The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 11
Capítulo Extra - Dominique de Medici


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Filha de Lourenzo de Medici, Il Magnifico, e Clarice Orsini, neta de Pedro Cosme de Medici, uma dos sete filhos de Lourenzo, irmã mais nova de João de Lourenzo Medici (Papa Leão X). Saiu de Florença ainda bebê junto de seu irmão Pedro II de Medici, o herdeiro da família. Tinha apenas quatro anos quando foi recolhida pela família de Aragão e Castela, na Península Ibérica. Cresceu ao lado de Isabel, João e Joana. Amiga íntima de Catarina de Aragão, Dominique morou com os de Aragão e Castela até os doze anos, quando Catarina se casou com o Príncipe de Gales, Artur Tudor.

Após este período com os de Aragão e Castela, Dominique passou três anos inteiros governando como princesa de Ludlow, na delegação do Conselho de Gales e das Bordas, em 1504 a 1507, o que era um título apenas por nome, pois quem realmente governava era o castelão do Castelo de Ludlow, Henry Grey.

Foi enviada aos quinze anos para a corte de Overath, servir como dama de companhia da princesa Hannelore de Overath, com a promessa de se casar com algum duque da corte e assim aproximar a Itália da aliança contra a França. Completará dezesseis anos em Abril, no dia 12.

Dominique cresceu cercada de tutores e condes, barões e duques. A corte de Aragão e Castela sempre foi agitada, com os filhos dos reis correndo de um lado para o outro. Dominique era bem mais nova que eles, entretanto criou maturidade suficiente ao passar o tempo com Catarina de Aragão, uma garota geniosa e com grande ânsia de conhecimento.

Desde este momento até hoje, Dominique mantém sua cabeça aberta para tudo o que conseguir capturar. Entretanto não é nenhuma sábia ou gênio, ao contrário, costuma divagar muito sobre os assuntos. Seu coração é grande, porém fechado. Ela normalmente age com frieza, embora não seja isso que queira demonstrar. As pessoas à primeira vista a vêm como uma garota brava e orgulhosa, mas logo descobrem uma brilhante estrela, calorosa e altruísta, que tenta sempre que pode (ou que não pode) ajudar os outros, fazendo “das tripas o coração”, doando tudo de si pelo próximo. Seu conhecimento fica guardado apenas para si pois normalmente não tem oportunidade de falar dele. É o tipo de pessoa que ouve ao invés de dizer, o que a torna ainda mais propensa a adquirir conhecimento.

Organizada, ela gosta de perfeição. Tudo o que faz parece ser perfeito ou pelo menos não conter falhas grosseiras, entretanto sua mente é um turbilhão e muitas vezes ela morde a língua ou se confunde com as palavras, pois os pensamentos nunca param. Alguns diriam que é hiperativa, mas como nesta época não existe este termo, então Dominique é uma jovem muito energética e um tanto “boba”.

Seu charme está no silêncio e na serenidade que passa aos outros. Só quem a conhece de anos é que sabe que Dominique consegue ser muito falante e alegre. Ela costuma encarar um ponto no espaço-tempo e passar horas apenas ponderando sobre as coisas, e quando lhe perguntam o que está fazendo, ela diz que está sonhando, pois normalmente ela divaga sobre coisas do futuro, sobre possibilidades, como por exemplo: seu casamento, sua próxima carta para Catarina ou se Artur ainda estivesse vivo.

Dominique de Medici

Condessa, Princesa Protetora de Ludlew, Protegida e Dama de Companhia de Hannelore de Overath.

“Folgamos com os erros alheios, como se eles justificassem os nossos” – Marquês de Maricá

Child of Light – Pilgrims on a Long Journey

Iniciou sua jornada no mundo em Florença, 1494, aos quatro anos de idade, quando Savonarola investiu contra seu irmão e líder da família Medici, Pedro II. Neste momento, Dominique e os irmãos separaram-se, alguns indo para mosteiros, outros para conventos ou castelos, como protegidos de reis e duques. Ela, a caçula, foi para Aragão e Castela, na Península Ibérica. Não demorou a se tornar grande amiga de Catarina de Aragão, dividindo suas aulas e tutores com os outros filhos dos reis, Maria, Joana e João.

