A prometida das sombras escrita por Katy Tonnel, Katy Chin


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Capítulo 2

Deitada em sua cama, transbordada de sentimentos, abraçada ao seu travesseiro, olhava o tempo passar. Ela não conseguia dormir; algo dentro de seu peito doía, era como se algo a atingisse, como uma facada. Tudo ainda lhe parecia confuso, no entanto suportável até certo ponto. Katherine foi despertada de seus pensamentos por três batidas em sua porta. Estava bem frio naquela noite, tudo o que ela queria era ficar deitada em sua cama e ficar junto a sua amargura, pelo menos naquela noite. No entanto as batidas passaram a ser uma voz, era Sarah. Sua porta estava trancada, então ela teve que levantar sem hesitar entre fingir dormir ou atender logo a porta. Levantou-se da cama e abriu a porta dando de cara com uma Sarah de olhos arregalados e um bilhete em mãos. Tudo parecia ser tão antiquado, porém prático.

– Por que demorou tanto? Tenho péssimas notícias e temo que isso lhe aflija mais ainda. No entanto não sei se é certo deixa-la desinformada, afinal... É sua família. – Sarah falou entrando no quarto apertando o bilhete, quase o rasgando. Ela estava nervosa, confusa e na dúvida se falava ou não. Ela sabia em que estado sua amiga se encontrava naquele momento, seria certo ou errado falar sobre o que aconteceu na cidade e dentro de seu antigo lar?

– Diga logo o que tem para falar, Sarah, estou começando a ficar preocupada! – Falou parando em frente à Sarah que com certo nervosismo estendeu a mão para Kate que em seguida segurou nas pontas dos dedos o pequeno pedaço de papel.

– Eu... Bom... – Ela se calou. Kate estava esperando por mais palavras, entretanto o pedaço de papel a sua frente a deixou mais curiosa sobre o que ela tinha a dizer, ela sentia que não deveria olhar, mas sem pensar ou hesitar pegou o papel da mão de Sarah e o abriu lendo o recado ali escrito.

Lágrimas escorriam de seu rosto. Ela sentia as chamas dentro de seu corpo, seu sangue borbulhava, seus dedos ardiam assim como seus olhos. Seria mesmo verdade? Não! Elas não poderiam. Seu coração batia forte, a dor da perda estava presente. Ela fechou os olhos encolhendo os ombros e respirou fundo. Sarah sem dizer nada a abraçou, tocando seus cabelos lentamente.

– Sinto muito... Eu sabia que não era para ter trazido o recado, sinto muito por sua perda. Garanto-lhe que ela terá um bom velório.

– Por quê? Quem fez isso, Sarah? Quem foi? – Kate trincou os dentes tentando segurar suas lágrimas. Ela estava com raiva, sentindo a dor crescer em seu peito. Quem fez aquilo não sairia em pune. Ela estava cansada de sempre ser a fraca da história, aquela que sempre sofre por causa de algum ato irracional da parte de alguém. Ela estava farta daquela vida e daquela que mais a tormenta. Porém, naquele momento não havia nada a ser dito, tão pouco o que se fazer. Tudo o que ela queria naquele momento era ficar ali sofrendo, mas não iria fazer isso.

– O que aconteceu? Por favor, não minta para mim. – Ela não sabia como agir naquele momento. Algo dentro dela queria fugir daquele castelo e ver se tudo era realmente real, ou somente sua imaginação lhe pregando peças.

– Não sabemos ao certo o que aconteceu Kate. Houve um incêndio na casa, sinto muito. No entanto alguns guardas acreditam que o incêndio foi provocado por alguém.

– Eu fiz uma promessa... Do que adiantou fazer tudo isso por ela se... Ela não está mais aqui? Do que adiantou tudo isso? Por que o destino é cruel comigo? O que eu lhe fiz? – Falou com raiva e tristeza na voz. Ela se culpava naquele momento. Tudo em que ela conseguia pensar era na vingança, na vida que foi tirada de sua irmã e em sua vida antiga. Elas tinham planos, porém tudo foi destruído.

