Defeitos de Fábrica escrita por Lorena Luíza


Capítulo 12
XII. Neurose de mentiras


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Desculpa de noooooovo pela demora. E desculpem pelos erros no capítulo e por ele estar meio ruinzinho, não revisei muito bem por não estar muito inspirada. Desculpa mesmo.



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Diante de mim, Alexander hesitou por um momento, parando de andar e virando ligeiramente o pescoço para olhar para mim. Um baque no estômago resumiria bem o que senti quando o olhar dele pairou diretamente nos meus olhos, sem identificar qualquer emoção ou reação da parte dele quanto ao que eu havia acabado de dizer e fazer. A expressão séria e fria em seu rosto pálido forçou-me a apertar mais os dedos sobre sua pulseira pontiaguda, querendo ainda mais impedi-lo de se mover, mas isso apenas machucou mais a minha mão quando ele puxou com raiva o braço para desvencilhar-se de mim.

E sério, isso me irritou profundamente. Cerrei os dentes, olhando-o incrédula.

— Ei, seu idiota! Eu falei com você! — rosnei irritada, vendo-o me fuzilar com o olhar e voltar a caminhar como se nada houvesse acontecido. — Alexander! Qual seu problema?

Não me intimidando com o ato rude ou com a ardência que sentia na palma da mão, dei alguns passos apressados para alcançá-lo novamente e voltei a agarrar seu braço. Meu coração palpitava de nervosismo e uma ponta de arrependimento começava a surgir. Ainda que houvesse uma mágoa imensurável dentro de mim, raiva também surgia em meu interior.

Era estranho pensar que, diferentemente de como era antes, eu conseguia falar alto e brigar com os outros tão facilmente naquele tempo. Eu sempre costumei ficar simplesmente quieta e frustrada quando algo não ia bem, mas agora era diferente — e isso obviamente havia começado depois de eu conhecer Alex. Ainda que muitas vezes eu ainda agisse assim, estava realmente indo atrás de respostas, agindo de um jeito mais corajoso — em comparação com antigamente e despistando o fato de eu gaguejar o tempo todo e tremer como vara verde — e tentando dar um jeito no que não estava indo bem. Resumindo... Melhorando as coisas ou não, eu ao menos tentava, ainda que já tivesse apanhado o suficiente para saber que nem sempre se matar de tanto tentar era a melhor das escolhas.

Alex virou novamente o rosto depois de eu puxar outra vez seu braço, mostrando um semblante irritado e descontente. Minha expressão fraquejou naquele momento, vendo-o semicerrar os olhos e me encarar com raiva, mas logo franzi novamente as sobrancelhas de modo a o olhar e manter o rosto severo. Por mais que soubesse que uma hora ou outra a minha face de "estou de mal" se desfaria, eu não queria demonstrar de forma alguma que estava absurdamente magoada. Isso só o faria sentir-se mais orgulhoso caso estivesse querendo realmente me ofender, não é? Eu sei disso!

— Qual é o seu problema? — Alexander finalmente perguntou de volta, dando ênfase no "seu" quase como num rosnado e olhando para mim como se eu tivesse algum tipo de problema mental. — Eu não estou com paciência para você, garota. Me deixa em paz!

Por já fazer algum tempo que eu não escutava a voz dele, admito que o tom absurdamente bonito dela fez meu jardim interior sentir um terremoto. Fiquei parada como uma idiota até ele olhar irritado para a minha mão, que ainda agarrava seu pulso tão fino quanto o meu.

— O... quê? — Hesitei, já deixando o rosto irritado de lado e me mostrando confusa e indignada. — O que é isso agora? Você está tirando com a minha cara?

Ele só podia estar querendo me irritar, mas não, eu não iria embora correndo e chorando por estar começando a entender menos do que já entendia antes. Se eu não havia feito isso no dia do beijo, definitivamente não seria agora que eu faria. Balancei negativamente a cabeça, olhando para baixo e procurando espantar o sentimento que queria forçar-me a ficar mais magoada e desentendida do que brava. Alexander não se moveu ou mudou a expressão em momento algum.

— N... Não importa! — Puxando o braço dele, o fiz ficar de frente e mais próximo a mim. Por mais incômodo e difícil que fosse encará-lo, demonstrar essa fraqueza era algo que eu queria evitar ao máximo. Ergui o rosto, afrontando diretamente seus olhos orientais e apertando seu braço repleto de pulseiras. — Eu não sairei daqui enquanto você não acabar se explicando! Eu já disse: quero respostas!

— Não fale como se eu te devesse algo! — Para minha surpresa, o tom dele se elevou no mesmo instante, ficando idêntico ao meu. — Não existiu nada entre nós dois para eu te dever alguma coisa! Só me diga se você acha que eu tenho que te dar alguma explicação!

Ah, sério? Soltei um riso curto e irritado em resposta, respirando fundo para não deixar algo extremamente venenoso escapar da minha boca.

— E não tem? — indaguei de volta, torcendo o punho da mão que não o segurava. — Tudo o que você disse e fez até agora não tem o menor sentido, e eu estou sofrendo por causa disso! Você não sabe como eu estou me sentindo, e responder minhas perguntas é o mínimo que você deveria fazer, já que disse algo e está fazendo exatamente o contrário! Como se... Como se você tivesse simplesmente mentido para mim!

Ele puxou o braço novamente, e o atrito dos spikes contra a palma da minha mão e meus dedos machucou minha pele outra vez. Franzi irritada o cenho, deixando os dentes à mostra como um animal irritado e me perguntando aonde aquele início de discussão poderia nos levar.

