Waves of Fate escrita por Lirael


Capítulo 6
Diferente




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Quatro anos depois

– Ele ainda não está pronto. - Merida disse, apertando os punhos fechados com força.

– Você disse isso a um ano atrás, Merida. Kyle já tem seis anos. Todas as outras crianças já voam por aí em seus dragões. - Soluço rebateu, sem alterar o tom de voz.

Odiava ter que falar daquele assunto com ela. Odiava o fato de que ela não reconhecia, não entendia que Kyle era o filho do líder, que ele deveria dar o exemplo e estabelecer um Elo com um dragão. Odiava o fato de Melequento zombar dele todos os dias por seus dois filhos já serem capazes de montar dragões. Todas essas coisas ele podia suportar. Mas o que o deixava louco era ter que discutir com Merida. Nunca tiveram uma única briga séria desde que se casaram, mas Merida se recusava a ver seu ponto: Kyle precisava aprender a treinar dragões. Seu filho precisava ir para a arena com as outras crianças.

Aborrecia Soluço que Kyle ficasse o tempo todo sozinho, zanzando por aí como ele costumava fazer. Ele não queria para seu filho o mesmo tipo de infância que tivera, ser excluído de quase todos os círculos apenas por ser diferente. Soluço queria que Kyle fizesse amigos, humanos e dragões, não importava que fossem poucos, desde que existissem. Queria que ele parasse de sair por aí em barcos de pesca, escapulindo para a água sempre que tinha a oportunidade ao invés de desbravar o mundo nas costas de um dragão, cercado de bons amigos.

E queria parar de irritar Merida com aquele assunto, embora isso fosse um pouco difícil, já que ela se recusava a entender. Grávida pela segunda vez, Merida estava mais frágil que de costume, e não apenas emocionalmente. No início da gravidez, assustara a todos com sangramentos repentinos, fortes náuseas, dores de cabeça horríveis e pouco sono. Gothi a advertira a evitar qualquer tipo de esforço e emoções fortes que pudessem induzir a um parto prematuro. E assim, cercada de cuidados, Merida chegou aos oito meses de gravidez.

– Ele ainda não está pronto. - ela repetiu, em um tom ácido e cortante. Estava se contendo ao máximo para não lhe dar uma resposta atravessada e machucá-lo. Merida sabia que a partir do momento em que se descontrolasse, começaria uma briga. Então dava o máximo de si para não se alterar, já que também não queria prejudicar o bebê.

Soluço suspirou, exasperado.

– E quando é que ele vai estar pronto, Merida? Quando é que você vai achar que ele está pronto? Não pode protegê-lo de tudo para sempre, você sabe. - ele justificou, sem alterar o tom de voz.

– Ele não está pronto, você sabe disso, Soluço. - Merida rugiu, perdendo o controle duramente acumulado. - Por que é que não enxerga? Ele não é como você! Ele não é, talvez não seja nunca! Você tem que dar tempo a ele, não pode empurrá-lo em uma direção e simplesmente esperar que ele siga!

Soluço ergueu as mãos para o alto.

– E o que você quer que eu faça? - ele perguntou. - Eu não quero ver o meu filho passar por tudo o que eu passei, Merida! Não quero Kyle sozinho em uma ferraria enquanto todos os seus amigos se divertem com outras coisas. Não quero ele passeando por alguma floresta sem se dar conta do perigo, não quero ele fazendo experiências malucas ou criando invenções que possam feri-lo. Eu quero o melhor para ele, você sabe que eu quero, Merida.

– Não, Soluço. Você quer o que acha ser melhor para ele. - ela se levantou devagar, apoiando as duas palmas das mãos na cadeira e caminhou para a fora do quarto.

– Merida... - Soluço chamou, mas Merida já tinha ido, batendo a porta com força.

Ela apoiou-se no corredor, alisando a barriga com a outra mão, respirando fundo e tentando se acalmar. Ficou assim por alguns momentos, mal se dando conta de Estóico parado nos degraus da escada, olhando para ela com uma expressão preocupada.

– Estou bem. - Ela assegurou, dando um sorriso nervoso.

Estóico apenas assentiu, enquanto Merida se endireitava e caminhava pelo corredor com uma lentidão dolorosa e preocupante. Em seguida, ele suspirou e bateu à porta do quarto do filho.