– O destino não nos tira as coisas, a vida nos tira. A perda e a dor é algo que nós sempre vamos sentir ao longo de nossas vidas, assim como a culpa, mas também iremos sorrir e ter momentos tão divinos quanto o que tivemos no passado. Lembre-se querida, perdermos e chegamos ao fundo do poço, mas quando chegamos ao final, não podemos mais descer. Somente subir. Se você acha que seu poço já está no limite, faça a água subir. – Falou levantando a cabeça baixa de Kate.

– Me leve para casa? Leve-me de volta! – Falou Kate limpando suas lágrimas. – Preciso dizer minhas últimas palavras para alguém que é especial para mim... Preciso me despedir, sinto que se eu não o fizer eu vou ir à loucura. Não aguento mais Sarah... A dor que eu sinto é tão... Tão... Eu estou em um abismo tão profundo que sinto que se eu não me segurar em alguma coisa, estarei desmoronando e se isso acontecer... Minha vida e tudo o que um dia eu acreditei irá junto. Não sei mais o que fazer... – Falou quase sussurrando. Sarah escutou tudo com atenção. – Todos são culpados; a vida, você, os reis, meus pais... Todos são culpados pela minha desgraça. Se todos os tijolos do meu muro cair, minha fortaleza também irá. Então... Não terei mais para onde recorrer. – Falou olhando para o chão sentindo seu corpo tremer, ela estava feroz naquele momento. Ela estava desmoronando, como se fosse feita de cristal, esse cristal havia sido tocado em todas as suas rachaduras e fez com que ele se quebrasse e morresse completamente. Sua beleza não existia mais, a pureza e o brilho lhe foi tirado.

Sarah ouvia o desabafo de Kate atentamente, ela podia sentir a dor em suas palavras. Kate estava sentida com tudo, sensível e seus sentimentos falavam mais alto naquele momento.

– Me leve para minha casa, se não me levar neste instante irei sozinha e se eu for jamais irei voltar. Irei embora para sempre, irei fazer aquilo que eu sempre planejei. Não será você e muito menos os reis a me impedir. – Falou entre dentes.

Sarah tinha seu coração nas mãos. Ela estava preocupada com Kate, ela se arrependeu de ter levado aquele bilhete à menina. Ela estava se sentindo culpada. Os reis não estavam no castelo naquele momento, eles haviam ido até o castelo vizinho ver suas rainhas. No entanto estavam voltando e logo chegariam, caso não encontrassem as outras prometidas, Sarah e Kate no castelo, tudo iria desmoronar naquele castelo. Ela realmente queria ajudar Kate em sua jornada, porém nada poderia ser feito.

– Me desculpe Kate, não poderei... Os reis estão voltando. Sinto muito. – Falou abaixando a cabeça.

Sarah sabia que Kate estava sem saída. A noite estava muito fria, havia uma tempestade de neve do lado de fora. Kate não iria sobreviver até a cidade. Além de tudo, só havia uma maneira de ir para onde ela queria, com algum tipo de magia que só os reis e ela mesma tinham. Todo aquele lugar era mágico, feito por bruxos que ali habitavam. Porém eram poucos. Os que viviam ali eram escravos, capturados e postos no reino para servirem aos reis. Os que não aceitavam as condições eram mortos brutalmente pela ira de um dos reis: Matt.

– Então eu irei sozinha. Obrigada por sua hospitalidade, Sarah! – Falou Kate com ironia na voz. Kate vestia apenas sua camisola, estava frio e ela sabia que não aguentaria aquela temperatura. Então pegou um casaco fino no guarda-roupa, o casaco mais grosso que tinha e suas botas sem salto. Pegou luvas e uma touca as colocando para se proteger do frio.

Sarah ainda estava no quarto, não disse nada. Apenas a olhava sem acreditar que aquela mesma garota estava tão decidida a fazer algo. Katherine estava mudando, ela podia ver isso. A menina estava amadurecendo e aos poucos perdia a essência de sua inocência. A vida e o mundo sobrenatural estavam a fazendo ficar daquele jeito. Sarah só conseguiu dizer algo quando a garota estava prestes a sair.

