Defeitos de Fábrica escrita por Lorena Luíza


Capítulo 11
XI. Automação que falta


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Desculpa pela demora colossal.



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Por mais que os lábios dele simplesmente houvessem encostado nos meus, esse ato foi o suficiente para me deixar em completo desespero por dentro. Fiquei sem reação alguma, parada como uma idiota e sem expressão alguma na face, olhando os olhos puxados e fechados do Alex diante dos meus enquanto trilhões e trilhões de perguntas surgiam descontroladamente na minha cabeça. Cara... Estava tudo errado.

As coisas simplesmente não se encaixavam. Eu já achava que não dava para tudo ficar mais estranho quando o Alex começou a dizer todas aquelas coisas, mas agora ele simplesmente olhava para mim e puf, me beijava? Como assim? Tudo só ficava pior à medida que, pouco a pouco, eu conhecia o misto de sensações proporcionado pela pele quente e o metal gelado do piercing dele contra os meus lábios (e ficava mais confusa ainda). Meu Deus, eu ia derreter, isso é certeza! Só não sei se seria de vergonha ou outra coisa pior.

Eram tantos pensamentos aleatórios, tantas confusões na minha cabeça, tantas sensações desesperadoras! Apesar de ele e eu parecermos totalmente calmos, eu definitivamente não estava assim por dentro. Meu rosto estático não transmitia de forma alguma a rapidez com a qual meu coração batia naquela hora, ainda mais com o Alex sem parecer se intimidar com o fato de eu não estar exatamente correspondendo o beijo — até porque, se eu não estava nem em condição de raciocinar direito, como diabos iria sequer pensar em retribuir o beijo dele? Gente, eu não era apaixonada por ele! Eu não conseguira fazer isso nem com oSAM quando ele me beijara, como diabos eu faria com o Alex, que ainda por cima era alguém tão diferente e que eu nunca esperaria que me beijasse?

Mas compará-lo com o Sam não era exatamente a melhor coisa que eu poderia estar fazendo naquela hora, e não foi o que eu fiz. Ainda que eu pudesse estar com milhares de focos na cabeça, este por sorte não era um deles — definitivamente. Não sei ao certo se era sorte ou azar, mas eu diria que não consegui pensar em mais nada quando a mão dele, que estava no meu rosto, deslizou pelo meu pescoço e braço e ele entrelaçou seus dedos nos meus. A mão dele estava quente. Era a primeira vez que eu sentia isso.

Quem estava ali comigo era mesmo o Alex? Porque, puxa vida, eu não podia acreditar! Posso até estar falando da forma mais infantil e desesperada possível, mas é que eu simplesmente não conseguia processar nada e não consigo até hoje. Perguntei-me o que Alex tinha na cabeça naquela hora. Ele era meu amigo, caramba, que motivos alguém tão diferente de mim como o Alex teria para estar agindo daquela forma naquele dia? Que motivos ele teria para me beijar, de qualquer forma?

Era tanta coisa acontecendo ao meu redor, e ainda por cima tanta coisa acontecendo no meu interior... Eu simplesmente não conseguia pensar numa forma de reagir. Se eu empurrasse Alex e saísse correndo, eu o magoaria, não é? Eu não conseguia acreditar que ele gostasse de mim, mas caso isso fosse verdade — e havia alguns bons motivos para ser —, eu não podia simplesmente ser como o Sam e ignorá-lo!

Ainda que eu não gostasse dele, o sentimento de não ser correspondido era terrível... Embora eu não quisesse colocar os sentimentos dele acima dos meus, Alex definitivamente se magoaria caso eu dissesse que não sentia o mesmo, não é?

De qualquer forma, outra vez eu estava criando milhares de teorias antes de mesmo de saber exatamente o que havia acontecido e o que se passava na cabeça dele. Eu nunca entenderia aquilo... e eu nunca aprendia, mesmo. Desesperar-se antes da hora deve ser minha melhor — ou única — capacidade.

O fato de eu não conseguir processar nenhuma informação ou reagir era simplesmente sufocante. Pode parecer clichê, mas os poucos segundos que nós passamos juntos naquele momento pareciam ser mais uma eternidade. Meus pensamentos divididos, minha cabeça girando, os dedos gelados e os lábios delicados dele contra os meus... Enlouquecedor. Não sei se eu devia pensar isso ou se era a hora certa para ter algo assim na cabeça, mas ao mesmo tempo em que havia mil motivos para ser uma eternidade terrível e desesperadora...

Não era como se ela fosse de todo intragável e sufocante.

Meu peito subia e descia irregularmente enquanto eu respirava, deitada em minha cama com o corpo tão pesado e tomado por cansaço que eu sentia quase como se houvesse acabado de correr uma maratona. O tom branco do teto nunca parecera tão interessante e digno de atenção como naquele momento, e eu soltei um longo, demorado suspiro. A situação de meia hora atrás não durara para sempre, no fim das contas. Fechei os olhos, pronta para relaxar o corpo e murmurar um "graças a Deus", mas ele não saiu.

Será que eu devia ficar feliz por aquilo ter finalmente terminado, afinal?

Virei-me de lado na minha caminha de solteiro, agora olhando sem expressão para a parede branca sob minha prateleira entupida de bichinhos de pelúcia e me lembrando do beijo. A sensação constrangedora subiu por minhas entranhas outra vez, abalando meu jardim de borboletas e fazendo eu me encolher ligeiramente. Droga, droga, droga! E agora?

Daquela vez não tinha como ser um mal entendido, e era isso o que me perturbava. Ele sabia que eu era uma garota — ainda que isso não influenciasse muito, já que, segundo ele mesmo, Alex era pansexual e não levava o sexo da pessoa como algo relevante para gostar dela —, e acima de tudo sabia quem eu era. Conhecia-me até mesmo melhor que Sam, ainda que não tivéssemos nem metade do tempo de amizade que eu tinha com o mais velho, e provavelmente vira todas as minhas faces até então. Ele sabia dos meus defeitos, minhas falhas, de todas as coisas burras que eu fazia... Que motivos ele teria para querer se declarar para mim, para gostar de mim? O Alex deixava mais claro do que qualquer pessoa que eu era alguém insuportável!