Huh, mentir...? — Alexander disse num sibilo rouco, quase como se contivesse a entonação exasperada que acabara de usar. Levantou o rosto e olhou tranquilo para mim, abrindo um sorriso doce e encolhendo graciosa e aterradoramente os ombros ao fazê-lo. — E se eu tiver feito isso?

O descontentamento visível que preenchia meu rosto se dissipou no mesmo momento. Meus lábios se separaram para deixar algo que nunca veio sair, minhas sobrancelhas curvaram-se automaticamente e a coisa mais inteligente que se passou pela minha cabeça foi "esse garoto definitivamente usou algum tóxico".

— Você... está bem? — indaguei num gaguejo patético e desconcertado, duvidando que uma coisa tão absurda como aquela pudesse sair da boca do Alex sem ele estar bêbado ou passando mal. — Se você estiver se sentindo doente e cansado, então eu vou embora. Não precisamos conversar agora caso você não esteja ok, então vamos deixar para lá... Vai ficar tudo bem.

Dei um passo para me aproximar dele, erguendo a mão para tocá-lo na face. Afastei hesitante o cabelo preto da bochecha avermelhada, logo em seguida tentando encostar as costas da mão ali para ver se ele estava quente ou não. Alexander encolheu os ombros com o toque, fazendo uma cara emburrada com o sorriso já desfeito.

— Você está doente, com febre? — cheguei a perguntar, ficando mais preocupada do que com raiva dele. Caso estivesse realmente mal, então eu definitivamente me esqueceria de tudo para tentar ajudá-lo, e até lembrei-me de não tê-lo visto comendo nada no lanche e das diversas vezes em que ele escutara um monte de professores por quase cochilar na sala. Alexander, acima de sua idiotice e atos incompreensíveis, era a única pessoa que eu tinha. E eu definitivamente cuidaria dele. — Sério... Você está até mesmo falando bobagem, parecendo um bobão. Hoje não é primeiro de abril, tá! Vem, eu vou com você até a sua casa, e então nós fingiremos que não aconteceu nadinha e você vai descansar antes de desmaiar no meio da rua. Aliás, por que você não deixa de ser chato e me responde o porquê de não estar falan—

Antes que eu pudesse sequer terminar de falar ou aproximar-me mais, Alex deu um empurrão forte no meu braço, me encarando com raiva e incredulidade. Fiquei, obviamente, sem reação.

— Mas que droga, o que você tem? Não ficou claro? Eu estou cansado, sim, mas é de me fingir perto de você! — O peito dele subia e descia de raiva enquanto o garoto falava, deixando claro o quanto ele se irritara com o toque e com o que eu dissera. — Eu já falei que quero que você me deixe em paz!

— Q-quê? Para com isso, Alexander! — insisti, empurrando-o de volta com nem mesmo metade da força que ele usara em mim. — Já chega! Eu estou tentando não me irritar com você, então para de inventar esse monte de absurdo ou eu vou realmente embora e te deixo sozinho! Dá ou não para agir como homem?

O arrependimento bateu bem na hora em que ele escutou a última frase. Com uma risada idiota e balançando negativamente a cabeça, Alexander recuou um pouco, olhando-me incrédulo e colocando as mãos na cintura. Legal, Polliana. Parabéns por ter jogado no lixo a última chance de se reconciliar com o seu amigo — mas bem que ele mereceu.

— Ah, sério? Agir como homem? — A forma como ele ria de irritação definitivamente me fez estremecer. — É o cúmulo. Vá falar isso para o Sam.

Fechei a cara na mesma hora, não acreditando que o Alex seria capaz de fazer uma piadinha estúpida dessas com a sexualidade do Sam.

— Ele não tem nada a ver com isso. Não vá descontar sua raivinha repentina nele, Alexander, deixa de ser ridículo!

— Você tá entendendo bem errado o que eu quero dizer. — O canto dos lábios de Alex torceu-se ainda mais num sorriso cínico e ele soltou um riso nasal. — Não tô chamando ele de veado nem nada, filha. Tô falando que ele sempre fez o mesmo que eu e você nunca ficou nem aí para isso, mentindo para ti e, como você disse, "inventando um monte de absurdo", mas você continuou sempre fazendo o que ele queria e não dando a mínima. E é só isso: eu quero que você me trate assim. — O rosto ficou sério outra vez. — Se esse cara pôde te manipular e você ainda assim não hesitou em obedecê-lo ou questionou seus atos, então faça o mesmo comigo. Sam e eu não somos diferentes, merecemos o mesmo tratamento. Faça o que eu quero e suma, menina, eu cansei de você. Ficar me perseguindo e perguntando sempre a mesma coisa com essa vozinha irritante não vai mudar nada, entendeu? Então é isso! Me deixe em paz!

— H... Hã? — Senti um golpe forte no estômago, mas não deixei-me abalar por ele. Talvez houvesse entendido errado. Alex não mentia. Soltei um sorriso, como se estivesse me forçando a não acreditar no que ele disse, e balancei a cabeça. — N-não seja um idiota, você não vai me intimidar com essas provocaçõezinhas. Eu não me esqueci do que você disse, muito menos do que você fez. Me manipular? P-pelo amor de Deus. — Ainda que tenha sentido o rosto corar naquela hora, não hesitei. Eu provavelmente conseguiria o que queria usando aquele argumento. — Você afirmou que se importa comigo, disse que gosta de mim. Não dá mais para negar ou inventar coisinhas para se safar, tá bom? Nós dois estamos confusos com isso tudo, mas não adiantará tentar brigar ou fingir ser o que não é. V-você... até mesmo me deu um beijo, não foi?

