Defeitos de Fábrica escrita por Lorena Luíza


Capítulo 9
IX. Garoto ao redor do mundo e cascas de ferida


Notas iniciais do capítulo

Oi! Esse capítulo ficou confuso. Podem perguntar nos comentários caso não entendam, mas saibam que a cabeça da Liana oscilou muito nesse cap.



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❊ ❋

Por mais que o Sam sempre beijasse e ficasse com outras pessoas, eu jamais tivera o azar de estar presente num momento desses. Na verdade, eu fugia o máximo que podia disso. Sempre que eu o ouvia dizer algo suspeito ou simplesmente sorrir malicioso, procurava ficar o menos curiosa possível para não segui-lo mais tarde e não dar de cara com uma cena como a que estava presenciando naquela hora. Minha pequena aversão à internet também tinha relação com isso, já que eu evitava o máximo possível entrar em redes sociais, adicioná-lo e dar de cara com fotos, postagens ou quaisquer outras coisas do Sam que tivessem algo a ver com os relacionamentos dele e pudessem acabar me magoando.

Agora, Liana, poderia dizer o porquê?

Porque eu era, sou e sempre vou ser idiota. Apenas ver coisas assim me machucava. Tudo bem, eu sempre tive consciência de que a chance de eu acabar sendo uma hora ou outra beijada por ele era de zero vírgula um em um milhão, mas ainda assim não gostava de ver os outros terem a sorte que eu não tinha. Não importava se era idiotice, infantilidade, inveja ou qualquer coisa. Eu me sentia mal. Sabia que não tinha o menor direito de ficar me remoendo por um cara que não tinha e nunca teria absolutamente nada além de amizade comigo, mas não importava. Cada vez que eu o via com alguém diferente, era como se as minhas feridas abertas e em processo de cicatrização começassem a arder e sangrar de novo.

O problema era que ver o Sam beijar outra pessoa não havia sido algo que fizera minhas feridas arderem ou derramarem mais algum sangue. Na verdade, eu até gostaria que houvesse sido isso, mas não foi, infelizmente não foi. O que o beijo forçado que Sam deu no Kevin causou foi apenas o surgimento de mais uma dezena de feridas dentro de mim. Eu não soube como reagir diante daquela cena. Tudo bem, Sam havia feito aquilo apenas para prejudicar o garoto, mas diga isso para o meu coração feito de manteiga ou para as lágrimas que já estavam querendo aparecer e dar um olá para a escola inteira.

Os dedos do Alex seguraram cada vez com mais força o meu pulso, que ainda tinha ali a pulseira azul de plástico que eu havia ganhado dias atrás. Eu podia sentir o plástico duro do anel roxo de criança no dedo dele, se forçando levemente contra a minha pele. Eu também não havia tirado o meu desde então. Caso eu tivesse tempo para parar e pensar nisso, eu pensaria que aquilo podia ser algo como um símbolo bonitinho da nossa amizade, mas não. Eu não parei para pensar naquilo. Não parei porque eu simplesmente não conseguia descolar os olhos da cena horrenda à minha frente, de Kevin paralisado enquanto Sam ainda o beijava — ou o prensava na parede com a boca, por ser mais com isso que aquilo parecia.

Como se fosse quase um toque para que eu acordasse, alguém abriu caminho entre a multidão e me deu uma ombrada, empurrando-me de leve para cima de um estudante qualquer. Eu não havia tido nem mesmo tempo para me virar e ver quem havia me empurrado quando ouvi a voz da Susana, que passou berrando com o Sam e foi até ele, arrancando-o de perto do Kevin e começando a xingá-lo. Eu achei que não receberia mais nenhum empurrão, mas logo André passou rudemente ao meu lado e também foi até lá, parecendo estar num sentimento misto e assustador de ciúme e ódio do Sam.