E por que aquele beijo agora? Por que aquelas palavras que, apesar de ofensivas e "cuspidas" na minha cara quase como xingamentos, transmitiam algo mais? Droga, eu queria tanto entendê-lo, saber direito de todos os motivos e todos os pensamentos dele... Mas por que os atos dele tinham que ser tão imprevisíveis, tão impossíveis de se entender?

Levantei-me da cama, indo até a penteadeira da Angelina, pegando um dos estojos de maquiagem dela e voltando a me deitar na cama. Apoiei a nuca na cabeceira e abri o objeto, separando o espelho do conjunto de sombras — ou seria aquele negócio de passar na bochecha? — e olhando meu reflexo na parte superior.

Eu não era necessariamente feia, mas também não era necessariamente bonita o suficiente para isso despistar o fato de eu ser uma porta de tão burra, não saber falar nem "oi" em inglês e não ter absolutamente nada a ver com o Alex. Sei lá, uma garota que combinaria com ele seria alguém bem mais madura, dark e original, não? E mais baixa que ele, também. Eu era muito alta, e todo mundo acha um horror casais com a garota maior que o garoto, o que seria mais um motivo para ele não se interessar por mim. Eu era muito alta, muito magra, muito descabelada e muito, mas muito sem graça.

Isso, sem graça.

Sem graça me definia perfeitamente. Vocês sabem que sim.

Estava claro que não era por personalidade, e agora que eu olhava aquelas sardas traumatizantes no meu nariz também ficara claro que por aparência também não era. Além de burra e sem graça, eu também era pobre e não tinha herança por vir de parente algum, o que não abria uma brecha nem para o Alex ser um interesseiro querendo dar golpe do baú na minha pobre, desgraçada pessoa.

Gente, eu não tinha nada a ver com o Alex, meu Deus do céu! Se eu não entendera direito os motivos de o Sam ter tido vontade de se aproximar de mim um ano e meio atrás até agora, como eu poderia entender os do Alex, que era praticamente o meu antônimo? Ainda por cima depois de eu ter feito coisas tão vergonhosas com ele, como acusá-lo de maldades e até mesmo dar-lhe um tapa no rosto... Não tinha jeito de compreender. A última coisa que eu imaginaria que ele faria depois de tudo o que eu fizera seria me xingar ou simplesmente passar a fingir que eu não existia, mas agora ele vinha, além de se declarar para mim, me dar um beijo?

Coloquei o espelho de lado, pegando um travesseiro e o apertando nos braços como uma criancinha frustrada. Puxa vida... Além de ter levado o pior dos tocos do cara que eu gostava, ainda vinha o meu melhor amigo fazer coisas incompreensíveis para me colocar na pior das fossas. Ótimo, Polliana, ótimo. Era só o que faltava para você receber seu prêmio de pessoa mais ferrada da face da Terra.

Angelina entrou no quarto uns minutos depois, com um algodão cheio de removedor de maquiagem no olho e vestida na camisa da loja de roupas onde trabalhava. Ela jogou a bolsa num canto e percebeu-me encolhida na minha cama, olhando-me meio desconfiada enquanto tirava a blusa e vestia uma de ficar em casa (porque pobre tem isso: roupa de sair, de trabalhar e roupa de ficar em casa). Suspirei ao vê-la, franzindo as sobrancelhas com uma expressão desanimada.

— Que que cê tá toda gótica e depressiva aí no canto, hein? — Angelina perguntou indiferente, arrumando o cabelo cacheado num coque e ajeitando a franja reta no espelho do armário. —Sam te deu um chega pra lá? Quer dizer — riu-se ela —, mais um chega pra lá?

— É... Não exatamente — respondi receosa, torcendo os lábios num sorriso triste. — Você se lembra o que eu te disse dias atrás, sobre eu querer... Você sabe, falar com o Sam e tals sobre aquilo lá?

Ela distraiu-se com o cabelo, deixando o coque se desfazer e me olhando de canto com as narinas dilatadas. O típico olhar de quem vai te matar dependendo do que você disser. Encolhi-me diante daquilo, já prevendo o quanto eu escutaria se dissesse a verdade. Angelina soltou o cabelo e colocou as mãos na cintura.

— Você... falou para ele? — ela perguntou séria.

— Ah, ér, mais ou menos...

Ela fechou a cara, e eu não duvidaria que ela tirasse uma faca do sutiã e pulasse em cima de mim para me transformar numa peneira.

— Como mais ou menos, criatura dos infernos?

— Não briga comigo, mas é que "falar" não é muito bem o que eu fiz...

Forcei um sorrisinho amarelo para ela, me encolhendo ainda mais e esperando a voadora que nunca veio chegar. Ela ficou somente me olhando com as sobrancelhas bem franzidas, como se estivesse tentando pensar no que eu poderia ter feito. Balançava a cabeça negativamente, soltando estalos ameaçadores com a língua e torcendo os dedos na cintura.

— Fala — ela ordenou, sendo mais minha mãe do que a minha verdadeira era para mim. — O que você fez e o que aconteceu?

Não a respondi de imediato, vendo-a se aproximar e sentar-se à beirada da minha cama. Droga, como eu diria a Angelina sem parecer uma idiota fracassada, mas já sendo? Peguei o travesseiro e novamente forcei-o contra meu rosto, grunhindo alguma coisa em resposta a ela.

— Tá, você levou um fora. — Ela olhou-me tentando ser paciente e eu soltei um murmúrio positivo, desfazendo o sorriso forçado e o trocando por um semblante frustrado. — Dava para ver na sua cara. Eu te falei tanto pra não fazer isso, vagabunda! Que que cê foi falar pra ele, hein? Olha, se for aquele monte de bosta que você tava escrevendo naquele papelzinho, eu juro qu—

— Foi, mas não é minha culpa! — interrompi, tirando o travesseiro da cara e desistindo de me matar por asfixia. — Você sabe que eu não consigo falar na cara! Tudo daria ainda mais errado do que já deu se eu tivesse o feito... Poxa, Angelina, tenta me entender!

Angelina suspirou, revirando os olhos e parecendo impaciente.

— Eu sei que foi burrice, mas eu aprendi a lição agora — voltei a choramingar para ela, justificando-me e olhando para meu colo. — Depois de tudo o que aconteceu hoje, eu não sei o que vou fazer, mas só sei que nunca mais vou tentar fazer algo desse tipo... Eu prometo. Me desculpe.