Alexander ergueu o rosto, soltando um muxoxo demorado para o céu cinzento como se quisesse tirar paciência dali. Nervosa e envergonhada, meu olhar pairou pelo pomo de adão saliente em seu pescoço enquanto ele parecia pensar no que dizer. Eu morria de ódio quando ele usava uma expressão irritada, mas a raiva não se comparava ao que eu sentia ao vê-lo com aquela cara séria e impaciente. Eu odiava mais que tudo aquilo. Ele, como todas as pessoas, tinha aquela mania idiota de ficar me olhando como se eu fosse uma criança pequena e insuportável. Como se o resto dos acontecimentos já não fosse o suficiente para eu querer morrer!

— E o Sam — ele finalmente falou, sem desviar o olhar das nuvens —, ele não fez o mesmo?

Franzi o cenho diante da pergunta, pois já havia até mesmo perdido o ritmo da discussão àquele ponto. Ele estava comparando a si mesmo com outra pessoa de novo, e ainda por cima com o Sam? Fala sério, não podia ser. Além de detestar que eu simplesmente igualasse uma característica sua com alguma de Samuel, ele deixava claro que odiava o garoto! Como poderia comparar suas ações com as dele? Como poderia dizer, antes disso, que os dois eram iguais e mereciam o mesmo tratamento? Deus do céu, que droga potente foi essa que ele usou?

— O quê? — indaguei confusa em resposta, vendo-o abaixar novamente o rosto e me encarar da forma mais severa desde sempre. — N-não viaja... É isso mesmo o que eu entendi?

Alex sorriu de lado, soltando um som debochado e abaixando a cabeça com as mãos ainda no bolso do moletom amarelo e preto.

— Ah, Lia, será que eu vou ter que desenhar? — O sorriso dele não se parecia com nenhum dos que eu já o vira usar. Não era doce, não era irônico e não era debochado. Era simplesmente sujo. — Não é apenas no que nós fizemos, Polliana; são tantos outros aspectos em que eu e ele nos parecemos... Mas talvez eu seja alguém um tiquinho melhor e mais inteligente, claro.

Meu coração pulou diversas batidas. Oh, Deus, ele estava ficando louco! Será que eu havia puxado a pessoa errada pelo braço, ou alguém havia feito lavagem cerebral no Alexander? Apesar de já estar incrédula, procurei dizer a mim mesma que estava errada quanto ao que pensava e forcei mais uma vez um sorriso confuso.

— P-por favor! — repeti, gaguejando e pondo as mãos na cintura em seguida como uma mãe brava. — Não diga besteiras, Alexander. Já disse que estou falando sério com você.

Ele hesitou mas sorriu outra vez, dando de ombros com uma expressão de escárnio e mordendo de leve a língua que havia acabado de me mostrar. Como se estivesse tentando me imitar, Alexander estreitou os olhos e debochou:

— Ah, eu também estou falando sério com você.

— N-não, você não está! — bradei em resposta, desfazendo no mesmo momento o sorriso que havia acabado de forçar e fechando os punhos. — Pare com isso! Eu não vim aqui para ver você tirar com a minha cara, então explique-se! É a última chance que eu te dou!

Alexander ergueu as sobrancelhas, ajeitando a posição da cabeça, e então me analisou por alguns segundos antes de tirar a mão direita dos bolsos. Meu coração pulou com a lembrança de ele fazendo o mesmo dias atrás para me mostrar a carta, mas não havia nada em sua mão agora. Eu não reagi quando Alex ergueu o indicador, apontando-o para cima e fechando o restante dos dedos.

— Certo, me explicar. Se você quer tanto... — Ele sorriu outra vez e então alargou o sorrisinho. — Número um: eu e ele não nos gostamos, você sabe mais disso do que qualquer um. É comum duas pessoas parecidas demais não se darem muito bem, não é mesmo? Pois então. Nós, com nossos objetivos parecidos, não queríamos ninguém em nosso caminho para nos atrapalhar. Você é uma só, Polliana, nós somos dois. E te cortar ao meio, desde que eu vim morar aqui, nunca me pareceu uma boa ideia.

Sem entender absolutamente nada, o vi erguer tranquilamente o segundo dedo. O que eu havia acabado de ouvir definitivamente não havia me feito bem. Eu só sentia meu estômago revirar e meu coração levar diversas pontadas... O que diabos ele estava insinuando? Que Sam e ele me disputavam? Pelo amor de Deus, gente, o Sam era gay, e eu já havia percebido que nem mesmo um bom amigo ele era!

Abri a boca para gaguejar um "mas o quê?" pela milésima vez, mas logo, para minha infelicidade, ele foi mais rápido e prosseguiu mais que tranquilamente.

— E agora o dois, sim? Eu e ele "somos", ou "fomos", seus amigos, embora não tenha sido como se nós realmente quiséssemos isso. Ou você acha que alguém iria aceitar ficar com você grudada em si mesmo o dia inteiro por pura boa vontade? Fala sério! Nós tínhamos interesses, e interesses mais sujos do que você possa imaginar. Provavelmente nenhum de nós dois pensou que você pudesse se mostrar tão irritante, e nenhum de nós achou que se cansaria tão fácil, mas foi assim que aconteceu. — O sorriso desapareceu, deixando-o mais sério do que eu jamais havia visto. — Eu me cansei e, pelo visto, eu não fui o único.

