Dad's Boyfriend escrita por Bruno Borges


Capítulo 13
Julgando Mal




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(Ruby)

A minha semana estava sendo um caos. Eu estava cheia de vidas para cuidar e mal tinha tempo pra cuidar da minha própria. Vamos por partes. Literalmente vidas para cuidar porque Ashley se endividou e teve que tirar Alex das aulas de ballet e luta, onde ficava enquanto a mãe trabalhava. Então eu cuidava da menina durante o trabalho de Ashley, que por sorte, não coincidia com o meu no Granny's.

A notícia chegou aos ouvidos da tal Lisa, a garota por quem Emily costumava ser apaixonada. E ela que tinha um garotinho com aproximadamente a idade do Neal, me pediu pra ficar de babá da criaturinha por algumas noites. Ela estava se “reconciliando” com o marido depois de algumas várias brigas e deixando o garoto comigo, assim podiam sair sozinhos. Me pagando bem, que mal tem, certo?

Óbvio que eu não contaria nada disso pra Emily porque só ia deixar a coitada mais abatida. Ela já estava suficientemente mal com o lance da Lily. Ah sim, eu estava “cuidando da vida” da Em também. Eu era obrigada a ouvir todas suas queixas sobre estar sendo ignorada pela até então paquera e lhe dar conselhos amorosos. Ela fazia tudo que eu mandava, esperançosa, mas Lilith continuava ausente, deixando minha amiga se roendo de curiosidade e ansiedade.

Então teve o evento “Gepetto”. Marco, o pai do meu namorado, “acordou” do feitiço da Regina e veio me procurar. Marco estava feliz por nós e pediu minha ajuda para contribuir para que August continuasse na cidade a qualquer custo. Mas me fez jurar que não contaria nada ao August. O pai estava vivendo ao lado do filho, a vida que pedira aos céus e temia que o rapaz partisse ao retomar suas memórias, deixando-o sozinho de novo. Ele gostava do fato de que seu filho tivesse a inocência de acreditar viver num mundo cético e duro ao invés do tão perigoso mundo mágico que um dia teve a consciência de viver. Eu concordei, o que mais poderia fazer?

AH! E sim, meu na-mo-ra-do! Eu estava tão feliz! Finalmente August e eu estávamos namorando. Tudo aconteceu ao seu tempo e fluiu de um modo gostoso. Nosso amor era tão doce quanto a geleia de morango da minha vó. Nosso tempo juntos se resumia a muito carinho, beijos e muitos sorrisos. Aliás, beijar August, sempre me fazia lembrar de doces.

Era uma pena que naquela semana tudo estivesse tão complicado e nós não estivéssemos tendo tempo um pro outro. Ok, na verdade eu não estava tendo tempo pra ele. Eu realmente queria ficar perto dele, mas tudo conspirava contra.

Então Snow me procurou para desabafar sobre o ex-marido. Ela contou com pesar que ele estava namorando Christopher e se surpreendeu ao ver que eu já sabia. Mas gente, o que eu posso fazer se todo mundo se sente a vontade pra se abrir comigo? Eu realmente não sabia como o Dr. Hopper ainda tinha emprego naquela cidade se todo mundo me procurava para conversar. Mas eu soube de David e Chris um pouco tarde, apesar de já desconfiar antes. Acho que o xerife demorou um pouco a se sentir confortável em me contar. Mas como afinal de contas tinha sido eu quem deu origem a toda confusão sobre os dois aquela vez e também por eu ter passado mandar Chris subir para o apartamento de David sem ter que ligar pra confirmar se podia quando notei que as visitas tornaram-se habituais, eu podia ser considerada como alguém “por dentro do assunto”. Além disso, David e eu tínhamos nos tornados um pouco mais próximos quando ele se mudou para a pousada e acho que por um bom tempo eu fui a única amiga que ele teve. Ele deve ter se sentido na obrigação de me contar. E claro, eu adorei a notícia. De qualquer forma, já torcia pelos dois secretamente mesmo. Eu não soube muito bem o que dizer pra Snow. Ainda que nossa relação também fosse ligada pelo segredo do feitiço sobre a cidade, bem como minha relação com David, eu não me sentia mais tão íntima dela como já fui um dia. Eu não tinha como fazê-la se sentir bem se eu acreditava que David estava melhor e mais feliz sem ela. E ela também estava “brincando de médico” com o Dr. Whale, o que todo mundo sabia. Então ela não tinha muito o que reclamar. Na verdade, senti que ela estava me incomodando. É, a palavra era essa.

Tive que cancelar um programa com August de novo, porque Emily estava toda chorosa depois de uma resposta de Lily, que conseguiu com muito esforço. Eu teria que passar a tarde com ela, fazendo minha obrigação de boa amiga. Mas então Lacey (diferente de Mary Margaret que eu insistia em chamar de Snow, acabei me acostumando a chamar Belle de Lacey. Acho que ela preferia ser chamada assim porque ouvir o próprio nome a fazia lembrar de Rumplestiltskin e ela odiava isso) apareceu naquele mesmo dia pra uma visita surpresa, e tive que dividir minha atenção entre as duas. Emily odiou a ideia, claro. Ela claramente tinha ciúmes de mim e Lacey e as duas somente eram “amigas” de forma acessória, ou seja, me tinham por amiga em comum, logo, se aproximaram, mas preferiam a mim que uma à outra. Colegas, na verdade. Era chato pra Lacey, que se lembrava de Emily como Mulan, nos tempos da Floresta Encantada, vê-la tratando com certa indiferença, então criou certo desafeto por ela. E era chato pra Emily que não se lembrava de nada e não se sentia muito segura em falar da sua vida amorosa perto da Lacey, ainda que esta soubesse da sexualidade daquela. Emily me dizia que Lacey estava sempre “atrapalhando as coisas” e que era o tipo de pessoa que não serve pra te ajudar e ainda fica no seu caminho.