Eu continuei sem saber o que fazer, vendo o casal que, em breve, talvez não seria mais casal brigar e se preocupar com o estado do Sam enquanto Kevin continuava paralisado e horrorizado na parede. Eu nunca havia visto ninguém com uma expressão tão desgostosa e descrente como a dele, que olhava para baixo arfando e com os olhos arregalados. Tá, ele era um idiota, mas aquela cena foi de dar pena.

Tenho consciência de que, no estado e situação em que eu estava, o que eu fiz não foi a coisa certa. Se eu levasse em conta também o modo rude e insensível como aquele garoto agia e pensava, com certeza também não teria feito nada, mas eu não podia ficar parada vendo-o assustado, todo arrebentado e sozinho enquanto a escola inteira logo se aglomerava ao redor do Sam. Caso eu tivesse escutado o que o Alex havia dito, também não teria feito nada além de sair correndo para chorar num canto, mas eu não escutei. Eu não fiz nada, absolutamente nada que fosse o correto para se fazer na hora.

O que eu fiz foi ignorar o vazio que havia dentro de mim para, outra vez, tentar preencher o dos outros. Ninguém faria aquilo, mas eu quis fazer. Quis e estava indo fazê-lo quando Alex me interrompeu.

— O que vai fazer? — rosnou ele, agora as unhas deixando marcas no meu punho enquanto eu tentava ir em direção ao Kevin na aglomeração de pessoas. — Já tem gente ajudando o Sam, idiota. Não vai melhorar as coisas se você for encher linguiça, então tente ligar o foda-se para ele ao menos uma vez.

— N-não é isso! — Minha voz saiu num tom irregular, provavelmente por eu ter tido vontade de chorar minutos atrás. — Não é atrás dele que eu... Não é atrás dele que eu estou indo!

Puxei o braço para que ele me soltasse, recebendo um olhar irritado e desconfiado do Alex em seguida e tentando devolvê-lo com a mesma intensidade.

— Aonde vai então? — Ele franziu as sobrancelhas densas e escuras, encarando-me com dúvida e irritação. — Dar uma de protagonista de filme adolescente, sair correndo e chorar num canto enquanto espera o segundo boy magia da trama aparecer e te consolar?

— Não seja estúpido! — retruquei de novo, dessa vez realmente me irritando. — O que eu poderia fazer? Eu vou ajudar o Kevin, seu idiota egoísta!

Antes que Alexander pudesse reagir ao que eu havia acabado de dizer, virei-lhe as costas, empurrando quem estava na minha frente e indo até o Kevin para arrastá-lo até a enfermaria. Não importava o quão babaca aquele garoto fosse, eu não o deixaria ali sozinho. Eu conhecia aquilo, o sentimento de ser deixado de lado logo quando mais se precisa, e todo mundo tá careca de saber disso. Claro que os motivos de eu e Kevin sermos constantemente excluídos diferiam muito, mas isso não era razão para deixá-lo lá, sendo alvo de ainda mais gozação enquanto não havia nem mesmo captado o que havia acabado de acontecer.

Não soltei o braço do Kevin mesmo quando ele berrou comigo, ameaçou me bater e disse que não se arrependeria disso mesmo que soubesse que eu era uma garota. Eu cheguei até mesmo a dizer um "então me bate" para peitá-lo, mas ele simplesmente rosnou algo e me virou o rosto, tentando outra vez tirar minha mão de seu braço. Não precisei puxá-lo pela coleira — desculpa, eu realmente estou pegando a mania de todo mundo de chamá-lo de cãozinho, mas foi inevitável — por muitos metros até empurrá-lo enfermaria adentro, empurrando o garoto num banco para fazê-lo sentar-se ali e indo pegar papel higiênico num banheiro próximo.

— Mas que porra, o que você quer?! — ouvi-o rosnar quando voltei com as mãos envoltas numa infinidade branca daquele papel higiênico esfarelento de escola pública para limpar o rosto dele. — Eu não sou problema seu, idiota!

