Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Esse ficou um pouco mais longo. Espero que gostem. :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/613400/chapter/14

Depois de quase uma hora naquela lata velha, ouvindo aquela maldita rádio e escutando a criatura cantarolar, chegamos. Juro que quase beijei o chão quando desci do Pitanga. Carro maldito! Peguei minha mochila e já ia para a praia quando a criatura me gritou:

–Ô Batman, onde acha que vai?

–Pra praia. Não foi pra isso que viemos?

–Claro, mas seria pedir muito uma ajuda aqui? –Disse apontando para as tralhas que levou.

–Não acha que eu vou carregar isso?

–Acho que seria o mínimo. Um pouco de cavalheirismo não vai te matar e não se esqueça que eu posso te esquecer aqui na hora de ir.

Depois dessa ameaça, preferi bancar o cavalheiro, mesmo sem uma dama. Ela levou tanta coisa que não conseguia nem segurar aquilo tudo. A folgada criatura só levou uma bolsinha na mão e eu que me lasque.

Depois de caminharmos um pouco, chegamos em uma parte da praia que estavam os outros moradores. Por sorte, a maioria estava no mar. Só o Djair que estava estirado como um lagarto naquela areia quente.

–Vieram juntos? –Ele perguntou.

–Viemos, consegui convencer o Batman.

–E você, Rogério, tá inteiro?

–Acho que estou, se eu não peguei tétano e nem leptospirose por andar daquele carro.

–Você é muito dramático, Batman. O meu carro está ótimo. Deixa essas coisas aí e vamos nos divertir.

Larguei aquelas tralhas no chão. A criatura logo pegou uma sacola e sumiu da minha vista. Tirei uma toalha que levei na mochila, estendi no chão e me sentei ao lado do Djair.

–Me impressiona te ver aqui, Batman.

–Também estou impressionado comigo, acredite. Começo a achar que isso não foi uma boa ideia.

–Ao menos você e a Lívia chegaram inteiros. Um não matou o outro.

–Vontade não me faltou.

–Pai –Um garoto chegou correndo e pulou no Djair.

–Que foi, filhote? Não deixou sua irmã sozinha, deixou?

–Não, ela tá com o Junior. Me dá um pouco de suco?

–É só pegar ali na caixa e use o copo, hein! Nada de beber da garrafa.

O garoto foi até a caixa e bebeu uns dois copos. Só então eu acho que ele me viu e começou a me olhar torto.

–Quem é ele, pai?

–Esse aqui é o Rogério, meu amigo. Mas todos chamam ele de Batman amargado.

Valeu, Djair. Agora nem seus filhos vão me respeitar.

–Batman?

–É que os morcegos adoram ele, filhote. Vai lá cumprimenta-lo. Onde está sua educação?

O garoto veio pro meu lado resmungando algo que não entendi.

–Oi, Batman.

–Oi, baixinho.

–Não sou baixinho!

Já vi que o moleque é invocado.

–Qual o seu nome então?

–Washington!

–Oi, Washington.

–Tu não tá com calor com essa roupa toda? –Ele perguntou apontando pra minha camisa social.

–Um pouco.

–Por que não tira? Minha mãe sempre fala que não faz bem ficar encasacado no calor, que a gente pode suar até desmaiar!

Suar até desmaiar? Deus, a mãe desse garoto nasceu pra médica. Tenho pena dessas crianças se ficarem doentes...

–Claro, não quero suar até desmaiar.

Tirei a minha camisa, mas ele ainda me olhava torto.

–Fale logo o que pensa. Por que me olha tanto?

–Minha mãe nunca me deixa vir com bermuda jeans na praia. Ela diz que esse tecido não deixa o suor sair.

Esse garoto vai ser médico com uma mãe dessas.

–Era a única que eu tinha, mas já, já eu dou um mergulho no mar e o calor passa.

–Então tá. Eu vou lá brincar com os meus irmãos.

Ele saiu correndo do mesmo modo que chegou.

–Sei que o Washington é meio chatinho com as perguntas, mas não faz por mal. Ele sempre foi muito curioso.

–Não tem problema. A curiosidade faz bem pras crianças.

–Mas ele está certo. Você não está com calor com essa bermuda? A última vez que eu usei um jeans na praia fiquei com assadura. Tive até que comprar aquelas pomadas fedidas de passar na bundinha de bebê.