Eu sei que Em preferia falar comigo sozinha, mas eu não tive muita escolha senão incluir a outra amiga naquele dia. No começo ela hesitou, mas acabou contando em lágrimas que Lilith tinha assumido tê-la evitado porque estava com medo de magoá-la por ser tão inexperiente e que não queria dar falsas esperanças a ela. Ou seja, a garota praticamente chamou minha amiga de coitada e expôs sua visão de que se continuassem saindo, Emily ficaria apaixonada por ela e teria seu coração partido. A asiática jurava não estar apaixonada, mas dizia que sofria mesmo assim por continuar sendo tão tola em continuar procurando Lily que anteriormente chegou a pedir por isso, que continuassem em contato, já que estava gostando de conhecê-la e a feito prometer que continuariam se vendo.

E a própria começou a criar empecilhos para se verem, com medo de “magoá-la”. Ah, que raiva! Já estava tomando as dores da minha amiga e achando aquela moça uma idiota. Esperava que August entendesse que eu estava tendo uma semana cheia, porque depois de ouvir sobre Lily, tive medo de que ele me achasse tão babaca quanto. Lacey simplesmente ficou avulsa no assunto.

(Regina)

Descobri um padrão na falha do feitiço. Depois de Tinker Bell, um guarda do meu castelo nos tempos de Evil Queen, acordou do feitiço em quatro dias, e quatro dias depois, Gepetto também, segundo Ruby. Por sorte, consegui ainda obter uma “previsão”, com uma espécie de feitiço localizador, de quem seria a próxima pessoa a recuperar suas memórias, para que eu pudesse agir a tempo escondendo-a de todos (como fiz com a fada e o guarda), ou se simplesmente conversar e instruir a pessoa da situação como fiz com Marco/Gepetto, seria suficiente. O feitiço indicava o próximo elo mais fraco na cidade, ou seja, a pessoa onde o feitiço estava surtindo menos efeito a esta altura, consequentemente, a mais sujeita a recuperar a memória naquele tempo. Apesar de me considerar com sorte por achar uma maneira de me precaver, eu não estava feliz em usar de magia outra vez. De qualquer maneira, o fiz. Após o ritual, corri por todos os cantos da casa, procurando em todos espelhos da casa a imagem da tal pessoa, que apareceria em qualquer um deles. Encontrei no espelho do meu banheiro, mas a imagem só durou alguns segundos. Não era nada nítida. Tudo o que pude ver foi uma figura aparentemente masculina pelo formato do corpo, em frente a um quadro negro, mostrando algo nele. Não pude ver nada acima do pescoço e o pouco que deu pra ver do resto do corpo, estava num desfoque terrível. A magia estava perdendo feio para a tecnologia HD. Mas pelo menos eu tinha a pista de que seria algum professor ao que tudo indicava. Então avisei Henry pra me notificar de qualquer suspeita em seu colégio.

(Juliet)

Eu não conseguia ouvir a voz da minha irmã. Simplesmente passei a ignorá-la. Trancar portas, evitá-la. Ela achava que eu fazia isso por não me sentir pronta pra falar do meu término com Chris, mas eu estava era realmente farta dos meus próprios pensamentos sobre meu ex-namorado e tudo que eu menos queria era Teresa me forçando a falar sobre isso. Não falava porque me sentia cheia demais de tudo que envolvesse Chris. Não precisava “desabafar” sobre ele. E o pior de tudo é que ela dizia que precisava me falar do seu encontro com o rapaz misterioso que conheceu na biblioteca. Dá pra acreditar? Ela querendo contar sobre as próprias aventuras amorosas naquele momento? Por sorte ela não tivera sequer uma oportunidade de introduzir o assunto, embora tivesse me dito várias vezes que era algo que precisava conversar comigo urgente. Ok, talvez não por sorte e sim porque eu tentava passar menos tempo possível em casa junto com ela.

Quem realmente estava me ajudando a distrair e a sorrir um pouco era Peter. Na verdade, tínhamos agora um clima estranho entre nós, por conta do que ele me dissera na festa da nossa turma. “Eu acho que amo você”. Mas eu ainda assim me sentia mais confortável com ele que com minha irmã. Talvez eu estivesse curiosa a seu respeito. Talvez... talvez eu também sentisse algo por ele.

Nossas aulas tinham voltado e eu estava estudando com ele depois das aulas, para passar mais tempo longe de casa.

— Eu vou me dar mal na avaliação de oratória. – ele me disse num dia comum de estudos. Ele pegou sua borracha entre os meus dedos, o que fez cócegas. Eu puxei minha mão depressa, sem graça.

— Você se dar mal em oratória, Peter? Você é um dos melhores nisso. Não, você é o melhor nisso. Aliás, você nasceu pra isso! – eu estava falando depressa e sorrindo gentilmente pra ele – Tipo, você convenceria o papa de que ele é profano se quisesse. Ao contrário de certas pessoas que eu conheço, humpf. Mal podem se abrir verdadeiramente. Contar a verdade, o que realmente está acontecendo. Por sinal também não podem assumir a culpa de quebrar a torradeira da sua casa. – Ele apenas me fitou, sério. – Ai desculpa! Eu estou falando do Chris de novo, não estou? – não podia entender como eu fugia tanto do assunto “Chris” com minha única família mas despejava involuntariamente em um amigo. Eu nem sequer tinha percebido isso até então, mas ele tinha me chamado a atenção naquele mesmo dia por ficar remoendo sobre meu antigo relacionamento e agora eu tinha acabado de confirmar pra mim mesma que realmente o fazia. – Enfim. Podemos voltar ao que estávamos estudando?

Não obtive uma resposta imediata. Ele continuou me olhando fixamente, e sua postura perfeitamente correta se desfez quando ele abaixou seus ombros e se aproximou lentamente.

— Por que você tem que falar disso sempre? – Ele finalmente disse. Sua voz estava num tom muito baixo, mas eu ouvia nitidamente por causa da distância em que nos encontrávamos. – Não. Não responda. – Peter acrescentou ao colocar a ponta do dedo indicador nos meus lábios delicadamente. – Você está sempre sofrendo porque fica remoendo essa história. Você acha que contém para si, mas fala dele o tempo todo. Você ficaria melhor consigo mesma se você se permitisse deixar o passado de lado e viver o momento.