Ele estava se levantando do banco, mas eu entrei e forcei-o a sentar-se outra vez, empurrando-o pelos ombros. Fazendo uma cara impaciente, abaixei-me para ficar da altura dele sentado e tentei limpar seu rosto com o papel até a moça da enfermaria aparecer. Fui impedida de fazê-lo na primeira tentativa, quase levando um soco, mas correspondi-o com um tapa não muito forte na mão machucada do garoto.

— Mas que coisa! — eu resmunguei logo depois de dar-lhe o leve tabefe. — Você não acha que já apanhou demais hoje? Eu vou terminar o trabalho do Sam se continuar assim, tá ouvindo?

Irritado e orgulhoso, Kevin tentou se livrar de mim mais algumas vezes, mas logo cedeu. Ele fazia uma careta sempre que eu encostava o papel já vermelho e encharcado de sangue nas partes machucadas de seu rosto, soltando um gemido baixo de dor. Parecia uma criança logo após levar um tombo e ser obrigada a passar Merthiolate nos arranhões.

— Foi horrível o que você disse ao Sam — eu resmunguei em certo momento. — Você mereceu ter apanhado, sabia?

Kevin olhava os próprios All Stars vermelhos e sujos até então, mas ergueu os olhos azuis para me dar uma encarada fria. O cabelo escuro estava levemente despenteado, com alguns fios colados à testa suada dele.

— Você não sabe o que aconteceu, não dê sua opinião quando eu não peço por ela. — De algum modo, a forma rude dele me tratar lembrava-me do Alex, mas a diferença é que o Alex felizmente não saía metendo a mão na cara de todo mundo sem ter um bom motivo para isso. — Além disso, mesmo que soubesse, isso não é da sua conta. Não tente defender aquela bicha escrota só porque vocês fazem parte da mesma classe de aberrações.

Eu fiquei em silêncio diante daquilo no primeiro momento, perguntando-me como diabos funcionava a lógica na cabeça daquele ser irritadinho na minha frente. Eu não entendia de modo algum aquilo. Qual era o problema dele? Gostava de magoar os outros usando coisas totalmente sem sentido?

— Você é doido? Olha aqui, não chame o Sam assim, e também não fale dos outros desse jeito! — briguei. — Você já se colocou no lugar dele? Pense em como ele se sentiu ao escutar as crueldades que você disse, Kevin, aquilo foi desumano!

— Você fala como se ele pensasse em alguém! — Kevin retrucou num tom elevado. — Não foi você que ele enganou, foi? Então não fale como se soubesse! Além disso, o que eu mais quero, de verdade, é fazê-lo se sentir um bosta, porque é isso o que ele é, e ser viado só complementa!

— E desde quando ser gay é motivo pra diminuir alguém, seu idiota? É a mesma coisa que eu chegar e falar "nossa, o Kevin é um babaca, ainda por cima hétero". Fala sério! — respondi de prontidão, empurrando o ombro dele e me levantando em seguida. Eu estava brava. Não era nem tanto por estar ofendendo o cara que eu gostava, mas sim uma quantidade inimaginável de pessoas que não possuíam nem mesmo como se defender daquilo. — E quer saber de uma coisa? Eu não quero mais saber de te ajudar! Fica aí sozinho, todo machucado, que eu não vou mais dar a mínima! E olha aqui, se eu souber que você está falando outra vez coisas ruins sobre o Sam, farei questão de vir aqui e te bater!

— Então não dê! Eu não pedi por isso, e pode vir tentar me bater caso queira! — ele retorquiu. Eu já começava a odiar o jeito firme de encarar daquele garoto, ainda mais seu modo descarado de tentar defender-se quando estava errado. — E você está dando exemplos ridículos pra defender algo que não tem nem mesmo como ser defendido, idiota. Não fale do que não sabe! E isso se aplica ao Sam também!