º º º

As pernas flutuavam acima do chão, riscando-o levemente quando a ponta dos sapatos o alcançava. Os joelhos ossudos e as canelas magricelas estampavam uma italiana desfrutando de Enciclopédias. Os olhos seguiam ávidos pelas páginas. “Todo o conhecimento do mundo está aqui”, pensou, contemplando ainda o livro. Doutro lado, a visão de uma ruiva arredondada e admirável criança portuguesa se destacava, ajoelhada diante do globo do mundo, onde os quatro cantos caíam em mares jamais desvendados, onde o fim do mundo existia, cheio de monstros, perigos e sereias. Catarina ergueu os olhos e revirou-os, enquanto mapeava mentalmente a localização entre a Europa e as Índias.

Do lado de fora das milhares de janelas do castelo, os jardins e campos, bosques e florestas inteiras elevavam-se, além das vilas e do Burgo. A vastidão de ares puros, o tapete verde relva e as árvores coníferas que se destacavam entre as ondulações do azul e branco céu. Neblina iluminava o raiar do Sol, às 5:49 da manhã. Mas esta visão emoldurada pelas persianas não chamava a atenção das meninas, que permaneciam concentradas em suas tarefas de apreciação do conhecimento humano. Dominique de Medici sentiu o estalo do relógio, piscou algumas vezes, antes de tomar conhecimento de que horas eram. Estava quase lá! Fechou o livro e pousou-o sobre a mesa de centro, os pés firmemente no chão, o vestido amassado aonde havia sentado sobre ele, rosa claro, cheio de renda e babados, com as mangas longas protegendo-a do frio.

— Cat – chamou a roliça avermelhada. – Temos de nos aprontar para o almoço.

Catarina moveu os olhos até o relógio e compreendeu de imediato, levantando-se com graciosidade que muitas crianças de sua desenvoltura não conseguiriam e dando passos pesados para a porta. Os corredores de Alcázar não eram tão longos quanto os do último castelo em que estiveram, porém tinha paredes muito mais altas e com cores vivas de tapeçarias em vermelho e amarelo. Dominique lançou um olhar demorado pelos quadros pintados nas paredes, retratando os antepassados de Catarina e seus pais, no dia da coroação e do casamento. Catarina passava por eles, sem erguer os olhos, como se não se importasse com o significado do castelo. Para ela poderia ser apenas mais uma fortificação prontamente preparada para recebê-la quando o Rei desejasse. Saíram diante da Sala dos Reis, onde as poltronas reais descansavam diante da janela, com mesinhas cheias de livros e pergaminhos. Uma mesa grande ostentava o mapa de Aragão, enquanto a taça de vinho do rei vazia jazia ao lado. As paredes eram brancas e o chão oscilava pela pedra. Catarina tropeçou levemente entre rudes oscilações, e Dominique segurou seu braço rapidamente. Ambas se entreolharam e riram, começando uma pequena corrida em direção a Sala das Chaminés.

Cruzaram com os milhares de servos, o vestido batia em seus tornozelos, porém Dominique não se importava. Catarina era muito mais forte em relação a resistência física, e facilmente ganhava dela. Porém a amiga não era maldosa e pouco a pouco, reduzia a velocidade, alcançando Dominique e lhe dando um tanto de esperança para vencer aquela batalha. Seus ombros se chocaram. Entre os corredores mais estreitos elas se empurravam para as paredes, balançando os quadros, os candelabros, fazendo cair a poeira acumulada no teto alto demais para ser esfregado com freqüência. Quase se enroscaram entre as pernas de Alessandro Geraldini, o tutor de Catarina, enviado pela mãe dela. O homem as encarou, sumindo no corredor, e apenas balançou a cabeça.

— Dom! – Cataria ofegou – Por aqui!

Sua mão a agarrou e a puxou com facilidade, em direção às escadas da Sala do Trono. Dominique só notou que estava prendendo a respiração quando finalmente pôde parar e retomar o fôlego. Catarina observava atenciosamente a sala, escondida atrás da parede do corredor que desembocava na grande Sala do Trono. Lá estavam os tronos de Isabel e Fernando, onde a águia com o brasão de Aragão e Castela se erguia, corajosamente, entre os Reis Católicos. Entretanto as cadeiras de madeira escura estavam vagas e algumas mulheres almofadavam-nas com cuidado, endireitando simetricamente as tapeçarias, escovando a escada que levava aos tronos e trocando as velas dos candelabros.

— Eles estão vindo. – Catarina disse, sua voz estava fina e sussurrante, embora fosse mais pelo cansaço que pela vontade de se manter em segredo ali, espiando. A ruiva girou a cabeça para Dominique. – Meus pais estão vindo. Expulsaram os mulçumanos e agora estão voltando. Darão uma festa para celebrar... – ela respirou fundo e sorriu – Convidarão muitas pessoas. Até mesmo seus irmãos! E Artur virá.