O soco na boca do estômago se repetiu e ele ergueu o terceiro dedo, juntando-o aos outros dois sem colocar uma mísera expressão no rosto. Eu não queria acreditar no que eu estava escutando, muito menos no que se passava pela minha cabeça. Caso fosse possível, eu imploraria a ele para que começasse a rir, desse uma daquelas tão características cotoveladas no meu braço e dissesse que estava brincando, mas nada saía da minha boca além de ar. Não, aquilo não podia estar sendo sério.

Ele simplesmente não podia estar falando a verdade.

Nós éramos amigos, mas ele não queria isso...? Q-que motivos ele e Sam teriam para fazer algo assim, por que Alex seria tão falso e cruel? Eu sabia que Sam só era meu amigo por pena, mas o Alex... Ele era diferente, eu sabia que era! Nós discutíamos e não nos dávamos bem o tempo todo, mas eu com certeza tinha uma ligação muito forte com aquele garoto! Ele era meu melhor amigo, era quem estava ao meu lado quando as coisas com o Sam começaram a mudar e era quem devia estar comigo até então...!

Mas agora... Agora eu simplesmente escutava do próprio Alex que ele não estava sendo ele mesmo até então, que tinha interesses ruins em mim e que, depois de não ter se deparado com o que queria, estava me jogando fora. Mas o que era o que ele queria, afinal? Se Alex havia dito que gostava de mim, então o que estava acontecendo?

E que interesses alguém poderia ter em mim, de qualquer forma?

A pergunta que eu fizera a mim mesma no dia em que Alex dissera que gostava de mim voltou para a minha cabeça, assim como todos os outros milhares e milhares de questionamentos. Naquela situação, eu havia me sentido destruída, mas agora estava definitivamente sendo muito pior. Que merda, Alexander... você consegue ser pior que o Sam.

Aquilo era horrível. Eu não conseguia sequer imaginar aonde aquele queria chegar com tudo aquilo que estava dizendo! Não parecia ser ele, o Alexander que tirava com a minha cara, que ficava bravinho por nada e que sabia dar uma das risadas mais infantis, engraçadinhas e encantadoras que eu já vira em toda a minha vida. Não parecia e, segundo ele, não era e nem nunca havia sido.

Alexander não se intimidava com o meu rosto desesperado e incrédulo, muito menos com o fato de eu estar visivelmente trêmula. A indiferença dele diante dos meus sentimentos me feria tanto quanto uma faca atravessando meu peito. Eu... não sabia o que fazer. Como ele podia me ignorar daquela forma? Não dava para ver que eu não estava entendendo nada? Pelo jeito e pela forma como ele suspirou antes de continuar, parece que definitivamente não.

— E ah, vamos para o três — prosseguiu indiferente. — Nós fizemos o mesmo durante esse tempo todo, ainda que haja algumas diferenças irrelevantes nisso, não é? Desfaça essa cara de choro e tente, pela primeira vez, usar isso que você chama de cérebro e lembrar-se de algo. Eu e ele dizemos que gostamos de você, eu e ele te beijamos e eu e ele nos aproximamos de você. Lhe parece semelhante? Nós deixamos claro que continuaríamos contigo sempre, que te adoramos e que te queremos por perto, mas você sabe, Polliana, isso não é muito bem verdade. — Ele semicerrou mais uma vez os olhos e repetiu o sorriso, pendendo a cabeça para o lado. — Sua ingenuidade irrita, sua histeria irrita e te ter por perto é in-su-por-tá-vel. Eu diria que você é tão estúpida e idiota quanto uma criança de quatro anos, mas a criança ainda tem alguma chance de crescer e virar gente um dia. E você? Tch, você nem isso. Já não tá na hora de tomar vergonha, não? Polliana, cresce. Ou quer ser capacho pra sempre?

Meus lábios outra vez se separaram de confusão, medo e uma vergonha absurda. Ao mesmo tempo em que as coisas faziam sentido para mim, elas me machucavam imensamente e quase me forçavam a tentar acreditar que não, que não fazia sentido e não podia ser verdade. Alexander se tornara, ou era, um monstro.

Mas quantas vezes eu já escutara coisas ruins assim de outras pessoas, no fim das contas? Não era só questão da parte de alguém dizer ser próximo a mim e depois simplesmente me largar, e sim todas aquelas coisas sobre o meu jeito... Eu sei que devia tentar mudar diante de tanta agressão verbal quanto ao modo como eu agia, mas por que nunca conseguia e por que a forma como ele falava me machucava bem mais que o normal?

Desde o começo, eu sempre vim pensando assim, mas naquele momento tudo voltava à minha cabeça como se fosse realmente alguma espécie de confronto final. Como se, mesmo que isso não fosse mudar o fato de Alex nunca ter sentido nada por mim ou fazê-lo dizer que tudo o que falara era mentira, eu devesse mudar o meu "eu" podre de uma vez por todas por me envergonhar de mim mesma — porque, escutando aquilo tudo, nunca sentira tanta vergonha, constrangimento e raiva de quem eu era e sempre havia sido.

Todos pensavam da mesma forma. Todos me achavam estúpida, irritante, ignorante e merecedora do que acontecia comigo. Todos me viam como capacho, como uma coitada e como uma grande trouxa.

Essas eram coisas que eu escutava todo dia...

"Pare de ficar se perguntando as coisas. Você só sabe dar uma de coitadinha e ficar sem reação, esperando as coisas caírem do céu."

"Meu Deus, Polliana, vá ser trouxa assim na puta que pariu. Eu quero dar na sua cara. Estou apenas esperando o Sam dar um puta fora em você na próxima vez que você vê-lo, e então você vai chorar no colo de quem?"

"Como você demora para cair na real, garota. Afzão para você."

"Esse jeito da Liana, meio inocente e estúpido, me arranca gargalhadas."