Eu fiquei completamente envergonhada. Queria poder enfiar um saco de pão na cabeça, sem nenhum buraco para os olhos ou nariz. Então ele desceu o dedo lentamente, acariciando meu queixo. Entendi o que estava acontecendo, mas não quis fugir. Quando ele se aproximou de mim, eu me aproximei também. Nos beijamos. Seus lábios frios e úmidos percorriam os meus. Durante alguns segundos, me imaginei com Chris. Mas me obriguei a desviar meus pensamentos, porque sabia que era errado. Ele parou de me beijar. Fiquei por um curto espaço de tempo ainda de olhos fechados, recuperando o fôlego, pensativa. Então segurei sua nuca e o beijei de novo.

(David)

Mary Margaret me ligou para que eu buscasse Neal na escola, porque ele estava passando mal e queria que eu cuidasse dele, já que ela estava em horário de trabalho. Bom, eu também estava, mas ambos sabíamos que as coisas eram meio paradas na delegacia da cidade.

Levei Chris comigo porque sabia o quão feliz meu garoto ficaria só de vê-lo. Mas assim que Neal entrou no carro com a gente, percebi que tudo não passara de um truque da mente maligna daquela criança de quatro anos pra sair conosco. Eu fiquei bravo com ele e decidi que voltaria ao trabalho, mas poupei o garoto de voltar pra escola. Eu estava a caminho do Granny’s, onde pretendia deixar meu filho com os funcionários da lanchonete que o adoravam por sinal, quando tive a infelicidade de ver o Dr. Spencer saindo de sua casa luxuosa. Ele também me viu e não pensou duas vezes em bloquear a rua com seu carro caro ao sair da garagem. Mas ele não o manobrou para sair de lá. Parou daquele jeito e saiu do veículo, me esperando. Chris parecia querer falar alguma coisa, mas eu saí batendo a porta antes que ele tivesse a chance.

— Não vai deixar ninguém passar não? – eu falei caminhando ao seu encontro. Dois carros já tinham parado atrás do meu e estavam buzinando.

— Você não me ligou. – Albert soou autoritário.

— Eu perdi seu cartão. – menti.

— Não é problema. – ele abriu a porta de seu carro, enfiou-se pela metade lá dentro e voltou com um novo cartão nas mãos, que peguei por educação. – David. Eu estou disposto a lhe ajudar se me ajudar. Eu só quero ter uma família. – seus olhos brilharam e por um momento senti pena dele. – Bom, quem sabe com um empurrãozinho não destituímos a guarda compartilhada de vocês dois e a tornamos unilateral pra você? Só precisamos fazer o juiz acreditar que o garoto sofre maus tratos nas mãos da mãe. – um sorriso malicioso surgiu em seu rosto e eu me segurei pra não socá-lo.

— Ei, Sr. Spencer! – era a voz de Chris, que saía de dentro do carro com Neal nos braços.

Eu me virei pra trás extremamente surpreso. – V-você conhece ele?

Spencer não disse nada, só deixou escapar um risinho.

— Sim, ele é meu professor na faculdade. Direito Penal. Como vai Sr. Spencer? – Chris estendeu a mão para cumprimentá-lo.

Eu fiquei de cara fechada e torcendo pra que um dos dois tivesse diarreia e precisasse sair correndo.

— Muito bem, Black. – o promotor respondeu Chris formalmente, com um sorriso educado. – Então você e meu filho se conhecem?

Eu coloquei minha mão na cara sem acreditar no que estava acontecendo.

— S-seu filho? – ele gaguejou.

— Chris, você pode voltar pro carro por favor? – eu tentei falar, mas ele não pareceu ouvir.

— O que você...? – Spencer faria alguma pergunta, mas Neal que estava quieto o tempo todo nos braços de Chris, resolveu dar a graça de sua presença.

— O Chris é o namorado do papai! – o menino gritou. Ouvi uma buzina mais demorada a essa altura, e o carro de trás deu ré e foi por outra rua. – O meu papai, David, é namorado do Chris, quem é o senhor? – então ele se virou pra mim. – Ele é mesmo seu papai, papai? Você tem papai também? Por que nunca me contou?

Christopher ficou roxo de vergonha e de arrependimento de estar ali. Eu já estava tendo um colapso. Spencer ficou boquiaberto e não disse uma palavra.

— Chris. Volta. Pro carro. Por favor. – falei no tom severo que usava para Neal quando não queria guardar suas peças de lego. Ele me obedeceu sem hesitar.

— Seu namorado, hã? – o homem de cabeça branca me indagou com as sobrancelhas arqueadas quando os dois já estavam perto do carro. E o homem que buzinava atrás, também desistiu de esperar, deu ré e saiu dali.

Eu podia ter negado e culpado a mente fértil de Neal. Mas não o fiz. – Sim. Meu namorado. Somos viadinhos, coisa que o senhor provavelmente deve abominar na sua mentalidade conservadora pré-histórica. Com certeza não quer constituir família com gente assim. Então vê se me deixa em paz.

Dei-lhe as costas, mas ele me puxou pelo ombro. – Não me julgue mal, rapaz. – sua frase soou mais como um sermão. – Me ofende que pense que tenho essa “mentalidade pré-histórica”. Escuta, eu não dou a mínima pra quem você fode ou quem fode você. Eu dou a mínima, aliás, a máxima importância, pra aquele garoto. E pra você também. Independente das suas preferências ou do fato de que não me suporta. Eu não posso e não vou querer mudar quem você é, mas eu posso mudar o que pensa a meu respeito.

Eu fiquei assustado e ao mesmo tempo emocionado com o que ele disse. Meus lábios se mexiam pra dizer algo, mas nada saía. Ele entrou no seu carro sorrindo, ligou o motor e em algumas manobras saiu dali, liberando a via. Eu escutei outro carro chegando e parando atrás do meu, mas fiquei ali por mais alguns segundos. – David? – meu namorado me chamou pela janela do carro, nitidamente preocupado. Eu voltei pro veículo e saí dali com os olhos molhados, mas evitei que Chris percebesse.

(Juliet)

Peter e eu subimos para o seu quarto, quando nossos beijos e carícias se tornaram mais intensos. Ele beijava meu pescoço, o que fazia cócegas e minhas mãos percorriam suas costas por dentro da camisa. No começo estava ok, mas ele pareceu um pouco desconfortável com isso e discretamente afastou minhas mãos aos poucos. Já no quarto, eu deitei na cama dele e o observei a se aproximar sagaz. Ele ficou por cima de mim e segurou meus braços contra a cama, me dominando. Eu estranhei mas acabei gostando do modo como agia. Seus beijos pareciam incessáveis.