Eu estava saindo da enfermaria, mas fiz questão de dar meia volta assim que escutei a última frase. Estupefata, encarei-o boquiaberta, com uma sobrancelha erguida de dúvida.

— Ah, sério? — perguntei irritada. — Eu não sei do Sam? Eu sou a melhor amiga dele, garoto! Se toca!

— Melhor amiga? Melhor amiga? — Os lábios finos dele se separaram num riso forçado. — Eu sinceramente espero que ele faça contigo o mesmo que fez comigo, então, só para você ver se são melhores amigos mesmo.

Indignada, franzi o cenho, colocando as mãos na cintura e parando de andar. Definitivamente um nó havia sido muito bem amarrado na minha cabeça naquela hora. Do que diabos aquele Kevin estava falando agora?

— Como assim? — eu indaguei confusa.

"Como assim"? Não era você a que sabia tudo sobre ele? — Ele ergueu uma sobrancelha, mas depois desviou o olhar. — Enfim, garota, ele não se colocou no meu lugar em momento algum, então eu não me colocarei no dele. Esse filho da puta vinha dizendo há décadas que estava querendo me ajudar com um problema lá por pura boa vontade, apenas por ele ser meu "melhor amigo" e ir com a minha cara, mas agora eu descubro que o babaca estava grudado em mim o tempo todo por estar atrás da rola do namorado da menina que eu queria pegar. Aí você pensa "tá, foda-se", mas não, não é assim. Pelo menos, não pra mim. Eu não sou idiota, eu não fiquei parado depois de o cara ter inventado um monte de merda para parecer bonzinho e desinteressado diante de mim. Eu bati mesmo, teria batido mais se o filho da puta não tivesse vindo me agarrar e vou terminar de bater assim que sair daqui.

Eu já tinha ideia daquilo, mas ouvir direto da boca do Kevin apenas fez com que eu achasse um absurdo. Eu pensava que a única coisa que o Sam fizesse com o Kevin fosse ser legal com ele e não dizer que era gay, mas que história era aquela de exagerar e sair falando que eram melhores amigos? Aquilo havia sido muito, mas muito desnecessário. Ele não precisava ter sido tão falso.

Eu só percebi o quão pior o Sam podia ser quando pensei em nós dois. No momento, não encontrei motivo algum para ele ter algum tipo de interesse em nós termos amizade, mas e se houvesse e eu não tivesse percebido até então? Será que até comigo o Sam podia se fingir daquela forma?

Fiquei realmente confusa e magoada naquele momento, mas fiquei ainda pior diante da situação do Kevin. Tudo bem, ele era um idiota, isso eu não posso negar... Só que, colocando-me no lugar dele, eu percebi o quão ruim havia sido para aquele garoto. Eu nunca, nunca mesmo havia visto ele conversando com algum colega. Kevin não falava com ninguém e pessoa alguma se aproximava dele. O garoto não tinha um mísero amigo.

Só que, aí, aparecia pela primeira vez uma pessoa querendo aproximar-se dele, mesmo que nenhuma outra gostasse ou aprovasse isso. Imaginei que, de cara, Kevin tenha ficado muito desconfiado, mas parecia que depois amolecera e se deixara levar um pouco pelo jeito amigável do Sam. Com isso, ele pode ter se aberto e confiado no cara como não havia confiado em ninguém antes.

E aí? Bom, aí ele descobria que o Sam só estava usando ele para conseguir algo para si mesmo.

Não o culpei por isso, sinceramente. Julgando pelo jeito do Kevin, o mínimo que ele faria seria mesmo bater no Sam, mas parecia que o maior motivo disso não havia nem mesmo sido o fato de o mais velho ser gay e ele ser homofóbico. No fim das contas, o que parecia mesmo tê-lo incomodado — ou magoado — havia sido a falsidade, e eu em seu lugar teria ficado tão brava quanto.