"Foi bom mesmo o Sam ter feito isso com você, admito. Já tava na hora de você parar de ser otária, falo mesmo, e ter percebido quem é que tava do seu lado e quem não estava. Tomara que você não seja otária de novo."

"Lia, eu te odiei tantas vezes agora."

"Por que você fica de frescurinha? Parece que come merda, com todo respeito."

"Você é lerda, sonsa. O que mais me irrita em você é a sua mania de ser boazinha com tudo. Ninguém nasceu para ser humilhado e muito menos para aceitar isso. Fala sério, né! Tenha paciência disso. Você está precisando levar uns tapas nessa sua fuça."

"Como faço para entrar na sua vida e te dar um puta sermão? Acorda!"

"Porra, Lia, você é mais lenta e trouxa do que eu posso dizer."

"Burrinha e cega."

"Toma, sua tonta! Agora veja se pelo menos toma vergonha nessa cara, para de ser trouxa e aproveita as coisas ao seu redor, porque cara, você é muito burra mesmo!"

"Eu fiquei tipo assim: ai, meu Deus, Lia, não vai fazer merda outra vez!"

"Essa Lia é de matar de tão burra, meu pai! Como consegue? Alex devia bater nela mesmo!"

"Vou reunir um bonde pra encher essa Liana de porrada até dizer chega, só para ver se ela cai na real e para de ser trouxa."

...O problema é que também escutá-las de alguém como o Alexander e saber de uma vez só de tantas coisas fazia eu apenas me odiar ainda mais.

Não apenas eu me detestava, mas também a minha mãe, o Sam e todas as outras pessoas. O "eu" que eu mostrava à todos e a Liana de verdade não eram dignos de fazer algo que pudesse fazer os outros se orgulharem, nem sequer capaz agir uma única vez da forma certa. Como Alex dissera, eu não usara o cérebro nenhuma vez na vida — talvez porque nem mesmo tivesse um, ou talvez porque o usasse simplesmente para fazer tudo errado e acabar afastando as pessoas antes mesmo de aproximar-me o suficiente delas.

Era isso o que o Alex dizia. Eram coisas assim que todo mundo, principalmente Angelina e Rebecca, diziam. Mesmo depois de escutar todas essas coisas e me sentir tão ofendida e envergonhada de mim mesma, eu ainda não entendo como não havia realmente tentado mudar.

Era tanta, tanta coisa... Tantas vezes em que eu escutara que devia simplesmente desaparecer e deixar todos em paz. Tantos momentos em que eu tentara ignorar o fato de eu só trazer problemas, vergonha e incômodo à todas as pessoas que eu considerava amigos e família.

Tantas vezes em que eu escutara que deveria morrer.

Um rato insignificante e manchado por defeitos irreversíveis, perdido em meio à uma multidão de pessoas que não merecem a possibilidade de acabar pisando nele e sujando seus sapatos.

Era... isso que eu sempre fora.

Meus ombros e cabeça pesaram, tornando-me cabisbaixa e tirando a pouca coragem que eu ainda tinha para continuar encarando Alexander. Era como se tudo dentro de mim quisesse me forçar a chorar, mas nem mesmo uma única lágrima escorreu de meus olhos naquele momento. Eu sabia muito bem que já escutara coisas assim várias vezes, principalmente do Alex, mas ouvi-las todas de uma vez agora e junto com tantas outras coisas cruéis estava me deixando sem chão. Na hora em que eu mais precisava e de uma forma quase pior à dos outros, era isso o que acontecia. Ele vinha e deixava claro que me achava um lixo.

— Ai, cara, você cansa. — Pude ouvi-lo soltar um grunhido de descontentamento. — Velho, você não é um brinquedo pelo qual vale a pena lutar, mentir e se esforçar. Sinceramente, cara, você não tem graça nenhuma! No fim das contas, você sempre acaba não servindo pra nada. E olha, se você quer saber... É mesmo uma pena que eu não tenha percebido antes.

Meu estômago levou outro golpe forte, mas eu não movi nada além dos olhos. Rolei-os na direção dele, vendo-o ainda de mãos nos bolsos e expressão e tranquila. Riu e encolheu os ombros quando me viu olhando para ele.

— Sabe, Lia, me aproximar de você bem que foi um erro. Eu achava que você poderia ser o melhor tipo de pessoa para se manipular, mas você foi o que menos me valeu alguma coisa. Só que, claro, eu não fui a única pessoa a pensar isso... Você sabe, o mundo não é a coisa contente e cor-de-rosa que você espera que seja, os outros talvez ainda sejam piores do que eu fui. Ou talvez já tenham sido, não é? Vai saber o que você já escutou por aí. — Ele deu alguns passos para se aproximar de onde eu estava. O foco do olhar não oscilava. Ele me encarava sem o menor resquício de hesitação, parecendo certo e confiante no que dizia, e sorriu com o canto da boca quando ergueu o meu queixo. — Eu posso ter sido mais falso que o Sam e até mesmo um cretino até então, mas agora eu estou te dando as respostas que queria e falando a verdade ao menos uma vez nesse tempo todo, certo? Veja só que cara legal eu estou sendo. E você disse que quer a verdade e que quer respostas. Então aqui estão, linda: eu não suporto você, não suporto suas fraquezas, não suporto essas suas manias ridículas e você nunca me serviu de coisa alguma. O que eu esperava que poderia tirar de ti, no fim das contas, não foi absolutamente nada. Não importa se você parecia ou não um poço de felicidade para quem gosta de tirar proveito dos outros; no fim das contas, nem para isso você serve... Além de não ter a menor graça, é um brinquedo que cansa rápido. E fala sério... — O sorriso curto dele desapareceu e ele ergueu-se levemente na ponta dos pés, selando tão rapidamente os meus lábios que eu mal pude senti-lo encostar em mim. — Não dá nem para culpar o Sam por ter continuado gay depois de vocês se agarrarem. Garota... Você beija absurdamente mal. Deve ser mais divertido beijar uma parede, tá sabendo?

