Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 27
Capítulo 27


Notas iniciais do capítulo

Fala pessoal. Mais um capítulo, espero que gostem.
Forte abraço, gente!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/613400/chapter/27

Depois de ontem estava morto. Dormi pouco e só conseguimos fechar o bar era quase 6 da matina. O Jonas ainda fez a gentileza de nos dar uma carona. Afundei como uma pedra na cama. Acho que dormi umas 2 ou 3 horas até um ser quase colocar minha porta abaixo. Juro que se for o Jonas querendo ficar na minha sacada eu bato nele. Levantei e fui abrir. Dei de cara com o Djair. Esse pessoal não dorme não? Eles descansaram menos que eu.

–Aconteceu algo, Djair?

–Aconteceu. Meu fusca ficou pronto e, pra testar, vou pescar. Quer vir junto?

–Pescar? Tu não tá cansado não?

–Não. Estou acostumado a ficar sem dormir.

–Eu estou morto. Acho que não vou.

–Qual é, Batman? Vamos, anda. Vai ser bom.

–Eu não sei pescar.

–Não sabe jogar uma varinha na água e esperar o peixe beliscar?

–Tá, sei, mas não tenho equipamento.

–Isso eu tenho. Tenho 4 molinetes e umas 10 varas telescópicas. Posso te emprestar.

–Você não vai mesmo desistir até eu falar que vou, não é?

–Não.

–Tá. Me dá uns 20 minutos pra mim tomar banho e me arrumar que já desço.

–Beleza. Enquanto isso eu vou arrumar as coisas. A Flávia tá lá na cozinha preparando uns lanches pra gente levar.

Ele foi pro quarto dele e eu fui tomar meu banho. Começo a achar que isso não vai ser uma boa ideia. Depois de ontem eu devia aprender alguma coisa. Minha boca ainda tem uns traços do batom pra me lembrar, mas a teimosia sempre fala mais alto. Espero não terminar afogado. Acabei de me arrumar, peguei umas roupas, joguei na mochila e desci. Encontrei com a dona Odete na recepção.

–Dona Odete, a senhora poderia me fazer um favor?

–Claro, filho. Fale.

–O Djair me convenceu de ir pescar com eles e não sei quando volto. Se o Jonas aparecer por aqui, a senhora poderia fazer o favor de entregar essa chave pra ele? –Tirei a chave do meu bolso e entreguei pra ela.

–Claro, eu entrego.

–Obrigado.

Fui lá pra fora e avistei a coisa mais sem noção que eu já vi. O louco do Djair pintou o fusca dele de um verde garrafa com duas faixas laranja florescente que passavam pelo capô e iam até a traseira. Que coisa brega. A única vantagem é que nenhum bandido vai ser louco de roubar esse carro. Seria achado rápido.

–Ficou estranho a combinação de cores, não ficou? –Flávia me perguntou.

–Meio exotérico.

–Falei pra ele, mas ele não me escutou.

–Fazer o quê? Gosto não se discute, lamenta-se.

Ficamos ali mais uns cinco minutos até o Djair descer, cheio de tralhas, e abrir o carro. Arrumamos tudo. Eu me acomodei no banco de trás e a Flávia no do passageiro. O Djair, antes de arrancar, plugou um pen drive no rádio e deixou tocando uns pagodes das antigas.

–O Animal, desliga esse rádio? –Flávia o xingou.

–Quê? Achei que gostava dessas músicas.

–Eu gosto, mas o Rogério não. Esqueceu?

–Ih, foi mal, Batman. Já desligo.

–Não. Não precisa. De tanto ouvir vocês tocarem isso, já não me incomoda mais. Já até decorei a letra de algumas. –Falei.

–Aprendeu a gostar então? –Flávia perguntou.

–Não é o meu estilo preferido, ainda prefiro meu bom e velho Elvis Presley, mas já não odeio. Só não coloquem funk e nem sertanejo universitário, por favor. Nada contra quem gosta, mas essas músicas são do demônio.

Eles riram do que falei e concordaram comigo. Samba e pagode não eram dos piores e, pra ser sincero, passei a gostar de Demônios da Garoa e Zeca Pagodinho, mas não admitiria isso pra eles. A viagem foi tranquila. Nos divertimos, eles me sacanearam e, algumas vezes, segurei vela pro casalzinho. Enfim, depois de umas duas horas de estrada chegamos numa estradinha de terra. Entramos um pouco, andamos mais uns 5 minutos e paramos. Eu escutava barulho de água, mas a única coisa que via era capim pra tudo que é lado. Cada soqueira com mais de 2 metros. Não estou gostando disso.

