Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 20
Capítulo 20




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Tirando as piadinhas habituais comigo, até que estava dando pra levar bem, tão bem que havia se passado quase um mês e eu nem me dei conta direito. Hoje era segunda, eu não iria abrir o bar. Após fazer tudo o que eu tinha pra fazer na rua, voltei para a pensão e me sentei no meio fio. Por muito tempo eu critiquei o Djair por ficar ali parado, à toa, mas agora o entendia. Daquele cantinho eu tinha visão da rua inteira e era divertido ver a loucura desse pessoal. Comei a gostar tanto de ficar por ali que até ganhei um leve bronzeado. Tá certo que se eu tirar a camisa parecerei um fantasma por baixo, mas ninguém vai me ver mesmo sem ela.

–Ei, quero falar contigo.

E lá vem a besta pra me atentar. Será que é tão animal que não basta simplesmente falar e precisa me chutar pra eu notar sua presença? Antes que me chute de novo, vou levantar.

–O que quer, Carlos? Eu estou aqui no meu cantinho, quieto, longe de sua noiva.

–Quero falar contigo. Tá surdo? –Gritou e me deu um tapa na orelha. É um animal mesmo.

–Não estou surdo, não precisa gritar e nem me bater. Fala logo o que quer.

–Vou viajar hoje e só volto no dia do meu casamento. Quero que nesse período você se afaste de minha noiva. Não quero saber que você ficou por aí andando pra cá e pra lá com ela no carro. Não quero que fale com ela. Não olhe para ela, me entendeu?

–Ô inteligência rara, eu trabalho com ela, se acaso esqueceu. Não tem como eu não falar com ela e não olhar para ela.

–Tu tá abusando, cara. Não me irrita. Se eu quiser eu te quebro agora mesmo.

–Ô animal, será que tu já não viu que a tua noiva te ama? A Lívia é bonita, parece ser uma boa pessoa e, mesmo assim, está contigo. Se ela não te amasse já teria procurado alguém melhor.

Acho que falei demais. Ele me agarrou pelo colarinho e me espremeu na parede.

–Carlos, qual o teu problema comigo? Eu não te fiz nada.

–Tu tá de olho na Lívia.

–Tu tá maluco. Eu nunca poderia olhar para ela. Só se eu estivesse louco e com vontade de morrer. Sua noiva é um risco de vida.

–É um risco de vida sim e eu estou aqui pra provar.

Ele fechou o punho e eu fechei os olhos. Sei que o soco não seria bonito.

–Largue ele, Carlos. –Seu Rodolfo, meu salvador.

–Não antes desse soco.

–Largue se não quiser que eu te expulse da pensão. Não quero brigas aqui no meu lar, no nosso lar.

–Isso não acabou. –A besta falou, me empurrou na parede e saiu.

–Obrigado, seu Rodolfo.

–Não precisa agradecer, filho.

–Não sei o que esse animal tem contra mim. Eu nunca fiz nada pra ele.

–Isso são ciúmes. Ele é louco pela Lívia, do jeito dele, mas é.

–Mas eu nunca olhei pra ela.

–Mas abalou a relação deles. Será que ainda não percebeu como a Lívia te defende dele?

–Ela me defende?

–Defende. Acho que ela já deve ter te salvado de algumas surras e é isso que o incomoda tanto. Repare mais nisso.

O seu Rodolfo entrou e eu fiquei ali pensando. É verdade que eu já vi ela discutindo com a besta algumas vezes e pedindo pra ele ser menos violento, mas seria por mim? Agora vou ficar com esse nó na cabeça. Preferia que ela não me ajudasse assim. Seria só uma surra e ele teria me esquecido.

–Eu mereço! Esse pessoal é louco.

–Falando sozinho, Batman? –Júnior, filho do Djair, apareceu. Mais essa agora.

–Júnior, não é?

–Isso. Não lembra mais de mim?

–Lembro.

–O meu pai tá por aí?

–Ele tinha saído.

–Droga!

–Que foi? Posso te ajudar em algo?