Encolhi o abdômen diante da última investida, fechando os olhos e mordendo os lábios com força, talvez em busca de uma dor que pudesse superar aquela que me torturava por dentro. Recebi a sensação das lágrimas escorrendo pelas bochechas, já tão comumente descrita pelo alguém fraco que sou, enquanto encarava a escuridão das minhas pálpebras fortemente fechadas. Quanto mais pensava nas palavras dele, mais elas me feriam e mais fraca e estúpida eu me sentia. Aquele Alexander, por mais que eu não o conhecesse, estava mais do que certo. E eu me envergonhava absurdamente disso.

Não importava se já parecia estar sendo tarde demais; eu continuava implorando mentalmente para que ele estivesse mentindo. Cada palavra era um incentivo para mais um litro de lágrimas escorrer pela minha cara. Depois de tantas vezes escutando coisas cruéis da minha mãe, do Sam e de todas as outras pessoas, eu nunca poderia imaginar que a que diria as piores coisas seria o Alex.

Eu sei que já disse isso, mas o Alexander, ao menos o Alexander que eu julguei sempre ter conhecido, me pareceu o tempo todo ser alguém diferente de todos que eu já conhecera. Não importa se eu estou dizendo isso apenas depois de já tê-lo perdido, mas é a verdade. Eu nunca havia conhecido alguém como ele, ainda que não tenha conhecido de verdade mais de umas dez pessoas em toda a minha vida. É mesmo muito óbvio que a aparência dele era linda da forma mais exótica que se possa imaginar, mas o jeito daquele garoto, o jeito do garoto que eu achava que havia tido a sorte de conhecer...

Alexander era tão único que chegava a ser divertido ficar procurando nos outros as características especiais que só ele tinha. A ironia e sinceridade ofensivas, o senso de humor ácido, as expressões estranhas e engraçadas que usava para se referir a tudo e, principalmente, a forma rude que usava para dizer coisas que podiam quase sempre ser traduzidas em palavras doces e gentis. Ele tinha uma forma de pensar praticamente incompreensível, era imprevisível e nunca parecia ficar arrependido do que dizia ou fazia. Centrava-se só no que lhe interessava, não dava a mínima para o que queria lhe atingir e tinha uma das línguas mais afiadas de toda a face da Terra.

Só que aí... entra um problema. Esse Alexander nunca havia existido.

Porque o Alexander, o Alex de verdade, havia sido um grande, cruel e impassível mentiroso.

O Alexander que tinha o seu próprio jeito de dizer que se importava comigo não era ninguém além de uma pessoa criada para tentar tirar algo de mim. Nada do que ele me dissera tivera um propósito de verdade. O beijo não significara nada, e até mesmo o fizera ficar repugnado de tão ruim que havia sido.

E por que tudo isso? Simplesmente por quê?

Porque eu não merecia que fosse algo mais.

Não, não era culpa dele. Era culpa minha, primeiramente. A escolha de seguir um caminho agindo como uma idiota e se deixando levar pelo que os outros dizem, essa escolha fora inteiramente minha. Ser estúpida, infantil e indigna do amor e respeito de alguém havia sido outra escolha minha. Crescer com ideias furadas, tomando atitudes toscas e sendo uma garota ridícula, sozinha e excluída por gente normal era culpa de quem? Culpa minha.

Eu escolhera ser assim. Eu escolhera ser um grande e inútil pedaço de lixo. Eu escolhera ser o motivo de vergonha de toda a minha família e da minha escola. Eu e apenas eu, a fracassada Polliana, escolhera não ter valor algum diante de todas as coisas.

Só que eu... Eu ainda não conseguira escolher sumir pelo bem de todo mundo e livrar as pessoas da criatura vergonhosa, desprezível e inaproveitável que era.

Como ele mesmo dissera, talvez Alexander estivesse sendo um bom alguém e abrindo finalmente meus olhos, quem sabe para eu me tornar uma pessoa adulta e com todos os atributos de alguém respeitável e normal. Alguém como ele, racional e decidido, que soubesse escolher bem os seus caminhos e, mesmo que para isso precisasse magoar os outros e se aproveitar dos fracos, conseguir o que queria.

E eu? Bom, eu nem em classe de gente fraca e aproveitável devia entrar, não é mesmo? Eu era uma vergonha. Quem me dera ser um nada, pois ao menos não atrapalharia os outros e, não sendo mais o pequeno e incômodo rato perdido, não sujaria seus sapatos. O travesti repugnante não enfeiaria mais os corredores da escola, não atrapalharia a visão das pessoas na fila de carteiras e não incomodaria as meninas no banheiro feminino. Ninguém mais na rua veria aquele grande monstro esbarrando nas pessoas e chamando de forma incômoda a atenção em meio à paisagem. As vendedoras das lojas não teriam mais a necessidade de se deparar com uma garota que, numa fase confusa da vida, ficava provando e comprando roupas para um sexo que nem mesmo era o seu. Papai e Angelina nunca mais precisariam evitar ir à certos lugares ou passar vergonha andando ao meu lado na rua, o Alex não precisaria mais ficar se fingindo e aturando todas as minhas choradeiras e assuntos infantis e insuportáveis e, acima de tudo, minha mãe nunca mais precisaria responder para ninguém aonde é que andava aquela sua filha.