– Tudo bem, Katherine. Se quiseres ir, vá. Não irei impedir, também não irei ajuda-la. – Falou vendo a garota assentir confirmando e saindo com pressa daquele quarto.

Ela não conseguia pensar naquele momento. Era perigoso sair naquela hora e naquele estado. Kate passou pelos corredores e desceu as escadas que davam à porta de saída, porém no meio do caminho Kate viu as duas prometidas, mas nada falou passando direto. Mas ela não passou despercebida pelas garotas. Quando colocou sua mão direita a maçaneta da porta ouviu Alice comentar com a outra:

– Olha só... A corrompida. – Comentou maldosamente. – Espero que vá e nunca mais volte. – Gargalhou olhando para Mirna que sorriu também sem jeito.

Kate queria sair dali, porém suas emoções foram mais fortes do que sua consciência. Ela se virou olhando para as duas e falou:

– Repete o que você disse? Anda! Acha engraçado, Alice? – Falou dando risada também. – Vamos ver se acha graça agora! – Falou sorrindo enquanto fechava os olhos e levantava sua mão em direção a ela. – Quero vê-la sorrir agora Alice, sorria para mim... Faça piada agora. – Ria Kate enquanto via Alice engasgando com as mãos no pescoço encostada à parede a três palmos acima do chão.

Mirna não sabia o que fazer. A morena tinha seus olhos arregalados e as mãos na boca e estava atordoada com o que via naquele momento. Ela encostou-se à parede e viu que não tinha mais saída fechou os olhos achando que aquele era o seu fim. E tudo em que ela conseguia pensar era “Quem era Katherine?” “Ela era uma bruxa?” “Ela pertence à aquele mundo?” Ela tinha muitas perguntas e medo naquele momento.

– Você é um ser desprezível, Alice. Fútil, imprestável e merece viver na vala, ser exilada e viver na miséria que um ser como você merece. – Falou soltando a garota que caiu sentada no chão e que agora estava vermelha e tossindo com lágrimas escorrendo pelo rosto. Em volta de seu pescoço tinha manchas rochas.

Alice não ousou olhar para Kate que saiu dali sem olhar para trás. Mas no fundo se perguntava sobre o ocorrido e no que ela estava se tornando, conforme tudo ia acontecendo em sua vida. Ela sentia a ira e vontade de matar todos naquela cidade. Os flocos de neve eram como pedacinhos de vidro lhe atingindo o rosto. Kate apenas apertou mais o casaco contra seu corpo e andou até o estábulo do castelo. A pé ela nunca iria conseguir chegar até a cidade. Ela andou até chegar a um prédio de dois andares. Abriu um portão de duas portas e viu cinco cavalos e há alguns metros uma rampa que dava ao segundo andar. Ela deduziu então que seria a garagem dos carros.

Kate não queria fazer barulho, ela decidiu ir a cavalo. Se pegasse algum carro os guardas do castelo a impediriam. Kate pegou o cavalo mais calmo do local. Ela apenas colocou a correia no cavalo e o montou e o fez correr em imediato. Kate apenas sentia o vento gelado e respirou fundo sentindo seu coração disparado no peito. Ela então fez seu cavalo parar. Ela se deu conta que não sabia realmente para onde estava indo. O lugar estava cercado de magia, tinha somente neve e árvores no lugar. Ela precisava de um recurso mais... Fácil naquele momento. Ela então tocou a cabeça do cavalo e respirou fundo tentando alguma coisa. Uma voz firme em sua mente ecoou. “Run” Foi tudo o que ela escutou antes de o cavalo mudar de direção e correr mais rápido do que antes.

