Waves of Fate escrita por Lirael


Capítulo 4
Pais




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O mundo despencava do lado de fora da casa de Estóico. O vento uivava, relâmpagos caíam e seus clarões iluminavam a noite pouco antes do som dos trovões fazer estremecer as tábuas do piso.

Mas mesmo com o barulho ensurdecedor da tempestade, tudo o que se podia ouvir na casa toda eram os gritos de Merida. Em seu quarto, deitada na cama, Merida rangia os dentes e seu rosto estava vermelho com o esforço. Seu cabelo estava colava-se à testa com o suor.

Astrid, por outro lado, estava completamente pálida, sentada a seu lado na cama enquanto segurava sua mão. A cada contração, a mão de Merida esmigalhava a sua com uma força que ninguém imaginava que ela tinha. Com uma nova contração, Merida apertou tanto que os nós dos dedos de Astrid roçaram uns contra os outros e ela mordeu o lábio para não gritar. Merida já estava fazendo barulho suficiente por duas.

– Onde estão Gothi e Maudie? Faz um tempão que as mandei chamar! - Reclamou Astrid.

Merida apenas rangeu os dentes e grunhiu, em concordância. O som arrepiou os cabelos da nuca de Astrid e ela pensou que seria um milagre se os dentes dela não se partissem quando o parto acabasse.

– Talvez... Talvez eu mesma deva ir chamá-las... - Sugeriu Astrid, mais do que desconfortável com o sofrimento da melhor amiga.

– Não! - Merida gritou, como se Astrid estivesse a um quilômetro de distância e não sentada ao seu lado na cama. - Fique comigo, Astrid, por favor, não me deixe, por favor! - Ela pediu, enquanto respirava ofegante.

Astrid assentiu.

– Tudo bem. Não vou a lugar algum, Merida. - tranquilizou-a.

O alívio nos olhos dela durou pouco mais que alguns segundos. Uma nova contração veio, ainda mais forte que a anterior. A visão de Merida escureceu e estrelas brilhantes surgiram por trás de suas pálpebras piscando.

Com uma pancada seca, a porta se abriu, dando passagem a Maudie e Gothi, ambas completamente encharcadas.

– Graças a Odin! - disse Astrid, voltando-se para Gothi. - O que posso fazer para ajudar?

A anciã gesticulou e Astrid acenou com a cabeça, compreendendo perfeitamente. Apesar de não falar, Gothi fazia-se entender muito bem por meio de gestos.

– Água quente. Toalhas. Lençóis. Certo. - disse, libertando-se do aperto de ferro de Merida e saindo porta afora.

Saiu e entrou do quarto algumas vezes, trazendo os itens que Gothi pedira, voltando por último com um enorme balde com água fumegando e uma bacia, só para o caso de precisarem dela.

Gothi gesticulou em direção a Astrid e ela se apressou em traduzir a ordem.

– Merida, ela quer que você empurre. Você precisa empurrar. - disse Astrid, num tom de voz suave.

Merida assentiu. Respirou fundo, uma, duas, três vezes, e depois fez força, prendendo a respiração. O esforço deixou seu rosto ainda mais vermelho e lágrimas jorravam sem controle agora.

Astrid lançou um olhar preocupado a Maudie, já sentada entre as pernas dela. Maudie apenas negou com a cabeça.

– Merida - Astrid pegou-lhe a mão. - Eu sei que é difícil, mas você precisa empurrar!

O olhar desamparado de Merida cortou o coração de Astrid. Tremendo um pouco, a guerreira tornou a pegar a mão da amiga, apertando-a de leve. Com uma longa inspiração, Merida fez força outra vez, gemendo quando seu fôlego acabou.

Mais três ou quatro vezes Merida cerrou os dentes, fazendo o máximo de força que conseguia. Sentiu que ia perder os sentidos a qualquer momento. Maudie fez que não com a cabeça, a testa franzida em uma expressão nervosa. Uma última, vez e a visão de Merida escureceu.

– Não posso! - ela disse, entredentes. - Há algo errado, tem algo errado.

Gothi olhou para ela por alguns instantes, depois aproximou-se tocando-lhe o ventre com habilidade. Gesticulou alguma coisa a Astrid e voltou as duas mãos ossudas outra vez para a barriga de Merida, pressionando, empurrando, girando com habilidade.

– O que ela está fazendo? - Merida olhou para Astrid, respirando entre arquejos.