—Tira a camisa. – eu disse um pouco vermelha.

— O quê? – ele fez uma cara de indagação como se eu tivesse pedido algo absurdo.

— Tira a camisa. – repeti corando ainda mais. - Vamos lá, não é nada que eu já não tenha visto antes. Bom, eu te vi na piscina do clube uma vez. Sabe, eu não tava olhando, só que... Na verdade eu olhei, isso importa muito? Só estou querendo fazer você se sentir mais confortável. Não funcionou né? Desculpa.

Ele pareceu irritado, mas fez o que pedi. Desabotoou a camisa impaciente e ao contrário do que eu esperava, não a jogou ao chão. Ele saiu de cima de mim e colocou a camisa esticada sob uma poltrona. Então voltou a me beijar.

Caramba, eu estava apaixonada? Será que eu estava indo rápido demais? Uma onde de culpa me invadiu. Tive medo de estar sendo uma pessoa ruim por me sentir de repente tão atraída por alguém novo, sendo que ainda não tinha superado meu ex-namorado. Mas poderia me culpar? Chris tinha sido sim meu namorado a vida toda, meu primeiro, meu único, com quem sonhava em casar. E de uma hora pra outra ele perde o interesse por mim, ficando interessado (segundo minha irmã) por algum cara. Eu não podia evitar ainda conservar alguns sentimentos por ele, mas por outro lado, eu estava com alguém que sempre me tratou bem, sempre esteve ao meu lado e tinha tanto em comum comigo! Digo, quem mais no mundo pensaria exatamente como eu senão Peter? Ou faria sanduíches comigo? Sempre fomos os melhores nisso a propósito.

E mais, sempre me fazia rir, até com coisas bobas como quando me enchia o saco pela ironia do meu sobrenome ser “Montague”, dizendo que eu era a maior afronta à obra Romeu e Julieta de Shakespeare. E ele era sempre tão carinhoso, dócil e... amoroso? Como eu não tinha notado isso antes? Talvez tivesse notado, mas negado pra mim mesma. E agora estava cedendo a esse sentimento que desenvolvi nas últimas semanas pós-Christopher Black.

— Eu também acho que te amo. – sussurrei ao seu ouvido. Nossos olhos se encontraram e eu fiquei perdida em seus olhos verdes penetrantes. Levei uma de minhas mãos à nuca de Peter, acariciando-a levemente e subindo por seus cabelos ruivos.

Não esperei que me beijasse outra vez e eu mesma lhe beijei, inclusive dando mordidinhas carinhosas. Eu estava extremamente corada, mas tendo um ótimo momento. Eu estava feliz e não queria que acabasse. Peter retribuía as carícias sem fôlego. Sua respiração ofegante me deixava louca. Foi então que comecei a levantar minha blusa, mas ele segurou minhas mãos entrelaçando nossos dedos quando estava na altura do meu sutiã. Achei que ele não tinha percebido, então nem liguei. Mas quando minhas mãos ficaram livres de novo, as levei em direção às calças dele, com intenção de desabotoá-la. Eu era bastante tímida, mas com ele sempre tive muita liberdade, então naquele momento em especial, eu me sentia mais “atrevida”, de uma forma que nunca me senti antes com Chris. Eu ainda estava com as mãos nas suas calças após desabotoá-las quando ele bateu a mão nervoso, tirando as minhas à força.

— Você está louca?! – ele gritava. – O que está fazendo? Você... você está sendo vulgar! Não aja como uma vadia! - Eu estava em choque. Me sentei na cama, me encolhendo entre as pernas e comecei a chorar. – Você me dá... me dá nojo! Como pôde pensar que eu sou desse jeito? Você achou mesmo que eu faria isso com você?

Eu não estava entendendo nada. Só chorava enquanto ele gritava comigo. Quando me dei conta o papel de tonta que eu estava fazendo, levantei arrumando minha roupa e saí correndo da casa dele. Só peguei minha mochila, mas acabei derrubando um monte de cadernos e livros nossos e meu estojo que estava na mesa dele, mas não parei pra catar. Eu só queria chegar em casa e abraçar minha irmã.

(August)

Eu estava tendo uma das mais maravilhosas noites da minha vida. Ruby me chamou pra sair depois de me deixar na expectativa vários dias seguidos. Ela tinha negado um convite meu pra um programa mais cedo porque se sentia na obrigação de consolar a tal amiga Emily e ainda teve que fazer companhia para ela e Lacey, o que levou bastante tempo. Mas quando conseguiu se livrar delas, sua primeira providência foi me ligar pra ir com ela em uma tal boate. Eu confesso que não era o tipo de programa que eu esperava, eu preferia algo mais romântico e mais privado, mas ela prometeu que seria divertido. E estava sendo mesmo. Porque ela fazia cada segundo valer a pena. Ser especial. Eu estava bem retraído no começo, porque eu nunca me senti um bom “dançarino”.

— Vamos lá, mexe esse corpo! – ela dizia me segurando pelas mãos tentando me sacudir. – Relaxa esses braços, você não tem cordas em você, bobão!

Ela sorria pra mim e pulava extremamente alegre por eu estar ali com ela. Seu enorme sorriso branco era uma das poucas coisas que eu via dentre o escuro e os flashs de luz do lugar.

— Pois eu deveria ter!- gritei todo afobado pra ela me escutar com o som alto. Quando ela gritava, fazia parecer natural de um jeito que eu não conseguia. Quando eu o fazia era esquisito e constrangedor. Eu tinha a impressão de que todo mundo estava olhando pra mim. – Eu queria ter cordas. Como uma marionete. E você poderia me conduzir.

— O que acha que estou fazendo? – de novo ela gritava sem parecer estranha. – Ah meu Deus! Eu amo essa música! É perfeita! Você conhece Walk The Moon? – ela estava empolgada e me sacudia hiperativa a medida que começava o instrumental. Eu respondi negativamente com a cabeça, deduzindo que ela se referia à banda que cantava a música. – Essa música é tão a nossa cara!

— Então pode ser oficialmente a nossa música. - respondi.

— Ah Pode? Você deixa, é? – ela exibia um tom de gozação.