–Eu vim buscar a pensão. A mãe já tá uma fera com ele.

–Ele não tem pagado não?

–Tem, mas já não tá mais mandando a mais como fazia antes. Ele tá com raiva por ter sido trocado por outro.

–Um modelo mais novo, não é?

–Sabe que eu não tinha pensado nisso. Gostei.

–E o teu padrasto é gente boa?

–É. Ele sempre joga vídeo game com a gente. Acho que o velho está enciumado.

–Está sim. Ainda tem a Flávia que fica tirando sarro dele por isso.

–Tá mesmo. O velho tá reclamando direto dela. Outro dia esbarrei com ela e bem fiquei sabendo de uma fofoca sua.

Que não seja do beijo. Já me basta o Jonas me zoando por isso.

–Qual?

–Que tu beija mal. Caraca, hein, Batman! Nenhuma mulher nunca me falou que eu beijo mal.

–E tu já beijou quantas? Mãe, tia e avó não valem.

–3 e nenhuma me disse isso.

3, que número impressionante!

–Ainda são poucas, mas pode ter certeza que alguma te falará isso, um dia. Você ainda é jovem e tem muita vida pela frente.

Ele desistiu de dar continuidade ao assunto e ficamos ali conversando de coisas sem importância até o pai dele chegar. Pena que chegou junto com a Flávia. Agora tenho certeza que vou ser zoado. O Junior correu pra onde o Djair estava e a Flávia veio pro meu lado.

–Sacanagem, hein, Flávia.

–Que eu fiz, Rogério?

–Falou pro Júnior que eu beijo mal.

Ela me olhou e começou a rir, descaradamente, da minha cara.

–Ainda tá cismado com isso?

–Lógico que eu estou. Tenho minha fama pra manter.

–Fama, que fama? Desde que tu chegou nunca te vi com mulher nenhuma. Se não conhecesse tua ex até acharia que era do time do Camilo e do Jorge.

–O quê? Tá maluca. Sou muito macho.

–Machucado. Macho aqui sou eu. –Lá vem o Djair.

–Tão macho que tua mulher te trocou por outro.

–Boa, Flávia! –Falei

–Quieto aí, Batman. Ao menos, eu beijo bem.

Eles nunca irão esquecer isso?

–Se beijasse bem, a Silvia não tinha te trocado. Se bem percebe que o novo boy dela é quente. Esqueceu como eles estavam no amassado lá no bar do Rogério? –E começaram a discutir.

–Aquela lá não sabe o que é bom. Com meu beijo ninguém pode.

Não aguentei isso e tive que soltar uma tossida forçada. A Flávia começou a rir e o Djair me olhou feio e completou:

–Quer comprovar, Flávia?

–Quê? Tá maluco? Não estou louca pra te beijar.

–Covarde...

Agora as coisas vão ficar feias. A Flávia odeia ser desafiada. Acho melhor eu calar o meu bico e ficar só olhando.

–Covarde eu? Faça-me rir.

–Tá com medo de se apaixonar?

–Por você? Vamos logo acabar com isso.

A Flávia puxou o Djair e deu um beijão nele. Fiquei até sem graça de ver a cena. Pareciam que iam se comer ali. Só via mãos pra cá e pra lá se alisando. Terei que me intrometer. Esses dois esqueceram que estão na rua.

–Gente, todo mundo já tá olhando.

Parece que funcionou, pelo menos pararam de se agarrarem, mas agora se olham como dois psicopatas. Esse povo me dá medo.

–Te falei que beijo melhor que esse. Satisfeita? –Ele resmungou apontando pra mim e saiu andando.

A Flávia parecia meio abobada. Acho que o beijo dele não fez bem pra ela.

–Você tá bem, Flávia?

–Bem? Bem é apelido. Deus, que beijo. O Djair sim é meu tipo. Pode ser meio feinho, mas o desgraçado beija bem. Cacete!

Ela saiu suspirando e eu fiquei ali, no meu cantinho. Povo louco. Se amam, se odeiam. Quem pode entendê-los? Espero que essa loucura não seja contagiosa.

Continua.


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