“Artur”. Ele era um rapaz prometido a Catarina desde os seus três anos de idade. Catarina raramente falava dele, ela preferia se entreter em analogias e ponderações, estudar com Alessandro ou mesmo se dedicar às orações na Capela. Catarina tinha uma belíssima voz e tocava virginal como ninguém. Ela era fluente em espanhol e francês e sabia muito de grego e latim. Ela não tinha tempo para pensar em futuros esposos e garotos.

— Está nervosa?

— Nem um pouco. – Catarina sorriu, vitoriosa. – Sou difícil de constranger e sei me sair muito bem com outras pessoas. Mamãe diz que tenho talento em falar e ser ouvida.

Dominique não podia negar, nunca vira alguém que conseguia manter tão bem as pessoas conectadas a conversa como Catarina. Normalmente uma criança de dez anos não saberia tanto sobre a política e a religião como ela sabia, e assim argumentava muito bem. Aos cinco anos, Dominique conseguia apenas apreciar a garota mais velha, sendo conduzida por ela pelos corredores e recebendo a supervisão de Alessandro que, em vão, tentava manter as aulas de ambas em concordância, embora Catarina conseguisse aprender muito mais rápido que Dominique.

— Tem mesmo. – concordou. Catarina exibiu um sorriso arrogante, porém logo soltou uma risada divertida e tocou o ombro de Dominique.

— Está com você. – virou as costas e partiu com os cabelos ruivos em caracóis esvoaçando.

º º º

Bateu os pés contra o suporte da mesa. A pena e o tinteiro estavam ali, dispostos, porém não conseguia pensar em nada para escrever. Lera e relera a carta de Artur, porém não tinha com começar a sua. Estava hospedada no Castelo de Bragança, enquanto Fernando e Isabel viajavam até Nápoles para reconquistar o território e espantar os franceses, Catarina passava alguns dias com os de Fría. Já fazia dois meses que trocava cartas com Artur. Não que fosse sua função, porém Catarina deixara claro que não queria se ocupar com aquilo. Ela preferia passar as horas lendo, sem ser interrompida. Assim, Dominique dobrou a ponta do papel, mordendo os lábios e tentando pensar em algo realmente bom. No começo decidiu escrever como se fosse Catarina, porém depois as cartas se tornaram mais pessoais e às vezes comentava sobre o lugar em que estava, entre as torres, em uma biblioteca, no convento ou entre os fortes. Artur era sempre caloroso e muito demorado, gostava de explicar exatamente tudo que se passara em seu dia, ou nos últimos três dias.

Meu bom Príncipe de Gales,

Hoje os rouxinóis despertaram em minha janela. As chuvas se amansaram, embora eu ainda não possa sair para o jardim. Este tempo trancafiada na Torre da Princesa vem me despertando grande curiosidade em relação a lenda por trás dela. Já ouviu falar da Princesa e o Fantasma do Castelo de Bragança? Pois contar-lhe-ei: havia uma princesa muito jovem, que era órfã de pai e mãe. Ela vivia sobre a proteção de seu tio. Porém, na flor da idade, ela se apaixonou perdidamente por um rapaz que não tinha posses nem títulos, sendo assim despreparado para tomá-la como esposa. Ele partiu em aventura, na esperança de conseguir juntar uma fortuna e conquistar o direito de se casar com a princesa. Entretanto os anos se passaram e a princesa recusou todas as outras propostas de casamento, a espera de seu amado. Seu tio não se alegrou disso e logo lhe perguntou o que acontecia. Ela respondeu: Não casarei com homem algum, até que este conquiste meu coração. E então seu tio se irritou, obrigando-a a se casar com um duque muito rico e muito velho. A menina se recusou e quando questionada uma segunda vez, revelou: Já tem dono o meu amor. Seu tio se enfureceu e mandou-a para a torre, trancada. De noite, ele se fantasiou de fantasma e, em uma estratagema, utilizou-se de uma voz rouca e lúgubre, e disse: Sou teu amado e digo, estás sendo amaldiçoada! Casa-te agora com o homem que lhe pede a mão ou morrerá na solidão. A princesa se horrorizou e estava prestes a concordar, quando as cortinas voaram e um raio de Sol adentrou o quarto, revelando seu tio. Ninguém sabe como a luz surgiu no meio da noite, muito menos se foi obra do destino ou de Deus, porém a princesa se convenceu de que aquele era um sinal de seu amado para que continuasse fiel. Deste modo, ela se trancou na Torre e lá pereceu. Assim, hoje a torre é chamada de a “Torre da Princesa”.