Eu respondi outra vez com a cabeça, num sorriso de lábios cerrados. Eu olhei fixamente pra ela e ela entendeu o recado. Nos beijamos durante algum tempo.

Depois do nosso beijo, ela me forçou a dançar com ela o refrão que dizia “This woman is my destiny, She said: oh, oh, oh Shut up and dance with me”. Ela tinha razão. Era nossa cara.

Ruby me fez sentir solto e logo eu estava aos pulos com ela. Eu acabei me apaixonando pela música naquele momento. E me apaixonando ainda mais por Ruby. Eu não podia parar de pensar no quão linda e divertida aquela garota era. Sua animação era contagiante. Tenho que confessar que ela me manteve dançando a música inteira.

Depois eu lhe paguei uma bebida e ficamos sentados conversando até querermos ir embora.

Nós saímos de mãos dadas e ela estava completamente alegre, mas seu humor mudou de repente e eu não entendi o motivo.

— Ah não, como eu fui esquecer disso? Não, não, não! – ela disse repetidas vezes quando já estávamos na rua.

— O que foi, Ruby? Esqueceu o quê? Do que está falando? - Ela não me respondia, só continuava a tagarelar sozinha. Várias vezes olhou pro céu, o que me fez pensar que ela estivesse preocupada se ia chover. – Ei, eu tô de moto, lembra? Se tá com medo de tomar chuva, relaxa, eu vou te deixar em casa rapidinho.

— Eu preciso do David. Eu preciso do David. Eu estou sem a minha capa, eu...

— Que “mané” capa, sua doida! – eu insisti. – Você não vai tomar chuva. Por que está tão preocupada? E por que precisaria do xerife?

— Você não entende, August, você não entende nada! – ela gritou furiosa, o que me fez dar um passo para trás. – Você está correndo perigo. Vai embora e me deixa.

— Ruby! Não! Eu não vou te deixar aqui sozinha. Eu não estou correndo perigo nenhum, eu estou com você pra me proteger. – falei brincando pra tentar quebrar o gelo.

— E-Eu não lido com isso há muito tempo... você não sabe como é. Eu tenho evitado sair de casa nesses dias, eu...

— Você tá menstruada? – perguntei sem querer.

Podia jurar que ela tinha rosnado pra mim. - Eu sou uma pessoa perigosa, August. Não, um monstro! Você não devia confiar em mim. Você tem que cair fora o quanto antes. Nós dois, isso... é um erro.

Eu fiquei incrédulo com o que ela dizia, mas supus que ela teria uma boa explicação depois. – Olha, ao menos me deixe te dar algum dinheiro pra pegar um táxi... – eu disse enquanto ela murmurava sobre como se permitira sair naquela noite em questão quando deveria ficar em casa com a tal capa. Ela falava sozinha andando de um lado pro outro e então pegou o celular neurótica sem prestar atenção em mim. Eu abaixei o olhar para pegar dinheiro na minha carteira.

— Atende David, atende! Eu preciso de você, só você consegue me ajudar! – ela disse em voz alta, me deixando bastante incomodado. Fiquei triste em imaginar por quê David era tão mais importante pra ela. – David, que ódio! Eu não pratico há muito tempo, eu não vou conseguir me controlar sozinha. – ela continuou dizendo em voz alta, embora não houvesse ninguém do outro lado da linha. Fiquei de coração partido. Nada do que ela dizia fazia muito sentido pra mim e cheguei a cogitar que ela tivesse feito uso de drogas na boate sem que eu tivesse visto. Mas o pior de tudo era o desespero dela por outro cara.

— Aqui, pega. Por favor. – eu estendi a mão com o dinheiro e Ruby de costas para mim, deixou o celular cair no chão. – Ruby? Você tá legal?

Dessa vez, ela caiu, de joelhos no chão. E logo a figura dela, já escura por conta das sombras da rua mal iluminada, foi tornando-se diferente, animalesca. Ruby não estava mais lá. Ela simplesmente desapareceu, dando lugar a uma fera de olhos brilhantes que veio na minha direção.

(David)

Eu estava feliz porque Chris dormiria na minha casa de novo. As visitas já estavam se tornando frequentes e eu já até temia que Granny cobrasse por dois. Eu tinha preparado um jantar especial. Precisávamos de um clima agradável e aconchegante depois da situação constrangedora de mais cedo. Mas ele lidou bem com isso. Disse que ficou surpreso em saber que Spencer era uma espécie de “padrasto” meu e que não tinha se importado com a revelação inocente de Neal. Disse ainda que confiava em mim e que se eu achava seguro confirmar para seu professor que éramos namorados, estava tudo bem pra ele. Ele inclusive foi comigo levar o garoto pra casa da mãe. Fiz questão de apresenta-lo a Snow como meu namorado.

Voltando às conversas no jantar especial, o ápice foi quando ele viu uma sacola em cima do armário da cozinha. Era a sacola com os presentes de Regina, que eu tinha escondido no alto depois de Neal tê-la achado e ligado um dos objetos que eu não entendi o que era, me perguntando se era a escova de dentes elétrica que tanto me pedira. Aí tive que contar a história pra ele sobre a origem da sacola.

— Aquilo é o quê!? – Chris indagou mesmo após eu contar detalhadamente. – Espera, quer dizer que é esse tipo de presente que o senhor ganha dos seus “amigos”?

— Oras, n-não dos meus “amigos”. Dessa em especial. Mas ela é meio doida, releva. E como eu te disse, ela... deu isso pra nós dois, mas eu acho que vou guardar até achar alguém que queira.

— E é com esse tipo de pessoa que você tem amizade? – Chris me perguntou sério e boquiaberto, o que me deixou até com medo. Eu abri a boca pra falar, mas ele caiu no riso. – Calma, eu tô brincando com você, relaxa! Não tô com ciúmes de verdade. Mas que história é essa de escova de dentes, homem?

Soltei um suspiro aliviado. Não saberia como lidar se ele estivesse mesmo com ciúmes .

Chris gargalhava ao imaginar a hilária cena de Neal segurando um brinquedo sexual que tremia, pensando ser uma escova de dentes. Acabei rindo junto com ele. – É que o Neal tem uma fixação por escova de dentes, sabe? Bom, também pudera, acho que eu tenho também, ele provavelmente herdou de mim. – Fato. Escovar os dentes sempre foi uma paixão e um vício meu.

