Waves of Fate escrita por Lirael


Capítulo 3
Entre raios e ondas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/608139/chapter/3

Alguns meses depois...

A barriga de quase nove meses de Merida já não lhe permitia tanta liberdade quanto antes. Fazer coisas simples a deixava ofegante e dormir era um total suplício. Como consequência, estava sempre cansada ou irritada.

Soluço estava quase sempre com Estóico agora, acertando os últimos pormenores sobre sua liderança em Berk. Passavam muito tempo juntos, visitando ilhas menores, reforçando antigas alianças com outros chefes vikings e celebrando a ocasião. Merida queria muito ir com eles, mas tanto Estóico quanto Soluço fizeram absoluta questão de que ela ficasse em Berk, sob os cuidados de Gothi enquanto esperava a chegada do bebê.

E o pior nem fora isso! Merida ficou furiosa por ser deixada para trás e quis provar a eles que se sentia tão bem quanto antes. Tentou subir na garupa de Dealan e acabou envergonhando a si mesma na frente de toda a Berk por não conseguir nem mesmo passar a perna por cima do dragão. Todos com exceção de Soluço riram dela, até mesmo Astrid deixou escapar algumas risadas.

E mesmo que aquilo parecesse infantil, tudo o que Merida pôde pensar em fazer foi cerrar os punhos e entrar em casa para escapar dos risos. Que bela esposa do futuro Chefe ela era!

Apenas alguns segundos depois de fechar a porta, Merida caíra numa crise de choro, apoiando as costas contra a porta e prevendo o que viria em seguida.

Como esperado, Soluço girou a maçaneta do outro lado, mas não conseguiu abrir por causa de Merida escorada na porta. Ela firmou os pés, respirou fundo e abafou os soluços.

– Merida. Abra, por favor. - ele pediu, paciente.

– Vá embora! - ela gritou, tentando ao máximo disfarçar o choro, sem muito sucesso. - Não está ansioso para ir até a próxima ilha para festejar? Com certeza deve haver muitas garotas bonitas esperando pra conhecer o próximo líder de Berk.

Soluço suspirou, contando até dez. Mais essa agora. De onde aquilo tudo tinha vindo? Ele sabia que mulheres grávidas ficavam muito instáveis, mas nunca imaginaria Merida tendo ciúmes dele!

– Merida... Você sabe que não é assim. Você sabe que eu preciso ir, que eu preciso assegurar que nossos aliados continuem sendo aliados. Você acha mesmo que eu só estou fazendo isso por diversão?

Nenhuma resposta do outro lado. Ele tentou novamente.

– Merida. Abra a porta. Por favor, me deixe olhar pra você. Não se afaste de mim desse jeito.

– É você quem quer se afastar de mim. Por que não posso ir junto? Está com vergonha de mim, por que estou gorda e feia? Eu sou sua esposa, eles tem que me conhecer também!

– Merida! Já chega com isso. Abra essa porta agora ou eu vou colocá-la abaixo! - Soluço ameaçou.

– Você não ousaria! - ela retrucou.

– Não me provoque, Merida. - ele disse, e o tom que ele usou a deixou um pouco assustada.

Ela ficou em silêncio. Ele não ousaria. Ou será que...

BAM!

Merida arregalou os olhos, apoiando-se mais ainda contra a porta. As lágrimas rolaram sem controle agora e ela mordeu o lábio com força para forçar a si mesma a parar de soluçar.

BAM!

A pancada seca a desestabilizou e ela avançou um passo para a frente, sem querer. Virou-se de frente para a porta apoiando-a com os braços. O que ele iria fazer? O que ele iria...

– Merida. - a voz de Soluço atrás de si a sobressaltou. Ela se virou para vê-lo descendo as escadas e depois se voltou para abrir a porta. Banguela estava lá, com o maior sorriso do mundo para ela, a cauda levantada, como se ele se preparasse para bater de novo. Com raiva, ela fechou a porta outra vez atrás de si. É claro que estariam juntos nisso. Banguela ficou o tempo todo batendo na porta enquanto Soluço dera um jeito de entrar pela janela. Homens. Dragões ou humanos, eram todos cúmplices.