Mordiscou a ponta da pena e passou os olhos sobre as últimas linhas, onde havia escorregado um pouco com a grafia. Será que Artur acharia a história interessante? Provavelmente sim, pois ele sempre achava tudo interessante. Estava prestes a voltar a escrever, quando ouviu os leves toques na porta e então ela se abrindo. Virou o rosto graciosamente, como aprendera a fazer observando Catarina, e saudou uma serviçal de pele escura e olhos grandes. Ela parou a porta.

— Minha senhora precisa de algo? O banho deverá ser feito agora?

— Costumo me banhar após o desjejum. – respondeu, o mais cortês que conseguiu. “Pois a arma de uma mulher é a sua cortesia”, lembrou-se dos conselhos de Isabel, mãe de Catarina.

— Perdão, minha senhora, sou nova no ofício. – notou o leve sotaque que a mulher carregava. O modo como encarava os pés. O modo como eles estavam descalços e sujos. Dominique demorou até notar a corrente ao redor de seu pescoço, emoldurando-a com um colar de pedras preciosas.

— Você é uma escrava – soltou, de repente, e notou que não deveria ter feito aquilo. Todavia a mulher se curvou e concordou com um meneio lento. Catarina pensou em se desculpar, mas quem era ela para se desculpar com uma escrava? Aquela mulher estava ali para servir, não para ser desculpada. – Pode ir, estou ocupada.

A escrava se curvou, virou as costas e partiu.

Dominique levou alguns minutos para voltar a encarar a folha de papel, porém não estava mais querendo escrever a Artur. Queria saber mais sobre ela, a moça de pele escura e olhos grandes. Queria saber se ela tinha sotaque francês ou inglês. Queria saber se ela viera de alguma colônia espanhola ou se havia conquistado sua liberdade e na verdade trabalhava livremente no castelo, como alguns escravos faziam após anos de servidão. Entretanto já a havia mandado embora e a última coisa que conseguiria seria encontrar a escrava dentro do Castelo de Bragança, uma das construções mais complexas e grandes que Dominique já havia visto. Por fim, suspirou, rolou os olhos até o tinteiro, molhou a pena e se inclinou sobre a escrivaninha.

Aqui temos escravos. Pessoas de pele escura, olhos grandes e nariz largo. Eles andam acorrentados, talvez para não tentarem fugir. Devem ser pessoas ruins ou ao menos derrotados de guerra. Servirão aos vitoriosos, nós. Eu aconselho a não ficar muito perto deles, Vossa Graça, pois podem morder.

Soltou uma risadinha fraca quando terminou de escrever e mordeu novamente o lábio. Apostava que Artur também iria rir.

º º º

Dominique não se importava muito com o fato de não ter pais. Eles morreram quando era ainda bebê, por isso não se recorda de seus rostos e nem de suas vozes. Seu irmão mais velho foi expulso de Florença quando ela tinha quatro anos e assim se espalharam. Foi recebida pelos de Aragão e na corte foi criada como uma protegida. A família voltou a progredir, como a mais rica de todo o território italiano e isso a tornava muito influente, tanto que reis começaram a tomar interesse por ela. Com um dos irmãos na Igreja, Dominique sabia que possivelmente ele se tornaria uma peça importante para as decisões papais, outro fator que elevava a influência da família de Médici. Em 1504, aos doze anos, Dominique foi enviada para o Castelo de Ludlow, na Inglaterra, na esperança de se tornar influente e fortalecer a ligações da Inglaterra com a Itália, principalmente da família Médici. Nomeada princesa protetora, todos se curvavam diante dela pelos corredores, porém não participava ativamente do conselho de Gales e quem realmente comandava era o castelão Henry Grey, um velho arcado de 70 e poucos anos que logo morreria.

— Alteza, preste atenção. – pediu o tutor que Catarina enviara a ela, como um presente de despedidas após seu casamento com Artur. Joaquim de Fría ergueu os olhos e observou-a. – Dominique, mais concentração, foco! Está desafinando. – ele corrigiu seu dedo na harpa.

