Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 25
Capítulo 25




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Já havia passado umas duas semanas desde que a criatura se casou. Nesse tempo muita coisa mudou por aqui. Djair e Flávia agora trabalham para mim. Assinei as carteiras deles. A pensão estava mais tranquila. Faz dois dias, chegou uma moradora nova para alugar o quarto que era da criatura. Essa moradora é meio estranha, antissocial, mas quem sou eu para falar? Eu também não era assim? Na verdade, nem sei o nome dela, mas a desgraça é bonita, é uma bela mulata. A Flávia que está se roendo de ciúmes. Tenho pena do Djair, ele agora não tem sossego, não pode nem mais ficar na rua que a Flávia já fala que ele está de olho na nova vizinha. Ah, E agora, graças ao seu Rodolfo, virei jogador oficial. Com a saída da criatura, o famoso buraco e sueca que jogavam sempre na segunda, ficou sem um jogador e me puxaram pra completar o time. Até que é bom, divertido, mas o ruim é que é sempre regado a cerveja e pinga e eu saio de lá pior que entrei. Com isso, estou aprendendo a gostar mais de cerveja, mas triste é a dor de cabeça que me dá depois.

Hoje é terça. Depois do jogo de ontem estou com uma ressaca braba e meio depressivo. Fui pro meu cantinho no meio fio que se tornou habitual. Não demorou muito e o seu Rodolfo veio com a cadeira dele. Ultimamente ele tem ficado muito aqui comigo.

–Ainda com ressaca, Rogério?

–Um pouco, seu Rodolfo.

–Acho que não vejo só ressaca em você. Não é a mesma coisa, não é?

–Não entendo.

–A pensão sem a Lívia. É isso que tem te deixado assim, não é?

–Não vou negar, aquela criatura faz falta.

–Sabia. Sempre achei que vocês fossem terminar juntos.

–Jura? Eu e ela nunca nos demos muito bem.

–Mas os relacionamentos mais verdadeiros começam na implicância e nos apelidos. Quando começaram a se insultar, eu imaginei que terminariam juntos.

–Não com criatura nefasta e Batman amargado como apelidos.

–Se eu te contar uma coisa, promete não falar pra Odete?

–Prometo.

–Eu e ela éramos exatamente como você e a Lívia. Tínhamos até apelidos “carinhosos” assim.

–O senhor com apelido?

–A Odete me chamava de bode velho.

–Bode velho?

–É por que eu usava uma barbichinha e, na minha época, isso era rebeldia.

–Bode velho, quem diria? E ela, como o senhor a apelidou?

–Mimosa.

–Ah, mas mimosa não está tão ruim.

–Mimosa era a vaca leiteira da mãe dela.

–Retiro o que disse, está mau sim.

–Sabe que era divertido. A gente brigava, se xingava, ela me batia, mas sempre terminávamos entre os lençóis.

–E como foram terminar casados?

–Ela começou a dar atenção pra um soldadinho só pra me fazer ciúmes e, antes que ela percebesse que ele valia mais que eu, a pedi em casamento.

–Nunca poderia imaginar isso de vocês, já que se dão tão bem.

–Com o tempo nossas brigas se tornaram mais sutis e os apelidos menos ofensivos. Você e a Lívia me lembravam eu e a Odete na juventude. Achei que veria uma história parecida depois que vocês se beijaram.

–Como é que é? Ela te contou?

–Foi sem querer, mas contou sim. Ela estava desabafando comigo e acabou falando demais.

–Típico dela...

–Vocês demoraram muito pra perceberem o que sentiam. Só faça uma coisa, Rogério: Quando outra criatura aparecer, não seja orgulhoso e dê uma chance à felicidade.

Ele me deu um tapinha no ombro, pegou a cadeira e foi pra dentro. Seu Rodolfo tinha razão em tudo o que falou, mas não acho que uma outra criatura possa ocupar o espaço da nefasta. Aprendi a gostar dela. Pena que foi tarde. Talvez eu ainda ache alguém que me faça feliz, mas isso vai demorar.

–Você não faz outra coisa na vida não além de ficar aí?

