Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 26
Capítulo 26


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal. Capítulo novo. Desculpem pela demora em responder os comentários e em atualizar a fic, mas minha vida tem andado um pouco corrida. Sem mais, deixo-lhes mais esse capítulo. Forte abraço, gente!



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Agora parece que minha vida está começando a melhorar um pouco. Graças ao fuscredo do Djair, agora eu tenho uma carona, todo dia, de ida e volta, mas há três dias, ele mandou o carro pro lanterneiro pra consertar as ferrugens e fazer uma nova pintura. O Jonas tá quase se mudando pro meu quarto. Desde que descobriu a Roseni, não sai mais da minha sacada.

Hoje é domingo. Ontem fechei o bar passava das 4 da manhã. Achei que teria uma boa manhã de sono, mas parece que o pessoal tá com a pilha toda hoje, inclusive o Ricky Martin que não para de latir. Como acho que não conseguirei mesmo dormir, vou levantar.

Sai do meu quarto, cambaleando de sono, e quase fui atropelado pelo Camilo que passou correndo pelo corredor atrás do Ricky. Apesar de já gostar deles, ainda não me acostumei com essas loucuras desse pessoal. Já ia descer pra ver o que acontecia, mas uma visão do inferno me fez parar: Jorge com um vestido florido até o joelho, de batom, olho pintado e peruca. Cruzes! Sempre achei que quem se transvestiria nessa relação seria o Camilo, apesar de gay, Jorge tem um jeito tão bruto. Preferi ignorar essa visão e desci para a sala, mas tive uma pior: O Djair também transvestido de mulher. O que tá acontecendo com esse pessoal hoje?

–Batman, não me olhe com essa cara.

–É a única que tenho, Djair ou Djaira, nem sei.

–Não comece com gracinhas, Rogério.

–A Flávia já te viu assim?

–Já, foi ela que fez a maquiagem para mim.

–Ih, isso já tá dando um nó na minha cabeça. Você é giletão? Corta pros dois lados?

–Me respeite. Eu sou é muito homem.

–Homem...

–Eu só estou assim pro futebol das piranhas.

–Futebol das piranhas? Não me diga que você vai participar disso?

–Claro que vou. Eu, o Jorge e mais metade do bairro. Só falta você.

–Tá me estranhando?

–Tu não vai deixar de ser homem se usar um vestido por um dia.

–É assim que começa.

–Tu é muito machista, Batman. Vai assistir a gente pelo menos?

–Vou. Algo me diz que darei boas risadas nisso.

O pessoal se arrumou, montaram bandeiras, sucos, sanduiches e fomos para o tal campo. Era “lindo”, uma multidão de homens vestidos de mulheres no meio de um campo de terra batida. Enquanto se preparavam para jogar, nos acomodamos na arquibancada. O pessoal da pensão se sentou do meu lado. O jogo começou e eles gritavam como loucos. Começo a me arrepender de ter vindo. Sairei daqui com os tímpanos estourados.

–Nunca achei que te veria aqui, Batman amargado.

Olhei pro meu lado e vi a última pessoa que esperava ver: a criatura. Ela me abraçou e valeu a pena estar aqui e aturar essa gritaria.

–Como vai, Lívia?

–Bem. O jogo começou agora?

–Tem uns cinco minutos.

Nesse momento a Flávia viu ela e, passando por cima de mim, foi cumprimentar a amiga. Pareciam duas gralhas gritando. O resto do pessoal também a viu e foram fazer escândalo, mas, os outros torcedores os olharam feio e eles ficaram mais quietos. A criatura continuou ao meu lado. O jogo já não me interessava muito. Agora eu só tinha olhos para ela.

–Não quis jogar? –Ela me perguntou.

–Nem sabia que ia ter jogo. Só descobri essa manhã.

–Esqueci que você é sempre o último a saber das coisas. Mas também, com esse seu jeito, nem deve saber jogar.

–Engano seu. Eu era um ótimo jogador na minha adolescência. O melhor.

–Isso há quê? 20 anos atrás?

–Não sou tão velho assim. No máximo, uns 12, 14.

–Só acredito vendo.

–Não me desafie...

–Na próxima partida quero ver o quão bom jogador você é.

–Claro, desde que não tenha que usar esses vestidinhos.

Continuamos ali assistindo o jogo. O time adversário marcou um gol. Jorge até que jogava bem, mas era meio estourado. Dava carrinho toda hora, numa dessas, ele torceu o pé. O juiz apitou e a confusão se armou. O juiz pediu um substituto, mas como o nosso time é muito “organizado”, não tínhamos nenhum. Pediram um dos torcedores.

–O Rogério Batman. –A criatura gritou.