Eu não soube o que devia dizer a ele naquela hora. Por mais que ainda estivesse brava por tudo o que ele havia dito de errado, eu simplesmente não podia culpá-lo por ter se irritado com a mentirada do Sam. Não importava o quão boa pessoa Sam ainda pudesse ser, mas aquilo havia sido realmente muito feio.

Ainda sem palavras, fiquei olhando Kevin emburrado na cadeira com uma vontade doida de pedir desculpas. Ele merecera escutar o que eu havia dito e merecera também ter levado uns pipocos — expressão do meu pai para tabefes — do Sam por causa da homofobia, mas de resto... De resto não. De resto, acho que ele era mais vítima do que o próprio Samuel naquilo tudo.

Fui até ele e me curvei com os braços abertos, pretendendo fazer o mesmo que Rebecca havia feito comigo e abraçá-lo. Kevin não me correspondeu, mas também não recusou o que eu havia feito. Ele estava frágil, e eu sabia disso enquanto abraçava os ombros não muito largos ou masculinos dele. Eu não pensei em mais nada naquela hora; pensei somente que, em seu lugar e mesmo tendo muitas ideias erradas sobre várias coisas, eu iria querer aquilo.

— Eu ainda te acho um idiota — deixei claro —, mas esqueça o modo como Sam agiu contigo. Você não está sozinho.

Naquele tempo em que eu havia trancado meu coração
Sempre trazia comigo nada além do sentimento de desconfiança

Aqueles que entravam sem pedir licença, considerei como inimigos! Cuidado com a frente!
Entrego o balão criptografado e espero
Cada vez que um ou dois deles estoura, eu também faço isso

Não importa se dói, se é triste ou se é solitário!
Fingindo ser forte, eu tento ser invencível
Brigando, lutando, mostro ser inabalável
Se continuar assim, serei
Apenas um filhote ferido que não quer sair do conforto

Tomando cuidado para ninguém perceber....
Tomando cuidado para ninguém perceber...

Não importa se dói, se é triste ou se é solitário!
Fingindo ser forte, percebo que é vergonhoso
Percebendo isso eu cresço!
Faltam perceber quantas vezes para poder crescer mais?
(Around The World Shonen, ONE OK ROCK)

Eu ainda estava com os braços envolvendo de leve o Kevin quando ouvi alguém pigarreando logo atrás de mim e interrompi o ato antes mesmo de terminar de fazê-lo. Assustada, disfarcei na hora, virando-me em direção à porta e dando de cara com um Alex não muito contente a olhar para mim, parado ao lado da responsável pela enfermaria.

— Depravada — Alex sibilou, entrando com as mãos no bolso e olhando Kevin de esguelha. — Não posso te deixar sozinha um segundo e você já tenta estuprar o garoto. Não é demais para ele num dia só?

Kevin e eu já estávamos com cara de tacho antes, mas depois de ouvir aquilo com certeza quase tivemos um treco. Deixando a moça da enfermaria cuidar e falar na orelha do baixinho, agarrei o braço do Alex e levei-o para fora, começando a falar ininterruptamente sobre o que havia acabado de acontecer antes mesmo de ele poder opinar. A situação constrangedora de minutos atrás me deixou desconfortável, mas eu já tinha coisas demais para me preocupar, então preferi fingir que nada havia acontecido.

— Eu sinceramente não sei o que faço com você — Alex suspirou quando acabou de ouvir tudo, sentado ao meu lado na escadaria que levava ao segundo andar. — Me pergunto se devia elogiar sua ingenuidade ou te estrangular por ter ido consolar um babaca feito o Kevin, garota. Ele é um idiota. Se há a culpa de alguém nessa história, é dele, porque confiou no puto do Sam, primeiramente. Não é difícil olhar para ele e perceber suas ótimas intenções, o problema é do Kevin e seu se vocês não percebem porra nenhuma do que tá na cara de vocês. E outra... Só de ter ouvido o tanto de bosta que saiu da boca daquele pirralho, a última coisa que eu teria feito em seu lugar seria ir ajudá-lo.

