Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 21
Capítulo 21




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Aquele lance do beijo acabou com a minha fama, mas elevou a do Djair. A Flávia fisgou ele. Agora parecem dois adolescentes no primeiro namoro. Vivem se espremendo nos paredões. Conhecia amor à primeira vista, mas a primeiro beijo é a primeira vez que vejo. Espero que sejam felizes. Seria insuportável aturar esses dois se espetando.

Tirando os pombinhos, o pessoal daqui tem andado estranho nos últimos dias. O casamento da criatura tá cada vez mais perto, é daqui a dois dias, e eles cada vez mais estranhos. Acho que tem a ver, mas posso estar enganado e espero estar. A criatura também tem me evitado, estranho. Logo ela que adora me atazanar.

Por ser uma quinta, deu pouco movimento hoje no bar. O Jonas também está meio estranho. Ele ficou de conversinha com a criatura a noite toda e teve uma hora que poderia jurar que a vi chorando. Que raios está acontecendo que esse pessoal não me conta? Será que eu serei sempre o último a saber das coisas?

Tentei puxar assunto, mas os dois se esquivaram sempre. Acabou o expediente. Agora terão que me contar o que está acontecendo. Fechei o bar fui na cozinha onde estavam.

—Será que podem me explicar o que está acontecendo aqui? Já estou nervoso. –Falei.

—A Lívia vai te contar, Rogério. Essa é uma conversa de vocês, por isso, já vou.

O Jonas correu de lá. A Lívia me olhava assustada. O que está pegando aqui?

—Preciso falar contigo.

—Finalmente, né? Vem, vamos sentar.

Armei uma das mesinhas, duas cadeiras e nos sentamos. Ela está nervosa, posso perceber pelo seu jeito.

—Rogério eu estou quase me casando e, como já deve saber, eu vou me mudar da pensão...

—Se mudar da pensão? Não sabia. Então é por isso que o pessoal está triste.

—Sim, vou. Vou pro outro lado da cidade. O Carlos conseguiu alugar uma casinha pra nós. Nosso espacinho, sabe.

—Sei...

—Bom, a área que eu vou morar não é das melhores, é um pouco barra pesada. Me entende?

—Entendo, eu acho.

—Bom, lá não há perigo nenhum durante o dia e a tarde, mas, à noite, as coisas mudam. De lá até aqui eu levo quase uma hora com o trânsito e se torna perigoso eu andar sozinha tão tarde.

Acho que entendi. Ela quer se demitir.

—E você não vai mais poder trabalhar comigo, é isso?

Ela não me respondeu com palavras, mas confirmou com a cabeça e vi seus olhos se encherem de lágrimas. Maldição! Odeio ver quem quer que seja chorar.

—Não fica assim. –Levantei da cadeira e, num impulso que nem eu sei o motivo, a abracei.

—Não chora, por favor. –Pedi.

—Deve ficar feliz, finalmente vai se ver livre de mim, da criatura nefasta, como diz.

Antes eu ficaria feliz, mas não estava. Eu estava triste. Apesar de tudo aprendi a gostar dessa criatura, me habituei a ela.

—Não estou feliz.

—Claro, vai perder a sua empregada, mas não creia que te deixarei na mão. Falei com o Djair e com a Flávia e eles vão te dar uma força até você arrumar alguém.

Ela começou a chorar mais e isso me faz mal.

—Vou pegar um pouco de água pra nós. Você está muito nervosa e precisa se acalmar, Lívia. Me espera um pouco.

Fui até a cozinha, peguei os copos e a água e vi um celular na bancada. Acho que a anta do Jonas esqueceu.

—O Jonas esqueceu o celular dele. –Falei, na tentativa de mudar um pouco o assunto.

—Ele vai ficar louco quando perceber.

—Vai...

Entreguei a água pra ela e pude ver como ela tremia. Esse casamento estava acabando com os nervos da coitada.

—Melhor? –Perguntei.

—Sim. Obrigada, Rogério.

