Waves of Fate escrita por Lirael


Capítulo 5
Receios




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Dois anos depois.

Mesmo gritando a plenos pulmões, seu rosto vermelho e os bracinhos se agitando com o esforço, Merida sabia que ele era a coisa mais linda que ela havia feito. Com um suspiro satisfeito, Merida se abaixou e o pegou no colo, e seu choro diminuiu, perdendo força até parar. Ele apoiou a cabeça em seu ombro e ela sorriu. Inconscientemente acariciou os caracóis vermelhos, varrendo-os lentamente, absorvendo sua textura suave. Merida havia se assustado com ideia de ser mãe. Ela, que estivera por meses se preparando para o parto, não imaginava que um bebê iria querer sua atenção constante.

Mas Kyle era uma criança incrivelmente serena, e passados os seis meses iniciais de sua vida, habituou-se facilmente à rotina da casa. Raramente chorava, exceto quando tinha fome ou se machucava, como agora, quando tropeçara nas próprias perninhas ainda inexperientes e ralara um dos joelhos rosados nas pedras. Mas tão rápido como começara, o choro sempre cessava quando Merida e envolvia em seus braços.

Só havia uma coisa que assustava Kyle, a única coisa sobre a qual Merida não tinha nenhum controle em Berk. Dragões.

Com exceção de Banguela, é claro. Quando Merida o perdia de vista por um ou dois momentos, sempre sabia que os dois estavam juntos, explorando o mundo com seus dois pares de olhos verdes, um mais intenso e experiente, o outro, curioso e com uma sede de aventura, que só poderia ter sido herdada dela.

Kyle se acalmara e chegara naquele estágio em que ela sabia que estava quase dormindo. Merida suavizou seus passos ao avistar seu objetivo: a casa de Astrid. Nem precisaria bater na porta: Ela já estava parada na entrada, as duas mãos cruzadas sobre o peito, enquanto um homem argumentava com ela. Pela expressão em sua face, ele parecia estar perdendo uma discussão e gesticulava loucamente para ela. Então, a expressão séria de Astrid se desmanchou em um sorriso largo que deu lugar a uma gargalhada. Merida não pôde conter o sorriso. Um pouco antes de alcançá-los, Merida viu Astrid inclinar-se com dificuldade na ponta dos pés deixar-lhe um beijo nos lábios. Antes que ela pudesse voltar ao chão, ele a segurou pelos braços e a beijou com paixão, deslizando uma das mãos de seus ombros até a sua nuca. Merida esperou pacientemente até que o beijo acabasse e o homem a soltasse. O rosto Astrid estava intensamente corado, mas ainda assim ela o olhava com desejo, como se quisesse mais. Finalmente o homem pareceu notar Merida e Kyle parados a alguns passos deles.

– Bom dia, Eret. Bom dia Astrid. - cumprimentou Merida, forçando-se a não rir diante da expressão embaraçada dele.

– Bom dia, Merida. - ele saudou, um pouco sem jeito, lançando olhares encabulados para Astrid.

– Bom dia, Merida. - Astrid cumprimentou, prendendo o olhar de Eret ao seu por mais alguns instantes antes de se virar e sorrir para ela.

Era estranho ver Astrid em um vestido longo, mas as roupas que ela costumava usar já não eram mais compatíveis com a barriga de nove meses dela. Merida a invejava intensamente, pois Astrid parecia estar completamente à vontade com sua gestação. Nunca ouviu a amiga protestar nem uma única vez queixando-se de enjôos, desejos malucos ou falta de sono.

Quando Eret, filho de Eret chegou em um navio de comércio e desafiou e ganhou de Astrid em uma intensa queda de braço, foi inevitável o que viria a seguir. Os dois tinham se apaixonado.