Ela se virou para encarar Soluço, agora no fim das escadas indo em direção a ela. Merida nunca o vira tão furioso. Seu rosto estava distorcido em uma máscara de fúria e ele soltava o ar pelo nariz tentando controlar a raiva. Até seus olhos pareciam ter mudado e agora estavam escuros como um galho de pinheiro. Merida escorou-se na porta como se pudesse atravessá-la e cair do outro lado. Quando finalmente chegou bem perto, Soluço segurou seu rosto com ambas as mãos. Merida quis desviar os olhos dos dele, mas não conseguiu. Ela, que sempre parecia dominante no relacionamento, agora estava tão acuada quanto uma galinha diante de um lobo.

– Nunca mais diga uma coisa dessas. - ele disse, em um tom de voz baixo e cauteloso. Depois, piscou algumas vezes e a puxou para um abraço desajeitado, por causa da barriga. Merida mal teve tempo de se recuperar do choque.

– Acha que eu tenho vergonha de você? - ele continuou, falando por sobre o cabelo dela. - Eu saí de Berk para me casar com você. Depois, você me enxotou da sua casa, dizendo que não queria mais se casar comigo. E eu voltei, por que te amava, e queria que fosse minha esposa. - ele se afastou de novo, olhando-a nos olhos, mas dessa vez, parecia mais indignado do que furioso. - Eu voltei por você. Mesmo que tudo me dissesse para fazer o contrário.

Merida engoliu em seco e engasgou-se, mas Soluço ainda não tinha terminado.

– Você acha que isso... - ele disse, pousando uma das mãos sobre a barriga dela - faria eu querer me afastar de você? Acha que eu não te quero mais por que está esperando um filho meu? Você nunca vai estar tão linda quanto está agora, Merida.

Ela abriu a boca para falar, mas nenhuma palavra saiu.

– Acha que eu quero estar longe quando meu filho nascer? Eu não tenho escolha, Merida. Queria te levar junto comigo, mas você não pode, não nesse estado. Mesmo que consiga montar um dragão, o que aconteceria se estivéssemos voando e meu filho decidisse que está na hora? Se algo acontecesse com você, eu nunca me perdoaria.

– Soluço... - ela retrucou.

– Eu te amo, sua boba. - Ele disse, e calou-a com um beijo. Afastou um pouco os lábios dos dela. - Teimosa. - beijou-a outra vez. - Cabeça dura. - outro beijo. - Perfeita.

Merida riu baixinho. No fundo, sabia que ela era mesmo todas essas coisas.

____

Merida e Dealan passeavam pela aldeia. Maudie praticamente a chutara da cozinha, dizendo que fizesse qualquer coisa, desde que saísse dali e a deixasse trabalhar em paz. Não, não queria que Merida descascasse as cebolas. Não, não precisava que ela mexesse na panela. Não, não queria ajuda.

Elinor tinha enviado Maudie para Berk, para cuidar dela. No fim das contas, Merida ainda era uma princesa e Elinor nunca deixaria que sua filha fizesse todo o serviço doméstico sozinha, embora Merida desconfiasse que era mais por sua falta de habilidade do que por preocupação genuína.

Como de costume, assim que seu pé tocou o solo fora de casa, Dealan aterrissou a seu lado, erguendo as saias de Merida até as coxas com a lufada de vento de suas asas. Merida ajeitou o tecido, dando um sorrisinho sem graça para um garotinho que a encarava corado e de olhos arregalados e apressou o passo. Dealan a seguiu, e ao passar pelo garotinho deu-lhe um rosnado baixo que o fez sair correndo.

Era sempre assim, agora. Mesmo que Soluço e Estóico estivessem fora, Merida nunca estava realmente sozinha. Até Dealan, que costumava ficar por longos períodos na floresta parecia decido a vigiá-la.

Bocão, Maudie, Tempestade, Astrid, Melequento, Dente de Anzol, os gêmeos, Bafo e Vômito. Sempre surgindo do nada, tentando iniciar uma conversa casual como se seu encontro com Merida fosse obra do acaso.

Ela tentou lutar, no princípio, mas sabia que não adiantaria nada. Estóico e Soluço colocaram a aldeia toda nos calcanhares dela para desencorajar suas aventuras. Não que ela se sentisse muito disposta para uma aventura, de qualquer maneira. Seus tornozelos estavam inchados, estava esgotada por não conseguir dormir direito, e mal conseguia subir em Dealan sem ajuda. Não iria a lugar nenhum.

