Segredos de vida escrita por Lana Talita


Capítulo 2
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Tive que postar esse capítulo, ele tava no meu word já a um tempo, então não aguentava mais esperar kkkkkkkkkk . Boa leitura!



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Na manhã seguinte acordei com a cabeça dolorida e o estomago fazendo voltas. Levantei da cama e coloquei o uniforme da escola mais devagar que o normal. Ao sair do quarto vi a bolsa de mamãe jogada aberta no chão em frente a minha porta. Peguei a bolsa e fui em direção ao quarto da minha mãe, senti pedaços de vidro por toda a extensão do tapete marrom. Entrei no cômodo iluminado pela fraca luz do sol através da janela, o piso estava molhado e um cheiro de álcool preenchia o ar. Olhei para a cama e lá estava ela, debaixo das cobertas e uma garrafa vazia de vodca no criado-mudo.

Ela usava dois cobertores de lã mesmo estando calor, me aproximei dela para guardar um dos cobertores. Ao encostar a mão para puxar a coberta minha mãe se remexeu deixando a vista seu rosto molhado pelas lágrimas, imediatamente me afastei mal conseguindo respirar, por fim corri para longe daquela casa. Vi-me parada em frente à porta do apartamento da minha tia, desejando que não fosse verdade, que mamãe não tivesse voltado a beber. Entrei e me joguei no sofá pensando em minha mãe, as lágrimas insistindo em cair por mais que eu quisesse segurá-las.

Minha mãe sempre gostou de beber. Mas depois do divórcio ela passou a beber muito mais. Dos meus dez aos doze anos e dos quinze aos dezesseis foi muito difícil lidar com ela. Lembro-me de uma vez que ela chegou de mais um dos encontros escondidos com meu pai, depois de pegar uma lata de cerveja na cozinha deitou no sofá ao meu lado. Ela não falou comigo, apenas me olhou forçando um sorriso. Ao acabar a cerveja saiu da sala e voltou minutos depois com uma garrafa de vodca. Quando fui para meu quarto ela já estava com uma garrafa de vinho nas mãos.

Lembro-me de acordar no meio da noite e ouvir um choro baixinho, levantei assustada e preocupada. O choro vinha em direção ao quarto da minha mãe, corri para lá e entrei sem pedir permissão. A porta rangeu com a minha chegada, mas mamãe continuava chorando. Cheguei perto dela devagar, vi sua mão segurando um copo e a cabeça virada para o travesseiro. Estendi minha mão para passar em seus cabelos, mas ela rapidamente segurou meu pulso e levantou da cama, gritou comigo querendo saber o que eu fazia no quarto dela.

Fiquei tão assustada que não consegui respondê-la, apenas fiquei encarando aqueles grandes olhos azuis e o rosto vermelho, quase da cor do cabelo ruivo. Ela então me puxou para fora do quarto dizendo que eu nunca devia entrar sem bater e para respondê-la quando fizesse uma pergunta, por fim, fechou a porta na minha cara. Foi a primeira vez que passei o resto da noite chorando, me sentindo tola por me importar. Eu tinha onze anos. Depois da morte de Lucas mamãe diminuiu consideravelmente a ingestão de álcool, creio que ficou com medo de acontecer o mesmo com ela, entretanto isso mudou naquela manhã.

***

Acordei horas depois em um quarto, levantei da cama e liguei a luz, quando vi onde estava percebi incomodada que o tempo havia parado ali. Tudo estava do mesmo jeito desde a última vez que entrei no local, as paredes lilás, os bichos de pelúcia espalhados nas prateleiras, as fotos de momentos importantes no quadro de imã em cima da mesinha para estudar.

Aquele quarto fora meu dos doze aos quinze anos, quando minha tia já não aguentava mais a bebedeira de mamãe. Ela me tirou de casa, arrumou aquele quarto a meu gosto e cuidou de mim até eu decidir que já estava na hora de voltar para casa. Desde então não entrei mais ali, só me traria culpa por deixá-la sendo que ela cuidou de mim no lugar de quem deveria fazê-lo. No entanto estar naquele lugar não era ruim, era nostálgico. Era uma sensação diferente, algo que nunca senti durante minha estadia ali. Pertencimento. De repente minha tia bateu na porta pedindo licença, sorriu e me abraçou.

– Querida, você está bem? – Ela perguntou.

– Claro. Nossa, tinha tanto tempo que não entrava aqui.

– Eu também, só a faxineira estava entrando aqui. Você tem certeza que está bem? Quando cheguei seu rosto estava todo vermelho e murmurava algumas palavras sem sentido.

– Tenho sim tia. Falei abrindo um sorriso amarelo.

Descemos as escadas e fomos para a sala de jantar comer um lanche que ela havia deixado na mesa. Ao chegar ao cômodo me deparei novamente com o menino de olhos e cabelos castanhos, ele usava uma jaqueta jeans e uma bermuda. Diferentemente do dia anterior, ele não sorriu quando seus olhos cruzaram os meus, manteve os lábios ligeiramente pressionados e a testa franzida. Sorri para o garoto estendendo a mão, mas ele apenas balançou a cabeça sem tirar as mãos do bolso da jaqueta. Pedi licença e arrastei minha tia para a sala de estar.