Eu devia ter percebido antes, mesmo. Continuar levando as coisas para frente e ignorando o quão incômoda aos outros a minha vida era nunca me traria coisas boas. Enganar a mim mesma, acreditando que um dia alguém realmente fosse gostar de mim e imaginando que talvez o mundo não fosse tão pessimista e ruim quanto os outros pensavam, nunca valeria nada. Nunca valeu nada.

Eu nunca havia me sentido tão vazia e ao mesmo tempo tão cheia. Tão vazia de qualquer tipo de virtude ou talvez uma vida valiosa, mas ainda assim tão cheia do quão inútil eu era e do quão incômoda eu era para todo mundo. Eu não tinha o direito de amar Alexander, Sam, Rebecca, Angelina ou outras pessoas. Alguém tão repugnante como eu devia ter o direito apenas de desaparecer do mundo.

Eu sabia muito bem disso, mas ao invés de aceitar e ir embora, por que eu apenas continuava chorando e me sentindo tão ferida e magoada? Meu coração batendo loucamente parecia ser mais apertado e espancado a cada segundo, como se apenas o fato de Alex me olhar sem expressão alguma além de tédio já fosse o suficiente para me deixar em pedaços. No final, realmente era, não é?

— Você com certeza tem uma caixa d'água na cabeça. — Ele encolheu os ombros, com as mãos ainda nos bolsos da blusa e o brilho mais frio que eu já vira nos olhos escuros. — De qualquer forma, antes que eu me esqueça de ser mais bonzinho, aqui está mais uma gentileza: ninguém vai hesitar como eu hesitei várias vezes antes de dizer na sua cara que você é trouxa, estúpida e que não sabe agir como a garota de dezessete anos que já é, então acorda. Ninguém para e pensa que esse é o seu jeito e que você é ingênua, que não sabe lidar com as pessoas que não pensam da mesma forma que você, com o que acontece e o caralho a quatro. O mundo não é, Liana, nem nunca vai ser assim. Ninguém gasta um segundo do dia para pensar no que os outros sentem ou no impacto que as menores coisas podem causar nem seu interior, e o que eu tô fazendo e dizendo agora faz parte de mais uma das poucas vezes em que eu te falei alguma verdade. Se você não quer mais gente tentando tirar proveito de você e te fazendo de idiota, então não continue sendo o alguém volúvel que você é. Mude. Você não vai poder ter alguém te protegendo ou dizendo que está tudo bem quando você ficar adulta, vai? Você tem que se virar sozinha, idiota, pois começar a chorar ou pedir desculpas pelo que não fez não fará ninguém se arrepender de coisa alguma. Nenhuma pessoa irá querer alguém como você por perto se não for para se aproveitar de ti, garota, e eu não acho que depois do que eu e Sam fizemos você ainda queira isso. Ou será que quer?

Abaixei a cabeça outra vez, cerrando os dentes e sentindo o gosto salgado das lágrimas que tive o azar de sentir escorrer pela minha boca. Forcei-me a dar um passo, empurrando com força Alexander para tirá-lo do meu caminho e começando a correr sem nem mesmo ver direito o que havia pela minha frente. No momento, não me perguntei se aquela poderia ou não ser a última vez em que eu o tocava, mas não importava. Eu não sabia nem mesmo se tocaria alguma coisa depois daquele dia.

Não pude olhar para trás uma vez sequer. Eu apenas corri, fazendo carros pararem e pessoas gritarem palavrões quando eu quase as atropelava, mas a verdade é que eu talvez não ficasse tão decepcionada caso um carro não parasse ou alguém me empurrasse para o meio da rua. Ninguém ficaria.

O rato insignificante correu, correu e correu, mas ninguém o pisoteou em momento algum, o que era mesmo um grande azar. Ratos como ele eram apenas incômodos para todas as pessoas, sujando os lugares e espalhando doenças. Pisoteá-lo valeria a pena, mesmo que o vermelho de seu sangue pudesse manchar por algum tempo seu sapato fino. O incômodo nunca mais seria capaz de voltar, seria?

Parei de correr por puro cansaço. Sabia em que rua estava e era mesmo um pouco longe de casa, mas não parei para pensar nisso. A cabeça girava, doendo e latejando tanto quanto as pernas, pernas essas que eram estranhamente ágeis demais para alguém tão sedentário quanto eu. Os olhos ardiam e as solas dos pés queimavam. Meu coração e eu estávamos fora de controle. Podia olhar para cima e ver o emaranhado amarelo que era a minha franja, ainda mais descabelada que o comum e jogada para o lado que não era de costume. Meus lábios e nariz com certeza estavam vermelhos. Era sempre assim quando eu chorava, e isso me fazia ainda mais parecer um rato.

Soltei um suspiro áspero e rouco enquanto respirava pesadamente. Meu peito praticamente liso subia e descia sobre a camiseta azul, e eu não sabia o que fazer ou pensar. Droga, eu nunca sabia. Eu nunca sabia de coisa nenhuma!

Como se isso fosse mudar alguma coisa, olhei para o meu lado apenas para ver um beco apertado e comum entre uma loja e uma casa de vários andares e paredes vinho. Alguns sacos de lixo estavam amontoados num canto, assim como uma grande lixeira verde e alguns móveis e brinquedos quebrados. O sol não alcançava o lugar de forma alguma. E era ainda mais escuro e úmido quando você estava dentro dele.

