Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 12
Capítulo 12




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Acordei com um barulho estranho. Parecia alguém batendo em algo. Ainda tonto de sono levantei e algo me acertou nas costas. Virei-me e pude avistar uma pequena criatura desesperada tentando voar. Merda, um morcego! Comecei a gritar desesperado ao ver que não era apenas um, mas sim três. Corri para a sacada.

–Ajudem! –Comecei a gritar.

Gritei mais algumas vezes pedindo ajuda e a criatura apareceu da sacada dela.

–Eu te avisei para fechar a porta. –Ela me disse com aquele sorriso maligno.

–Você sabia!

–Claro que sabia. Por que acha que nenhum morador deixa a porta aberta?

–Maldita!

Nesse momento algo entrou como um trator colocando minha porta abaixo. Triste ver que era Camilo. Assim que viu os morcegos, correu para a sacada também e me abraçou, com medo.

–Me salva, Rogé!

–Eu também preciso de ajuda, mas não dá com você no meu pescoço.

Ele caiu na real e me soltou. Ainda bem que o Jorge não viu isso. Os bichos ainda estavam alvoraçados lá. Metade dos moradores apareciam nas suas sacadas para ver o que acontecia. Todos olhavam para cá. Alguns com curiosidade e outros com ódio, acho que por terem sido acordados. Camilo ainda gritava no meu ouvido.

–Ei, Amargado? –Lívia me chamou.

–O que quer agora?

–Use isso para tirar os pobres morcegos.

Ela me jogou uma espécie de rede amarrada a um cabo de vassoura. Me lembrou aquelas redes de caçar borboletas, mas essa era de pobre.

–Não acha que eu vou tirar aqueles bestas animais com isso?

–Essa é a rede que sempre usamos quando isso acontece. Eu que não vou tirar para você. Agradeça que ainda fui buscar a redinha.

–Tá, mas como pego esses bichos?

–Levante a rede, se aproxime deles e tente prendê-los aí dentro. Fácil.

–Se é fácil, por que não me ajuda?

–Porque não quero. Se vira. Você sempre diz que não precisa da minha ajuda.

–Ajude a gente, Lívia. –Camilo pediu.

–A você eu ajudo, Camilo.

Achei que ela finalmente fosse me ajudar, mas não, ela colocou uma tábua de obra apoiada nas sacadas e fez uma ponte para o Camilo passar pro quarto dela. Juro que odeio essa mulher. Como não teria outro jeito, tomei coragem, respirei fundo e entrei no meu quarto. Os bichos malditos ficaram quietos. Deveriam estar pousados em algum lugar. Acendi a luz e um deles voou em minha direção. Corri o mais rápido que pude, mas dessa vez para dentro da pensão. Péssima ideia. Um veio junto.

–Me dá essa porcaria! –Jorge saiu do seu quarto e tomou a rede de minhas mãos.

–Jorge?

–Cala a boca! Não aguento mais ouvir seus gritos. Agradeça ao Camilo que ele que me pediu para te ajudar, mas não faço por você, mas sim por ele. Ele morre de medo de morcegos.

Fiquei calado depois dessa ameaça. Mesmo sendo gay, ele é uma espécie de macho man. Rapidamente prendeu um dos morcegos e o soltou lá fora. Os outros dois, que ainda estavam no meu quarto, ele simplesmente espantou pela sacada. Se aproximou de mim e, praticamente me jogando a rede caça morcegos em cima, falou:

–Leia as regras da pensão para não causar mais desconfortos como esse.

–Regras?

–No mural. Leia.

Ele saiu bufando para o quarto. Voltei para o meu quarto e fechei a sacada, não queria mais morcegos por lá. Tamanha minha surpresa na hora de tentar trancar a porta. O Camilo destruiu minha fechadura. Não sei se eu choro ou se xingo. Mais 100 contos por água abaixo, mas a verdade é que estou muito cansado pra pensar nisso agora. Agora só quero ver uma coisa que me deixou intrigado: As tais regras.