Minha irmã se ajeitou do meu lado, suspirando um "ai, ai, ai, já tô até vendo" impaciente, como se já visse que a tarde seria longa. Ainda que fosse mais velha que eu, Angelina era menor e colecionava uma enorme quantidade de características que eu não tinha. Ainda que possuíssemos o mesmo tom de pele, cabelo e olhos, ela era encorpada, meio gordinha e tinha um rosto bem mais maduro. Os cachos do cabelo nem se comparavam com as poucas ondas que decidiram aparecer na minha franja depois de eu ter mudado o meu corte, também.

— Eu não tenho que te desculpar por nada, quem se ferrou foi você — ela disse, passando o braço pelos meu ombros e me puxando para perto. — Mas que seja... Já entendi o que aconteceu: você deu a carta para o Sam e o cara mostrou para todo mundo, huh?

— É... não — respondi constrangida. — Eu vou te falar desde o começo, tá bom?

Ela soltou um som positivo, torcendo os lábios. Aí eu comecei a falar.

— Você sabe, Lina, primeiro eu tava magoada por nem você nem ninguém estarem ligando para a minha vontade de fazer as coisas... É chato isso, sabe? Porque parecia que ninguém queria me ver contente, correndo atrás do que eu queria, me esforçando para isso... Ainda mais quando quem não está ligando são pessoas de quem eu gosto muito, como você e o Alex. — Dei um sorriso triste, sentindo os dedos dela passeando pelo meu cabelo. — Eu já tava muito chateada com isso, aí quando você brigou comigo de novo eu fiquei pior ainda, e então hoje eu briguei com o Alex sem querer... Aí eu fiz burrada, dei um tapa nele, e só de querer contrariá-los e estar com raiva de vocês dois, eu fui e entreguei a carta para o Sam. Quer dizer, não entreguei, eu coloquei nas coisas dele... Foi isso o que fiz primeiro.

— Você bateu num cara? — Angelina opinou meio confusa depois de tudo, olhando de canto para mim. — Você mudou, garota. Realmente fez isso?

Abaixei envergonhada a cabeça. Pensar que eu havia batido em alguém, e ainda por cima alguém como o Alex fazia com que eu me sentisse a pior pessoa do mundo.

— Eu sei... Eu estava nervosa. Estou muito arrependida.

Eu não sabia até então se ele havia me perdoado pelo que eu havia feito já que ele não me respondera quando pedi desculpas. Esperava que, ao menos depois de tudo o que tinha dito e feito, Alex deixasse aquilo de lado no futuro.

Futuro...

Quando isso passou pela minha cabeça, perguntei-me como seria dali para frente e senti o desespero voltar para dentro de mim. Depois do que eu dera ao Sam, depois do modo como ele reagira... Se já estava ruim me aproximar dele antes, como eu poderia sequer olhá-lo nos olhos depois daquilo sem começar a chorar? Sam devia estar me achando a pessoa mais burra do mundo, com toda a certeza. E saber que ele não era o único a pensar isso me deixava ainda pior.

E quanto ao Alex... Ele havia me beijado de verdade. Ele gostava de mim. Eu definitivamente não conseguiria encará-lo do mesmo modo, assim como seria com Sam. Pensar que dali a dois dias eu teria que ir à escola e me deparar com eles fez meu estômago desabar, e eu engoli em seco em pura inquietude, sentindo uma vontade imensurável de simplesmente sumir. Angelina não demonstrou ter percebido minha angústia, até porque eu não havia nem mesmo contado ainda o que havia acontecido com Alex, e então prosseguiu.

— Tá bem. Fora isso, o que você fez também não foi previsível. Você não é disso, Lia, você é covardona. Eu estou orgulhosa de você por ter tido coragem de fazer algo, mas o fato de você ter feito cagada me dá vontade de te estapear, pirralha. De qualquer forma, quem é Alex, mesmo?

Franzi o cenho ao escutar aquilo, já que eu já falara dele para ela algumas vezes. Certo, não muitas, mas ainda assim já falara. Tenho certeza disso.

— O japonês que entrou esse ano na minha sala — respondi, encolhendo-me outra vez por me lembrar dele e automaticamente tendo os sentimentos de minutos atrás voltando. — Falei dele pra você... É meu amigo. Então, eu fiquei muito brava com ele, muito mesmo, porque a opinião dele me é importante eu não gostava de ouvi-lo dizendo coisas ruins e que tudo daria errado para mim... Eu vi depois que ele estava certo e me arrependo muito de tudo o que disse a ele e a você, Lina, porque o Sam... Puxa, e-ele foi muito cruel comigo. Vocês estavam certos. — Senti meus olhos arderem, mas me segurei. Eu não choraria por ele. Não outra vez. — Tipo... Não foi legal mesmo o que ele fez.

Angelina me interrompeu, começando a esfregar rudemente o braço nos meus olhos e já se livrando rapidamente das lágrimas que queriam sair. Ela era outra como o Alex, a Rebecca e o Kevin; delicada? Só na aparência, mesmo. Psicologicamente era um ogro, mas de qualquer forma eu a amava, então não importava se era uma versão loira, cacheada e vestida em rosa da Fiona.

— Ah, não. Sem chororô, ok? — ela resmungou logo, quase me deixando cega. — Não quero você catarrenta por aqui. Termina de contar primeiro, vai. Fala aí o que que o viado fez.

— Não chama ele assim, poxa, que feio — tirando o braço dela do meu rosto e me recuperando, defendi com a voz embargada. — Ahn, eu... Depois do que eu fiz com o Alex, eu não falei com ele durante o intervalo inteiro e estava vindo embora sozinha, mas aí ele me alcançou depois. Eu achei que ele fosse brigar comigo outra vez, mas ele me deu a carta que eu tinha dado para o Sam e estava toda amassada e suja, sabe? Como se tivesse sido jogada no lixo...

Ela torceu os lábios, levantando as sobrancelhas com uma careta sincera e sem parecer ter o que dizer.

— Poxinha, que chato... Mas pera, você deu uns tabefes no cara e ele ainda veio atrás de ti? — Angelina disse enfim, soltando um riso nasal em seguida. — Esse aí quer seu corpo nu, certeza!