Fiquei cabisbaixa diante do que ouvira, roendo o que sobrara das minhas unhas com uma expressão triste e envergonhada pelo que ouvira. Alex não estava certo.. Eu podia até ser burra, mas o que havia feito não tinha sido errado. E Sam também não era alguém ruim por causa daquilo! Eu sei muito bem que havia sido uma coisa muito maldosa enganar o Kevin, mas todo mundo erra, né?

Exibi esses argumentos ao Alex, que não esboçou reação alguma além de me olhar de esguelha com um rosto impaciente. Cada palavra que eu dizia parecia seriamente deixá-lo mais bravo, o que me deixou meio desconfortável, mas ainda assim não me convenci de que estava errada no que havia feito.

— Agora é oficial — Alex ironizou ao terminar de ouvir tudo mais uma vez —, você é mesmo um caso perdido.

— Não fala assim! — discordei. — Todo mundo tem defeitos, o Sam não é uma exceção! E além disso, ele teve uma boa intenção em tentar ser o mais gentil possível com o Kevin, não teve? Eu não pensei nisso um tempinho atrás, mas agora vejo que foi isso... Por mais que não tenha sido da forma como ele esperava que fosse, as intenções do Sam eram boas! Ele queria fazer o Kevin se sentir querido, não queria? Mesmo que isso não tenha dado muito certo...

— Que caralho, Polliana, você não entende nada! — Alex retrucou irritado. — Que diabos de pessoa vai tentar agradar a outra com falsidade, e como você pode pensar que alguém assim é uma boa pessoa? Larga de ser trouxa! Eu sinceramente esperava que você tivesse aberto ao menos um pouco os olhos depois disso, mas parece que você apenas os fechou mais ainda!

Eu olhei feio para ele, fazendo bico e me levantando enquanto procurava ignorar o que havia escutado. Apesar de Alex ter seu lado gentil e aparentar estar querendo me ajudar — de seu jeito, mas ainda assim ajudar —, eu não gostava de ouvir aquilo. Meus olhos estavam sim muito bem abertos. Eu via que o modo de agir do Sam havia sido mesmo ruim em partes, mas ainda assim não achava que aquilo fosse o suficiente para despistar todas as qualidades que ele tinha.

Não muito depois de falar com Alex, eu andei pela escola, procurando Sam para ver como ele estava e encontrando-o sentado à beira do cercado de uma árvore do pátio. Eu estava preocupada com ele, imaginando que o rapaz estaria ou muito irado ou rindo da cara do Kevin, mas encontrei-o ainda rodeado por André, Susana e mais ninguém. Os dois falavam muito na orelha dele, não parecendo perceber que o outro não escutava nada, e pareciam muito irritados com tudo o que havia acontecido.

Eu pedi licença para Susana e seu namorado para que pudesse conversar um pouco com o Sam, e eles saíram de perto muito desconfiados. Não me era uma novidade que eles não iam com a minha cara, mas ainda assim senti-me desconfortável diante do jeito como me olharam. Tentando me preocupar com algo melhor, sentei-me ao lado do Sam, que olhava para o chão com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos largadas. Ele não aparentava estar magoado ou bravo, apenas concentrado — e concentrado sabe-se lá no quê, já que não havia nada digno de atenção no chão do pátio.

— Sam, você tá bem? — Aproximei-me devagar, vendo que ele não havia feito absolutamente nada em relação à todos os ferimentos que tinha no rosto. — Não fique com essa cara... Deixa para lá o que o Kevin disse, tá? E vamos até a enfermaria depois, dar um jeito nisso aqui.

Eu pretendia tocar de leve o ferimento do Sam como desculpa para encostar nele, mas o rapaz afastou a minha mão e continuou sério. Constrangida por causa do vácuo, encolhi-me ao lado dele e fiquei em silêncio por alguns segundos, sentindo agonia por ver o sangue começando a secar em sua testa e nariz.