Desci até a recepção e realmente existia umas regras loucas. Não sei se fico feliz ou triste de ler isso:

Com base nas experiências anteriores, aconselhamos:

1.Mantenha as postas e janelas fechadas à noite por risco de mosquitos e morcegos.

2.Evite jogar coisas pela sacada para não acertar seu vizinho na rua.

3.Usou a cozinha? Sujou? Limpe.

4.Se precisar de serviços gerais, chame o Djair do quarto 7.

5.Não deixe seu lixo na entrada. Largue de preguiça e caminhe até a lixeira na esquina.

6.Queixas de seu vizinho? Converse com ele sem violência. Gentileza gera gentileza. E conversando nos entendemos.

7.Respeite a vida alheia. Nada de fofocar sobre a vida dos outros para não gerar brigas.

8.Proibido matar as lagartixas que aqui vivem.

9.Precisa de um ombro amigo? Procure pela tia Odete.

10.Precisa de conselhos? Procure pelo seu Rodolfo.

Por fim, esperamos que aproveitem sua estada aqui.

Tá certo, algumas dessas regras me deixaram com medo, mas o que eu poderia esperar desse lugar? Até serviços psicológicos temos nas regras 9 e 10. Vê-se também que não fui o único a ler. Se a criatura tivesse lido a número 2, talvez agora eu e ela não nos odiássemos. Essa das lagartixas achei estranho, mas prefiro nem perguntar. Apesar de estranhas, é bom ver que esse local de loucos tem regras.

Voltei para o meu quarto, olhei a outra fechadura quebrada e quase chorei. Também não vou encher o saco do Djair agora, amanhã resolvo essa porcaria. Vou tentar dormir e rezar para não ter ficado nenhum morcego escondido aqui.

Acordei no dia seguinte e, por sorte, nenhum incidente mais ocorreu. Assim que passei pelo corredor, a maioria dos moradores me olhavam torto. É, pelo visto eles já sabem que eu fui o responsável pelo escândalo essa madrugada. Preferi deixar isso pra lá e fui procurar o Djair. Como sempre, o encontrei sentado no meio fio, olhando a vida dos outro e logo que me viu, gritou:

–Fala, Batman, rei dos morcegos!

–Sem zoação, Djair. E como você soube?

–Como disse, tenho insônia e o assunto do dia é você.

–Eu mereço.

–Quer que eu troque a fechadura de novo, acertei?

–Como sabe?

–Eu vi quando passei por sua porta. Isso tudo foi o desespero de ontem?

–Foi, mas não fui eu. Foi o Camilo.

–O Camilo? O que ele estava fazendo no seu quarto? Olha que o Jorge é ciumento pra caramba.

–Ele não estava no meu quarto. Ele entrou para me salvar quando escutou o meu grito.

–Coitado. Ele tem pavor de morcegos. Imagino como não deve ter ficado depois que viu os bichos.

–Ficou histérico, me agarrou pelo pescoço e gritou no meu ouvido.

–Coitado dele.

–Coitado de mim. Isso tudo poderia ter sido evitado se a Lívia tivesse me falado o motivo pra fechar a sacada.

–Se você não implicasse tanto com ela.

–Eu não implico.

–Me desculpa falar, mas implica sim. Você e ela vivem se espetando.

Tanto faz, eu não quero falar da Lívia, daquela criatura nefasta. Você pode, mais tarde, quebrar o galho e trocar a outra fechadura pra mim?

–Se quiser eu troco agora.

–Mas ainda tem que comprar, não?

–Já comprei. Sabia que você viria me procurar quando acordasse.

–Djair, você está sendo meu salvador por esses dias. Muito obrigado!

Ele trocou a fechadura pra mim e o paguei. Mais 100 contos. Espero que não precise trocar mais nenhuma tranca no tempo que eu ficar aqui nessa pensão.

Continua.


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