Estava difícil de equilibrar-se naquele cavalo. O frio, o vento trazendo mais flocos de neve para sua face que eram igualados aos cacos de vidro. Ela apenas abraçou o pescoço do cavalo que não precisava de seus comandos escondendo sua face em seu braço deixando o cavalo a guiar. Ela havia saído das terras do castelo e estava chegando perto do segundo castelo, onde teve o baile em que dançou com Seth e teve sua primeira experiência sobrenatural.

Suas lembranças eram dolorosas demais. Ela se lembrava de cada detalhe e sensação que sentiu naquela noite. Ela se lembrava do frio na barriga, o mesmo frio que estava sentindo naquele momento. Era medo, insegurança e vontade de deixar tudo para trás como se nada fosse real. Ela ficou por alguns segundos observando aquele lugar e o cavalo seguiu seu caminho.

Ela voltou a esconder seu rosto no casaco e ficou de olhos fechados, tudo o que ela queria era chegar logo em sua casa. O cavalo cortou caminho dentre a floresta escura, o mesmo ia cortando caminho entre as pequenas brechas e caminhos pelo local, com agilidade e atenção. Uivos foram escutados. Uivos tão altos e arrepiantes como o som da brisa entre as folhas das árvores soltando assobios medonhos. Seu coração estava disparado, Kate somente segurou mais firme naquele cavalo e ele ganhou mais força e agilidade, ganhando uma velocidade incrível, como se ele fugisse de um leão faminto.

Não havia nada para ser pensado naquele momento. Ela queria estar em sua casa, porém algo a deixava na defensiva , ela sabia que não estava em segurança e naquele momento lhe veio a mente, para onde ela iria e qual seria seu caminho dali em diante? Tudo era incerto e ao mesmo tempo assustador, porém aquela era sua única chance. Ela havia perdido Emma, Esther por mais que não fosse tão especial, mas havia às perdido para a morte. Algo dentro de seu peito sabia que tudo aquilo não era uma mera coincidência, alguém havia matado sua família. Alguém havia colocado fogo em sua casa, eles assassinaram pessoas amadas, e quem quer que fossem, ela se vingaria.

Kate levantou a cabeça e saiu de sua proteção contra o frio, olhou na direção em que estavam seguindo e percebeu que estavam sendo seguidos. Aqueles uivos altos, não estavam tão longes. Estavam tão perto ao ponto de estarem em sua cola. Seu cavalo corria não só para o destino que lhe foi imposto, mas também por sua vida. Os lobos os seguiam.

Kate não sabia nada sobre cavalos, o que a deixou assustada naquele momento, porém algo dentro de seu peito se ascendeu, era como se não fosse ela em seu próprio corpo, ela se sentia uma invasora, ela sentia que poderia dormir a qualquer momento, ela se sentia fraca como se precisasse do conforto de uma cama, ela estava prestes a cair de seu cavalo quando seus olhos se abriram e alguém tomava seu corpo naquele momento, Amara.

“Somos uma só, você sou eu, eu sou você. Somos a mesma vilã.

O cavalo tomou um novo rumo, os olhos de Kate tinham uma nova cor, era uma mistura de preto como uma pedra. Seus olhos estavam irradiando vida, no entanto irradiava também a raiva. Era pavorosa a forma em que Amara tomava seu corpo. Kate não a queria ali, algo a deixava inconsciente, porém em alguns momentos de fraqueza de sua possuidora ela conseguia retornar, era algo de alguns segundos e nada mais.

“Saia! Saia de meu corpo.”

Kate lutava mentalmente com Amara, ela tentava com todas as suas forças se manter acordada, mas algo dentro de seu corpo tentava mantê-la distante de suas escolhas e ações.

“Saia de dentro do meu corpo sua parasita.”

Amara não respondia a nenhuma de suas palavras, Kate adormeceu. Seus olhos se fecharam e seu cavalo perdeu a direção, tropeçando pelas patas derrubando Kate que permaneceu desacordada por alguns segundos até escutar um uivo e acordar tão assustada quanto os pássaros que voavam entre as árvores avisando aos outros animais sobre o perigo. Ela levantou com pressa ajeitando a roupa que vestia olhando atordoada para os lados e reconheceu o lugar em que estava.