— Não é atoa que tem esse sorriso lindo.

Eu fiquei sem graça e ele aproximou-se pra me dar um beijo. Eu cheguei bem perto dele e quando ele abriu a boca pra me beijar eu parei e perguntei:

— Mas espera, você está falando do meu sorriso ou do Neal?

Christopher riu, com os olhos fechados e depois bufou. – O seu, mané. Mas eu adoro o sorriso dele também.

Eu não sabia se ria, se beijava ele... acabei fazendo um pouco dos dois.

Logo, não sei como, o assunto mudou completamente e foi parar em “pornô gay”. Eu admiti que tinha visto alguns filmes eróticos do tipo, afinal, nunca tinha me relacionado com outro homem e precisava saber o tipo de coisas que poderia fazer com ele. Ele ficou incomodado com isso, desta vez ficou com ciúmes de verdade, temendo que eu sentisse desejo pelos atores pornô enquanto via os filmes. Mas eu expliquei que independente da atração sexual que eu tivesse, eu só tinha olhos pra ele de verdade e que só me relacionaria com ele, porque era quem eu amava. Então acabou me admitindo sem olhar nos olhos, que tinha visto também.

— Sabe... – ele começou a dizer logo depois da confissão. – Eu inclusive procuro por vídeos que tenham um cara com o mesmo perfil que o seu. Assim, fisicamente parecido. – ele estava muito envergonhado, e eu achando muito fofo. – Eu sei que isso é mega estranho e... Ah céus, eu estou tão desconfortável.

— Tudo bem, Chris. Ambiente seguro, amor. Você pode me contar qualquer coisa. – foi a primeira vez que lhe chamei de “amor”. Era um apelido cafona, mas durante nossas competições de apelidos cafonas, já tinha dito piores.

Ele olhou pra mim brevemente, soltou um risinho e escondeu o olhar de novo. – Sabe, dia desses eu vi dois vídeos com caras que se pareciam com você. Tipo, alto, bem branquinho, loiro... Num deles, o cara parecido com você estava segurando as pernas de outro cara deitado na cama e comendo ele. De vez em quando masturbava ele ou se beijavam. E em outro, um cara também parecido com você, ficava se sentando sobre o membro do parceiro que, também deitado na cama, apertava a bunda dele. Eu... eu gostei de ver esses vídeos.

Eu estava sorrindo pra ele disposto a deixá-lo com mais vergonha, mas ele se recusava a me olhar. – Eu posso ser os dois pra você. – eu falei depressa demais e com um exagero de confiança que não sei de onde tirei. Em seguida me arrependi e fiquei tão vermelho quanto ele. Nós dois ficamos rindo feito idiotas por um bom tempo, morrendo de vergonha um do outro. Então seu segurei sua mão. Ele me olhou indecifrável.

Nós trocamos um longo beijo. Longo mesmo, porque foi difícil nos soltarmos, já que nossas línguas pareciam ter dado um nó.

— Seu beijo está com gosto de macarrão. – eu disse quando se afastou, com intuito de encher o saco dele.

— Humpf. E o seu de cebola.

— Ei! Eu nem comi tanta cebola assim! – eu abaixei a cabeça, fingindo estar triste.

— Então vamos escovar os dentes que tenho certeza que você fica feliz. – ele brincou.

E nós realmente fomos escovar os dentes. E fomos pra cama. Mas não como tínhamos ido outras vezes antes.

Com todas as luzes apagadas, despimos um ao outro e começamos com carícias que logo deixaram ambos de nós excitados. Mas claro, meu celular tinha que tocar aquela música dos Beatles e estragar tudo.

— Ai, atende isso logo. – ele resmungou.

Eu chequei a ligação. Era Ruby. “Que se dane!”, pensei. – Não é nada importante. Pode esperar. – eu respondi desligando o celular.

(Henry)

Quando eu liguei pro meu vô de manhã, alegando ter encontrado a próxima pessoa “acordada” do feitiço, ele me pareceu bastante aéreo, apesar de levemente preocupado comigo. Quando ele foi me encontrar no colegio e notei o quanto ele estava ridiculamente feliz, tive certeza do que temia: ele tinha tido sexo na noite anterior, sem a menor sombra de dúvida. Outro passo na direção contrária do meu desejo de vê-lo se reconciliar com a vó Snow e voltar pra ela. “Mas tudo bem”, pensei comigo. Contei pra ele sobre meu professor substituto de física, o Sr. Rogers. Ele estava estranho desde que chegou ao colegio. Então me olhou como se quisesse me fuzilar durante a aula e na hora de entregar os testes, jogou na minha mesa o meu com uma nota péssima sendo que eu tinha feito tudo praticamente certo, mas isso não era tudo.

— Você acha que o vilão dentro do seu professor acordou só porque ele te deu uma nota ruim? – David falou impaciente.

— Não! Não só por isso. Eu vou te contar o resto, calma. Mas ele tem um motivo pra me odiar. Na realidade paralela do Isaac, bom, eu meio que usei de instrumentos do próprio navio dele pra dar-lhe uma porrada e fazê-lo desmaiar, pra fugir com o Hook no navio e resgatar minha mãe. Ele é o Black Beard.

— Você o quê?!

— Enfim, vô. Pode não achar que sejam indícios suficientes. Mas eu vi ele falando hoje com aquele Hans, que eu não sei como se chama aqui. Aquele cara não tem motivo algum pra visitar meu colegio. Ele nunca veio aqui antes. Eles estavam rindo de algo e quando notaram que eu estava observando de longe, no corredor, Black... “Sr. Rogers” me fuzilou de novo com o olhar e ainda cerrou o punho. O próprio Hans que disse algo pra que ele se acalmasse.

— Henry, me desculpa mas isso é ridículo. Não quer dizer nada.

— Vô! Presta atenção. Minha mãe falou que um professor meu, homem, iria acordar dessa porcaria e era pra eu ficar de olho. Ele é o único que deu sinais. Você precisa mesmo de mais evidências? Ainda tem alguma dúvida?