– O bebê está na posição errada. Ela o está virando.

Merida gemeu baixinho, mordendo o lábio trêmulo. Uns poucos minutos depois, Gothi afastou-se e fez que sim com a cabeça para Merida.

– Faz força, Merida. - ordenou Maudie.

Merida obedeceu, alheia à expressão concentrada de Maudie e o olhar aflito de Astrid. Parou para respirar, sugando o ar como se estivesse se afogando.

– Merida, você tem que empurrar agora! - disse Maudie, com urgência na voz.

Mas Merida estava exausta. Perdera muita energia antes de Gothi virar o bebê na posição certa.

Astrid segurou-lhe o rosto, com brusquidão. Estava cansada de não poder fazer mais nada.

– Merida. Olhe para mim. - ordenou, com um tom de voz tão duro que poderia partir pedras. Merida olhou. - Preste atenção Merida. Essa é a mais importante das suas batalhas. Você não pode perder, está me ouvindo?

Merida assentiu, trêmula.

– Força Merida. Lute! - Astrid rosnou para ela, e algo em seu tom pareceu alertar Merida.

Segurando a mão de Astrid, mais uma vez Merida empurrou com todas as forças que lhe restavam.

– Quase lá, Merida! - disse Maudie.

Mas Merida não lhe deu ouvidos, concentrada na tarefa mais importante de sua vida. Com um urro determinado, fechou os olhos e fez força uma vez mais.

A dor tomou conta dela por segundos agonizantemente longos, desaparecendo em seguida. No quarto, ouviram-se os risos estridentes de Maudie e o suspiro aliviado de Gothi. Esgotada, Merida lutava para manter os olhos abertos.

Gothi fez um gesto e logo Astrid estava diante dela, com agulha e linha. Maudie se afastou, dando espaço para que a anciã trabalhasse nas suturas necessárias, limpando o bebê com uma pequena toalha úmida. Astrid lançou-lhe uma olhadela de esguelha, arregalando os olhos quando Maudie virou o bebê de barriga para cima. Ao ver o olhar de Astrid, o coração de Merida pareceu parar de bater no peito.

– O que foi Astrid? O que há de errado? – exigiu, assustada.

Astrid apenas sorriu, tranquilizando-a.

– Veja se não é uma surpresa. Um menino! Fomos enganadas, Merida.

A expressão de Merida misturava incredulidade e alegria. Com cuidado, Astrid colocou Merida sentada, acomodando alguns travesseiros atrás dela. Maudie acomodou o bebê, enrolando-o em tecido e entregou-o a Merida, com os olhos cheios de lágrimas.

– Parabéns, Merida. Você fez um belo trabalho. - disse, fungando baixinho.

Merida sorriu para ela, inclinando-se para olhar para seu filho pela primeira vez. A cabeça quase calva trazia alguns fios vermelhos e arrepiados. O menino contorceu-se um pouco, agitando os bracinhos, nervoso, fazendo uma careta. Mas não chorou, em momento algum. Gemeu baixinho, reclamando. Merida deixou escapar um risinho, sem conseguir tirar os olhos dele nenhum momento, alheia aos sorrisos satisfeitos de Maudie, Astrid e Gothi.

– Um menino... - ela disse, e parecia maravilhada e confusa ao mesmo tempo. - Não. Um homenzinho.

Ao som de sua voz, o bebê abriu os olhos, incrivelmente verdes, gemeu baixinho e chorou. Merida chorou também, por motivos bem diferentes.

______

Algumas horas depois a tempestade serenara, deixando apenas uma chuva fina em seu lugar. Maudie e Gothi foram para casa, mas Astrid se comprometera em ficar com sua amiga, sentada na beirada da cama, junto a Merida.

Ela caiu no sono, segurando firmemente o filho no colo. Com o máximo de cuidado para não fazer barulho, Astrid levantou-se da cama. Quando estava quase na porta, a voz de Merida a alcançou, quase inaudível.

– Astrid? - ela chamou.

– Estou aqui. - respondeu murmurando, para não acordar o bebê. - Só vou buscar um pouco de água. Você quer alguma coisa?

– Não. Astrid...

– O que foi?

– Obrigada por ficar. - Merida agradeceu, meio sem graça.

– O que é que você faria sem mim, não é mesmo? - Astrid brincou, saindo do quarto.