— T-tá louca?! — Sobressaltei-me ao lado dela, olhando incrédula para a garota e sentindo meu sangue esquentar. — Não tem nada a ver! Ele queria mostrar que estava certo quanto ao que disse!

— Ah, tá. — Ela deu risada, mas logo parou. — De qualquer forma, miga, quais são as probabilidades de esse seu japa ter simplesmente visto você botando a carta nas coisas do Sam, pego ela, a amassado e a jogado no lixo? Porque, minha filha, eu não conheço esse cara, mas já não vou com a cara dele. Vai ver queria fazer isso só para provar que estava certo, sem o Sam ter tido ao menos chance de reagir à carta, né? Quem sabe o plano dele desse errado.

Sem reação, olhei-a sem ter expressão alguma no rosto. Eu não havia nem mesmo pensado nisso até então... Mas após escutar o que Alex disse e principalmente sentir o que ele fizera, eu não deveria desconfiar dele, deveria? Tendo se preocupado comigo, vindo falar comigo e me beijado ainda que soubesse que eu não gostava dele... Isso provava que o que Angelina sugerira quanto ao papel não era verdade, certo? Na verdade, eu queria que fosse, e depois de tudo não queria nem um pouco duvidar do Alex — ele simplesmente não faria isso.

O Alexander não era o tipo de pessoa que mentia sobre coisas sérias assim, ou o que inventaria esse tipo de coisa só para me magoar e depois aproveitar-se disso. De alguma forma, mesmo que isso houvesse me deixado muito triste, não era como se eu não esperasse que o Sam pudesse reagir daquela forma depois do quão irritado ele ficara depois do que aconteceu entre ele e Kevin. Ainda que eu tivesse uma esperança... no fim, eu só havia mentido para mim mesma. Eu sabia disso.

— De forma alguma, Angelina... — respondi para ela, olhando de lado para seus olhos claros e depois desviando constrangida o olhar. — Ele me confortou... e depois disse que gosta de mim.

Ela se afastou repentinamente, me olhando com as sobrancelhas erguidas e a boca aberta num "o" pequeno. Moveu a cabeça para o lado como uma coruja, mostrando-se num misto de interesse e desconfiança.

— Opa, calma aí... — As narinas se alargaram outra vez. — Aquele gostar ou o seu gostar de amiguinho de jardim de infância?

Forcei um sorriso amarelo para ela de novo.

Aquele...

O "o" da boca da Angelina se alargou e ela fez uma cara maldosa, me dando um empurrão e começando a dar risada. Legal, agora ela iria me irritar pelo resto da minha vida. Tentei disfarçar a vergonha, levando vários empurrões e querendo simplesmente morrer naquela hora.

— Ah, pegadora! — ela exclamou eufórica. — Perdeu um e já arrumou outro!

— N-não, eu nem mesmo...!

— Você agarrou ele? Me diz que você agarrou ele, e na frente do Sam ainda! — Ela parecia super animada com a ideia de um cara ter dito que gostava de mim, mas não demonstrava pensar nem um pouco no que havia acabado de acontecer ou no fato de eu simplesmente não ter esquecido do Sam de uma hora para outra. — Ele é bonito? Diga que é um japa saradão, pelo menos, pra poder compensar o tamanho do p—

— Angelina! — Estiquei o braço, tapando a boca dela e levando uma mordida de leve. — É s-sério! Eu nunca agarraria o Alex! Você sabe como eu sou!

Ela se acalmou, tirando a minha mão da frente da boca e franzindo incrédula o cenho. Limpei a baba dela em sua camiseta, mas Angelina nem ligou. A saliva era dela, de qualquer forma.

— Quer dizer — minha irmã falou —, que ele é tão feio assim?

— Não! É bonitinho! Quer dizer, eu acho, não sei se você acharia, porque ele é meio... Não importa, isso não vem ao caso, eu só quis dizer que eu nunca agarraria ninguém. Ainda mais ele, porque o Alex é meu amigo!

A ruga entre as sobrancelhas dela ficou maior ainda e Angelina cruzou desconfiada os braços.

— Huh, quem diria... Você, que é a maior friendzonada do mundo, friendzonando os outros. — Eu não entendi ao certo o que ela queria dizer, mas não tive tempo de perguntar antes de ela retomar o que falava. — De qualquer forma, deixe-me ver uma foto dele para avaliar. Você o tem no Whatsapp?

— Ahn... Eu tenho, mas...

— Ele usa foto? — interrompeu.

Pensei um minuto antes de responder. Se eu dissesse que sim, ela iria querer ver, e se dissesse que não, também. Eu conhecia a Angelina bem demais para saber que, falando de fofocas, ela não desistia até descobrir tudo.

— Olha, até que usa, mas...

— Quero ver! — Angelina enfiou as mãos no bolso do meu moletom, pegando o meu celular e deslizando a tela para desbloqueá-lo. — Como tá salvo? Só Alex ou você tem um apelidinho gostoso que usa pra chamá-lo, tipo "mozão" ou "meu sashimizinho"?

— Ah, não, Angelina, que coisa, você não precisa ver nada! — Eu já começava a perder a paciência, e tentei sem o menor sucesso recuperar o aparelho. — Eu já disse que não tem nada a ver ele ser bonito ou não, eu não estava nem mesmo falando disso, tá bem? O que aconteceu é que, ahn... Eu não fiz nada com ele, mas já o Alex...

Ela parou de falar e fuçar meu celular por um segundo, me olhando sem expressão como se processasse o que eu havia dito. Eu quase podia imaginar uma barra de "carregando" sobre sua cabeça.

— Oh, calma, calma. Pera aí. — Angelina pendeu a cabeça para o lado outra vez. — Ele te agarrou?

Senti meu rosto esquentar violentamente.

— Não foi bem agarrar, ele só...

— Então fez o quê? Te deu um beijo?

Envergonhada, fiz que sim com a cabeça. As sobrancelhas da Angelina alcançaram o teto e ela soltou um "oooooooh" interminável, mostrando-se incrédula e batendo palminhas loucamente.

— Sério?! — Ela deixou o celular no colo e colocou as mãos no rosto com uma cara surpresa e empolgada, dando uns pulinhos meio falhos mesmo sentada e fazendo o pobre colchão ranger. — Oh, Deus! Eu achei que depois do Sam ninguém nunca mais iria te agarrar! Jesus está voltando!