Antes que ele pudesse responder, ouvimos Sr. Rogers aos berros no telefone, não muito longe dali. “Ah, então ele está de volta?! Eu vou pegar aquela porcaria de volta pra mim, tá me ouvindo?! Eu vou pegar de volta pra mim!”

Não bastou mais nada. Eu tive certeza que meu vô assimilou instantaneamente com a volta de Hook à cidade, com a mão protética. Black Beard iria tentar reaver o Jolly Roger. Nós dois corremos na direção dele e foi tempo suficiente da última pessoa no corredor além de nós sair do alcance de vista e nós o empurramos pro armário de vassouras, deferindo-lhe golpes na cabeça.

— Ai droga, ele tá morto? – perguntei assustado.

— Não. Não Henry. – David respondeu com a mão no pescoço dele, tentando senti-lo respirar, seu coração bater ou coisa assim. – Só está inconsciente. Liga pra sua mãe agora e fala pra ela vir aqui ver o que faz.

Enquanto ele vigiava do lado de fora, fiz o que ele mandou. Não demorou muito pra minha mãe chegar amarela de preocupação.

— Henry Daniel Mills! – ela gritou ao me ver saindo do armário de vassouras. – Você NUNCA entre numa briga, NUNCA!

— Não foi bem uma briga, ele não teve reação, nós só... – David tentou me justificar, mas ela não deixou.

— Calado! Estou desapontadíssima por você expor meu filho a essa situação, mas conversamos depois. Henry, você está de castigo! Eu te disse pra me avisar e não avisar o boneco Barbie que chama de vô.

— Pode ao menos me chamar de “Ken”? – ele perguntou.

— Não. – minha mãe Regina respondeu furiosa. – Henry, você vai pra casa. Eu assumo daqui em diante. Trouxe algumas coisas pra um feitiço que vai lacrá-lo aí, porque temos problemas maiores pra resolver agora. Vai impedi-lo de sair até que eu desfaça. Só eu posso desfazer essa proteção porque qualquer outra magia lançada pra soltá-lo, será refletida como num espelho e não há forma de tirá-lo do lacre senão com magia. Eu precisei de lascas da espada da Mulan pra isso porque era o único objeto que reflete magia em Storybrooke e não me perguntem como eu consegui, longa história. – ela estava falando compulsivamente, por nervosismo.

— Mãe, você disse “problemas maiores”?

— Ah sim. Lily está alertando todos na cidade de que estão amaldiçoados. Ela está tentando acordá-los a força. Glass e outros subordinados meus já estão tentando contê-la, mas ela causou um escândalo.

(David)

Eu saí correndo dali quando Regina contou sobre Lily. Eu nem sequer sabia onde ela estava, mas supus que no centro, e de fato estava. Lá me deparei com uma multidão que Glass e outros homens afastavam com dificuldade de Lily. Apesar da maioria vê-la como louca e filmarem-na com seus celulares para compartilhar nas redes sociais, estavam muito curiosos em ouvir o que ela tinha a dizer.

— Eu sei que vocês pensam que eu sou maluca! – Lilith gritava ao povo. – Mas sei que estão se perguntando também “Mas e se...?”. Vocês tem dúvidas sobre muitas coisas. Vocês sabem que há buracos no que diz a respeito das lembranças pessoais de vocês. Vocês podem sentir que há algo sobrenatural aqui, não podem?

Ela estava desesperada, até o momento ninguém se manifestara além dela, mas pra surpresa de todos, uma mulher em algum lugar da multidão quebrou o silêncio.

— Oh meu Deus! Ela está falando a verdade! Eu posso me lembrar! Eu posso me lembrar! – sua voz veio acompanhada de um choro. Só percebi onde a mulher estava quando caiu no chão, chorando por alguma consequência de ter recuperado sua memória e as pessoas afastaram-se dela.

— Vocês estão vendo!? Eu disse que era verdade! Vocês precisam se questionar, por um momento e vão se lembrar também! – era estranho que apesar de encorajar as pessoas a acreditarem nela para se lembrarem, Lilith em momento algum lembrava ser quem era e filha de quem era. Era simplesmente a mesma turrona que fora me encher o saco na delegacia outro dia. Ela fazia outros acreditarem, mas todo seu esforço era em vão pra ela mesmo acreditando ter vindo de contos de fadas. Como Regina disse, a magia era instável. Definitivamente. Percebi naquele momento que a magia era travessa e perversa, brincando com as pessoas. Pela primeira vez, senti que não havia “regras” sobre tal feitiço e que tudo poderia acontecer ali. A única certeza, era que eu estava condenado a perder Christopher.

Eu estava pensando se tomava alguma atitude ou se esperava ela quebrar o feitiço de forma geral, seja lá como fosse pra ser e esperasse as consequências quando vi Mulan, ou melhor, Emily, se aproximar dela, sussurrando algo e tentando puxá-la pelo braço pra poupar-lhe de maior vexame.

— Ei pessoal! Eu soube que toda magia pode ser quebrada com um beijo de amor verdadeiro. Que época melhor pra beijar uma pessoa que ama você que agora? Basta acreditarem que vocês podem acabar com a maldição que a Evil Queen lançou há anos atrás pra se vingar de Snow White e Charming! – Lily continuava, apesar dos esforços da garota em pará-la. Soava ridículo o que ela estava falando. Eu não acreditaria se não soubesse que ela estava 70% certa.

— Lilith Page! Você sabe que eu acredito em você. Mas assim você só vai conseguir ser internada num hospício! Deixa eu te levar pra casa e você pensa em outra maneira de desfazer a tal maldição depois. Vamos! – Emily disse em tom audível.

— Emily! É isso! É isso! É você, eu tenho que beijar você! – A garota aproximou-se pra beijá-la, mas foi repelida.

— Você é louca, Lilith? – Emily estava muito zangada.

— Ué, como assim? Eu fui a primeira pessoa que você beijou, vai dizer que não tá apaixonada? – a discussão das duas em público estava um verdadeiro show a parte.