–Ajuda a carregar as coisas, Batman? –Djair me perguntou, já me jogando umas bolsas em cima.

–Claro.

–Vamos então.

–Pra onde?

–O rio é lá. –Ele falou apontando pro capim.

–Vamos cortar ele? Não estou vendo facão nenhum.

Ele e a Flávia começaram a rir da minha cara. Já vi que o jeito não vai ser cortar.

–Basta atravessamos ele, mas coloque uma camisa de manga e cubra o rosto que esse capim corta muito.

Ele a Flávia entraram no meio naquele matagal rindo da minha cara. E essa agora? Vesti a porcaria do casaco que levei e me enfiei naquele inferno verde. Realmente aquela porcaria cortava e o corte coçava mais picada de mosquito. Não cortei o rosto nem os braços, mas minhas canelas ficaram lindas já que eu estava de bermuda. Depois de ouvir as zoações e os risos, a Flávia ainda encharcou minha canela com álcool em gel. Como aquilo ardeu. Depois que me acalmei um pouco, pude ver como o lugar era lindo. Era um rio calmo e, em suas bordas, tinhas umas pedras. Nos instalamos ali nas pedras e começamos a pescar. Há muito tempo não sentia essa paz que estava sentindo agora. Ficamos em silêncio, só ouvindo o barulho da natureza e aquilo estava me fazendo muito bem.

Depois de já umas horas lá e alguns peixes na caixa, paramos para comer um sanduiche.

–Valeu ou não valeu a pena os arranhões, Batman? –Djair me perguntou.

–Valeu. Esse lugar é mágico. E esses peixes vão ficar deliciosos.

–Vão se vocês fizerem. Eu não sei limpar e nem fazer peixe. Da última vez que tentei, um ficou cru e o outro torrado. –Flávia falou.

–Eu também não sei, amor. Será que a tia Odete faz se pedirmos?

–Eu sei. –Falei e s dois me olharam incrédulos.

–Se a Flávia que cozinha bem pra burro não sabe, tu vai saber?

–Eu sei. Eu sempre limpava e ajudava minha avó a fazer o peixe. Não sou tão inútil assim, sei alguns truques na cozinha. Não é nada profissional, mas peixe e frango eu sei me virar.

–Que fofo! –E a Flávia começou.

–Me conta essa história direito, Batman. Ainda não estou acreditando.

–Teve uma época que eu e minha mãe fomos morar na casa dos meus avós. Minha mãe tinha que trabalhar e meu avô também. As tarefas da casa ficavam pra mim e pra minha avó. Como eu tinha medo limpar o galinheiro por causa de um galo que sempre me bicava e nem tinha coragem de matar galinhas, tive que aprender a limpar peixe e frango. Era a imposição da minha avó. Aprendi na marra.

–Isso eu não imaginava. Hoje você vai ser o nosso cozinheiro então. –Djair me proclamou.

Preferi não reclamar. Só espero ainda saber cozinhar. Faz mais de dez anos que não pego em uma panela, mas dizem que é como andar de bicicleta, se bem que eu nunca aprendi a andar em uma. Agora fiquei com medo. Ficamos ali mais um pouco, juntamos nossas coisas e fomos embora. Achei estranho que pegamos um outro caminho. Resolvi perguntar:

–Djair, o caminho pra pensão não é esse. Pra onde vamos?

–Pegar manga, Batman.

–Manga? Mas devem estar verdes. Ainda estamos na metade de dezembro. Que eu saiba, a época delas é só lá pra janeiro.

–Mas eu conheço um lugar que elas já devem estar brilhando de maduras. Tu vai ver.

Djair e suas loucuras. Vamos ver no que isso vai dar. Ele dirigiu mais umas meia hora e entrou num canto meio deserto, uma estradinha de barro escondida na estrada. Comecei a não gostar daquilo. Realmente tinha muita manga madura, mas várias cercas de arame farpado em volta. Ele já estava invadindo propriedade privada.

–Djair, isso aqui é propriedade privada. Devíamos ir embora. –Falei ao descermos do carro.

–Não se preocupe, ninguém vai fazer nada. Estamos do lado de fora da propriedade catando as mangas que caem no chão. Não estamos invadindo. Tome, ajude.