______

Como sempre fazia quando precisava desabafar, Merida caminhou até a casa de Astrid. As pessoas da aldeia nem sequer a cumprimentaram. Já a conheciam o suficiente para saber que, quando tinha aquela expressão tensa no rosto, não era seguro se aproximar.

Bateu, entrando mais devagar que sua barriga permitia e mais rápido que seu bom senso dizia ser certo. Da sala, ouviu a voz de Astrid.

– O que é que ele fez agora? - A guerreira perguntou, em um tom divertido e irônico.

Merida suspirou, entrando na sala e sentando-se com dificuldade na frente de Astrid, que amolava uma espada.

– O de sempre. Quer forçar Kyle a ir para arena e treinar um dragão. - Merida contou, com um ar desamparado.

Astrid a encarou com um olhar penetrante.

– Talvez seja a coisa certa. - respondeu, dando ombros.

– Mas Astrid! - Merida protestou, silenciando-se quando Astrid ergueu a mão para pedir silêncio.

– Eu sei que você tem um milhão de razões para acreditar que isso não é uma boa ideia e que não vai dar certo. Não estou escolhendo lados, entenda bem. - Astrid garantiu. - Mas você não acha que deveria dar um voto de confiança ao seu filho? Por que é tão difícil acreditar que ele vai conseguir, Merida?

– Por que eu sou a mãe dele! - Merida afirmou. - Ele é muito novo, Astrid!E ele não está pronto.

– Soluço também não estava pronto quando entrou na arena, e naquela época, as coisas eram extremamente perigosas. Grande parte do que ele aprendeu, aprendeu em um ambiente hostil. Não vai haver perigo. Não há nada no ambiente da arena que possa fazer um dragão ficar agressivo, e mesmo que isso aconteça, Soluço estará lá também. Ele é o melhor treinador de dragões do mundo.

Merida baixou os olhos para as próprias mãos, tentando achar uma maneira de rebater os argumentos de Astrid. Não conseguiu. No fundo, sabia que sua amiga estava certa. Astrid nunca tomava partidos e sempre analisava as coisas com frieza, algo que Merida, em seu atual estado emocional, não era capaz de fazer. Quando estava irritada, Merida poderia colocar uma cidade abaixo, só para depois se arrepender amargamente do que fizera. Por isso tentava não tomar decisões quando estava nervosa e evitava discussões com as pessoas que amava para não feri-las.

– Eu... - ela balbuciou, sem saber exatamente o que dizer.

– Você sabe que eu tenho razão. Pense com cuidado, Merida. Soluço sofreu muito por ser diferente dos outros. Ele estava sempre sozinho, e em parte isso foi uma coisa boa. Graças a isso ele pôde melhorar as coisas em Berk. Mas Kyle... Não vai ser bom para ele ficar isolado dos outros. Não é algo que eu gostaria para a minha filha.

– Ele não vai estar isolado. - Merida retrucou. - Freya e Kyle são grandes amigos, apesar da diferença de idade.

Astrid deu um sorriso orgulhoso.

– Eu não te contei? Freya também irá para a arena. Se tiver sorte, já poderá escolher um dragão!

Merida não conseguiu conter o espanto:

– Astrid! A Freya só tem quatro anos! - censurou, em um tom abismado.

– Eu sei! - Astrid deu uma risadinha. - Ela é o nosso orgulho!

Merida sorriu, diante do entusiasmo dela, mas não pôde deixar de se preocupar com Kyle. E se ela estivesse atrasando a vida dele por protegê-lo demais?

_____

Freya correu decidida, cada passo fazendo um estrondo contra as tábuas o cais. O grande navio de pesca havia acabado de atracar e ela sabia que logo Kyle desceria pela rampa comprida, terminaria de cumprimentar e agradecer aos marinheiros e pescadores e ela poderia chamá-lo para brincar. Ao quatro anos, Freya tinha bochechas coradas, os mesmos cabelos loiros da mãe, mas o mesmo olhar castanho claro e avaliador do pai. Não era muito alta e ainda era rechonchuda e desengonçada, embora isso não restringisse seus movimentos de maneira nenhuma. Era muito enérgica com tudo e todos, impondo-se com firmeza, mesmo tão jovem.

Quando viu que a rampa do barco abaixada nas tábuas do cais, Freya soltou um suspiro irritado e começou a procurar Kyle entre as pessoas na multidão. Um marinheiro abaixou a mão para despentear seu cabelo, mas Freya afastou a mão dele com um tapa. Nem se virou para olhar enquanto os colegas riam dele.