Jonas, meu amigo que não aparecia por aqui há dias, apareceu.

–E aí, Jonas?

–Que depressão é essa, amigo? Já tá jogado na sarjeta?

–Não, estou no meio fio. O que faz por aqui?

–Vim ver o pessoal. Não venho aqui desde o casamento.

–É só entrar aí. O pessoal já te adora mesmo.

O Jonas já ia entrar, mas estacou ao ver a nova moradora sair. Queria ter um guarda-chuva agora. Vai que uma baba caia em mim.

–Quem é ela? –Me perguntou assim que a moradora saiu das nossas vistas.

–Moradora nova.

–Qual o nome?

–Não sei e, por favor, não babe em mim.

–Que deusa!

–Menos, Jonas. Nem é tão bonita assim.

–Não é? Cara, tu não tá bem. Não viu que curvas e que cor do pecado?

–Tem mais bonitas. Essa aí é meio antipática.

–Sabe pra onde ela foi?

–Não faço a mínima ideia, como disse, ela é antipática. Não cumprimenta ninguém.

–Em que quarto ela está?

–No que era da Lívia.

–Posso ir na sua sacada?

–Você vai invadir o quarto dela?

–Não.

–Tá, pode ir.

Tirei minha chave do bolso e joguei pra ele. O Jonas parecia criança. Saiu correndo pra lá. Acho que agora poderei ficar um pouco tranquilo aqui no sol. Acho que fiquei tranquilo por uns 10 minutos, até um ser celestial e estressadinho agarrar a mão na buzina de um carro. Será que não terei paz hoje? Já ia levantar para entrar na pensão, mas o Djair me gritou de dentro de um fusca velho.

–Ô, Batman. Tô que tempo aqui buzinando e tu não olha.

–Que caro é esse, Djair?

–Meu fuscredo. Gostou?

–É...

–Tá, sei que é feio, mas anda.

–Tem cinto de segurança?

–Tem. O Interior tá bom. Só por fora que tem umas marquinhas de ferrugem.

Umas marconas, mas vou deixar ele se iludir.

–Não sabia que tu sabia dirigir.

–Eu sei. Eu tinha um carrinho bom, mas a vaca da minha ex me tirou ele. No fundo não reclamo. Perdi um carro, mas ganhei minha tranquilidade. Vem cá ver.

Como não tinha saída, fui lá ver o tal carro. Até que o interior estava realmente bom. Tinha até um som. Mas a ferrugem não ajudava muito. Precisava passar por uma boa reforma pra remendar os buracos que começavam a se formar, mas isso é rápido pra consertar. Acho que terei mais segurança ao pegar carona nesse do que quando andava no pitanga.

–E então, o que achou do meu carrinho, Batman?

–Parece bom, mas tem que ter atenção com essas ferrugens. Se deixar, daqui a pouco elas tomam o carro inteiro.

–Isso aí eu vou mandar ajeitar quando pintar ele.

–Mas a pintura já não está boa? Pelo menos parece.

–Até está, mas eu não gosto de vermelho. Já conversei com um camarada meu e ele vai dar um trato nele pra mim. Vai tirar essas manchinhas e dar uma nova pintura. Um verde garrafa com duas faixas laranjas nas laterais. Vai ficar show.

Verde garrafa com faixas laranjas. Pobre, não tem noção do brega, mas o carro é dele e faz o que quiser.

–Tomara que fique bom.

–Ei, aquele na sua sacada não é o Jonas?

–O próprio.

–O que ele faz lá?

–Acredita se eu falar que está esperando pela vizinha nova?

–Até o Jonas se encantou por ela?

–Parece. Tá louco agora querendo descobrir o nome da peça.

–Roseni.

–Roseni...A Flávia já sabe que você descobriu?

–Não e nem fale pra ela. Se ela souber, estou na merda.

–Tu não tem jeito, Djair.

–Vai me dizer que tu também não estava curioso?

–Na verdade não. Achei ela meio antipática.

–Isso é porque ela ainda não se enturmou. Você ela pior e a gente te converteu. É só questão de tempo.

–Eu era mesmo. Fui convertido a mais um sobrinho de Odete.

Continua.


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