Revirou os olhos. A única coisa que odiava em Ludlow era tocar harpa com Joaquim ao seu lado. Porém obedecia, como uma dama deve fazer. Afinal Catarina sabia tocar harpa divinamente, assim como virginal, violino e flauta. Quanto mais pensava em Catarina, mais frio e solidão sentia. Tanto por parte da presença da amiga, quanto por parte da falta que as cartas de Artur faziam. Talvez Catarina lhe revelasse que quem realmente o respondia era ela, mas que diferença faria? Artur tinha seus bons dezoito anos, logo um rei, ele não se interessaria por uma garota de doze, próxima da idade de desabrochar. Ruborizou ao se lembrar de que ainda não havia florescido. Catarina se tornou mulher aos nove anos. Parecia que sua amiga era melhor em tudo e que nada bastava para torná-la tão boa quanto. Mordeu o lábio e recolocou o dedo nas cordas, dedilhando levemente.

— Mais força, quero ouvir o som! – Joaquim insistiu.

Após meia hora tentando dar o som que ele queria, foi dispensada por “usufruir de sua paciência quase inesgotável”. Pelos corredores, mover-se em Ludlow era muito simples, após um ano ali. Logo completaria os treze anos. E Catarina completaria 5 meses de casamento. Era oficialmente a princesa da Inglaterra, se tornara Rainha. Lembrou-se do que fizera Catarina não escolhê-la com uma de suas damas de companhia. “Desculpe-me, Dom, mas meu pai ordenou que levasse donzelas de famílias mais importantes.”. Dominique não se sentia mal, compreendia perfeitamente os motivos de Catarina. Torcia para que ela fosse feliz, com suas damas e com seu esposo.

De repente trombou com um rapazinho que vinha das cozinhas, sujo e com roupas esfarrapadas. Ele lhe lançou um longo olhar, antes de abaixar a cabeça e pedir perdão. Fazia meses desde que Dominique vira alguém de sua idade pelo castelo. Provavelmente ele seria algum filho de padeiro ou ferreiro que vinha entregar alguma encomenda. Ele estava prestes a lhe contornar e ir embora, quando de reflexo segurou seu braço. Magricela, fraco. O garoto ergueu os olhos grandes e verdes, perplexo, antes de tentar se livrar com força. Ele recuou alguns passos e então passou a correr, derrubando dos bolsos algumas moedas de prata, um pedaço de pão e duas velas.

Dominique se curvou, apanhou os objetos que rolavam pelo corredor e desceu as escadas o mais rápido que conseguia, segurando a barra do vestido. O garoto já havia passado pelo Grande Salão e agora alcançava as portas do castelo. Viu-o correndo pela ponte que ligava o vilarejo a Ludlow. Teria de tomar providencias drásticas. Ergueu a voz, o máximo que conseguia e usou um dos truques que Isabel havia ensinado a Catarina e que logo em seguida Catarina havia lhe ensinado.

— Fechem os portões! Detenham-no! – gritou. – É um ladrão!

Os guardas se prontificaram a capturar o garoto, que caiu e rolou duas vezes no chão, antes de ser levantado pela camisa. Parou diante deles, ofegante. Dobrou-se e se apoiou nos joelhos, antes de tomar fôlego. O rosto estava vermelho e a trança nos cabelos havia se soltado completamente, revelando os cachos castanhos caindo até o final das costas. Ele não a olhava, porém Dominique sentia a raiva que o garoto emanava. Pobrezinho, deveria estar morrendo de fome.

— Muito obrigada. – disse aos guardas, esquecendo-se de colocar “senhores” no final da frase, porém se perdoou por isso. – Este garoto roubou um pedaço de pão e velas de nossa despensa. Não poderemos sobreviver se virarmos um criadouro de ratos.

Os homens armados concordaram sorridentes.

— Darei uma moeda a cada um de vocês, caso me entreguem o ladrãozinho, para que eu mesma tome as devidas medidas para seu... crime.

Os guardas se entreolharam. Dominique contou as moedas de prata que havia recolhido. Eram cinco, os guardas estavam em quatro. Mostrou-lhes e entregou a cada um, como disse, ficando com a última moeda.

— Darei esta para aquele que me escoltar até a Capela com este pecador, para que ele possa confessar seus crimes e receber o perdão de Deus.

O guarda que segurava o garoto pela camisa foi mais rápido que os demais e esticou a mão. Dominique pousou suavemente a moeda prateada sobre ela e eles partiram, caminhando em direção a Capela, que ficava atrás do castelo. O menino lutou um pouco para se livrar, porém logo desistiu. Quando alcançaram o lugar, o guarda o colocou dentro do confessionário e os abandonou. Dominique trancou a porta do cubículo com uma cadeira e entrou furtivamente pelo cubículo onde o padre ficava. Respirou fundo e disse.