Porque sim, eu estive ali. Apenas entrei, me sentei no chão e fiquei no lugar certo para uma pessoa como eu. Estúpido e clichê, mas correto. Esvaziei o que restava na caixa d'água ali mesmo, soluçando como a criança grande que eu era e agarrada aos joelhos como a perdedora que sempre fora.

Eu sabia que não conseguiria mais me levantar, ao menos não enquanto fosse a mesma pessoa de sempre. Eu queria morrer, mas ao mesmo tempo queria simplesmente me arrepender de tudo e começar de novo. Eu não queria ser o rato pisoteado para sempre. Eu queria ter um amor, ter várias amizades e uma família que se orgulhasse de mim de verdade, e não viver num mundo que apenas me manchava com mais e mais falsidade e mentiras o tempo todo.

Eu sabia que já não era a mesma... Nada teria mais o mesmo significado, nenhum objetivo pareceria alcançável e possível e talvez, no fim, nada na minha vida mudasse. Eu vira, talvez pela primeira vez, que eu sempre estivera mais do que sozinha. As pessoas eram sempre movidas por pena ou o pelo desejo inteligente e maldoso de tirar de mim coisas que eu nem mesmo tinha. E era isso que eu queria para a minha vida inteira?

Não tinha muita noção do que faria dali para frente agora. Eu me sentia, mais do que envergonhada e magoada, suja e com nojo de mim mesma. A Liana que eu mostrara para todo mundo praticamente pedia para ser julgada e escutar tantas coisas cruéis. Patética e estúpida como uma piada ruim, mas ainda assim capaz de arrancar gargalhadas dos outros.

Mas, caso eu tivesse sorte, aquela Liana palhaça não existisse mais. Quem sabe, depois de ouvir tantas verdades e se tocar de sua podridão, a criança pequena e estúpida em corpo de quase-adulta crescesse. Se isso não acontecesse, então... haveria outra saída, e quem sabe essa saída fosse mais rápida e menos dolorosa.

Não tenho noção de quantos minutos eu fiquei ali até perceber aquilo logo na minha frente e subir o olhar. Um par de All Stars vermelhos, sujos e mal amarrados que inicialmente me pareceram do Kevin, mas não eram. O olhar ascendeu para um jeans preto e razoavelmente folgado e então para uma camiseta da cor do tênis, porém limpa e com uma grande estampa do Flash. Logo identificou um par de óculos geek, um cabelo preto arrepiado, um aparelho auditivo na orelha direita do menino e alargadores pequenos em ambas.

E então olhou um rosto que não lhe pareceu totalmente desconhecido e que, mesmo que não soubesse quem eu era, perguntou se algo ruim havia acontecido e se eu estava bem.

O que você quer de mim? Deixe-me respirar um pouco
O que você quer ver? O que está na frente dos seus olhos?
No que quer acreditar? Ainda que nada possa ser resolvido
Seja firme com as palavras e diga: não é algo bom

Quais os seus objetivos e o que você acha que está ganhando com isso?
É um ou outro! Eu ainda não entendi o que isso tudo é, eu não sei
Mas você está ao meu lado, rindo

Hey, mentiroso, hey, mentiroso
O que você acha da vida sem mim?
Hey, mentiroso, hey, mentiroso
Não sabe o que é mentira e o que é verdade?
(Liar, ONE OK ROCK)

Mate-me, a pessoa que está por trás
Mate-me, a pessoa de um longo tempo atrás
O que eu estou fazendo no meio deles nesse momento?
Por que eu tenho que caminhar junto?
Quando foi que eu me tornei assim?
Assim, como sou agora...

Eu caminhei num mundo completamente manchado por mentiras
Tudo o que tenho agora é um pedaço de papel em minhas mãos
E então, para que eu não me perca, eu acendi uma chama
Antes que alguém acordasse
(Eu quero acordar)

Ninguém liga para mim (eu não me levantarei)
Ninguém sabe nada sobre mim (eu não acordarei)

Diga-me a razão pela qual você vive
Diga-me a razão pela qual você se orgulha
Agora mesmo, "eu" já não sou mais "eu"
"Amor" e "sonhos", todos eles desaparecem
"Tudo" é sem significado
Mate-me, a pessoa que está por trás
Mate-me, a pessoa (que eu era) um longo tempo atrás
"Quem" é aquele que eu chamo de "eu" agora?
"Esse" e "aquele" são só um
E isso não mudará por enquanto

Essa sensação distorcida que eu tenho o tempo todo
Como uma corrente de situações defeituosas
Por quanto tempo? Até que ponto?
Desde agora, eu estarei sempre parado aqui?

"Se você quer algo, então você tem que transformá-lo em realidade"
Se é assim, significa que não existe nenhuma pessoa não-realizada?
Essas palavras contraditórias estão confundindo a ingênua Alice!

"Todos" enxergam o mesmo mundo
Você não percebe que "eu" sou um rato preso dentro de um mundo de sonhos?
Existe apenas o agora, então
(Diga-me a razão)
Diga-me a razão pela qual você vive
Diga-me a razão pela qual você se orgulha
Agora mesmo, "eu" já não sou mais "eu"
Então... eu sou apenas um neurótico de mentiras
(Itsuwari Neurose, MY FIRST STORY)


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Notas finais do capítulo

Oi, gente! Obrigada por ler até aqui e não se esqueçam do review!
E ah, uma nota: sabe a parte em que a Lia tá falando do que já disseram para ela e eu menciono várias coisas? Então, foi o que vocês disseram para ela nos comentários, tanto os daqui do Nyah! quanto os do Wattpad. xDD
Não mencionei o nome de ninguém, então acho que não tem problema. Um beijo!