Ardentemente. E ás vezes era até difícil se esquivar do calor que emitiam quando perto um do outro. Os olhares que Astrid lhe dirigia quando achava que ninguém estava vendo podiam fazer um bloco de gelo derreter e Eret sempre lhe respondia na mesma moeda. Por vezes, durante as festas os dois desapareciam durante horas só para surgir depois com os rostos corados e os cabelos e roupas levemente desalinhados. Como um peixe em uma rede, Eret deixou-se levar, e em menos de nada estava casado com Astrid e vivendo em Berk com ela, apesar de o senso comum dizer que era a noiva que se mudava para a casa do futuro marido, não o contrário. Apesar de Eret sempre dizer o contrário, era óbvio que Astrid tinha total controle sobre ele, embora não fosse do jeito ruim.

Com um último beijo nos lábios, Eret se afastou dela. Depois, pareceu lembrar-se de algo e voltou correndo. Astrid o encarou, confusa, então ele se abaixou e beijou-lhe o ventre. Saiu correndo logo depois, seguindo em direção ao cais.

Astrid o seguiu com os olhos, dando um sorriso satisfeito enquanto convidava Merida para entrar, com um gesto.

– Eu protesto oficialmente contra o seu estado de espírito durante essa gravidez. - Merida disse, enquanto Astrid colocava água para ferver e fazer chá.

– Nem sempre é igual com todas as mulheres. - ela comentou com displicência, fazendo um gesto para o garotinho no colo de Merida. - Dormiu?

– Sim. - Merida respondeu, em tom baixo.

– Coloque-o no catre. - ela sugeriu, mas Merida já estava acomodando o bebê que nem fez menção de protestar.

– Ele ralou os joelhos fugindo do Dealan hoje de manhã. - ela explicou. - Chorou até dormir.

Astrid assentiu, servindo chá para as duas em dois copos. Merida adoçou o dela com um pouco de mel, mas Astrid tomou o dela puro. Enquanto bebia, ficou olhando para Astrid, tentando decidir o que havia de diferente nela.

– O que foi? - Astrid perguntou.

– Nada... É que você está radiante, só isso. - Merida respondeu, com um dar de ombros. A pele de Astrid estava mais sedosa, seu sorriso mais reluzente e até seu cabelo parecia mais brilhante.

– As mulheres ficam mais bonitas quando estão grávidas. - Astrid tentou justificar.

– Claro. E Eret não tem nada a ver com isso, não é mesmo, sua coelhinha? - Merida brincou, rindo ao ver a amiga corar intensamente.

– Eu achei que as coisas ficariam mais tranquilas conforme a gravidez se adiantasse. Mas não mudou muita coisa. Gothi disse que é normal, mas as vezes eu simplesmente não consigo me conter. É só vê-lo entrar pela porta, sentir o seu cheiro e eu quero...

– Eu entendo. - disse Merida, cortando-a antes que revelasse detalhes demais. - Eu trouxe uma coisa para você.

Abriu um pequeno embrulho de couro, tirando dele uma roupinha de bebê verde e entregando-a a Astrid. Nas mangas, minúsculas abelhas bordadas com capricho. Pela primeira vez desde que conheceu Astrid, Merida viu os olhos de sua amiga marejarem, e ela soltar um arquejo, emocionada. Mas piscou várias vezes e as lágrimas não caíram.

– É lindo, Merida. Obrigada. - ela elogiou, com a voz levemente embargada.

– Não sabia de que cor devia fazer. Resolvi que deveria ser verde, já que não sabemos o sexo. Astrid assentiu, acariciando o tecido, pensativa.

– Minha mãe vem me visitar em duas semanas. - Merida contou. - Meu pai e meus irmãos não poderão vir, mas ela está ansiosa para conhecer o neto.

– Isso é uma boa notícia. Eu estranhei o fato de você não ter ido visitar sua família ainda.

– Não sei ao certo se é a coisa certa. Kyle é...

– É só uma questão de tempo, Merida. - Astrid tentou consolá-la. - Qualquer criança adora os dragões. Você vai ver, espere só até ele crescer e logo vai sumir por aí, voando nas costas de algum.

Merida assentiu, guardando para si mesma a única - e provavelmente última - experiência de vôo que teve com Kyle. Ela mesma fizera o teste, levando-o para um vôo tranquilo com Banguela. Mas mesmo com a tolerância ao Fúria da Noite, seu filho esperneara e chorara desesperado ao ver as casas e rochas de Berk diminuírem com a altura e Merida não teve escolha a não ser descer com o filho outra vez.

