Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 11
Capítulo 11




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A criatura deve ter me rogado uma praga bem forte. Ela, como agora tem carro, o Pitanga, não precisa mais andar de ônibus, mas o animal aqui precisa. Peguei a porcaria do busão, parece mentira, mas aquela lata de sardinhas quebrou no meio do caminho. Se não bastasse o trânsito que me atrasa todo dia, mais essa. Cheguei quase uma hora atrasado no meu bar. Como hoje tem pouco movimento e por ainda ser cedo, encontrei a criatura toda feliz mostrando o carro para o Jonas. O meu bom amigo ainda riu da minha cara e falou:

–Tá atrasado.

–O ônibus quebrou.

–Se não fosse orgulhoso, poderia ter te oferecido uma carona. –A criatura zombou de mim.

Jonas rolava no chão de rir da minha cara. Se ela não fosse mulher, juro que esganava essa desgraça.

–Não preciso de sua carona. E o que fazem aqui que não estão atendendo aos clientes?

–Esperamos o patrão certinho aparecer. Se o chefe não sabe dar o exemplo... –Ela me alfinetou.

–Não me venha com suas gracinhas hoje, Lívia.

–Ela só está brincando, Rogério. Ainda não tem ninguém. É cedo ainda. Esqueceu que o pessoal só começa a aparecer lá pras 8?

–Mesmo assim, deviam estar lá dentro e não aqui fora.

–E você já deveria estar aqui. –A criatura soltou seu veneno.

Hoje eu a mato, ela está pedindo.

Acho que o Jonas leu meus pensamentos ou viu o ódio na minha cara, não sei, só sei que ele me puxou pra dentro e chamou a nefasta criatura também. Trabalhei calado e emburrado. Jonas e a criatura riram de mim a noite toda. Chegou a hora de ir embora. Fechei o bar enquanto as Maricotinhas fofocavam do carrinho novo. Me despedi do Jonas e ignorei a criatura. Ela nem perdeu o tempo em me oferecer carona, mas cismou de dar uma voltinha na cidade com o meu amigo, só para me irritar. Jonas, como bom amigo que é, aceitou e foi rindo da minha cara. Fui para a casa de ônibus.

Assim que cheguei em casa encontrei com o Djair me esperando na entrada. Porcaria! Esqueci que ele ficou de trocar a tranca da porta da sacada para mim. Me desculpei com ele e fomos para o meu quarto. Apesar de ser tarde, ele ainda me fez essa gentileza.

–Fiquei sem graça com você, Djair. Acabei esquecendo.

–Não esquenta, Rogério.

–Mas está tarde.

–Tenho insônia. Na verdade eu sempre vejo você chegar discutindo com a Lívia. Acho até divertido a implicância de vocês.

–Aquela lá me irrita. Me estressa.

–Ela é gente boa.

–É sim, imagina...

–Até achei que ela fosse te dar uma carona hoje.

–Tô fora. Dispenso as caronas daquela lá. Andar com ela é assinar a sentença. Ainda prezo por minha vida.

–Eu sempre andei com ela e nunca morri. Mas se bem que eu fiquei casado quase 10 anos e sobrevivi. Se não morri a isso, acho que nada me mata.

–Você é divorciado?

–Sou, há dois anos. A única coisa que levei de bom desse casamento foram meus pequenos. Tenho três filhotes lindos. Um garoto de 14, um de 9 e a menorzinha, minha princesa com 5.

–Mas o casamento não durou 10 anos? Como o mais velho tem 14?

–Eu e a mãe deles ficamos num vai e vem antes de casar. Tivemos o Junior, o mais velho e depois casamos. Separei e voltei, arrumei o Washington. Separamos de novo e voltamos. Para me segurar ela engravidou e teve minha princesinha Margarete. Ficamos nesse vai e vem durante 16 anos.

–E quando voltam?

–Nunca mais! Agora assinei o divórcio e é pra valer. Demorei, mas me livrei daquela cobra.

–O casamento é assim tão ruim?

–Era ótimo, até era começar a dar ouvido para as amigas e a me destratar e desconfiar de mim. Chegou uma hora que cansei.

–Mas e seus filhos?

–Eles me adoram, ao contrário da mãe deles. E você, tem filhos?

–Graças a Deus, não.

–Não pretende ter?

–Talvez um dia, mas não agora. Acho que tenho muitos problemas pra me preocupar com filhos.

O Djair ficou me falando dos filhos, como os pequenos são arteiros e como ele gosta deles. Admito, comecei a admirar esse cara por não se afastar dos filhos, mesmo separado. Ele acabou de consertar aquilo pra mim. Mesmo estando incluído como serviço nas despesas, ainda deixei o troco com ele como agradecimento. Afinal, ele tem que pagar 3 pensões. Não ficarei mais quebrado por isso. Varri o lixo que deu, juntei numa sacola e fui jogar fora. A noite estava quente e me faria bem tomar um pouco de ar. Estava acabando de fechar o latão quando uma voz irritante falou comigo.

–Se espera por carona, o lixeiro só passa amanhã lá pelas 8, 9 horas.

–Não ando no mesmo carro que você, Lívia.

–Sei disso, por isso deixo o caminhão de lixo exclusivo pra você.

–Te garanto que é mais seguro andar nele do que no seu Pitanga.

–Ao menos eu tenho carro e cumpro os horários, não é?

Ela saiu rindo. Minha raiva era tanta que acabei chutando a lixeira. Péssima ideia. Além de ficar com o meu pé doido, sujei meu sapato. Voltei esbravejando para a pensão e ainda mancando.

–Dessa vez, pra deixar de ser orgulhoso, vai subir mancando a escada. Não te ajudo mais.

A criatura nefasta ainda teve o prazer de me esperar sentada no sofá.

–Não preciso da sua ajuda. Sei me virar muito bem sem você. Aliás, todos os meus problemas são culpa sua.

–Claro, eu que te obriguei a chutar a lixeira...

–Te chutar que eu não podia.

–Da próxima, chute a parede. Quem sabe você não quebre o pé. Tenha uma boa noite e boa sorte para subir a escada.

Zombou de mim e foi para o quarto dela. Subi lentamente pelas escadas, meu pé ainda doía muito, e fui para o meu cantinho. Como sabia que não conseguiria dormir mesmo, peguei a cadeira e fui para a sacada. Agora não tinha o perigo de uma besta peluda me atacar de noite. Estava muito bem até uma criatura nefasta aparecer na outra sacada.

–Se eu fosse você, fecharia a sua porta.

–Mas você não é eu e eu não vou fechar. Nesse lugar não tem ar condicionado e um pouco de ar faz bem. Para os mosquitos eu já arrumei um incenso.

–Tá bom, o quarto é seu, a vida é sua, mas depois não me culpe pelo que acontecer.

–Dependendo, vou te culpar sim.

Ela me lançou um sorriso maligno e entrou. Fiquei até com medo agora, mas não quero dar o braço a torcer e a minha porta vai ficar aberta a noite toda. Só para provar isso, coloquei a cadeira para escora-la e fui dormir. Minha porta vai ficar aberta!

Continua.


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