Kate estava em pé no mesmo lugar onde seu pai a fazia treinar sua magia negra, era o mesmo lugar. O tronco cerrado para as pedras estavam no mesmo lugar. O local estava escuro, era iluminado pela luz do luar e as estrelas. O cavalo que a carregava estava comendo folhas a alguns metros de distância. Ela estava assustada, outro uivo foi escutado. As batidas do seu coração estavam descontroladas, o barulho de galhos sendo quebrados foi escutado, um rosnado logo em seguida. Tinha mais alguém naquela floresta. Era um lobo.

Kate não sabia o que fazer, seu coração estava disparado, cheio de adrenalina e ela só tinha uma coisa em mente: Fugir. Ela precisava sair dali. O animal do tamanho de seu cavalo estava comendo a carne de um cervo próximo a uma árvore. Era tarde para não fazer nenhum alarde, pois ‘o lobo já a havia visto e rosnou para ela olhando diretamente para seus olhos.

Ela sabia que aquele não era seu lobo, Seth. Ele era diferente. Seus olhos eram negros, como se aquele lobo não tivesse uma alma. Ele era cruel, ela sentia isso. Porém, era um dos lobos do castelo.

Kate não poderia ficar ali, ela segurou em seu cavalo com firmeza, fechou os olhos e disse para si mesma. “Seja o que Deus quiser.” Então seu cavalo começou a correr, desviando de árvores e pulando as raízes altas do chão.

O lobo olhava a garota sabendo que ela não teria saída. Ele gostava de jogos, havia recebido a ordem de matar qualquer um que ousasse sair ou entrar no castelo sem autorização. O lobo correu atrás de sua vítima.

O lobo cinza, cruel e sem alma estava sujo de sangue. O Cervo que acabou de matar era um filhote, quase um adolescente. Devido a isso ainda estava com fome, viu sua chance de se saciar no cavalo da moça.

Kate percebeu que o animal não fazia esforço algum e estava próximo a ela e ao cavalo. Ela teria que fazer alguma coisa. Seus dedos estavam formigando, seu corpo estava tão quente, a ponto de nem sentir mais frio e a neve que caia sobre seu corpo derretia-se em segundos.

– Deixe-me animal, ou sofrerá as consequências! – Avisou Kate sem deixar de segurar no cavalo enquanto o mesmo fugia do perigo.

O animal a entendia, porém ele estava tomado e domado pela fera. A humanidade dentro de si não era correspondida, ele não parou. Jogou-se em cima da moça quebrando a pata traseira do cavalo e a jogando contra uma árvore podre. O corpo de Kate tremia de medo e angustia. Sua cabeça doía e sua vista estava embaçada por conta da pancada. Ela deixou algumas lágrimas caírem e levou uma de suas mãos até a parte de trás de sua cabeça.

Não... Não... Não, eu preciso chegar em casa... não!” Ela pensou levando sua mão com sangue a sua frente. Ela estava em desespero, suas costas doíam, o lobo estava estraçalhando seu cavalo. Ela estava horrorizada com a cena a sua frente. Era bruto, selvagem e desumano. Seth fazia aquilo? Seth era selvagem? Seth tinha sua humanidade?

Ela não sabia o que pensar nem o que fazer, o desespero estava presente. O lobo estava se alimentando do animal, porém se lembrou da moça que estava logo a sua frente olhando toda aquela cena. Os pelos cinzas, do animal estavam manchados de sangue, seus olhos estavam maiores e ele veio andando lentamente até Kate mostrando seus dentes afiados e ensanguentados.

A cada passo que ele dava Kate encostava-se cada vez mais no tronco podre da árvore morta. Ela queria fundir-se ao tronco, porém era impossível. O lobo estava bem perto, tão perto que ela poderia sentir sua respiração. Ela fechou seus olhos escutando o rosnado do animal há centímetros de sua face cheia de expressões de medo.

– Deixe-me ir embora... Por favor, por favor, deixe-me ir. – Ela implorava.

