After the pain escrita por Neryn


Capítulo 7
Memórias dolorosas do passado.




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– Estás bem?

Era Andrew e na sua voz mostrava preocupação.

– Sim, estou. - limpo as lágrimas que insistiam em sair e levanto-me apressadamente olhando para Andrew que tinha o olhar pregado em mim e seguia todos os meus movimentos. Fungo e continuo - Podes sair por favor, esta casa de banho é apenas para raparigas.

– Ah! Agora pedes por favor.

– Sai, por favor! - tento manter a voz firme mas ela falha.

– Não! Só saio daqui quando disseres o porquê de estares assim. - Andrew não desistia. Mesmo pedindo-lhe educadamente para sair, ele não recuava.

–Dói-me a cabeça, só isso - ele olha para mim com um ar incrédulo e arqueia a sobrancelha esquerda.

– Desculpa, mas a rapariga que usa a expressão, passo a citar "usas raparigas como se fossem t-shirts e depois manda-las para lavar" não chora por uma simples dor de cabeça por mais forte que seja.

Eu estava embasbacada com a sua resposta e sem nada para dizer. Tentei sair mas ele impediu-me agarrando-me no braço e virei-me olhando diretamente nos seus olhos o que claramente foi um erro. Fiquei presa nos seus olhos verdes intenso e extremamente hipnotizantes. Não sei quanto tempo ficamos assim, apenas olhando um para o outro, mas tudo acabou quando me surgiu na cabeça a imagem do meu pai a espancar a minha mãe e eu impotente sem poder ajudá-la porque se o fizesse quem levava era eu e ela não o permitia. Uma lágrima começou a escorrer pelo meu rosto, e o Andrew levou a sua mão à minha face para detê-la mas eu virei cosas e sai deixando-o pendurado.

Voltei para a sala, tentando disfarçar que tinha estado a chorar. Não prestei atenção ao resto da aula nem sequer me esforcei. Finalmente tocou e era a última aula por isso fui para casa.

Chegando a casa, pousei as minhas coisas, dirigi-me para a cozinha peguei numa maça e fui para o meu quarto. Felizmente a minha mãe e tia estavam a trabalhar por isso tinha algum tempo para me recompor e fingir que estava tudo bem. Mas o passado voltou como uma catapulta, oriunda do meu inferno que me acertou em cheio. Fiquei a cismar com aquelas coisas todas. O jantar foi sossegado mas não tenho a certeza se disfarcei bem, acho que elas ficaram desconfiadas mas se perceberam não disseram nada. A noite foi má, mal dormi, tive um pesadelo outra vez mas desta vez o meu pai saiu da prisão por bom comportamento, o que me surpreendeu porque de bem comportado não tem nada, e no pesadelo ele veio atrás de nós e... matou a minha mãe mesmo à minha frente, aproximou-se de mim e acordei aos berros e a chorar. O meu pão nosso de cada dia!

– Está tudo bem, querida. Calma - diz a minha mãe entrando no meu quarto em camisa de dormir rosa clara pelo joelho e sentou-se à minha beira na cama abraçando-me. A minha tia chegou logo, mas sentando-se ao fundo da cama pondo a sua mão nas minhas pernas. Eu chorava, chorava e arfava com falta de ar, sentia o meu esmagado e por mais que eu quisesse ar este não queria entrar nos meus pulmões.

Elas não saíram do meu lado, a minha mãe abraçando-me e a minha tia fazendo-me carinhos nas pernas, ambas dizendo "Já passou. Está tudo bem. Ele já não nos pode magoar". A minha mãe até já me acompanhava a chorar!

A minha tia regressou para o seu quarto após muita insistência da minha parte e da irmã, mas esta não quis sair da minha beira nem por nada e acabou por deitar-se ao meu lado e a muito custo consegui adormecer.

Acordei cansada e já sem a minha mãe ao meu lado. Preparei-me e fui para a cozinha, mas não encontrei o habitual ambiente leve e alegre. Onde estava aquela boa disposição e as cantorias? Fiquei aterrorizada, a culpa era minha! Eu suguei toda a alegria da casa. Elas mexiam nas panelas e soltavam sons descompassados e sem qualquer musicalidade.

