Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 24
Capítulo 24


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Tudo bem?
Peço desculpas pela demora, mas aqui vai mais um capítulo. Espero que gostem. :)



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Depois daquela declaração da criatura nefasta, sim, voltou a ser nefasta, eu acabei me embebedando um pouco. Me senti aqueles gaiatos de fim de festa vasculhando o que sobrou. Depois de me entupir de cerveja e cachorro quente, fui dormir. Já estava num estado deplorável.

Como não estou acostumado a beber, levantei no dia seguinte com uma enorme dor de cabeça. Era estranho, mas a pensão ficava diferente sem a criatura. Já não tinha mais a música alta e nem a chance de possíveis encrencas no corredor, de trocas de ofensas. Eu também já não corria o risco de ser espancado pela besta. Passei pelo corredor um pouco deprimido. A Lívia iria fazer falta, já estava fazendo. Fui para a rua e me sentei no meio fio. Um pouco de sol me faria bem.

Eu fiquei ali, acho, que por umas meia hora até ver o barbudinho. Ele não tinha ido embora ontem? Ele me viu e correu pra cá gritando “Batman” e cantarolando a música tema dele. Esse é perturbado, mais que a irmã.

–Você não tinha ido ontem?

–Era pra eu ir, mas minha mãe ficou meio chapada e a tia Odete achou melhor dormirmos aqui.

–Entendi.

–Ontem você também passou um pouco da conta, hein. Te vi cambaleando pra andar.

–Eu acabei bebendo um pouco. Não estou acostumado.

Nesse momento a velhinha, mãe daquele louco apareceu. Ela estava com uma cara pior que a minha. A ressaca da velha estava braba.

–Mãe, aqui, esse aqui que é o Batman. –O barbudinho puxou a velha e trouxe até mim.

–Batman? Que Batman? Tá maluco, filho?

–É o Rogério, aquele patrão da Lívia que salvou ela.

A velha largou do filho e me saltou no pescoço me dando dois beijos da bochecha. Acho que a velha é a mais louca de todos.

–Calma, dona...

–Iracema, mas nada de dona. Me sinto velha. Só Iracema.

Nova é que não tá. E será que dá pra largar o meu pescoço?

–Claro, Iracema.

–Muito obrigada por ter salvo minha filha, Rogério. Ela tem falado muito de você. Parece que ela te admira.

Quê? A criatura me admira? Essa velha ainda deve estar bêbada.

–A sua filha me admira? Não creio. Ela implica comigo a toda hora.

–Ela só implica com quem gosta. Não sabe como eu tinha que aturar esses dois quando moravam comigo. Tinha quase que desapartar briga.

–Mas a Lívia sempre foi louca, mamãe. Acho que aquela lá comeu titica quando era criança. –O barbudinho se meteu. Estou começando a gostar dele.

–Não, Rafael. Quem comeu foi você. Uma vez você enfiou a mão na sua fraldinha e tive que tirar sujeira até da sua cabeça.

–Mãe! Dá pra para de contar essa história para todo mundo?

Não aguentei e tive que rir. Essa família é louca. O barbudinho ficou chateado e saiu resmungando para dentro da pensão.

–Desculpe o meu filho, ele não gosta que eu conte essa história pra ninguém. E minha filha, te perturbou muito?

–Um pouco. Passei uns maus bocados com ela.

–Ela é assim, um pouco desvairada, mas boa pessoa. Tem um coração mole.

–Ela não é má, um pouco implicante, mas não má.

–Se você fizer a gentileza de buscar uma cadeira pra mim, se eu sentar nesse chão não levanto mais, eu te conto uns podres da minha filha pra você implicar com ela.

–É pra já.

Corri e busquei uma cadeira pra ela. Adoraria saber de fofocas sobre a criatura. Me sentei no chão e ficamos ali conversando durante um bom tempo, até ela e o barbudinho irem embora. Descobri que o apelido da Lívia era porquinha porque, quando era criança, caiu de bicicleta numa poça de lama. Descobri também que ela tem pavor de besouros, bom saber, e outras pequenas coisas que não me servirão, como os tipos de comida que não gosta. Também descobri mais dela além de seus podres. Soube que ela deixou a escola antes de terminar o primeiro ano e só no ano passado, depois de adulta, se formou num supletivo. Ela teve que estudar à noite enquanto trabalhava de dia. Ela não permitiu que o irmão fizesse como ela e trabalhou dobrado para poder ajudar na casa enquanto ele estudava. Ela que cuidou de uma tia quando a pobre quebrou as duas pernas e nem podia andar. Depois dessa, tenho que dar meu braço a torcer e admitir que estou surpreendido.

–Até que você não é nefasta.

Eu continuei ali sentado no meio fio, até que o Djair se sentou do meu lado.

–Fala, Batman. Vamos trabalhar hoje?

–Com a nossa ressaca? Sem chance. Amanhã abrimos o bar.

–Que bom! Hoje estou morto.

–Você trabalha fazendo bicos, não é Djair?

–Trabalho. Faço de tudo um pouco, basta o trabalho aparecer.

–E te interessaria trabalhar com a carteira assinada?

–Com você, no seu bar?

–É, não sou tão mau patrão assim.

–Tá falando sério?

–Parece que não? E se a Flávia quiser, eu também assino a dela. Eu teria mesmo que procurar novos empregados e quem melhor do que vocês? Ao menos sei que são de confiança.

–Pra mim fechou. O seu trabalho é à noite mesmo. Ainda terei o dia livre pra fazer uns bicos. Dinheiro em dobro e sem precisar pagar autonomia.

–Beleza. Amanhã vemos com o Jonas e assinamos sua carteira e a da Flávia, se ela quiser.

Jogamos um pouco de papo fora e, depois, ele foi procurar a Flávia e eu continuei ali. Era estranho, mas há alguns meses eu nem cogitaria em contratar esse pessoal da pensão e, hoje, eu já não me via mais sem eles. Como esse mundo dá voltas. Quem diria que eu passaria a considera-los bons amigos? Eu preciso aprender a parar de julgar os outros apenas pela aparência.

Continua.


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