Kate sentia sua energia fluindo aos poucos. Ela sabia que aquele lobo poderia a atacar a qualquer momento. Aquele lobo não estava normal, estava fora de si. Ele poderia a matar como matou seu cavalo há poucos momentos? Ela queria acreditar que não.

Então ela se lembrou de Sarah e do que ela havia lhe dito na primeira aula de magia. “Somos bruxas, pegamos energia de tudo ao nosso redor. A magia está em tudo o que vemos, tocamos e sentimos. Tudo é magia Katherine.”

Kate abriu seus olhos, ainda sentindo muito medo. Ela tocou o chão com uma de suas mãos ainda olhando para dentro dos olhos do animal que rosnava perto de seu rosto cada vez mais perto. Ela levantou sua mão esquerda e foi levando devagar até a face do animal a sua frente, ela não poderia temer. Ele percebeu o movimento da moça e tentou morde-la, porém não teve sucesso, ela retirou sua mão a levando para o chão e levantou a outra tocando a cabeça da besta.

– Eu disse para não mexer comigo, lobinho! – Falou com um sorriso e fechando os olhos sentindo a brisa gelada passando em seu corpo.

O lobo uivou, ele sentia dor. Seu cérebro estava sendo fritado. Kate deixou cada parte de seu corpo soltar magia, tudo para ela se transformou em magia e energia. Ela estava deixando sair... Tudo. Toda a sua raiva. Ela não parou até ver o animal se contorcendo no chão e chorando. Então ela se deu conta do que estava fazendo. Ela o soltou.

O animal havia desmaiado, porém ainda vivia. Ele era um ser imortal, porém se ela quisesse o mataria rapidamente. Ela percebeu que aos poucos o animal voltava a sua forma humana. Ela escutava o barulho de seus ossos se movimentando e os pelos do animal diminuindo. Aos poucos ele voltou ao normal, até um homem de pele clara surgir a sua frente.

Ele tinha um rosto quadricular, barba por fazer e cabelos longos que iam até o queixo totalmente negro. Ele estava deitado de lado, com uma perna tampando seu membro e um braço sobre o peito nu e definido. Ele era um belo homem, porém nada igualado ao seu amado rei.

Ela não queria deixar o homem sozinho, por mais que ele fosse cruel e tentasse a matar. Ela ainda tinha um pouco de Katherine dentro de si, a essência da ignorância e bondade. Mas ela não poderia fazer nada, a não ser correr antes que o homem acordasse. Então ela correu sem olhar para trás segurando a capa em seu corpo pequeno e magricelo.

Kate conhecia aquela parte da floresta, estava perto da cidade. Ela só tinha que seguir em frente. Correr o máximo que poderia. Sua respiração estava acelerada por correr tanto, mas ela não desistiu. Ela estava quase lá.

Kate parou percebendo que era o fim do caminho. Ela estava em cima de uma montanha, dava para ver as luzes da cidade. Ela só precisava descer dali. Ela ainda não sabia como. Olhou para um lado, depois para outro. Ela resolveu então andar em direção a descida e seguiu seu caminho. Não foi tanto tempo de caminhada, ela podia perceber que faltava pouco para amanhecer. As luzes no horizonte aos poucos apareciam, mostrando um pouco do vermelho, laranja e azul com algumas nuvens branquinhas. Era uma linda imagem a se contemplar. Ela conseguiu chegar à estrada onde seguiu em linha reta, reconhecendo onde estava. Ela costumava brincar naquela rua junto a sua irmã e algumas meninas próximas ao local. Lembrar-se de Emma naquele momento a fez querer desabar e chorar até não poder mais.

Ela andou alguns minutos a mais até chegar à rua de sua casa. O local estava com alguns carros da polícia e alguns homens vestidos de preto com o símbolo do lobo. Eram guardas dos reis, que conversavam com algumas pessoas do local. Ela embrulhou seu corpo dentro da capa e foi andando em direção a sua casa, tentando não ser reconhecida.