Ele me deu um saco de farinha vazio pra mim. Não estava gostando daquilo, mas vamos lá. Catamos todas as mangas boas que estavam caídas, deve ter dado, se juntar tudo, um saco daqueles cheio. Era muita, mas como a anta do Djair achou que não estava bom, cismou de subir nos pés pra balançar os galhos e fazer as mangas caírem. Mesmo eu e a Flávia falando pra ele não pular a cerca, ele pulou e sumiu no pé.

–Enrola a rabo! –A Flávia gritou.

Eu ri e o Djair resmungou algo que eu não entendi. Enfim, a ideia dele deu certo. Caiu muitas mangas. Enchemos mais duas sacas de mangas boas e uma meio podre ainda me acertou a cabeça e explodiu. Que coisa nojenta!

–Já tá bom, querido. Pode descer. Já temos três sacos. Chega por hoje. Não vamos pegar muita para não estragar.

–Beleza então, Flávia. Vou descer.

Ele desceu do pé, mas como eu acho que tenho uma língua maldita, um cachorro apareceu correndo e botou ele pra correr. Eu sei que no desespero, o Djair ainda cortou a testa no arame farpado. Não foi nada grave, mas me vinguei quando a Flávia colocou álcool em gel nele. Ele pulou mais que eu.

Voltamos pra casa exaustos. Como eu ia ficar fedendo a peixe, preferi trocar de roupa e tomar meu banho depois. A Flávia descascou umas mangas e fez suco e sacolé para todos. Eu limpei os pescados, passei no fubá e fritei. Até que não esqueci, ficaram bons. Até mesmo a Roseni chegou atrás do cheiro.

–Tem bastante, se quiser, sirva-se. –Falei.

–Certeza?

–Claro. Sente-se aí.

–Obrigada...?

–Rogério Barcellos.

–Roseni da Silva.

Trocamos um aperto de mãos. Parece que a antipática estava começando a ceder. Por sorte ninguém estava na cozinha no momento. Não quero ninguém zombando de mim por esse gesto de gentileza.

–Sempre te vejo na rua. O seu companheiro está sempre na sacada. Vocês estão juntos há muito tempo?

–Peraí, não tá achando que eu namoro o Jonas, tá?

–Não? Você não é gay? Ouvi dizer que aqui na pensão há um casal gay.

–Não, o casal gay é o Camilo e o Jorge. Jonas, o louco que não sai da minha sacada, é só um amigo muito inconveniente e sem noção.

–Me desculpe, achei que fossem vocês.

–Não. Não somos. Amanhã, se quiser, te apresento ao meu amigo. Ele vai adorar te conhecer.

E essa agora? Virei Cúpido?

–Claro. Bom, obrigada pelo peixe. Estava delicioso, leva jeito.

–Por nada. Se quiser tem suco de manga e sacolé na geladeira, mas o sacolé ainda deve estar meio molengo.

–Agradeço, mas tarde eu pego um sacolé então. Com licença, mas tenho que ir fazer uma ligação.

–Toda.

Ela saiu e eu fiquei ali, parado, tentando assimilar oque realmente aconteceu. Será que a fome dessa aí era tanta que falou mais alto que a antipatia ou ela queria algo mais. Sei lá, depois da Lívia devo estar meio paranoico, mas acho que ela me olhou com malicia quando eu disse que não era gay. Preciso deixar essas neuroses de lado.

Acabei de fritar aquela peixarada toda, todos comeram até enjoarem e eu pude, finalmente, pegar minha chave com a dona Odete e ir pro meu quarto. Cheguei lá e joguei a mochila na mesa, mas algo me tirou a atenção: era a foto que o Jonas bateu de mim com a Lívia. Ele ainda se deu ao trabalho de colocar numa moldura. Ainda tinha um bilhete com aquela letra feia dele:

Uma lembrancinha pra você não esquecer de quando desmunhecou. Não sei como o celular não queimou com tamanha feiura. A propósito, a Lívia te mandou um abraço e mandou você não jogar essa foto fora e nem fazer macumba pra ela. Divirta-se, Batman amargado.

P.S.: Toma vergonha na cara e compra uma mesa nova, essa tá péssima. Você já foi mais exigente e cuidadoso com suas coisas.

Tive que rir com aquilo. Aquela mesa era a lembrança da última briga com a besta. Como ele quebrou o pé dela, o Djair colocou uma tábua de obra para substituir. Ficou feio, mas estava de pé. E essa foto, essa vai para minha cabeceira.

Continua.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!