Ansiosa por evitar o assunto, Merida se levantou, lançando um olhar pensativo na direção do filho.

– Preciso ir e colocar esse homenzinho na cama. - ela explicou.

Astrid franziu a testa, ciente de que Merida estava evitando o assunto quando ela acomodou Kyle no colo outra vez e evitou olhar nos olhos dela. Antes que ela se virasse para sair, Astrid segurou-a pelo ombro.

– Isso é apenas uma fase. - ela assegurou. - Ele ainda é só uma criança.

– Eu sei. - Merida assentiu, saindo para não ter que dizer mais nada a respeito. No fundo, preocupava-se com o fato de Kyle ser uma criança que tinha medo de dragões em uma ilha repleta deles.

Caminhou a passos largos para longe da casa de Astrid, como se a distância fosse afastar suas preocupações. Ela vinha evitando aquele assunto com Soluço, mas mesmo Estóico já havia percebido que seu neto era um pouco... diferente.

Entrou em casa, esquecendo suas preocupações ao sentir o cheiro do almoço vindo da cozinha. Maudie acenou para ela e Merida gesticulou que já desceria para ajudá-la. Alcançou o quarto e parou por alguns segundos ao ver Soluço de pé, no meio do ato de tirar uma camisa.

– Olá. Eu não esperava vê-lo aqui a essa hora. - Ela comentou.

Soluço se aproximou dela sem dizer nada, beijando-a nos lábios.

– Houve um pequeno acidente com um terror terrível. - ele justificou.

– Você está bem?

– Eu sim. Mas essa camisa nunca mais servirá para nada. - ele fez um gesto para o tecido chamuscado. Inclinou-se para deixar um beijo na testa do filho antes que Merida o acomodasse no berço para dormir.

Como que hipnotizada, Merida ficou olhando Kyle dormir, sorrindo quando Soluço a abraçou por trás, envolvendo sua cintura com os braços e apoiando a cabeça em seu ombro.

– É quase o suficiente para fazer você querer outro. - ela comentou, olhando o movimento ritmado da respiração do filho.

Os lábios de Soluço roçaram em seu pescoço de uma maneira familiar e ela sentiu cócegas em sua orelha quando ele sussurrou em seu ouvido.

– Estou disposto a tentar, se você também estiver.

Merida sorriu e se virou para beijá-lo.

______

Soluço desceu para almoçar e Merida havia prometido ir logo após acordar Kyle. Seu filho resmungou um pouco, jogando os braços ao redor do pescoço dela quando o pegou no colo, sonolento. Ela desceu as escadas, seguindo o som das vozes de Maudie, Estóico e Soluço. Assim que os ouviu, Kyle empurrou Merida, impaciente para que ela o soltasse. Ao ver que não conseguia se livrar dela, Kyle deixou sair um apelo angustiado:

– Papá! - ele choramingou, nervoso por ter sua liberdade tirada.

Soluço surgiu diante da porta da cozinha, com um sorriso largo.

– Quem vai ser o maior treinador de dragões do mundo? - ele brincou, enquanto Merida colocava o filho no chão, com cuidado.

Kyle apenas riu, correndo desengonçadamente até ele e o abraçando.

– Papá! - ele sorriu de novo, divertido.

– Quem vai ser o maior treinador de dragões do mundo? - Soluço repetiu a pergunta outra vez, girando seu filho no ar, deliciando-se com as gargalhadas dele.

– Papá! - Kyle disse, e se estava respondendo ou evitando a pergunta, ninguém soube dizer.

Merida os observava com uma expressão preocupada, quando o olhar verde e cristalino de Estóico encontrou o dela. Ela piscou, uma ou duas vezes.

– Já chega, vocês dois. Vamos comer. - ela chamou, lutando para esconder a aflição em sua voz, esperando que Soluço não refizesse a pergunta.


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Notas finais do capítulo

Vocês acham que os temores da Merida são infundados? Ninguém conhece um filho melhor do que a sua mãe...