Ela parou em frente à casa e fechou seus olhos deixando suas lágrimas saírem. O local estava destruído. Ela se sentia triste ao ver que toda a sua vida e história foram destruídos de tal maneira. Algumas partes da casa ainda estavam de pé, porém outras estavam caídas, como se um trator tivesse passado por ali.

Um rapaz estava parado ao seu lado, ela não o conhecia então decidiu puxar assunto.

– Você sabe o que aconteceu? – Perguntou Kate a ele.

– Não... Eles ainda não deram notícias, tudo o que eu sei é que duas mulheres morreram... Por quê? – Perguntou o rapaz de braços cruzados tentando conter o frio.

Ela não sabia o que responder nem como reagir, ela sabia que aquele momento chegaria e tudo o que ela passou para estar e chegar até ali foi a prova viva de que ela era capaz de ser forte o suficiente para não cair ali naquele momento.

– Ah... Não, nada! Eu só fiquei curiosa. – Respondeu dando um sorriso gelado ao rapaz e fechou os olhos abaixando mais o capuz em sua cabeça e saiu de perto do rapaz que aparentava ter seus 16 ou 17 anos de idade.

Kate andou até a calçada de sua casa e passou pelo jardim indo até a parte de trás da casa. Por sorte não foi percebida. Ela conseguiu entrar na casa por um buraco da parte da casa que desabou. Ela havia entrado na parte da sala. Estava tudo queimado, excerto por um quadro que continha a foto de Emma e Kate quando eram pequenas. Aquela foto a fez chorar, ela deixou as lágrimas que segurou durante horas até chegar àquele local. Sua tristeza era evidente. Ela havia chegado em casa. Ela voltou para sua irmã como havia prometido, mas não pode cumprir realmente sua promessa.

Ela fechou os olhos dando um breve sorriso tendo uma lembrança de muitos anos.

– Por que a princesa sempre depende de um príncipe, Kate? – Perguntou Emma sentada no sofá, coberta com um edredom enquanto comia bolo de chocolate.

– Porque sem o príncipe a princesa não conseguiria fugir das pessoas malvadas. E ele sem ela não haveria uma história.

– Mas Kate, você sempre me disse que a gente tem que ser forte e que a gente escreve nossa própria história.

– Sim, Emma. A gente escreve nossa história pelas escolhas que a gente faz, não por que alguém decidiu pela gente. Nós escolhemos nossos caminhos, assim como essa princesa que escolheu ir até o baile para ver seu príncipe.

– Por que você é tão má com as histórias, Kate?

– Elas são só histórias querida, elas não existem. Sabe por que essas histórias não tem uma continuação? – Emma fez sinal de que não sabia para a irmã. – Porque é aí que começa a vida real deles. A vida é dura minha irmã, ela tira as coisas, ela faz a gente pensar que está tudo bem, mas quando a gente vê tudo está perdido.

– Não fique triste pela morte do papai, Kate, eu estou aqui e prometo sempre cuidar de você assim como você cuida de mim. Eu te amo, irmã. – Falou a pequena abraçando sua irmã que o retribuiu.

– Eu também te amo, Emma... – Falou Kate acordando de seus devaneios. – Sinto muito não ter te protegido... Não adiantou nada eu ter tentado salva-la de algo para acabar assim... Não adiantou nada. – Falou deixando-se cair de joelhos no meio da sala ainda chorando.

Ela sentia seu coração parando aos poucos. Toda aquela adrenalina que ela sentia antes havia sumido, dando espaço para sua solidão. Ela envolveu seus braços em volta de seu corpo e sentou em cima de suas pernas fechando olhos deixando suas lágrimas caírem. Tudo estava destruído, queimado e morto.

– Sou a culpada de toda essa merda! – Falou para si mesma. – Me desculpe Emma, me desculpe. Não pude a proteger, não fui forte o suficiente, mas te prometo que descobrirei quem fez isso e essa pessoa vai pagar por tirar sua vida longa e feliz. Ela vai pagar por todos os meus sacrifícios terem sido em vão. Eu amo você. – Falou olhando para a única foto delas no local. – Eu amo você irmã.