— E-ele não me agarrou, Angelina! — tentei esclarecer, logo percebendo a segunda parte do que ela dissera. — Espera, o que você disse, sua maldosa?

— Nada, nada! — Ela puxou as minhas mãos, me olhando com os orbes azul claros brilhando. — Parabéns, Lia! Você perdeu o seu semi-bv!

Com a cabeça ainda girando por causa daquela empolgação toda, soltei um "ahn?" Confuso. Ela deu mais uns pulinhos, cantarolando alguma coisa, e deu uma risadona antes de prosseguir.

— Deixa, vai. Mas me fala! Como foi? Você não ficou lá parada que nem uma idiota que nem com o Sam, né?

— Você não tá entendendo, Lina, eu não gosto do Alex, eu não entendi nada até agora! Não fique tão empolgada, eu estou confusa, ok? — tentei remendar, fugindo do assunto sobre eu ter ficado como uma estátua diante dos dois únicos caras que tiveram coragem pra me beijar em toda a minha vida. — O-olha, eu não sei ao certo o que pensar ou fazer. Ainda que ele tenha dito que gosta de mim, eu não acho que isso seja cem por cento verdade, sabe? Sei lá... Nunca pareceu isso. Ele tem um jeito meio estranho de demonstrar as coisas, tipo me chamando de inútil ou dizendo que eu só ajo da pior forma possível... Eu não acho que dê para ele gostar de mim totalmente. Ninguém nunca gostou, afinal.

Eu soltei um longo suspiro, escorregando na cama e me deitando de novo. Angelina me olhou de canto, bufando e depois cruzando os braços ao meu lado.

— Fala sério. Você é burra mesmo, hein? — Ela fez uma cara horrorosa, olhando feio para mim e nem parecendo que estivera rindo um minuto atrás. — Como você fala uma coisa dessas? Se você estava tentando conquistar o Sam e tendo toda a esperança para ficar com ele, é porque, mesmo inconscientemente, você se acha capaz de fazer alguém gostar de ti. Se você acha que o Sam, que é gay, podia se apaixonar por você, por que é que outra pessoa não poderia? Você é exclusiva dele, e ele é exclusivo seu? Pelo amor de Deus, Liana, você ainda diz que mudou.

Surpresa, eu simplesmente não soube o que dizer diante daquilo, me sentindo mais envergonhada ainda. No fundo, talvez fosse verdade. Se o Sam poderia... Por que o Alex não? Ainda que eles fossem diferentes e eu nunca houvesse imaginado que o Alex pudesse se interessar por uma pessoa como eu, depois do beijo e do que ele disse isso se tornou possível, certo? Ou errado?

— Desculpe — murmurei somente, me acanhando cada vez mais. — Eu... não parei para pensar.

— Não, não desculpo — ela resmungou, mas logo sorriu, escorregando na cama também, ficando deitada comigo e me cutucando com o ombro. Pegou o celular e ergueu-o, deslizando o dedo para a direita para ver a pequena lista de contatos do meu Whatsapp. Alex era o primeiro, já que o nome começava com a primeira letra do alfabeto. — Vamos ver se a foto é boa... Ou então vou caçar o Face dele.

Torci os lábios, vendo-a expandir a foto do perfil dele para ver melhor e me perguntando que diabos Angelina diria da aparência do Alex. Ele não tinha absolutamente nada a ver com os tipos de cara que ela achava bonito, então eu admito que fiquei insegura com aquilo. Ainda que eu o achasse alguém bonitinho, ela não era como eu.

Alex estava bem na foto, ao lado de ombros de pessoas que haviam sido cruelmente cortadas da foto. O cabelo estava ligeiramente menor, puxado para trás da orelha e deixando à mostra o piercing transversal e as três argolinhas menores no lóbulo da orelha, e ele dava um leve sorriso de lado com os dedos num "V". Talvez a foto fosse de alguns meses atrás, já que o Alex não tinha muito jeito de quem curte ficar se fotografando ou deixando ser fotografado toda hora, e o tamanho do cabelo também comprovava isso.

Angelina ficou olhando para a imagem uns segundos e depois olhou para mim, estando sem expressão alguma no rosto.

— Meu Deus, tô pretérita! Você não me disse que ele era trans — ela falou e eu franzi o cenho.

— Angelina... Ele não é trans.

— Não?

— Ele parece um pouquinho uma menina, só isso... É por causa do cabelo, eu acho... E ele também é meio baixo, e tem um rosto bo—

— Pelo amor de Deus! — ela me interrompeu e aproximou de novo o celular do rosto, olhando-o com uma expressão estranha. — Tem... Tem cara de menino, mas ainda assim tem cara de menina... E não tem peito, cadê o peito? Não tem! Mas parece uma garota! Olha a cara desse filho da puta, ele é mais bonito que eu, Polliana! E ele te beijou! Quer dizer que não é veado!

— C-calma! — gaguejei surpresa. — E dá para parar com essa mania de chamar os outros assim? Meu Deus!

— É que eu não acredito! Você viu a cara de emo dele, esse piercing, esse cabelinho! Tem que ser veado! É certeza!

— Para, Angelina! Esse é um jeito horrível de se falar dos outros! — reclamei emburrada, tomando meu celular das mãos dela. — E o Alex não é gay, ele disse que é pan. E mesmo se fosse, caramba! O cabelo e o piercing não têm nada a ver!

Ela ergueu as sobrancelhas, revirando os olhos para o teto e bufando.

— Afe, não podia ser hétero... Sabia.

— Tô falando pra você parar com isso, tá? Que coisa feia. — Olhei feio para ela, que deu de ombros e me mostrou a língua. Sim, e depois a infantil era eu. — É... Pronto? Pode me deixar sozinha agora?

— Olha, eu não vou ver nem como cara nem como garota, mas sim como uma coisa andrógena bonitinha. Não tanto quanto você, claro — ela falou e deu um beijo na minha bochecha. — Mas eu prefiro o Sam, by the way. Ele é cabeludo, mas é másculo. E agora me fala do beijo!

Eu me forcei outra vez a sorrir para ela, não me sentindo nem um pouco confortável com aquela situação. Eu não queria falar sobre aquilo, estava me sentindo mal... Mesmo que talvez eu devesse estar feliz por alguém gostar de mim e uma pessoa ruim ter finalmente mostrado as caras e se afastado da minha pessoa, por que eu simplesmente não conseguia sorrir?