Como habitualmente fui para a escola e a semana passou num abrir e fechar de olhos. A Lyla tentava alegrar-me mas não conseguia Boa tentativa! pensava eu. Eu tentava ao máximo não parecer triste mas o último sonho tinha sido o pior e tinha-me afectado mesmo o que me deixou com medo e pernas bambas.

As peruas continuavam a mandar bocas mas a Lyla respondia-lhes por nós as duas o que as acalmava durante algum tempo mas ela precisava de ajuda e neste momento eu era um peso morto.

Tudo continuou monótono, mas eu pressentia mais dias cinzentos sem nenhum raio de sol para iluminar.

Um dia apenas não consegui continuar a guardar tudo dentro de mim e contei a Lyla. Ela merecia, tinha-se tornado uma grande amiga e ajudava-me quando precisava, não me julgava e dava-me o espaço que necessitava sem nunca abusar. Resumindo e concluindo Lyla era alguém em quem podia confiar.

Na hora de almoço, após comermos eu e Lyla fomos até ao campo de futebol e sentamo-nos por baixo das bancadas do público encostadas à parede e partilhamos um saco de gomas. Falámos sobre assuntos que nos vinham à cabeça e Lyla tentava ensinar-me a "responder com classe" como ela chamava à arte de responder às provocações.

– Lyla, eu preciso de te contar uma coisa. Tu mereces saber após apoiares-me este tempo todo sem sequer questionar o meu passado.

Ela assentiu e o silêncio pairou naquele sítio durante alguns segundos em que Lyla olhava para mim e eu olhava para o chão de cimento. Respirei fundo e prossegui:

– Eu mudei-me para cá porque o meu pai foi preso - começaram a escorrer algumas lágrimas.

– Calma, não precisas de me contar tudo agora. Se não quiseres continuar, não tens que o fazer - diz Lyla passando o seu braço pelos meus ombros abraçando-me de lado.

– Não, eu quero! - Lyla merece saber repetia para mim mesma. Inspiro fundo e continuo - Ele batia muito na minha mãe, deixando-a num estado lastimável e havia dias em que bater nela não era suficiente e então também descontava em mim. Ele era um pobre bêbado, mas até tinha um trabalho razoável, costumava trabalhar numa oficina de reparação de carros e desconfio que não era totalmente fiel à minha mãe. E então um dia, passou-se dos carretos. Chegou do trabalho à hora do costume mas já estava alterado devido ao amor à pinga e então quando chegou a casa abriu a porta com violência estragando a fechadura e entrou aos berros. Nessa altura eu estava juntamente com a minha mãe na cozinha, eu a fazer os trabalhos de casa e ela a preparar o jantar e,naturalmente, ao ouvir a algazarra toda ela foi ver o que se passava e disse-me que se o pai estivesse muito alterado para fugir para a casa dos vizinhos pela porta das traseiras que nos últimos dias tinha estado destrancada para uma eventual fuga.

Flashback - 4 anos atrás

– Raio da porta! Atrapalhas mais do que outra coisa - berra o meu pai alterado. Já devia ter andado a gastar o dinheiro em álcool - Onde é que está a minha família imprestável?

– Alberto, que se passa para estares assim? - a minha mãe pergunta-lhe num tom calmo.

– Cala-te sua imprestável - e dá uma bofetada na cara da esposa. - Não metas o nariz onde não és chamada! E agora onde está aquela amostra de gente igual a ti mas mais pequeno a que chamamos de filha?

– A ela não. Podes espancar-me o quanto quiseres, mas não encostas uma unha na minha filha! - diz a minha mãe também já alterada. Eu observada tudo escondida atrás da porta da cozinha. Desta vez estava pronta para ajudar a minha mãe. Não ia ser como das outras vezes em que me acobardava e deixava-o fazer-lhe o que quisesse.

– Tua filha!? Que eu saiba tu não a fizeste sozinha, a não ser que me tenhas traído sua vaca! - o meu pai já consumido pela raiva agarra a minha mãe pelo colarinho e encosta-a à parede elevando-a um pouco do chão e começa a dar-lhe socos no estômago.

– Sabes muito bem que eu não sou como tu que traí a sua família. E sim, ela é minha filha porque tu não és nenhum pai para ela. Um pai não a trata da maneira que tu a tratas - ela cospe as palavras com desprezo por ele.