—Mesmo que não acredite, sentirei sua falta. Foi uma excelente funcionária.

—Como funcionária eu fui bem, mas como pessoa eu te irritava, admita, Batman.

Parece que está mais calma. Voltou a me chamar de Batman.

—Me irritava um pouco, mas eu também não deixava barato.

—Você sabe ser bem implicante quando quer.

—Não sou implicante. Eu só retrucava os seus insultos.

—Não é? Você... Escutei a porta abrir.

—Deve ser o Jonas que voltou pra pegar o celular.

Mas não era. Dois homens, armados, entraram na cozinha e ficaram tão assustados como nós. Minha primeira reação foi me colocar na frente da criatura.

—Quietinho os dois se não quiserem tomar chumbo. Onde é o caixa? -Um dos bandidos falou.

—Ali. -Falei.

Um dos bandidos ordenou ao outro pra ir no caixa enquanto ele ficou apontando a arma pra nós. Ele começou a olhar com malícia para a Lívia e aquilo começou a me irritar. Ele se aproximou dela e começou a passar as mãos por seu rosto. A Lívia cuspiu nele e ele deu um tapa que a jogou no chão. Na raiva eu dei um soco nele. Ele puxou a arma na hora e apontou para mim.

—Tu quer morrer?

—Deixa ela em paz. Levem o que quiserem, mas nos deixe em paz.

—Protegendo a namoradinha, é? Se eu quiser, eu a sequestro e a uso como bem entender. Aposto que vai gostar, gostosa.

Ele se aproximou dela de novo, mas não me contive e avancei nele. Acho que quero morrer. Rolamos no chão e eu consegui tirar a arma dele. Não hesitei. Eu sentia uma raiva enorme e muita vontade de matá-lo. Eu iria atirar, mas o outro bandido apareceu e os dois saíram correndo. Larguei a arma num canto e fui acudir a Lívia que ainda estava no chão. Ela chorava e tinha o nariz sangrando. Sentia necessidade de protegê-la.

—Calma, já acabou.

—Foi horrível.

—Eu sei, mas já acabou.

Ela me abraçou e eu a sentia tremer de medo. Como isso me deixou mal. Ligamos para a polícia e fizemos todos os procedimentos. Só nos restava agora esperar que eles pegassem os assaltantes. Ao sairmos da delegacia, eu vi que ela ainda não estava em condições para dirigir. Eu mesmo havia dirigido o pitanga até ali.

—Deixa que eu dirijo.

—Obrigada.

A viagem até a pensão foi silenciosa. Sabia que ela não queria falar nada e a via segurando o choro. De uma estranha forma isso estava me matando por dentro. Preferia ela me xingando, me azucrinando do que a ver assim. Chegando lá a acompanhei até o quarto dela. Esperei ela se acomodar, se arrumar, enquanto fui buscar uma água com açúcar. Quando entrei no quarto dela ela já estava deitada.

—Sua água. -Falei ao entregar.

—Obrigada.

—Você está melhor?

—Vou ficar. Por que você me defendeu do bandido? Não me venha com a sua desculpa de sempre que é para proteger seus empregados. Essa não funciona comigo já que não trabalho mais pra você.

—A verdade?

—Eu gostaria de saber.

—Isso que eu vou te contar, só eu e o Jonas conhecemos. Promete não falar pra ninguém? Não gosto que sintam pena de mim.

—Prometo.

—Eu acabei vendo minha mãe em você. Revivi o meu passado quando aquele maldito te acertou.

—Não entendo.

—Minha mãe sempre apanhava do meu pai. Por vezes eu tive que ver ele a espancando. Eu era uma criança e sempre pedia pra ele não bater nela, mas não adiantava, nunca adiantou. Ele se achava o dono dela, era ciumento. Nem mesmo eu podia ficar perto dela que já era motivos pra ciúmes e para mais uma surra. Quando eu tinha uns 13 anos eu jurei pra mim mesmo que nunca permitiria que nenhuma mulher apanhasse na minha frente. Tomei coragem e enfrentei o meu pai. Nunca apanhei tanto na vida, mas aquilo serviu para minha mãe abrir os olhos e o largar. Fomos viver com minha avó e minha mãe nunca mais confiou em homem nenhum depois disso.