Não precisava saber disso. Não quero imaginar você assado.

–Estou morrendo de calor. Fazia anos que não vinha na praia. Não tenho mais nada adequado pra vestir e a minha sunga é medonha, acho que prefiro ficar com a bermuda.

–Ela não pode ser pior do que a bermuda.

–É sim.

–Duvido e, mesmo que for, ninguém vai reparar aqui na praia.

–De qualquer forma estou mesmo bancando o ridículo com essa roupa. Vai lá que seja.

Tirei a bermuda e a cara do Djair já disse tudo. Ele até aguentou muito, uns 5 segundos, e rolou no chão de rir.

–Onde tu comprou isso tinha pra homem?

–Isso era moda na época.

–Talvez uns 20 anos atrás...

–Menos, também não sou tão velho assim.

Depois de mais umas crises de risos, ele finalmente se acalmou e começou a puxar assunto.

–Já viu as beldades que tem nessa praia?

–Mais ou menos. –disfarcei.

–Eu não sou muito de olhar pra Flávia, mas até que a mulher está boa naquele biquíni. Olho lá. –Ele disse apontando para uma mulher lá longe.

Tinha que dar meu braço a torcer, apesar da Flávia não fazer meu tipo, ela estava com um corpo bonito.

–Não está mal.

–E ela é caidinha por você, Batman. Já pensou?

–Não. Não quero me envolver com ninguém.

Nessa hora só escutei um riso conhecido vindo de trás de mim. Me virei para xingar a nefasta criatura.

–Olha...-Perdi a voz ao ver ela de biquíni. Ela podia ser tudo: irritante, chata, peste, nefasta, mas tinha que admitir, era bonita a desgraça.

–Que roupa é essa? Não sabia que você era do time do Jorge e do Camilo.

Não posso mesmo elogiar. Lá vem ela com as piadinhas.

–Você não tem nada pra fazer não, além de ficar aqui me irritando?

–Tenho. Vou nadar. É mais produtivo que ficar aqui vendo essa sua sunguinha florida.

Saiu rindo da minha cara.

–Vocês não conseguem ficar perto sem se insultarem? –Djair, rindo, me perguntou.

–Viu que foi ela quem começou.

–E você retrucou. Mas, fale a verdade, ela está uma gata, não está? Parece até melhor que a Flávia.

–Sabe que prefiro não responder isso. Não quero me comprometer.

–Te entendo.

O Djair cansou e ficamos lá parados, torrando no sol. Coloquei meu boné, me acomodei melhor e comecei finalmente a relaxar. Até que uma voz estridente gritou.

–Meu Deus, que sunga mais linda! Onde posso comprar uma igual? –Tinha que ser o Camilo.

–É meio velha. Não sei se vai achar mais.

–Eu bem que queria uma dessas. Olha que estilo.

–Deixa eu ir lá ver meus filhotes. –Djair falou e saiu com um risinho irônico.

–Achei que você não viesse, Rogé!

Socorro! Ele se sentou ao meu lado.

–Acabei vindo. Onde está o Ricky Martin? –Tentei mudar de assunto.

–Está com o Jorge. Ele foi comprar uma água de coco pra mim. Se quiser uma eu ligo pra ele e peço pra trazer.

–Não, obrigado.

–E então?

–Então o quê?

–Não vai dar uma nadada?

–Agora não.

–O mar tá meio agitado, se quiser eu vou junto com você. Já fui campeão de natação.

–Agradeço, mas não é necessário. Prefiro ficar aqui no sol.

–Sua água, Camilo! –O macho man chegou.

Camilo levantou, todo feliz e foi abraçar o namorado. Ricky Martin, pro meu desespero, veio pro meu lado fazer festa. Esse cachorro me ama e o dono dele odeia isso.

–Vamos nadar? –Camilo pediu pro Jorge.

–E o Ricky?

–Você toma conta dele pra gente, Rogé?

–Tomo, vão lá.

Jorge me ameaçou com o olhar e foi nadar com Camilo. Ao menos agora eu teria uma companhia que não iria rir de mim.

–Cadê meu pai? –Um garoto com uma garotinha dormindo no colo me perguntou. Creio serem os filhos do Djair.

–O Djair foi procurar vocês.

–Porcaria!

–Que foi? Posso ajudar?

–Não, nem te conheço.