Logo avistou seu alvo: uma cabeça vermelha como a chama, perdida em um mar de cabeças loiras, castanhas e pretas. Freya riu. Ele era tão fácil de achar!

– Vermelho! - ela gritou, e agitou os bracinhos ao ver Kyle se virar para o som de sua voz, sem realmente vê-la.

Quando a viu, Kyle deu um sorriso e caminhou até ela, despedindo-se de algumas pessoas no processo. Freya ficou olhando ele se aproximar, cruzando os braços sobre o peito. Seu amigo era alguns centímetros mais alto que os garotos de sua idade, mas era magro como um graveto seco. Seu rosto era longo como o do pai e os cabelos indomáveis e vermelhos não negavam o sangue Dunbroch em suas veias. Mas seus olhos eram grandes, luminosos, mais verdes que uma floresta na primavera. Algumas sardas pontilhavam seu rosto, no nariz e abaixo dos olhos.

Desviando agilmente das pessoas ele conseguiu chegar até Freya, que batia o pézinho no chão, impaciente.

– Você está atrasado. - ela o repreendeu.

– Eu não estou atrasado.

– Está sim. Prometeu pra mim que iria me ensinar a pescar com vara de manhã.

– Mas ainda é de manhã, Freya.

– Sim, mas...

– Não fique brava. Eu tenho uma coisa para você. - fuçou nos dois bolsos da calça e encontrou o que procurava. - Feche os olhos! - Ele pediu.

Freya obedeceu, cerrando os olhos com força.

– Não vale espiar! - Kyle advertiu, olhando-a para ver se ela não estava trapaceando.

– Você sabe que eu não espio! - Freya esbravejou, estendendo as mãos.

Kyle colocou seu presente nas mãos dela com cuidado.

– Pode olhar agora. - ele disse.

Freya abriu os olhos devagar e ao olhar para suas mãos viu aninhada entre elas uma minúscula concha em espiral. Mas diferente de todas as outras, era branca e rosada e tinha um brilho suave. Ela ficou um bom tempo olhando, maravilhada com os tons fundindo-se um ao outro.

–Você não gostou? - Kyle perguntou, assustado com o silêncio dela.

– É muito lindo! - ela disse, com um sorriso, sem tirar os olhos do presente. - Por que essa é diferente?

– Não sei. Os pescadores disseram que as vezes aparece um assim, que nasce diferente dos outros. - ele deu ombros.

– Obrigada. - ela agradeceu, erguendo os olhos para olhar para ele e desviando-os de volta para a concha.

______

Sentados na beira do cais, cada um com uma vara de pesca, Kyle e Freya esperavam, ele, olhando o oceano ao longe, ela, girando a concha em espiral nos dedos de uma das mãos enquanto balançava os pés. Kyle a espiou e sorriu, feliz por saber que ela gostou do presente. Não tinha mais nenhum amigo além de Freya.

– Mamãe me disse que eu vou para a arena em breve. Não é legal? Eu vou ter um dragão! - ela comentou, animada.

Kyle não disse nada, continuou a encarar o horizonte, pensativo. Não queria que ela fosse. Se Freya tivesse seu próprio dragão, logo teria cada vez menos tempo para ele. Iria sair em missões, aprender como cuidar e como treinar o seu dragão e eventualmente, acabaria se esquecendo dele.

– Você também vai, não vai? - ela perguntou, inclinando a cabeça de lado.

– Eu não sei. - admitiu. - Meu pai disse que está na hora, mas minha mãe acha que eu devo esperar. Para ser sincero, não quero mesmo ir agora.

– Todo mundo diz que você tem medo de dragões. - ela comentou.

– Isso não é verdade. - ele se defendeu, irritado.

– Eu sei que não é. Eu vejo você com o Banguela. - Freya deu ombros.

Kyle se tranquilizou ao saber que Freya acreditava nele.

– Quem te disse isso? - perguntou, um pouco curioso.

– Todo mundo diz. O Melequento. O filho mais velho dele, o Pedrada. O Tropeço, a Ânsia... O...

– Tudo bem, já entendi. Não importa. Não ligo para eles. - ele rebateu, com uma careta.

Houve uma pausa longa, enquanto esperavam. A concha caiu da mão de Freya e ela estendeu a vara de pescar para Kyle. Enquanto ela estava distraída, ele trocou a vara dele com a dela, entregando-a logo que ela voltou.

– A linha! Está puxando! - Ela comemorou, e entregando a concha para ele segurar enquanto puxava a vara com as duas mãos.