—Sinto muito. E o seu pai?

—Morreu assassinado 2 anos depois que minha mãe o deixou. Ele foi se meter com uma mulher, fez com ela o que fazia com minha mãe, mas os irmãos dela bateram nele até o matarem.

—Uma morte triste.

—Foi, mas ele procurou por ela.

—E a sua mãe? Ainda é viva?

—É. Ela se mudou pra Bahia há uns anos e agora tem uma lojinha de artesanato lá. De vez em quando eu ligo pra ela. Agora ela é feliz. Faz o que gosta.

—Fico feliz por ela.

—Ela está bem, agora. Você também, fique bem. Se precisar de algo, basta falar.

Eu já ia sair, mas a Lívia me segurou pela mão.

—Posso te pedir mais uma coisa?

—Claro. Peça.

—Você pode ficar mais um pouco? É que não queria ficar sozinha.

—Fico. Ficarei aqui até você dormir.

Ou até o Carlos aparecer e me matar por estar no quarto dele sozinho com a noiva dele.

Puxei uma cadeira, coloquei ao lado da cama dela e me sentei. Parece que ela estava se acalmando. Ela fica tão frágil deitada ali, com esse semblante triste.

Não sei quanto tempo fiquei ali, mas também acabei adormecendo. Acordei primeiro que ela e estava quebrado por dormir naquela cadeira dura. Olhei para o relógio e vi que já passava das oito. Tentei sair sem barulho, mas, minha perna estava dormente e eu cai como fruta madura. Ela acordou assustada, mas começou a rir quando me viu de cara no chão.

—Desculpa ter te acordado. Eu acabei caindo.

—Sem problemas. Você esta bem?

—Estou, mas minha perna tá dormente. Não consigo levantar.

Ela se levantou e me ajudou a ficar de pé. Ria de mim como se eu fosse um palhaço. Antes eu reclamaria, mas agora eu fiquei feliz. Preferia ser a piada do que ver ela chorar. Ela me ajudou a sentar na cama.

—Passou a noite aqui?

—Eu acabei dormindo também.

—Na cadeira?

—Foi.

—Deve estar dolorido. Aquela cadeira é desconfortável.

—Estou, bastante.

—Melhorou a perna?

—Sim. Voltou. Acho que já vou.

Eu me levantei e a Lívia veio se despedir de mim com um abraço. Não sei o que houve comigo, mas senti uma forte necessidade de beija-la. Sentir ela tão perto de mim, o cheiro, me despertou algo que a muito eu não sentia por ninguém: ternura. Acho que ela sentiu o mesmo, já que ela me beijou primeiro. Não foi um beijo desesperado, foi algo suave, mas que nos deixou sem fôlego. Quando nos demos conta do que fizemos, ficamos constrangidos, ao menos, eu estava.

—Me desculpa, não sei o que me passou. Não sou assim. -Ela falou, assustada.

—Ei, não foi nada, tá? Nos deixamos levar pela situação. Você estava carente e eu também. Foi uma coisa de momento.

Eu espero que seja. Ela me olhou e confirmou com a cabeça, mas ainda parecia assustada. Vi que o melhor era eu sair logo dali antes que as coisas fugissem do nosso controle.

—Já vou e não se preocupe mais.

—Por favor, não fale nada disso pra ninguém.

—Não vou. Não quero morrer.

Sorri para ela e saí dali. A verdade é que aquilo havia me afetado. Corri para o meu quarto antes que me vissem e me joguei na minha cama.

—Ai, Rogério por que a Lívia? Por que tinha que beijar justamente ela? Se o Carlos descobrir eu estou morto.

Continua.





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