Isto foi a gota de água, ele atirou-a ao chão fazendo-a cair e bater com a cabeça no chão ficando meia atordoada e começou a deferir-lhe pontapés violentos por todo o corpo deixando-a com marcas negras e abrindo-lhe feridas fazendo-a sangrar. Tirou o cinto das calças e começou a chicotear-lhe nas costas deixando-as em carne, mas por pouco tempo visto que ela estava a perder consciência.

– Com que então ela não é minha filha? Bem, então quer queiras quer não, vamos lá fazer um filho que seja mesmo meu - como já tinha tirado o cinto, agora começa a desapertar as calças. Até agora só tinha estado a observar porque estava com demasiado medo dele mas agora quem estava já no ponto de ebulição era eu! Não podia simplesmente observar passivamente enquanto a minha mãe era abusada por aquele monstro. Fui até à gaveta dos talheres e peguei no maior facalhão que vi mas antes fui até ao telefone e liguei para a linha de emergência para chamar ajuda porque a situação estava descontrolada. Como era menor também liguei para os meus vizinhos da casa ao lado, os Morrison, a pedir ajuda e para irem esperar a emergência a porta de minha casa porque eu não podia abandonar a minha mãe neste estado vulnerável a qualquer ataque por parte dele.

Após ter tomado todas estas precauções, saí da cozinha de faca em punho em direção ao hall de entrada onde a ação estava toda a decorrer e grito:

– Tira as mãos da minha mãe, seu porco.

– Oh, estás aí querida! Também queres levar? Se pousares a faca juro não te magoar! - olho para a minha mãe e ela já estava mais para lá do que para cá e as suas roupas estavam parcialmente rasgadas e à sua volta encontrava-se uma pequena poça de sangue. Exaltei-me e berrei:

– O pai é cobarde ao ponto de abusar de uma mulher quando ela se encontra neste estado?- o meu pai aproxima-se rapidamente de mim e dá-me uma latada com tanta força que me faz cair e a faca foge-me das mãos. Ele apressasse e apanha-a antes que eu me pudesse levantar.

– Querida, isto não é para a tua idade. És mesmo igual à tua mãe: fraca, inútil, um desperdício de vida. Mas ainda vais a tempo de ser corrigida -ele aproxima-se de mim e eu tento recuar arrastando-me pelo chão até que bato de costas contra a parede e não há escapatória. Ele começa então a dar-me murros no estômago.

Eu tentei lutar contra as suas investidas mas ele era muito mais forte que eu e acabei por esgotar as minhas energias até que ouço as sirenes lá fora. Ele estava tão envolto em bater-me que nem reparou e aproveitando que ele estava em cima de mim, dou-lhe um pontapé no meio das pernas deixando-o a gemer de dores e saio a correr pela porta para ir ter com as autoridades. Começo a correr, não sei com que forças, a pedir ajuda e vou ter com a polícia ao portão e esta entra em minha casa mas o meu pai já tinha saído pela porta das traseiras que dava para o jardim e este estava virado para o mato. Eu estava tão cansada que acabei por desfalecer.

Fim do flashback - atualmente

– Acordei no dia seguinte na maca de um hospital e fiquei sob vigilância durante alguns dias, mas não tinha nada de grave, tinha apenas hematomas e arranhões. Quem saiu mesmo prejudicada foi a minha mãe com um monte de feridas, 2 costelas partidas e teve que levar pontos nas costas devido às chicotadas - a este ponto da história as lágrimas já corriam livremente pela cara e eu já nem me importava. Lyla ouvia atentamente cada palavra que dizia, mostrando expressões de horror - Vim a saber mais tarde que o meu pai tinha sido capturado e que estava a aguardar julgamento. No dia do julgamento, os meus vizinhos testemunharam a nosso favor e ele apanhou 6 anos de prisão, o que eu acho que foi pouco. Mas sinceramente tenho muito medo que ele possa sair mais cedo.

Lyla nada diz, apenas me acolhe num abraço. Ela mostrara-se realmente preocupada comigo e tinha-me feito muito bem falar com ela e partilhar este segredo.

As aulas iam um inferno e as barbies não nos davam descanso e afinal tínhamos ainda mais aulas com elas sendo elas Educação Física e Biologia. Numa aula de Educação Física aconteceu uma das piores coisas da minha vida.


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