Kate levantou do chão e foi andando em direção até o seu quarto antigo que tinha a porta fechada, porém toda queimada. Ela abriu a porta e deparou-se com um quarto todo queimado, porém um pouco inteiro. Estava tudo do jeito em que ela deixou. Cada móvel em seu devido lugar, tirando a parte de que quase tudo estava derretido e algumas coisas de vidro estouradas. Ela tentou conter as lembranças e conter a dor que sentia, mas era impossível. Aquele lugar era um recipiente cheio de lembranças para ela. Kate saiu dali e foi andando até a parte de trás da casa. O local não foi destruído. Estava do jeito que ela e Emma haviam deixado. Kate olhou para uma árvore, um pé de manga e se lembrou do baú de tesouro que ela e Emma fizeram há alguns anos e que prometeram abrir juntas quando ambas fossem maiores de idade.

Kate pegou a pá que ficava ao lado da árvore e começou a cavar onde haviam enterrado a caixa. Porém era difícil saber o lugar exato por conta da neve e do frio. Ela não levava tanto jeito assim, seus braços logo se cansaram, mas ela não desistiu até conseguir sentir a pá bater contra a caixa. Ela bem determinada se abaixou e pegou a caixa retirando-a do buraco. Ela não tinha a chave do pequeno cadeado que trancava a caixa, porém ela tinha algo que poderia ajuda-la naquele momento; sua magia.

Kate fechou seus olhos e abriu a pequena caixa mexendo seus dedos sentindo-os um pouco quentes. Ela havia feito tudo com sucesso.

– Não estamos abrindo juntas, mas eu estou cumprindo minha promessa. – Falou olhando para a caixa.

Kate abriu a caixa dando um sorriso junto a lágrimas para a caixa cheia de papeis. Ela retirou carta e pequenos bilhetinhos até achar as joias que Emma colocou ali. Emma havia guardado seu colar preferido feito de ouro com um pequeno pontinho de luz feito de diamante dado por seu pai. Kate havia ganhado brincos, Emma o pequeno colar que passou de geração em geração na família Lockwood.

Kate pegou o colar e o colocou no pescoço, o segurou com carinho e ternura. Ela pegou os bilhetinhos escritos por Emma e começou a ler o primeiro.

Espero que tenha me esperado para abrir essa caixa, Kate. E se não esperou eu irei saber e se isso acontecer ficarei com os tesouros só para mim.”

Kate sorriu lendo esse bilhete e se lembrou de quando ele foi escrito.

Kate estava com seus quatorze anos, Emma era bem mais nova e elas estavam fazendo um caixa para abrirem e lerem no futuro. Emma não queria que Kate abrisse a caixa sem ela e começou a escrever o bilhete arrancando risadas de sua irmã mais velha.

– Emma eu não irei abrir a caixa sem você, prometo esperar no tempo certo. – Sorriu.

– Promete mesmo? – Perguntou.

– Sim, prometo Emma. Agora vamos terminar isso aqui.

Kate o colocou de volta na caixa e a fechou com o cadeado novamente, tudo eram lembranças de sua irmã e sua vida antiga, a qual ela sabia que não iria ter de volta. O passado para ela se tornou distante e frio, no momento em que colocou seus pés no castelo e viu os reis pela primeira vez. Sua vida não era normal e nunca seria. Sempre teria perdas e sofrimento, fazia parte de sua vida amaldiçoada.

Ela colocou a caixa de volta no buraco e empurrou a terra e a neve com as mãos para tampar o buraco que havia feito. Kate não se deu conta, mas estava sendo observada. Esse alguém não estava muito feliz com sua fuga, nem com o que andou fazendo.


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Notas finais do capítulo

A T E N Ç Ã O: ESTE CAPÍTULO ESTÁ BETADO. CASO ENCONTRE ALGUM ERRO DE ORTOGRAFIA AVISE FAZENDO O FAVOR, OBRIGADA!