–Lívia!

–Você não disse que joga bem? Prove.

–Pra jogar vai ter que se vestir de mulher. –O juiz gritou.

Que sorte, acho que me salvei de uma.

–Jorge, me empresta o seu vestido. –A criatura levantou e arrancou o vestido do homem e começou a vir pro meu lado. Ela não acha que eu vou vestir essa coisa suada e fedida, acha?

–Quê?

–Pode ir tirando sua camisa. –Ela me ordenou.

–Nem pensar que eu vou vestir isso aí.

–Vai sim. Anda que o juiz só nos deu cinco minutos pra te arrumarmos.

–Ah, não vou não.

–Ah, vai sim.

–Por cima da camisa, então.

–Não senhor. Mulher que é mulher tem que colocar os bracinhos de fora. Tira a camisa.

–Não!

–Deixa de vergonha. Já te vi sem ela várias vezes.

–Tá, me dá essa porcaria.

Tirei a camisa e vesti aquele troço fedido antes que a criatura fizesse um escândalo. Já ia para o campo, mas ela me puxou.

–Calma aí, ainda falta a maquiagem.

–Tá de brincadeira, não tá?

–Não.

–Criatura nefasta.

–Batman amargado.

Ela pegou da bolsa um batom mais vermelho que o diabo e me passou, como se isso já não bastasse, ainda me pintou os olhos e passou um negócio rosado nas minhas bochechas. Devo estar parecendo um palhaço. Ela ria de se contorcer e eu a xingava. Era a minha fuça que iria ficar borrada.

–Tá linda, Rogéria.

–Calada!

–Só faltou a peruquinha.

Ela me enfiou aquela coisa que mais parecia um poodle morto e úmido na minha cabeça e amarrou. Há dias que, definitivamente, é melhor ficar na cama. Após os risos, o jogo começou. Eu estava um pouco enferrujado, era verdade. Muitos anos que fiquei sem jogar, mas ainda batia uma bola. Apesar do vestido atrapalhar um pouco, marquei o primeiro gol e o pessoal começou a tomar confiança em mim. O primeiro tempo terminou no empate. Após uma pausa rápida e uns bons copos de suco, o segundo tempo começou. Meu time marcou um, mas num descuido, o time adversário empatou novamente. Nos 10 últimos minutos, numa jogada que combinei com o Djair, conseguir passar pra ele e ele fez. Resultado final: 3 a 2 pra nós. Era uma festa só. Eu estava esgotado, fedido, sujinho, mas feliz como há muito tempo não era. Fomos fazendo algazarra pela rua até a pensão. O Jorge foi amparado e mancando, mas era nítida a felicidade dele. A criatura veio junto conosco. Pelo que ela falou, a Besta tinha ido viajar, à trabalho, e ela resolveu visitar-nos. Chegamos na pensão. A dona Odete foi preparar um almoço e nós ficamos na rua, uns ainda jogavam bola e outros aproveitaram para irem tomar banho. Estávamos eufóricos. Mas, como estou enferrujado, cansei e me joguei no meio fio. A criatura se sentou ao meu lado.

–Tu jogou bem. Acho que quebrei a cara dessa vez.

–Te falei que eu era bom, melhor, eu sou bom.

–E nem um pouco convencido, não é?

–Se eu não acreditar em mim, quem acreditará?

–Senti tua falta, Batman. Pode parecer estranho, mas sinto falta até mesmo das nossas brigas.

–Eu também, criatura. Você era o tempero amargo da minha vida, mas que eu aprendi a gostar.

–Você que era o amargo da minha, mas, deixemos isso de lado antes que terminemos numa discussão sem sentido, como sempre.

–Concordo.

–Não, isso merece uma foto. Não é todo dia que eu vou te ver nesses trajes. –Jonas apareceu, não sei de onde, tirou o celular do bolso e bateu uma foto de mim. Eu ainda mato ele.

–Terminou? –Perguntei.

–Terminei. O que é isso? O Camilo conseguiu te convencer a mudar de time?

–Isso é culpa dela. –Apontei pra Lívia.

–Não me meta nos seus rolos, Batman. Ele cantou vantagem que jogava futebol bem e, como para jogar é preciso se vestir de piranha, ficou nisso.

–O futebol das piranhas foi hoje?

–Foi. E ela me obrigou a jogar.

–Obriguei nada, você bem que gostou.

–Claro, “amei” a ideia de me vestir de mulher, usar batom e essas pintura no olho.

–Gostou tanto que ainda está vestido.

–Não começa, Criatura. Você sabe bem que só ainda não me troquei porque o banheiro está ocupado e eu quero tomar um banho.

