Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 16
Capítulo 16




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A boa nova agora na pensão era o casamento da besta com a criatura. Todos só falavam nisso, já estava ficando enjoado de ouvir tanta melação dessa gente. Até parece que eles são o único casal nesse planeta. Nem que fossem o casal real. A única coisa boa nisso é que eles me esqueceram um pouco. Já faz mais de uma semana que o Carlos tá na pensão e nem me dirigiu a palavra ainda. O triste mesmo disso foi aturar o almoço que a dona Odete preparou pro casalzinho ternura. Feijoada, farofa, lasanha, empada, bolo, tudo o que se pode imaginar, só faltou a banda pra animar.

Por minha sorte, ninguém quis roubar a lata velha da Lívia. Ela achou o tal do conhecido dela e consertou aquela porcaria. Parece que foi um fio partido. Agora ela e a besta ficavam pra cima e pra baixo de namorico no Pitanga. Estava sentado no meio fio e, só no pouco tempo que fiquei, eles passaram mais de três vezes. A gasolina tá tão barata pra eles desperdiçarem assim...

–Tu abalou Bangu, hein!

Perfeito! O Djair sentou no meu lado e vem com essas gírias de bandido.

–Do que fala?

–Do Carlos, Batman. Faz mais de dois anos que ele enrola a Lívia e corre do casamento, mas bastou tu chegar pra ele se decidir. Acho que está com medo de você.

–Eu e Lívia? Faça-me o favor, né Djair.

–Você pode não ter nada com ela, mas que o Carlos tá meio enciumado, isso tá.

–Ele que se mate com os ciúmes dele. Tomara que casem logo pra me deixarem em paz.

–Pelo que ouvi falar, o casamento vai ser daqui a uns dois meses. Só faltam eles acertaram com o juiz a data.

–Dois meses? Rápido assim?

–Ué, você não estava com pressa pra eles se casarem?

–Estou, mas sei também que a Lívia vai querer tirar uns dias de folga pra lua de fel deles...

–Mel.

–Pra mim é fel. Voltando, esses dias que ela tirar eu ficarei com menos um empregado no meu bar. Resumindo, sem ela, terei que contratar alguém temporário. Mais trabalho pra mim.

–Então você só está preocupado com o seu bar?

–Sim. A vida pessoal dela não me interessa pra nada.

–Você é inacreditável, Batman. Não sei porque ainda me surpreendo contigo. Já estou cansado mesmo de saber que você só pensa em você.

–Não é assim, Djair. Eu me preocupo por meus amigos.

–E, além do Jonas, quais amigos mais tem?

–Tenho...

A verdade é que não conseguia pensar em mais nenhum. Também já não tinha mais nenhum parente, que eu considerasse família, vivo.

–Não tem mais nenhum, não é? Sabe, Rogério, aqui na pensão nos tratamos como família. Eu gosto de você, gosto mesmo, mas tipos como tu não costumam se enquadrar aqui. Apesar de diferentes, somos uma grande família.

O Djair levantou e foi embora. Acho que ele ficou um pouco decepcionado comigo. Não entendo porque tanto melindre desse aí. O pessoal tá cansado de saber como sou. Deus me livre ter uma família louca como essa gente!

Fiquei ainda enrolando ali no sol. A verdade é que não tinha acordado bem. Estava com dores pelo meu corpo inteiro. Devia estar pegando um resfriado forte. Mais tarde tomei meu banho e fui pro trabalho. Apesar de estar quente, eu estava com frio e coloquei uma blusa. Como de costume, logo virei piada pro meu amigo assim que cheguei.

–Que frio todo é esse, Rogério?

–Não enche, Jonas. Não estou bem.

–O que você tem?

–Acho que vou ficar resfriado. Estou com dor pelo corpo inteiro, dor de cabeça, dos nos ossos.

–E já foi procurar um médico?

–Por uma gripe? Não, já tive isso antes e não vou morrer.

–Acha que consegue trabalhar hoje?

–Consigo. A criatura já chegou?

–Já.

–Vamos abrir de uma vez, então.

Abrimos o bar e começamos a trabalhar. Essa gripe devia ser mesmo muito forte. Eu estava péssimo. Suava frio. Já não me aguentava mais de pé.

–Você está bem, Batman?

–Acho que não, Lívia. Estou um pouco tonto.

–Vem, senta aqui um pouco.

Ela puxou uma cadeira e me jogou nela. Começou a apertar minhas bochechas.

–Você está ardendo em febre, Rogério! Não está bem.

–Estou sim. Isso já vai passar. Foi só um mal es... –Minhas vistas escureceram. Acho que vou desmaiar.

***

Acordei e não estava mais no meu bar. Olhei em volta e vi o Jonas me olhando. Eu estava em um hospital?

–Onde estou?