– Sua primeira vez e já pegou um? Parece que é um dos grandes. Você precisa puxar!

Freya franziu o cenho e obedeceu, enrolando a linha com um graveto trazendo o peixe mais e mais para si. Seus olhos se iluminaram ao ver o brilho prateado das escamas e ela se concentrou em puxar a linha com todas as suas forças. Por fim, venceu a batalha, abrindo um sorriso maníaco ao ver o peixe se debatendo no cais.

– Você viu? Você viu? Mamãe não vai acreditar! Ninguém vai acreditar! - ela gritou, entre risos.

Kyle limitou-se a rir e parabenizá-la com tapinhas nas costas enquanto ela segurava o peixe - do tamanho do seu antebraço - com alguma dificuldade.

– Vamos contar pra ela! - ele sugeriu, enquanto recolhia as varas de pesca.

– Vamos! - ela quase rosnou em concordância, correndo pelo cais em direção à ilha, com Kyle em seus calcanhares.

_____

Já estava quase escurecendo quando Merida viu Kyle voltar para casa. Estava sentada nos degraus da entrada, esperando por ele. Ele subiu a colina, parecendo feliz e cansado ao mesmo tempo. Ela esperava não arruinar o dia dele com o que ia dizer.

– Mãe! - ele gritou, ao vê-la, correndo para alcançá-la. Se inclinou contra ela, deixando um beijo barulhento em sua bochecha.

Merida riu, esfregando a bochecha, fingindo nojo.

– Um beijo sabor peixe! Argh! Você estava nos barcos de pesca de novo, não estava? - ela brincou.

Kyle assentiu.

– Hoje eu achei uma concha brilhante igual a uma pérola. - ele contou.

– E onde está essa concha brilhante igual a uma pérola? - perguntou Merida.

– Eu dei de presente para a Freya. Meninas gostam de coisas brilhantes. - ele explicou.

Merida assentiu, dando um tapinha no degrau, convidando-o a se juntar a ela. Kyle a olhou, tentando prever o que viria a seguir.

– Mãe, eu sei que faltei nas lições de geografia, mas eu prometo que vou compensar...

– Mas com certeza. E não pense que esqueci que você cabulou as aulas de etiqueta na semana passada. Você vai me compensar por todas as aulas que matou. - ela o repreendeu, com suavidade.

– Eu sei que é importante saber ler os mapas. Mas porque é que eu tenho que aprender se um Chefe de Clã é superior a um duque, e se um deles é milorde e o outro é Vossa Graça? - protestou - Ninguém em Berk usa esses títulos! Quem se importa com...

– Eu me importo. - Merida advertiu. - Eles se importam. Um dia, você vai ser líder e vai ter o seu papel na aliança com o meu povo.Tem que saber como usar os títulos, manusear os talheres e manter os cotovelos fora da mesa.

Kyle fez que sim, mas não parecia concordar com a parte de "ser líder um dia".

– Vamos repôr as suas aulas mais tarde. Mas não é sobre isso que eu quero falar com você. - Merida continuou, de olhos fixos no horizonte onde o sol se punha. - O seu pai e eu... Nós achamos que você já tem idade para entrar na arena.

Kyle ficou em silêncio e Merida se virou para estudar o rosto dele.

– Você não vai dizer nada? Eu esperava pelo menos um protesto.

– Eu não quero ir, mãe. - ele disse. - Mas quanto mais eu enrolar, pior vai ser. Eu sei que as pessoas já falam mal de mim pela aldeia.

– O que as pessoas falam não importa. - disse Merida, lutando para conter a raiva em sua voz.

– Eu sei. Mas quanto mais o tempo passa, pior fica. - ele disse. - Além disso, a Freya vai fazer o teste também. Eu não quero que ela pense que eu fiquei para trás.

Merida colocou um braço em volta do filho, puxando-o para junto de si.

– Não precisa ir se não quiser. - ela aconselhou.

– Eu não quero. Mas tenho que ir.


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Notas finais do capítulo

Ah, sim, eu pulei a visita da Elinor e adiantei quatro anos, mas não se preocupem. Eu amo a Elinor, com certeza ela vai ter seu papel nessa fanfic.

Obs: A concha que o Kyle deu para a Freya brilha por que às vezes, acontece de uma concha ser revestida com nácar, a mesma substância que compõe a pérola. Quando isso acontece, a concha é chamada de madrepérola.



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