–Ih, já vi que vocês vão começar a discutir. Me empresta sua chave pra vim ver minha deusa Rose? –O Jonas falou e eu joguei minha chave pra ele. A criatura ficou sem entender nada. Então expliquei pra ela sobre a nova paixonite dele e ela desandou a rir.

–Mas a moradora nova, a deusa do Jonas, já deu chance pra ele?

–Não. Ela não fala com ninguém. É meio antipática.

–Uma versão feminina sua?

–É, se pensar bem, é.

–Encontrou seu par perfeito então, sua batgirl?

–Não, tô fora. De amargado já basta eu. Se, às vezes, nem eu me aguento, não aguentarei uma parceira igual a mim. Seria azedar demais a relação.

–Então agora concorda que é amargado?

–Um pouco.

–Rogé, o banheiro já tá livre. Pode ir tomar seu banho. –Camilo apareceu e me avisou.

Pedi licença pros dois e fui, finalmente, tomar o meu banho. Era um alívio me sentir limpo depois de ter suado mais que um porco. Tomei um banho rápido, mas tive a infeliz surpresa ao me olhar no espelho: A porcaria do batom não saiu. Tentei esfregar, escovar, álcool, tudo que tinha naquele banheiro, mas nada. Que porcaria a criatura arrumou dessa vez? Sai de lá, joguei minhas coisas no quarto e desci pra almoçar.

–Ô Lívia, quer fazer o favor de me falar como tiro essa porcaria de batom?

–Não saiu não?

–Não.

–Será que peguei o errado?

Ela correu, pegou a bolsa e começou a revirar ela do avesso. Achou o maldito batom e começou a ler o rótulo. Ela me deu um sorriso amarelo. Isso não pode ser boa coisa.

–Solta logo a bomba.

–Me desculpa, Rogério.

–Ele não vai sair, não é?

–Só amanhã. É um 24 horas.

–Um dia você ainda vai me dar veneno e eu vou beber enganado. Será possível? Toda vez que fico perto de você algo me acontece.

–Calma, não precisa ser dramático. Senta aí que eu vou tentar tirar pra você.

Preferi obedecer. O pessoal da pensão já rolava de rir de mim e não queria ser a atração principal como sempre. Ela pegou uns produtos estranhos na bolsa, um lencinho e veio tentar limpar a merda que fez. Esfregou tanto que quase que fico sem lábios.

–Saiu?

–Um pouco. De vermelho tá quase um rosa.

–O batom não saiu, mas quase que arranca a minha boca.

–Menos. Deixa eu tentar de novo que devo conseguir tirar mais um pouco.

–Não! Não precisa. Agradeço, mas já tá bom assim.

–Foi mal, Rogério. Não sabia mesmo que era 24 horas.

–Tá. Já não adianta chorar sobre o leite derramado. Vamos almoçar que eu estou com fome.

Tive que aguentar algumas piadinhas, mas o almoço foi tranquilo. Depois fizemos uma roda de jogo pra jogar cartas e ficamos ali até umas 5 da tarde quando eu, o Djair, o Jonas e a Flávia precisamos sair para ir pro trabalho. A criatura também aproveitou para se despedir do pessoal e ir pra casa dela. Ela me disse que, finalmente, colocou cintos no pitanga. Não acreditei e fui ver. Era verdade.

–O que aconteceu pra esse carro ganhar cintos?

–Fui parada numa blitz.

–E foi multada?

–Por sorte o policial era um amigo de infância. Ele fez vista grossa, mas agora fui obrigada a arrumar isso.

–Quando ver esse policial, agradeça a ele por mim. Esse carro estava precisando.

Nesse momento o Jonas agarrou a mão na buzina e começou a gritar que já estávamos atrasados.

–Já vou! –Gritei.

–Vai lá, Batman. Eu também já vou pra não pegar transito.

–Tá certo. Tchau então. Vai com Deus.

–Vocês também. Tchau.

Ela me deu um beijo no rosto, entrou no carro e partiu. Eu ainda fiquei olhando o carro sumir na esquina. Então fui para o carro do Jonas. Assim que entrei só ouvi uns risinhos abafados.

–O que foi agora? Falem logo. –Pedi.

–Nada. –A Flávia disse, segurando o riso.

–Nada?

–Tá, que beijinho foi aquele lá? Hum, notei um clima. –Ela soltou, sem anestesia.

–Um beijo de despedida. Ela também beijou a todos vocês.

–Mas nunca te beijou. –O Jonas completou.

–Cala a boca Jonas.

Eles foram me zoando a viagem inteira e eu sentia que essa zombaria deles não melhoraria tão cedo. É, me enrolo cada vez mais.

Continua.


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