— Está doendo muito? — logo tagarelei novamente. — Eu posso fazer um curativo para você mais tarde, mas você aguenta até lá?

— Não é da sua conta. — A voz dele saiu seca, inóspita, fazendo eu sentir como se houvesse levado um tapa na cara. — Você estava mais interessada em saber como o Kevin está, então talvez não precise saber como eu estou.

De mãos entrelaçadas, apertei meus próprios dedos de nervosismo, estalando as juntas e sem sentir a menor coragem para olhá-lo agora. Droga, droga, droga. Eu havia falado algo errado.

— E-eu fui ver como ele estava porque já tinha gente te ajudando, Sam — gaguejei em esclarecimento, torcendo as mãos no colo. — E eu sei que você não tá bravo por isso, e sim porque ele disse coisas que te magoaram... Não foi?

— Eu não me magoo tão fácil. — O foco dos olhos castanhos do Sam não movia um sequer centímetro de onde estava, muito menos seu semblante demonstrava algo além de um mau humor e concentração quase tão indecifráveis quanto os do Alexander. — Definitivamente.

Soltei um murmúrio insignificante em resposta, encolhendo ainda mais meus ombros e torcendo os lábios. Eu sei que não devia, mas me arrependi por ter ido ajudar Kevin primeiro. Eu não queria que Sam duvidasse do fato de que eu realmente me preocupava muito com ele.

— Eu sei que se magoa, Sam, você é gente. Gente que nem eu.

— Não sou como você — foi o que disse, respirando fundo e agora olhando para mim como se eu fosse uma criança, coisa que fazia meu sangue subir. — Eu não te colocaria em segundo lugar ao te comparar com um inimigo seu.

Foi a minha vez de respirar fundo, ficando incrédula. Ah, quer dizer que ele não me colocaria em segundo lugar? E quantas vezes ele já havia feito isso? Por mais que eu estivesse querendo mostrar a ele que me importava mesmo com seu estado, foi impossível não achar o que ele havia dito aquilo numa ironia incrível, e isso me deixou impaciente.

— Não inventa, Sam! — queixei-me num tom um pouco mais alto que o apropriado. — Eu não te coloquei em segundo lugar, ele só precisava mais do que você na hora! E se quer saber, depois que eu falei com o Kevin, eu soube que você vinha agindo de um jeito muito cruel com ele.

— Jeito cruel? Ele vem me chamar de aberração e eu sou o cruel da história? — Sam franziu ofendido as sobrancelhas. — Muito boa sua percepção diante das coisas, hein, Polliana? Agora vai dizer que o Kevin é a vítima nisso tudo?

Boquiaberta, franzi o cenho, sem ter coisa alguma para dizer. Eu não queria brigar com ele, claro, mas Sam estava viajando tanto e sendo tão estúpido que eu mal podia me controlar para expor minha opinião diante das porcarias que ele havia dito.

— F-fala sério — engasguei-me enfim, desviando o olhar. — O que diabos você quer que eu diga pra provar que eu realmente me importo com você mais do que com o Kevin? Eu não o conheço! Acho que ele sofreu muito com o que você fez, mas ainda assim é claro que não o colocaria acima de você, que eu conheço há tanto tempo!

— Você podia ter provado isso não indo atrás dele, não podia?

— Para e pensa, Sam! Nós somos melhores ami—

Minha voz desapareceu no momento em que eu diria aquilo, como se o que eu havia escutado do Kevin ressoasse outra vez por meu ouvido. Senti como se minha garganta estivesse entupida, impossibilitando-me de dizer que Sam e eu éramos realmente melhores amigos — afinal, se ele havia dito para alguém como Kevin e que ele odiava em segredo, por que não diria para mim, cuja amizade e preocupação estavam sendo questionadas naquele momento?

