.

"Isso continuou durante alguns anos, sendo que cada ano que passava meu pai ficava mais envolvido nos... como ele falava, 'negócios da família'. Esses negócios também o faziam ficar mais violento verbalmente, comigo ele nunca fez nada de ruim, mas a minha mãe sofria com as palavras dele. Ela só não se separou porque também está envolvida no problema. Então esse ano meus pais se aproximaram da sua tia, contaram tudo o que eu não sei para ela, e é claro que ela não gostou nada. Quando pediram pra ficar comigo, ela não aceitou, levou algumas semanas, um pagamento alto e a garantia de que nada aconteceria a ela e a nenhum da sua família para ela aceitar. Pra mim, a Fernanda também tá metida nessa história ou então é gananciosa, se eu fosse ela não aceitaria de forma alguma. Mesmo não sabendo de fato o que tá acontecendo, sei que coisa boa não é."

– Minha tia não é gananciosa! Ela deve ter visto o desespero dos seus pais, e resolveu ajudar. – O interrompi.

– Bom, se é o que você acha. Enfim, eles me explicaram que eu preciso ficar com a sua tia porque estarei protegido. Parece que eles irão ter que se envolver mais ainda com os negócios da família, então não me querem por perto disso. Porque eu posso sofrer as consequências, e eles me amam demais para deixar que isso aconteça. É isso, como eu te disse, estou mais perdido que você. E não pretendo descobrir. Seja lá qual for o negócio da família, o melhor a se fazer é largar para lá, então, por favor, não se meta. Seus pais não suportariam se algo acontecesse contigo.

– Isso é o que você pensa. Meu pai até não gostaria que algo acontecesse comigo, mas minha mãe não se importa comigo.

– Então pensa na sua tia. Ela fez meus pais garantirem de que nada vai acontecer contigo, até ameaçou eles. Disse que ela mesma ia acabar com eles se algo acontecer a você. Por isso mesmo acho que seria muito mais fácil ela não me aceitar na casa dela. Mas vai entender o que se passa na mente dela.

– Bom, eu posso tentar não me envolver. Mas saiba que a minha curiosidade, às vezes, é mais forte que eu. – Brinquei.

Ele ficou sério, pegou a minha mão e a apertou de leve. Franziu a testa e falou:

– Faça como eu, fique longe disso.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Beijinhos.