— Depois do que fez comigo, espera mesmo que eu ame você? Lilith, isso não é amor verdadeiro. Não é nem amor, eu... eu sequer amo você. E você. Por acaso me ama? Duvido muito. Eu gosto muito, muito de você. Provavelmente mais do que você gosta de mim e sim, eu sofro muito com isso. Mas eu aprendi a não criar expectativas com você. E sabe de uma coisa? Você não sabe o que é amor. Você nunca amou ninguém. Você não vai conseguir quebrar p#rra de maldição nenhuma se depender de um beijo de amor verdadeiro seu. E obrigado por me expor ao ridículo junto de você pra toda a cidade. Obrigado por contar que eu sou lésbica. Obrigado por contar que só fui ter meu primeiro beijo agora com você. Você é uma babaca.

Eu senti pena da garota. Ela saiu correndo, chorando com as mãos no rosto. Lily perdeu a cor. Acho que sofreu um choque de realidade maior do que o que tentava impor no povo de Storybrooke.

— Você está errada, Emily! – Lily gritou embora aquela já estivesse longe. – Tem sim uma pessoa que eu amo. – As pessoas já estavam discutindo sobre sexualidade, religião e política, algumas pessoas estavam brigando, outras filmando as brigas, algumas se retirando do local e Lily por fim saiu correndo dali.

Eu ainda estava ali sem reação quando Snow chegou por trás de mim correndo de mãos dadas com Neal, me gritando. Ela pediu que eu ficasse com o garoto, porque precisava ir atrás de Emma. Eu exigi explicações.

— David. Emma vai impedir que Lily quebre o novo feitiço a todo custo e ela vai fazer isso por você. Pra proteger seu novo relacionamento, porque ela tá cansada de te ver infeliz. E eu vou pro hospital antes que ela chegue lá.

Eu estava perdido. – Hospital? Do que você está falando, por que Emma iria pra lá? – perguntei segurando Neal que me abraçou na altura das pernas.

— Regina não te contou? As pessoas acordando geraram consequências pra Maleficent, que lançou o feitiço original da maldição do sono que Regina reutilizou. Eu não entendi direito, mas sei que você já sabe dessa história.

— Sim, sim, sei, o que é que tem?

— Maleficent foi internada com sintomas de enfermidades comuns, pensaram que ela tivesse uma virose ou algo do tipo. Mas depois teve convulsões e por fim, caiu na própria maldição do sono, que eles acreditam ser coma. Ela está no hospital, David. Lily está indo acordá-la com um beijo e vai conseguir. Vai desfazer toda essa bagunça que nunca devia ter começado. E eu preciso deter Emma antes que ela faça qualquer besteira. Com Lily ou Maleficent.

E ela correu. Fiquei sozinho com Neal parado por alguns instantes, sem saber o que fazer de novo.

— Papai, eu tô com medo. – ele disse segurando forte minha mão.

— Medo do quê, meu pequeno? – eu perguntei pegando-o no colo.

— Medo da Emma, papai. A mamãe tá com medo dela.

— Não meu amor, não. A mamãe não tá com medo dela, ok? Ela só quer ser precavida.

— O que é ser “precavida”? – ele expressou sua dúvida com inocência.

— Nada Neal. Vamos pra casa, que tal?

— Não, eu quero ir pra casa do Chris! Eu nunca fui pra casa do Chris!

Eu discutiria, mas não tive forças. Estava tão exausto de tudo, que caminhei com ele rumo à casa de Chris, mesmo sabendo que ele ainda estava voltando da faculdade e não tinha chegado. Esperava que o mundo acabasse. Eu estava pronto. “Que tudo se exploda”, eu pensava. A merda já tava toda feita. O importante é que eu estava na companhia do meu filho.

Já de frente à casa de Chris, acabei encontrando com ele, que chegava naquele momento.

— David! Neal! O que vocês estão fazendo aqui?

— Eu... nós... – tentei responder.

— Você ficou sabendo que aquela moça que foi na delegacia outro dia tava dando o maior ataque de loucura agora pouco no centro? Lá na minha sala só se falava nisso, já tá em todas redes sociais.

Então houve um clarão. Por um momento eu pensei que fosse o feitiço sendo quebrado, mas então surgiram na nossa frente Albert Spencer e um homem de duas cabeças. Isso mesmo. Um homem de duas cabeças. Ambas em perfil, uma para cada lado do corpo. Com roupas estranhas como de um cosplay de anime, só que sem perucas. Apenas cabelo negro bem mal distribuído em razão da deficiência das duas cabeças. Assustador. Neal se escondeu na minha jaqueta.

— Mas que... – Chris murmurou.

— Voltem para onde tudo começou. – as vozes das duas cabeças soaram em coro. – E retornarão para o ponto de partida após completarem a transição que dá fim ao início. – o homem (ou os homens?) levantou sua mão esquerda e um portal se abriu atrás de nós, com a força de um redemoinho.

— O que está acontecendo? – Chris me perguntou em pânico. Eu não sabia responder.

Agarrei-lhe pelo braço quando vi que estava sendo sugado pelo portal e fiz todo esforço que pude para me manter longe.

— Você deve cumprir sua parte do acordo, mortal. – ordenaram as vozes duplas à Spencer.

— Eu não quero mais, eu... eu mudei de ideia! Podemos fazer de outra forma.

— Não há como voltar atrás. Você sabe a consequência que terá se não cumprir sua parte.

Spencer pareceu bastante nervoso. Um segundo brilho tomou conta da cidade, e nesse pude ter certeza que era o feitiço sendo desfeito por Lily. A alguns metros dali, notei um casal tão aterrorizado como nós, que após tocados pelo brilho, pareceram surpresos ao se verem daquela forma e se abraçaram. Recuperaram a essência de seus seres. O mesmo brilho estava chegando até nós. Chris se lembraria de tudo. Me odiaria pra sempre. Então tudo ficou em câmera lenta. Spencer se aproximou de nós com cuidado e puxou Neal de meus braços. Eu tentei pegá-lo de volta a todo custo, mas não consegui. No desespero, também acabei soltando Chris, que foi sugado pelo maldito portal. “Me perdoe. Eu nunca deveria tê-lo obrigado a se casar com aquela moça”, li nos lábios de Spencer antes que ele me empurrasse pro portal. Eu só pude fazer a leitura labial, porque eu não ouvia mais nada. Fiquei completamente surdo, mudo, parecia ter perdido todos sentidos, menos o da visão. Eu estava lá, mas não estava. O brilho nos alcançou. Eu caí no portal.


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