Sam ter me rejeitado daquela forma bruta ainda me incomodava, assim como o simples fato de Alex gostar de mim e eu não gostar dele, e a Angelina estar tão interessada e contente com isso só piorava tudo. Se eu estava me sentindo tão mal por Sam ter feito aquilo comigo... Eu causaria esse sofrimento ao Alex também caso pedisse desculpas e deixasse claro que não estava querendo ter algo com ele, não é? Já me perguntei isso antes, mas é que simplesmente não consigo achar uma resposta que não vá prejudicá-lo.

Tentando tirar aqueles pensamentos da cabeça e já sabendo muito bem que isso apenas pioraria tudo, suspirei, lembrando-me de Alex e eu na calçada. As palavras ofensivamente gentis dele soaram em minha mente outra vez e eu senti um arrepio desconfortável subindo pelo meu corpo ao me lembrar do que viera depois. Eu fiquei com tanta vergonha, Deus do céu!

Foi impossível não comparar o beijo e os atos do Alex com os do Sam naquela hora. Ao contrário do mais velho, ele havia sido tão gentil, tão calmo e sem pressa... Sam simplesmente me agarrara no dia em que me beijara, sem sequer pensar no quão assustada ou impressionada eu tenha ficado na hora, e fazia movimentos tão vulgares e invasivos que eu me senti totalmente constrangida no momento. Ainda que o Alex também houvesse me surpreendido muito com o beijo repentino, não havia sido assim. Os lábios se movendo e encostando suavemente nos meus, a mão pequena e quente segurando a minha e o joelho dele, aparente por causa da calça rasgada, encostando na minha perna...

Droga. Aquilo não estava certo.

— Não sei — respondi estupidamente para Angelina, olhando para o teto e sentindo minhas bochechas fervendo. — Não faço a menor ideia.

Ela me olhou como se eu tivesse demência, não se movendo um centímetro de onde estava.

— O que você não sabe? — ela perguntou meio irritada. — Eu não perguntei nada assim, garota. Não viaja.

— D-desculpe. — Encolhi os ombros, percebendo que pensara tanto a ponto de até mesmo me esquecer exatamente do que a pobre da Angelina perguntara. — O que foi?

— O beijo do garoto. Quero saber como foi.

Fiquei constrangida diante da indagação, perguntando-me como diabos eu descreveria para ela. Eu sequer conseguia pensar naquilo sem ficar envergonhada, como é que falaria para ela?

— Não sei explicar — falei mais para o teto do que para a minha irmã. — Eu não beijei muitas vezes para saber se foi, sei lá... Ruim, bom, normal. Eu estava surpresa demais para prestar atenção...

— Uai. Um beijo normal é um em que vocês não se mordem sem querer, não batem nos dentes um do outro, não trocam saliva excessivamente, não ficam se engolindo e não estão com bafo de alho. Por acaso vocês fizeram ou estiveram com algo assim?

Olhei de canto para ela, franzindo o cenho e fazendo que não com a cabeça. Eu definitivamente tenho medo da Angelina.

— Muito bem, então foi normal — esclareceu contente. — Agora me fala se foi bom, hm?

— Ahn... Não sei — falei constrangida; meu Deus, essa garota não tem desconfiômetro! — Eu não tô a fim de falar disso, pode ser? Só dessa vez, Lina... Eu preciso ficar sozinha. Mais tarde a gente conversa.

Ela soltou um murmúrio mal humorado e desconfiado.

— Eu tô curiosa agora, porra. Você vem contar as coisas e não fala direito! — reclamou a minha irmã, revirando os olhos pela milésima vez e ignorando o que eu havia acabado de dizer. — E depois que ele te beijou e falou que te curte, aconteceu mais alguma coisa?

Pensando, cocei a nuca antes de respondê-la.

— Ele me pegou pelo braço e me trouxe até aqui...

— E não disse nada?

— Disse que não era para eu me esquecer de jeito nenhum do que ele tinha dito. Tipo... Deu muito ênfase pro "de jeito nenhum" e foi embora. Aí... Aí eu fiquei parada feito uma besta aqui na frente de casa até resolver entrar. E eu não entendi até agora o que aconteceu, se é que você não percebeu ainda.

Angelina soltou um "own" bem longo e idiota, balançando negativamente a cabeça. Ela levantou-se saltitante, dando um sorriso enorme.

— Ai, estou ansiosa! — exclamou contente, colocando as mãos na cintura. — Vai fazer o que segunda-feira? Você tem hoje, amanhã e depois pra pensar, hein! Não gaste todo esse tempo pensando no viadão do Sam!

— Não sei de nada... Tô com medo de ir na escola. Vergonha... Eu não sei como vou olhar na cara do Alex e na do Sam depois de tudo. Me dá desespero só de pensar.

— Então não olhe, amiga. — Ela deu uma piscadela e colocou o dedo no queixo. — Simplesmente agarre o japa antes que ele mude de ideia e prontinho.

— Oh, meu Deus, Angelina! Pare! Eu não gosto dele!

— Quem disse que você precisa gostar? Eu já estou shippando demais vocês dois, vocês são o melhor casal de traps que eu já vi na vida!

Eu ia responder, mas ela fez "shh" e depois virou-me as costas, saindo saltitante do quarto e provavelmente indo se entupir de bolo na cozinha. Finalmente eu estava sozinha, e outra vez os pensamentos confusos e as perguntas voltaram para a minha mente. Suspirei cansada, voltando a encarar meu amigo teto e me perguntando o quão bom seria se a minha vida tivesse trilha sonora para eu escutar e chorar.

— Espero que segunda-feira nunca chegue.

Eu sei que vocês vão acreditar caso eu diga que o fim de semana passou insuportavelmente rápido e que eu não consegui pensar em nenhuma forma de resolver as coisas na segunda, porque vocês me conhecem, sabem o quão burra eu sou e o quão mal as coisas colaboram quando preciso. Eu quase desejei ficar doente para ter uma desculpa e faltar, mesmo que isso não fosse preciso por meu pai não me questionar quando eu simplesmente não estava a fim de ir.