Eu fiquei realmente sem palavras naquele momento. Não sabia o que dizer. Por mais que eu amasse o Sam, o que o Kevin e o Alex haviam me dito martelara de verdade minha cabeça, mesmo que eu tenha me recusado várias vezes à acreditar e ainda assim gostasse do Sam.

Meu Deus, que droga, meus pensamentos estavam totalmente divididos e eu mudava de ideia toda hora, mas eu tinha certeza de que continuava gostando do Sam mesmo com todo aquele cocô enorme que estava ocupando meu cocoruto naquele exato momento.

— Por favor, não fale comigo desse jeito, Sam... Não fiz nada errado. Eu me importo com você, me importo mais do que com o Kevin. — falei, ficando brava em seguida. — Me importo muito, e talvez mais do que devia me importar, porque você não parece estar nem ligando para o que eu digo!

Eu me levantei e saí dali depois de dizer isso, sem conseguir nem mesmo olhar para trás. Eu queria chorar naquela hora. Não queria ter brigado com o Sam e não queria estar sofrendo com essa porcaria confusa e impossível de entender que os humanos chamam de amor, mas ainda assim sabia que precisaria passar por aquilo se realmente queria ficar com o Sam algum dia.

Por mais que eu já soubesse o que ele diria, eu fui até o Alex e desabei. Escutei tudo outra vez, mas deixei muito claro que eu ainda gostava muito, muito mesmo do Sam apesar do modo como havia sido tratada e o que ouvira. Ele ficou decepcionado e bravo comigo. Disse várias vezes que não me entendia, disse que queria me espancar até eu começar a usar o cérebro e disse também que não apoiaria nunca o modo como eu pensava.

Mas eu também não apoiava, era só que eu não escolhia. Eu era adolescente, no final das contas, e adolescentes tendem a serem burros e confusos — mesmo que minha burrice e confusão excedessem os limites dessas características às vezes.

Ele havia brigado muito comigo até então, mas as coisas só pioraram quando eu lhe disse o que estava planejando fazer. Não sei se eu deveria culpá-lo ou perguntar o motivo de aquilo ter lhe incomodado tanto, mas eu já estava decidida, no final das contas. Um ano e meio havia sido o mais do que o suficiente para eu decidir: iria definitivamente me declarar ao Sam.

❊ ❋

Desde o início, você tinha essa intenção, não é verdade?
Você é bom em se aproximar quando quer, não é?

Se não é para isso, nem ao menos procura
Apesar de saber disso... Por quê?

Sobrepondo-se, quero mais do que isso
Coloco a culpa numa velha casca de ferida
Apesar de repetir a coceira, a dor
A relação amorosa que temos é aquela de lamber a ferida um do outro?
Isto não é o suficiente
Isto não é o suficiente

Não significa que estou querendo conseguir alguma coisa
Na realidade, eu não sei nem mesmo ao certo o que eu quero

Para alguém como eu, que já perdeu o calor, já está mesmo frio
Apenas querendo achar um remédio para as coisas funcionarem bem

Sobrepondo-se, isso só aumenta este vazio
E coloco a culpa disso em alguém novamente
Mesmo que chegue até o fim
Não há nada para restar no final

Um amor que é como a água que escorrega das mãos
Não consigo umedecer algo que já se secou
O ligeiro calor que restou na palma da mão
Aos poucos irá se secar e repetir tudo novamente, não é mesmo?

Descascando, vai manchando de vermelho novamente
Mesmo assim, continuo fingindo que não percebo
As feridas do passado já dizem por si
Mas, na verdade...
(Kasabuta, ONE OK ROCK)


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :D
Ah, pessoal, eu percebi que há mais de 30 pessoas acompanhando a história, mas ninguém aparece... Vamos fazer um combinado?
Bem, como vocês sabem, os autores de histórias são incentivados por comentários. Caso você não saiba o que comentar, vamos combinar: pode ser só um "gostei", um "não gostei" ou um "continua". Certo?
Conto com vocês e obrigada! Beijo!