– Quem é aquele menino? Por quê ele não apertou minha mão? É educação sabe. Perguntei curiosa e indignada.

– Ele é o meu mais novo problema.

Voltei para a sala de jantar sem entender o que estava acontecendo, sentei na cadeira em frente à dele e encarei meu prato com pedaço de bolo de chocolate. Notei os olhos dele em mim durante todo o lanche, me analisando, acompanhando meus movimentos, deixando-me constrangida. Voltei para casa alegando que precisava falar com uma colega de classe que também era minha vizinha, para descobrir o que foi passado nas aulas mais cedo. Ao chegar em casa e sentar no sofá da sala principal senti o alívio, por não ter mais aquele par de olhos me assistindo, atingir meu peito. Em seguida senti culpa por não ter contado sobre mamãe para a tia. Sempre contei tudo para ela, mas mamãe era uma responsabilidade minha.

Ao subir as escadas vi que o tapete continuava no mesmo estado deplorável de mais cedo, andei até o quarto da minha mãe ignorando os cacos de vidro e olhei pela fresta da porta semiaberta. Ela não estava deitada no quarto, então entrei e me joguei na cama tentando ignorar a enxurrada de lembranças que me atingiam. Deitei de bruços e senti o perfume de minha mãe no travesseiro, um cheiro inconfundível de canela com maçã. Por mais estranho que pareça, até hoje, mesmo depois de tudo que ela fez comigo, me sinto melhor no quarto da minha mãe do que em qualquer outro canto da casa.

Depois que meus pais se separaram eu quase não via minha mãe e quando via ela estava bêbada, então eu ia para o quarto dela nas madrugadas em que não estava e deixava o cheiro de maçã com canela embalar meu sono. Os anos em que morei com a minha tia foram os mais complicados, não ter o aroma durante meus sonos fazia a ausência da minha mãe ainda mais difícil. Quando voltei para casa, com quinze anos, à primeira coisa que fiz foi me jogar na cama de mamãe e sentir seu cheiro. Ela não estava em casa, mas seu cheiro estava. Uma lembrança constante de que eu ainda tinha uma mãe.

***

Algumas horas depois senti o colchão afundar ao meu lado, forcei meus olhos a abrirem para ver o que era, no entanto tornei a fechá-los antes mesmo de ficarem completamente abertos. Em poucos minutos o aroma de maçã com canela invadiu minhas narinas anulando qualquer outro cheiro, fazendo-me sentir em paz. De repente meu coração acelerou e minha pele começou a suar, tentei levantar da cama sem fazer nenhum barulho, mas um braço fino passou pelos meus ombros prendendo-me na cama de barriga para cima. Virei à cabeça mal conseguindo respirar, a primeira coisa que vi foram os fios ruivos e o rosto enfiando no travesseiro.

Imediatamente minha respiração pesou e meu coração acelerou novamente, se alguém me visse notaria claramente o desespero estampado em minha face. Tirei com a mão tremula os braços da minha mãe dos meus ombros e levantei sem fazer barulho, as coisas jogadas pelo chão do quarto fez a minha saída ser mais demorada, já que não podia fazer nenhum barulho. Quando cheguei à porta e comecei a abri-la ouvi uma voz aveludada, o que fez um calafrio percorrer minha espinha. Aquele tom de voz, macio e calmo, não era usado comigo desde o divórcio.

– Ana? O que está fazendo aqui? – Perguntou.

– Oi mamãe. Não se preocupe, já estou de saída.

– Nem pense em sair, eu quero que me responda. Sabe muito bem que te proibi de entrar aqui.

Meu estômago embrulhou quando mamãe pronunciou tais palavras, de fato não tinha permissão para entrar no quarto dela desde os meus onze anos, quando ela me expulsou de lá.

– Você sabe né mãe, nunca fui muito boa em obedecer ordens. –Brinquei.

– Claro que sei, se fosse não teria feito o que fez.

– Mamãe quando vai entender que eu não fiz nada? Não tenho culpa de nada, muito menos de que virou uma bêbada!

– Ah, meu amor, da minha bebedeira você tem culpa total. Agora saia daqui antes que eu te coloque pra fora. E nunca mais. Nunca mais. Ouse entrar no meu quarto novamente. Na verdade não quero que apareça na minha frente de novo, só se for extremamente necessário, afinal, infelizmente, ainda sou sua mãe.

Senti meus olhos marejarem por um segundo, mas respirei fundo, arrumei minhas costas, até então caída, de forma que ficasse reta, coloquei uma expressão séria no rosto e saí do quarto sem olhar para trás. Não posso dizer que, naquele momento, minha vontade não era de chorar até o dia amanhecer, de juntar as minhas coisas e voltar para a casa da minha tia. Era sim, e muita. Mas eu não podia, tinha que continuar forte e cumprir meu objetivo naquela casa. E mesmo se eu não tivesse um motivo para continuar, eu tinha apenas dezessete anos, não aguentaria o peso nas costas de deixar minha mãe sozinha em um momento difícil

Eu era a família dela, e não se deve desistir ou abandonar a família. Portanto não ia deixá-la. Mesmo que o coração dela tenha me abandonado na primeira noite em que chegou embriagada em casa.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Beijinhos.