No fim das contas, eu acabei indo. Se o Sam quisesse contar para todos ou tirar com a minha cara... Bom, não seria a primeira vez que alguém faria isso comigo. E olha, para dizer a verdade... O que Alex diria ou faria me preocupava muito mais. Depois de tudo o que havia acontecido entre nós dois, eu estava com muito, mas muito medo e preocupação, e não conseguia sequer disfarçar isso. Ainda que eu estivesse com medo dele, eu estava com medo de mim, também. E se eu dissesse algo errado e o magoasse? Cara, essa era a minha principal preocupação, de verdade.

Totalmente insegura, passei pelos corredores e parei na entrada da porta, hesitando um pouco. Logo que decidi adentrar a classe, já vi o Sam sentado em cima da mesa dele, sentindo meu coração batendo contra as costelas e o estômago caindo. Ele me olhou por reflexo, mas depois bufou e desviou o olhar, voltando a conversar com a garota que estava ao seu lado. Abaixei a cabeça magoada, vendo que eu estava mentindo para mim mesma ao pensar que não me importaria mais com os atos dele.

Com um pouco de medo de me deparar com ele me encarando, olhei para Alex, que estava logo ao lado e sentado em seu lugar de costume. Felizmente ele não estava a me olhar, e eu suspirei agradecendo a Deus por isso. O garoto estava debruçado sobre a mesa, com o rosto enfiado preguiçosamente nos braços. Depois de nós virarmos amigos, já não era comum eu chegar na sala e vê-lo assim. Ele ficava esperando por mim.

Perguntei-me se deveria cutucá-lo ou algo assim, mas me senti desconfortável apenas de pensar em olhá-lo nos olhos depois de tudo. Quando... quando foi que tocar e encarar Alex se tornou tão difícil? Eu quase nunca ficava com receio de falar com ele ou encostar naquele garoto, mas depois de tudo... As coisas tinham mudado drasticamente entre nós, não é?

Eu não saberia o que aconteceria caso nem mesmo falasse com ele, mas pensar nisso incomodava-me imensamente. Hesitando por longas dezenas de segundos, toquei de leve o braço de Alex mesmo sem ter pensado no que dizer ou fazer diante dele. Oh, Deus. O arrependimento bateu na mesma hora.

— O-oi.

Senti meu interior queimando quando ele ergueu a cabeça e o olhar. Estava sonolento, de olhos avermelhados e o rosto marcado pelas dobras da manga do moletom preto que vestia, parecendo absurdamente calmo. Algo me forçou a desviar o olhar quando o foco dos olhos dele pousou em mim. Era impossível, desesperador, constrangedor, enlouquecedor! Eu queria desaparecer, virar pó e fingir que não havia feito absolutamente nada. Por que eu estava com tanto receio e medo?

Eu sentia meu coração disparar o triplo que disparara pouco tempo atrás enquanto ele me olhava sem expressão naqueles segundos sufocadores. Droga, tinha que ser assim? Ainda que eu achasse que tudo estaria bem caso ele não houvesse feito nada na sexta-feira, como eu podia culpá-lo por ter tomado uma atitude, sendo que eu também havia feito isso com o Sam?

Eu já quase via o meu nome aparecendo num jornal, e minha foto sob o tema da manchete onde se lia "garota infarta após receber encarada indiferente do cara que a deu um beijo dias atrás". Foi quando ele simplesmente abaixou a cabeça outra vez, chafurdando-a nos braços e simplesmente fingindo que eu não o havia chamado.

Meu estômago foi parar no subsolo naquele momento. Sem saber como reagir, abaixei a cabeça, indo para o meu lugar com passos firmes e constrangidos. Eu ainda sentava-me atrás do Sam naquela época, mas ele simplesmente pegou a mochila, chamou a garota e foi sentar-se no fundo, deixando-me sozinha ali e ainda por cima murmurando algo sobre não querer ficar perto de gente falsa.

Eu não conseguia entender. Por que Alex havia me ignorado, e por que Sam disse que eu era falsa depois de tudo? Mesmo tendo sido deixada para trás tantas vezes, tendo sido colocada em último lugar e ainda deixado claro que gostava muito dele, a única coisa que o Sam via era que eu não ligava para ele? Eu havia feito a minha parte o tempo todo, mas no fim ele simplesmente esqueceu-se de tudo de uma hora para outra...

E o Alex... Eu poderia ter achado que ele simplesmente estava com sono demais para responder o meu cumprimento naquela hora, mas ele nem sequer olhou para mim uma vez na aula inteira. Quando o intervalo chegou, o garoto simplesmente saiu da sala sem nem mesmo me dizer uma palavra, como se repentinamente o costume de ficar junto comigo nunca houvesse existido.

Que sentido fazia aquilo? Se Alex havia dito tanta coisa sobre se importar comigo, sobre querer isso e gostar de mim, como diabos ele simplesmente me deixava sozinha assim? Eu saí da sala confusa e extremamente insegura, vendo-o descer as escadas, sair para o pátio e simplesmente sentar-se num canto. Eu devia ter me aproximado e falado com ele, mas não o fiz por pura covardia.

Talvez nós nos falássemos ou simplesmente trocássemos um olhar nas próximas aulas ou na hora da saída, mas o mesmo aconteceu. Ele simplesmente não me olhou, não falou comigo e nem sequer me deu um aceno antes de ir embora.

E aquilo machucou.

Preferi achar que Alex simplesmente estava de mau humor naquele dia, mas inexplicavelmente ele fingiu que eu não existia durante a semana inteira. Eu cheguei a tentar dizer-lhe "oi" mais algumas vezes, mas não, ele não respondeu-me em momento algum. Não tive coragem de contar a Angelina ou então a Rebecca, que já estava consciente do que havia acontecido antes, sobre como as coisas estavam. Eu evitava ao máximo as duas, constrangida por tudo e me sentindo um lixo.

Pela primeira vez, alguém havia se declarado para mim e dito que se importava comigo, e agora esse alguém simplesmente esquecia-se de tudo, mudava e passava a agir como se nem mesmo fosse meu amigo? Alex era a única pessoa que eu achei que teria comigo depois de perder Sam, e agora... Era assim que tudo ficava, que tudo acabava?