Após uma volta pela academia, uma passada no Grande Salão e uma visita rápida à casa de Astrid, Merida caminhou sem pensar até o cais. Nem percebera onde seus passos a levavam, e só se deu conta quando as tábuas do ancoradouro acabaram e não havia mais para onde ir. Dealan ainda estava a alguns metros atrás dela, olhando para todos os lados, incomodado. O dragão não gostava de estar próximo da água. Ela deu ombros e com um pouco de dificuldade, sentou-se. Descalçou as botas e mergulhou os pés na água, balançando-os devagar para não salpicar água no vestido.

Acima dela, pesadas nuvens de chuva se juntavam, encobrindo o céu azul com rapidez.

Merida encarou o horizonte, pensativa. Gostava do mar. Havia algo de selvagem e belo nele, quase como as florestas de sua antiga casa. Da mesma maneira que as chamas em uma lareira chamam a atenção e prendem o olhar, era impossível ignorar o som e o movimento hipnóticos das ondas. Era quase como se a chamassem.

Ela inspirou fundo e absorveu o cheiro salgado na brisa. Pensou em Soluço e imaginou se ele estaria olhando para o mar, em algum lugar naquelas ilhas, pensando nela também.

Pingos de chuva começaram a cair e Merida olhou para baixo, observando uma pequena gota se dissolver no tecido do vestido. Então notou algo errado.

Seu vestido estava encharcado.

Seu coração saltou no peito ao perceber o que isso significava. Seu bebê ia nascer. Ela inspirou fundo algumas vezes antes de se levantar com esforço e chamar por Dealan. A chuva despencava com força agora, e mesmo encharcado, o vestido de Merida agitava-se no vento.

O dragão se aproximara dela, mas assim que Merida estendeu a mão para tocá-lo e apoia-se nele, faíscas saltaram da pele escamosa. Merida puxou a mão, confusa. Dealan nunca a atacaria.

Uma rajada elétrica percorreu o corpo dele, da cauda até a cabeça, e ele recuou, um pouco tonto. Deu alguns passos em falso e caiu. Levou um tempo até recuperar o equilíbrio e olhar para Merida. Ela soube imediatamente ao olhar nos olhos de Dealan e ver o desespero neles que ele já não tinha muito controle sobre si mesmo. Por algum motivo, Dealan não podia controlar seus raios quando estava molhado.

"Que bela hora para descobrir isso, Merida." ela pensou.

Dealan! - ela gritou, mal ouvindo a própria voz acima do som do vento e das ondas. - Vá buscar ajuda, Dealan!

Mas ele ouvira. Bateu as asas para pegar impulso e subir voando, mas alguns metros acima do solo, um relâmpago o atingiu. Rapidamente ele perdeu o controle dos movimentos e caiu nas tábuas do cais.

– Dealan! - Merida tentou correr até ele, mas uma pontada de dor no baixo ventre a impediu e ela caiu de joelhos, dobrada pelo esforço. Com um gemido, Merida se colocou de pé outra vez, caminhando devagar até a silhueta do dragão. Pôs-se de joelhos próxima a ele, vendo-o arquejar e grunhir tão alto que mesmo acima do som da tempestade ela pôde ouvi-lo.

– Dealan... Você está...

Ela parou, ao ver o dragão erguer-se de súbito e se afastar dela. Não queria que a tocasse. Tinha medo que se ferisse.

Ainda um pouco zonzo, Dealan se virou e escalou as rochas que levavam a aldeia, deixando Merida sozinha no cais.

Ela não soube dizer quanto tempo se passou até que a sombra de um dragão desceu a encosta da ilha em direção a ela. Tempestade lutava contra as correntes de ar oscilando e tentando estabilizar seu vôo. Pousou junto às tábuas do ancoradouro, bem próximo de Merida. Ela olhou para cima para ver a cabeça de Astrid surgir. O cabelo louro estava encharcado e colado à testa. Ela saltou da sela com agilidade, caindo perto de Merida.

– Nada nunca é fácil com você, não é? - Ela berrou acima da tempestade, apoiando Merida em seu ombro com cuidado e andando até Tempestade.

– Astrid, o bebê... - Merida advertiu.

– Eu sei. - a guerreira assentiu.

Astrid soltou Merida e pulou para a sela de Tempestade, estendendo a mão para Merida logo em seguida. Ela segurou a mão de Astrid, que grunhiu com o esforço de puxar Merida para junto de si na sela. Tempestade levantou vôo outra vez, levando-as em segurança até a ilha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se um dragão com a cabeça molhada não consegue cuspir fogo, um dragão que solta raios com certeza toma choques quando se molha!