— Oi.

O silêncio reinou do outro lado.

— Olá, está aí? Morreu?

— Estou aqui – a voz dele era muito mais grossa do que imaginara. Talvez porque sua magreza escondesse o homem que se tornava. – O que quer?

— Apenas que confesse seus pecados.

— Confessar meus pecados para uma garotinha de merda? – ele riu – Você é quem está pecando. Não pode ficar ai.

— Eu nunca fui muito religiosa – revirou os olhos. – Você é a primeira criança que eu vejo por aqui. Digo, o primeiro de minha idade. Queria saber o que veio fazer.

— Entregar leite que minha avó ordenhou, três queijos e um pouco de nata. Aquelas moedas iam comprar o remédio dela.

— Desculpe. Te dou mais algumas depois. – disse e então sentiu uma forte dor no peito. Para ela era fácil dizer aquilo, para ele era como se o esnobasse. Não sabia se pedia perdão ou se ignorava, porém ele cortou seus pensamentos.

— Tudo bem. É mentira. Quem tirou o leite foi minha irmã. Não tenho avó, muito menos vaca. Roubamos o queijo, ordenhamos a vaca de um fazendeiro durante a noite. E aquilo não era nata.

Dominique soltou uma risada fraca, encostando o rosto entre os buraquinhos do confessionário e conseguindo espiá-lo. Tinha cabelos duros e sujos, fedia a suor. Sua pele estava encardida e queimada pelo Sol. Mas parecia uma pessoa boa. Não podia culpá-lo por ter roubado, e o fazendeiro não notaria a falta de leite pela manhã, muito de sabe-se-lá o que ele havia pego para vender como nata.

— Qual seu nome? – perguntou, elevando a voz no final da frase, quase excitada de curiosidade.

— Arlen. – ele sorriu levemente, mostrando dentes tortos, alguns quebrados e amarelados. – Vossa Graça.

— Eu sou Alteza. Princesa protetora de um castelo nas Bordas de Gales. Vossa Graça é o rei e o príncipe de Gales.

— Nunca fui bom em diferenciar a nobreza. Para mim são todos gordos que só pensam em lamber os dedos engordurados.

— Não sou gorda. E meus dedos são limpos. – exclamou – Como com garfo e faca.

— Parabéns, Alteza. Eu como com minhas mãos. Deus me deu elas para isso. E para acariciar mulheres.

— Você acaricia mulheres?

— É claro! – Arlen bradou, orgulhoso – Sou quase um homem feito!

O silêncio permaneceu, e deve tê-lo constrangido, pois logo seu senso de sinceridade e ética falou:

— É mentira. As únicas mulheres que eu acaricio são minhas irmãs menores, quando elas têm pesadelos.

— Quantos irmãos você tem?

— Seis. Agathe é a mais velha. Depois eu, Beata, Brígida, Genova, Ferdinando e Henrique. Beata e Brígida são muito medrosas, choram por qualquer coisa.

— E sua mãe não cuida delas?

— Minha mãe morreu no parto de Henrique. Meu pai... É algum burguês.

— Algum burguês?

— Minha mãe é uma cortesã. – Arlen piscou os olhos. – Ou, como os pobres a chamamos, uma prostituta. Era, pelo menos. – ele deu uma pausa – Então, Alteza, minha confissão já terminou? Estou purificado, santo e perdoado por Deus?

— Não diga seu nome em vão. Posso não ser religiosa, mas sei que não é bom falar deste jeito. Sim, já terminamos. – saiu da cabine e tirou a cadeira da frente da porta de Arlen, abrindo-a e revelando por completo o menino quarenta centímetros mais alto, oito quilos mais magro e definitivamente necessitado de um banho. – Vocês moram onde?

— Em uma ponte. Debaixo dela. Fica ao lado do bordel onde minha mãe freqüentava, a dona nos abriga quando chove. – ele olhou para o céu – Falando nisso, preciso ir logo. As nuvens estão escurecendo e o cheiro de chuva é evidente.

Dominique não sentia diferença nenhuma no ar.

— Tudo bem então. – deu de ombros – Você já está perdoado e livre para ir embora. – de repente se lembrou de algo – Acho que tenho algumas coisas que você pode roubar do meu baú. Coisas que não uso há muito tempo. Beata e Brígida gostam de bonecas?


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Notas finais do capítulo

Beijos da Meell.