–Sou Rogério, morador da pensão.

–Junior, filho do Djair. Sabe se ele vai demorar?

–Não sei.

–Que droga!

Não sei que tanto esse moleque resmunga.

–Se me falar, talvez eu possa ajudar.

–Minha namorada tá aqui na praia, mas eu tenho que ficar de olho na minha irmã. O idiota do meu irmão sumiu e eu não sei onde está.

Essa lombriga já tem namorada? E pensar que minha primeira eu fui ter com meus 17 anos. Esse mundo está muito apressado.

–Leve sua irmã junto.

–Ela não deixa eu namorar. Se ela acordar, vai ficar enciumada e xingando minha garota.

Já vi que hoje eu vou servir de baba.

–Deixa sua irmã aqui. Eu olho ela até seu pai chegar.

–Olha mesmo?

–Olho. Vai lá namorar.

–Valeu, cara.

Ele praticamente me jogou a criança em cima e saiu correndo. Não sei porque vim na praia.

Deixei a pobre criança dormindo na sombra e fui dar atenção pro cachorro que estava morrendo de sede. Apesar de tudo eu gostava do Ricky Martin. Eu sempre gostei de animais.

Como parece que o povo se esqueceu de mim, não vi outra alternativa a não ser ficar torrando nesse sol, já que a sombra do meu guarda sol estava ocupada pela garotinha e pelo Ricky. Fiquei assim uns bons minutos, só aproveitando. Até que a criança acordou e começou a gritar. Paguei mais um mico. Todos olhavam para mim como se eu fosse um sequestrador.

–Calma, garotinha.

–Quem é você? Me solta!

–Não grita, lindinha. Sou amigo do seu pai.

–Não é não!

E ela danou a gritar de novo.

–Calma, por favor. Todos já estão nos olhando.

–Eu quero o meu pai!

Dai-me paciência, meu Deus!

–Ele já vem, mas calma, tá?

Não tá. Abriu o berreiro de novo. Por sorte a criatura apareceu e pegou ela no colo.

–Margarete, sou eu, tia Lívia.

–Tia Lívia, quero o papai.

–Seu pai tá com seu irmão. Ele te deixou aqui com o amiguinho dele o Ba... Rogério. Olha ele.

–Você do amigo do meu pai?

Finalmente parou de chorar.

–Sou. Seu irmão te deixou aqui pra mim te olhar. Não precisa ter medo.

–Desculpa, tio.

–Não há porque se desculpar. Vem cá.

Peguei a pequena no colo e ela se acalmou. Menos mal.

–Que coisa mais linda essa cena. Você é um pai nato. –E a Flavia apareceu!

–Não, sou tudo menos pai. Vai lá com suas tias. –Resmunguei empurrando a garotinha pra cima daquelas loucas que a pegaram e foram com ela pro banheiro. Sozinho novamente, finalmente!

–Cadê minha irmã? –O irmão namorador apareceu.

–Estão com a Flávia e a Lívia. Você não ia namorar?

–Fui, mas aquela vaca estava com outro.

Coitado, tão novo e já com a cabeça enfeitada.

–Não esquenta. Tu é novo e ainda vão te aparecer muitas namoradinhas.

–Não quero mais namorar. Nenhuma mulher presta.

Esse moleque tá com dor de corno. Eu mereço!

–Nem todas são más. Um dia você acha uma que preste.

Ele ficou lá choramingando e o Djair apareceu, não sei da onde.

–Onde tá tua irmã, Júnior?

–Com as mulheres, pai.

–Ela acordou assustada porque não me conheceu e a Flávia e a Lívia foram com ela ao banheiro. –Falei.

–Você deixou sua irmã com o Rogério?

–Deixei. Ele disse que você era amigo dele.

E o Djair deu um cascudo no filho. Essa doeu só de ver.

–Aí, pai! O que fiz?

–Deixou sua irmã com um estranho. E se ele fosse um sequestrador, um pedófilo? Sem ofensas, Batman.

–Ele não é.

–Mas podia ser. Que irmão desnaturado!

Eles discutiram mais um pouco e o resto do dia passou entre piadas sobre minha sunga, cantadas da Flávia, farofa , sanduiches e sucos de dona Odete, olhares ameaçadores do Jorge e os filhos do Djair me chamando de Batman. Acho que nunca mais venho na praia com esses loucos.

Continua.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!