No fim das contas, eu não sabia o que pensar. Enquanto eu tinha os dois, Alex e Sam como meus amigos, eu simplesmente não fiquei parada e precisei estragar tudo. Aquilo doía tanto dentro de mim, e o fato de eu não entender o que se passava pela cabeça de todos depois de tanta coisa acontecida me desesperava. Estava tudo ainda mais errado do que eu achei que estava no momento em que ele me beijou.

Eu não aguentava mais.

As provocações dos alunos voltaram a me atingir de forma drástica naquela semana. Quando eu estava com Alex, ele simplesmente me distraía quando alguém dizia algo ruim e eu já não me importava tanto mais, mas agora... Cheguei a fingir que estava passando mal para ir embora três vezes em cinco dias, não suportando escutar aquilo e não ter mais alguém comigo para me entender e distrair. A direção perguntava se eu estava com algum problema de saúde, e meu pai estava mais preocupado comigo do que o usual. Eu também estava, mas Alex não e Sam não. Eles não estavam dando a mínima.

Eu vinha achando que a distância entre Alex e eu teria que ser preenchida de uma forma ou de outra depois do que ele havia feito e tudo teria que ser esclarecido, mas não sabia que o contrário aconteceria. Tornara-se sufocante ir à escola, de um modo pior do que o de quando eu não tinha amigo nenhum, pois eu já conhecera o sentimento de ter alguém ao meu lado e sentia uma falta extrema dele.

Eu não conseguia falar com Alex, sabia que tentar me esclarecer com Sam era tolice e, assim, não podia ser verdadeira. As coisas tornavam-se piores, piores e piores. Alexander havia dito tanto e tanto que se importava comigo, que se incomodava quando eu me dava mal e que não deixaria de ligar para mim tão cedo... E agora ele me via daquela forma, me corroendo por dentro e querendo respostas, e simplesmente não fazia nada para impedir.

Eu não conseguia entender. Ele fizera questão de dizer para que eu não me esquecesse daquilo de forma alguma... E era assim que passava a agir?

Os dias continuavam passando e o meu vazio ficava cada vez maior. Levantar-me para ir à escola era uma luta, e as conversas triviais e bobas que nós tínhamos me faziam mais falta a cada momento. Eu ficava lendo as bobagens aleatórias que a gente dizia um para o outro nas mensagens do meu celular e tentando me contentar com elas, mesmo que eu passasse cem por cento do tempo em que as lia me perguntando o que de tão errado eu havia feito.

O Alex era ruim de dormir cedo, então às vezes ele ficava mandando um monte de bobeira no meu celular de madrugada — enquanto eu dormia ou, com olheiras monstruosas, ficava acordada para respondê-lo —, simplesmente por não conseguir pregar os olhos. Eu não me importava com isso, mas agora esse fato me fazia uma falta enorme. Não era como se eu conseguisse dormir e recuperar o sono atualmente, de qualquer forma...

Perguntei-me se meu beijo havia sido tão ruim assim, a ponto de realmente afastá-lo de mim, e também me questionei se estava com bafo ou fizera algo errado — porque sério, não era possível. Eu havia pedido desculpas depois do tapa e da briga... Então por que estava tudo assim? Ele tinha simplesmente se cansado?

Só sei que, se eu estivesse certa, já não importava mais. O beijo já tinha sido dado, o tapa também e a indiferença do Alex em relação a mim apenas crescia. Eu já sabia que as coisas sempre pioravam quando eu decidia tomar uma atitude, mas depois daquilo nada podia ser pior. E foi assim que, uma semana e meia depois de ele começar a me ignorar, eu fui atrás do Alex na hora da saída e o segurei pelo braço, fazendo-o parar de andar.

Meu coração batendo descompassado gritava que não, que eu não devia ter feito aquilo, mas eu ainda assim o fiz. Eu estava cansada, destruída por dentro por causa de tudo. A pessoa que eu achei que não me deixaria de lado havia me deixado, mas ainda assim... Ainda assim eu não queria fazer como estava fazendo com Sam e tentar esquecê-la. Ele não era o Sam que eu amava, no fim de tudo. Estava desaparecendo lentamente de dentro de mim, embora eu ainda pudesse senti-lo.

Mas Alex não. Quanto mais distante ele ficava, mais eu queria proximidade. Encará-lo e ter o olhar doce e desconfiado dele em resposta, provocá-lo e depois fazer-lhe cócegas para que ele risse para mim, ficar falando bobagem de madrugada e adquirindo olheiras enormes por causa disso... Essas eram coisas que eu definitivamente queria de volta. Eu queria o Alex, o Alex que só agia assim comigo perto de mim outra vez.

— O... O que você tem? — indaguei hesitando, sentindo os spikes da pulseira dele debaixo dos meus dedos e apertando seu pulso para não deixá-lo ir. Eu já havia sofrido demais para fazê-lo se aproximar de mim e romper seu escudo, e agora eu não o deixaria criar essa casca outra vez. — Eu quero respostas. Se nós pudermos voltar a ser amigos... eu não vou pedir mais nada, portanto não fuja. Eu sou a covarde dessa história, então diga o que está pensando e não siga o meu exemplo.

Quando, em que hora, de que momento
Eu acabei perdendo isso?
Mesmo que eu procure no fundo da minha alma... Isso não tem nenhum sentido

O fruto podre que caiu, a realidade que nasceu com a loucura
A direção que a lua iluminou... Às vezes quase me esqueço desta sensação

Onde estou, quem será que sou?
Às vezes, eu fico sem saber! Até porque
Há muito mais do que os outros pensam, a uma velocidade muito mais incrível...

A pequena pedra que deixei cair para ser o meu ponto de referência
Quando começar a escurecer ao meu redor, a ponto de eu não conseguir ver nada, se eu me perder devo corrigir a rota!
Não é preciso apagar tudo para começar

Pego tudo e o carrego em minhas costas; quando percebo, o hoje já acabou
O dia a dia que eu queria era esse?

Sem palavras e com meus olhos calmos
Nada está vindo à superfície...
(Ketsuraku Automation, ONE OK ROCK)


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Notas finais do capítulo

GENTE! ATENÇÃO AQUI! TENHO UMA PERGUNTA!
Por que vocês acham que o Alex está agindo assim? Quero saber o quanto vocês entendem o raciocínio dele, hehe. Espero que respondam nos reviews! BEIJO!