–Te trouxemos para um hospital. O senhor “tô bem” desmaiou e não conseguimos te acordar. –O Jonas me falou.

–E o que eu tenho?

–Dengue. Mas, ao que tudo indica, não é da hemorrágica.

–Não acredito! Quanto tempo isso demora pra melhorar?

–O médico falou, mais ou menos, uma semana. E, pra deixar de ser teimoso, ele recomendou repouso.

–Repouso? Nem pensar, Jonas. Preciso trabalhar. E o meu bar? O que vocês fizeram?

–Calma aí, estressadinho. Fechamos ele e a Lívia ficou lá pra atender aos últimos clientes.

–E vou ter que ficar internado?

–O médico disse que não. Mas, pra te dar alta, você vai ter que ter repouso, beber bastante água e ficar atento pra ter certeza que não é a hemorrágica.

–Mas eu preciso trabalhar...

–Precisava. Agora o mais importante é a tua saúde.

Depois de mais alguns exames, o médico me deu alta e me receitou uma porrada de remédios pra segurar a febre e as minhas náuseas. Eu não conseguia nem ficar em pé direito. O Jonas me escorou até o carro dele e, após comprar os remédios para mim, me levou em casa. Chegamos na pensão e ele ainda me ajudou a chegar até o meu quarto. A criatura veio toda preocupada.

–O que você tem? –Ela me perguntou.

–Dengue.

–Coitado. O corpo dói muito. Eu já tive.

Ela foi me seguindo e me ajudou a me acomodar. O Jonas se despediu de mim e foi embora. A criatura ainda estava no meu quarto e aquilo estava me incomodando. A besta estava na pensão e eu já estava todo dolorido, não queria tomar uma surra.

–Obrigado por se preocupar, Lívia, mas não é melhor você ir pro seu quarto? O Carlos está aí e não quero apanhar.

–Ele não está. Ligaram do serviço dele e ele teve que adiantar a viagem. Do que você precisa?

–De descanso.

–E já tomou o remédio?

–Já.

–Já bebeu água?

Ela virou enfermeira agora?

–Não.

–Se quiser melhorar, siga as recomendações dos médicos. Eu já tive isso e sei como é ruim. Aguenta aí que eu vou trazer uma garrafa de água pra você.

Como se eu pudesse sair daqui. Ela foi e o Djair chegou.

–Se o Carlos estivesse aí, diria que tomou uma surra dele, mas, como não está, quem te bateu?

–Um mosquitinho.

–Dengue?

–Pois é.

–Rapaz, que azar. E cadê suas lagartixas pra fazer o trabalho?

–Como é?

–Lagartixas. Todo quarto aqui tem uma pra conter os mosquitos.

–Então a regra de não matar lagartixas é por isso?

–É. Achei que você soubesse. Desde que as lagartixas apareceram, a dengue aqui diminuiu. Não matou as suas, matou?

–Nem vi lagartixa aqui.

–Espera um pouco aí. Se eu conseguir, eu volto.

E o louco saiu correndo. Será que é pedir demais morar num lugar, razoavelmente, normal? Fiquei ali uns minutinhos e a criatura voltou com água, biscoito, frutas.

–Ei, não vou aguentar comer isso tudo.

–Isso é pra se você sentir fome não precisar levantar à noite.

–Obrigado.

–Vou estar no meu quarto. Se se sentir mal, precisar de alguma coisa, grite, bata na parede, faça escândalo que eu venho correndo.

–Obrigado.

–Melhoras, Batman.

Ela saiu e o Djair voltou com uma caixa nas mãos, a abriu e soltou uma lagartixa na minha parede.

–Batman, Martinica; Martinica, Batman.

Martinica? Tá de brincadeira que a bichinha tem nome?

–Martinica, Djair?

–É. Bonito nome, não é?

–Onde você arrumou esse bicho?

–No meu quarto. Eu tinha 3. A Olinda, o Volnei e a Martinica, mas acho que a Olinda ficou enciumada do Volnei e estava batendo toda hora na Martinica. Parece até você e o Carlos.

Que ótimo! Fui comparado a duas lagartixas.

–E como você sabe que elas são fêmeas?

–Porque estão com ovinhos na barriga. Eu só tenho um macho no meu quarto. Pra Martinica também estar com ovinhos, é sinal que ela andou com o Volnei. A Olinda tem motivos pra bater nela.

Um especialista em comportamento sexual das lagartixas. Eu mereço ouvir essas coisas.

–Deixa a Martinica aí então. Aqui ela não vai apanhar de nenhuma.

–Cuide bem dela, hein. Ela é uma das minhas favoritas. Tchau, Martinica. Depois venho aqui te visitar e te trago um besourinho.

O Djair saiu rindo e eu fiquei olhando pra aquele bicho na minha parede. É nessas horas que me pergunto se não teria sido mais são me mudar pra um hospício.

Continua.


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