Pensativa, desceu as escadas em direção à cozinha. No final do último degrau, a porta da sala abriu-se de repente, com um estrondo, dando passagem a um Soluço completamente encharcado e trêmulo.

– Astrid. Onde ela está? Ela está bem? Minha filha...

– Shhhh! - Astrid o repreendeu. - A Merida e o bebê estão bem. Fale baixo. E tire essa capa encharcada antes de subir.

Soluço assentiu, livrando-se da capa de qualquer jeito em cima do catre e subindo a escada, dois degraus de cada vez.

Quando chegou à porta de seu quarto, parou, respirando fundo. Jogou os cabelos para trás e soltou a respiração em um suspiro. A porta estava entreaberta e ele a empurrou, hesitante, parando na entrada, um pouco sem jeito. Merida não demorou a vê-lo e lhe dirigiu um sorriso cansado.

– Venha aqui conhecer o seu filho. - ela convidou, deliciando-se com a expressão surpresa e confusa dele.

Ele caminhou até a cama, sentou-se na beirada, os olhos fixos no pequeno embrulho seguro nos braços de Merida. Ela tinha tido filho?

– Um menino? - ele perguntou, olhando o bebê que dormia, como se estivesse hipnotizado.

– Um homenzinho. - Merida o corrigiu, sorrindo.

Soluço inclinou-se um pouco e a beijou na testa. Afastou-se um pouco trêmulo, olhando para o filho.

– Eu posso...? - Soluço fez um gesto, como se pedisse para segurá-lo, não confiando na voz para terminar a frase.

Merida assentiu, entregando o bebê nas mãos dele, atenta á expressão de Soluço. Com o súbito movimento, ele bocejou, franziu a testa e abriu os olhos, olhando diretamente para Soluço. Ficaram assim um bom tempo, um olhando para o outro, como se não houvesse mais nada além dos dois no quarto.

– Meu filho. - ele disse, tão baixo que Merida mal pôde ouvir. O bebê piscou e Soluço riu, maravilhado como uma criança. Ele encaixou o dedo indicador na mãozinha minúscula, surpreso quando ela se fechou sobre seu dedo. Merida ficou imóvel, temendo que um mínimo movimento os assustasse e a cena diante dela se desvanecesse.

– Temos que pensar em um nome. - Soluço disse, levantando-se da cama com o bebê no colo, ainda olhando para o rosto de seu filho.

– Kyle. - Merida respondeu, esperando uma represália de Soluço por não ter escolhido um nome viking.

Mas ele não pareceu notar. Ficou em silêncio por um longo tempo, olhando para o filho, sorrindo.

– Kyle. - repetiu, rolando a palavra nos lábios. - É um bom nome.

Merida suspirou, aliviada.

Os passos pesados de Estóico no corredor chamaram sua atenção. Ela virou a cabeça bem a tempo de ver o chefe viking atravessar a porta. Ele sorriu para ela por sobre o bigode, inclinou-se e prensou-a em um abraço forte e rápido que quase a levantou da cama. Então, se afastou, dando risadas e segurou seu rosto, beijando-a duas vezes, uma de cada lado. Merida sorriu, um pouco corada.

Depois voltou sua atenção ao bebê no colo do filho.

– É um rapaz forte e robusto, igualzinho ao avô. - elogiou Estóico. - Qual é o nome dele?

– Kyle. - Merida respondeu.

O queixo de Estóico caiu.

– Mas... - balbuciou, incapaz de formar uma frase completa.

– É gaélico. - ela explicou, pacientemente.

– Sim... É bonito, mas como é que vai manter afastados os gnomos e os trolls? - ele inquiriu, lançando um olhar indignado a Merida.

– Eu sou mais do que suficiente para afastá-los. - Merida desafiou. - Eu e meu arco.

– Mas Merida, você tem que entender que... - ele tentou argumentar com ela outra vez, só para ser interrompido.

– Além disso, agora Berk tem os dragões. Se isso não for suficiente para afastá-los, talvez nada mais no mundo possa. - ela terminou, com um sorriso vitorioso.

Estóico olhou de Merida para o filho, esperando que o apoiasse, mas Soluço respondeu calmamente, sem olhar para eles.

– Pai, você tem que admitir que ela tem um ponto. - defendeu Merida.

Estóico apenas suspirou, ciente de que a batalha estava perdida.


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Notas finais do capítulo

HA! Enganei vocês! Pensaram que seria uma menina, né?