Talvez Seja Mais do Que Isso escrita por HeyNick


Capítulo 5
Capítulo Cinco


Notas iniciais do capítulo

Capítulo especial dedicado aos nenis que estão no processo de fazer o ENEM esses dias. Eu sei que é tenso ~ abraça ~ prometo que vai ficar tudo bem, viu? Espero que esse capítulo alivie um cadim a mente de vocês.
Então, gente... Escrevendo esse capítulo tive minha mais recente descoberta estranha da língua portuguesa: "obSessão" é com 's' e "obCecado" é com 'c'. Isso não faz o menor sentido para mim, mas vida que segue.
Enfim, sempre fui apaixonada por esse capítulo, e as coisas que acabei acrescentando só fizeram o caso aflorar mais ainda.
Espero que gostem.



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 Capítulo Cinco

 

Atena

Caroline e Diego Delicolli, os pais de Atena, constantemente visitavam a filha. Normalmente às sextas-feiras. Talvez por isso ela estranhasse tanto a falta dos dois em sua casa naquele dia.

Seu aniversário de casamento seria dali a dois dias, no domingo e, por mais que Atena agradecesse a viagem de Poseidon - uma vez que sua vontade de vê-lo se esvaiu ainda mais desde a última conversa que tiveram - ela tinha de admitir que a casa estava, de fato, muito vazia.

Apesar de Atena odiar esbarrar com Poseidon pelos corredores nos raros dias em que ele passava em casa, estava acostumada com sua presença. Quando escrevia em seu quarto, estava habituada a ouvir os passos dele através da porta fechada; ao constante barulho das teclas do notebook dele sempre que ela passava pela sala; às músicas malucas que ele colocava no próprio quarto enquanto, a loira imaginava, ele arrumava as malas para uma próxima viagem. Até mesmo com as invenções inescrupulosas na cozinha ela já se acostumou (muito embora impressionada por nada nunca ter explodido).

Esta semana, entretanto, os pais de Atena não foram visitá-la (a seu pedido). Poseidon viajara há quatro dias e ela dispensara os criados - ela continuava achando aquilo tudo tão antiquado -, com o intuito de ficar sozinha durante a semana que antecedia o aniversário de casamento.

Não sabia por que estranhava o vazio da casa. Ela fazia isso sempre. Expulsava a todos de sua vida.

Deveria se sentir bem, não é mesmo? Gostava da solidão. Sentia-se bem ao lado dela. Fora sua melhor amiga durante anos e Atena nunca reclamou. Nunca quis reclamar.

Por que o faria, afinal? A Solidão era uma ótima amiga. A melhor que Atena poderia ter. Uma que nunca a deixava só, nunca deixava de entretê-la, nunca deixava de dar-lhe a criatividade necessária para que escrevesse. Uma amiga que a acompanhou durante a infância, a escola, as faculdades, os cursos e, agora, durante o casamento.

Mesmo em uma festa, rodeada de pessoas, essa amiga nunca a abandonou, nunca a traiu.

Por isso ela ficava com a Solidão durante o aniversário de casamento. Se você está sozinha, não pode ser abandonada, traída, decepcionada...

Até mesmo Camille, sua dama de companhia que lhe provara ser, de fato, uma ótima companhia nos últimos três dias, ela dispensou.

Atena foi até a cozinha, abriu a geladeira e pegou um copo d’água.

Era sexta-feira e ela estava sozinha. Era sexta-feira e ela escreveu. Era sexta-feira ao meio dia e ela não almoçou. Era sexta-feira e ela não ouviu nem mesmo a própria voz proferir uma palavra, os gritos silenciosos de sua amiga lhe atingindo.  

Era uma sexta-feira comum, e isso matava Atena. A matava porque não deveria ser comum. A matava porque o dia não deveria estar bonito e ensolarado, e sim chuvoso e triste. A matava porque ela estava feliz, acompanhada de sua melhor amiga, ao invés de no chão frio ao canto do banheiro, chorando, com a água morna caindo sobre suas costas e o barulho do chuveiro afogando-lhe os soluços, como costumava acontecer

Seu aniversário de casamento seria dali a dois dias, e isso devia ser o suficiente para esta sexta-feira não ser comum. Mas era.

 

Poseidon

Poseidon estava sentado em um sofá confortável, com uma almofada vermelha em seu colo. Era uma daquelas cujo tecido mudava levemente de cor, dependendo da direção em que a acariciava. Ele se distraia formando desenhos com os dedos, tentando esconder o nervosismo.

Era o quê? A terceira vez que tentava fazer terapia? Baseado em suas experiências, não esperava o que via. Estava acostumado com consultórios escuros, divãs antiquados, e a estranheza de não ver o psicólogo, sempre sentindo estar ainda mais sozinho.

Assim, ele imaginava que ficaria aliviado por escolher alguém com “outra abordagem no ramo da psicologia”, como sua irmã lhe recomendou. Não entendia muito dessas coisas, mas pensou que valia a pena tentar, já que os últimos não deram certo. Não supôs, contudo, estar mais intimidado pelo sofá confortável, cara a cara com uma poltrona verde lustrosa, que combinava com as ondas do mar que podia ver pela parede de vidro do outro lado da sala, inundando tudo com luz. A parte mais assustadora, sem dúvidas, eram os quadros fofos de cachorrinhos pendurados na parede.

O que está acontecendo?

Achou pelo menos uma coisa reconfortante antes que a mulher que escutaria todos os seus segredos entrasse na sala: a caixa de lencinhos de papel e uma lixeira em uma mesinha ao seu lado. Era um alívio ver algo em comum com todos os outros consultórios em que estivera.

— Oi, boa tarde – disse uma moça alta, de pele morena, confortavelmente vestida com calças jeans e uma camiseta branca que ressaltava seus olhos e cachos amendoados. Ela estendeu a mão para ele, sorrindo, sentou na poltrona verde e pegou uma prancheta com papel em branco e uma caneta na mesa de centro a sua frente.

Sentada, irremediavelmente em sua frente, ela o encarou. Outch.

— Boa tarde. É Gabriela, certo?

— Sim, isso mesmo. E você é Poseidon, como o deus grego?

— Exatamente – ele respondeu, com um leve sorriso, se lembrando da última pessoa que mencionou isso, e logo depois se recriminando. Ainda bem que estou aqui, pensou.

— Acredito que se você for um pouquinho como o deus, vai apreciar a vista.

— Preciso confessar que foi um dos motivos que me levou a escolhe-la dessa vez – ele disse, a fazendo sorrir. Poseidon estava se sentindo bem por ela realmente puxar algum assunto. Fazia com que se sentisse mais confortável.

— Espero fazer valer a escolha, então. Mas, como você disse “dessa vez”, imagino que já tenha feito terapia antes. Como foi?

Esperta, percebeu ele.

— Na verdade já tentei algumas outras vezes, mas não deu muito certo.

— Posso saber o porquê?

— Sentia sempre que estava falando sozinho, e nunca me levou a lugar nenhum. Em alguns não senti melhora, em outros me senti julgado...

Ela franziu o cenho e começou a rabiscar alguma coisa rapidamente, falando ao mesmo tempo:

— Isso, na verdade, é bem comum. Escolher um psicólogo é algo sério e pode ser complicado. Quer dizer, querendo ou não, você vai abrir toda a sua vida para alguém se quiser ter realmente resultados. E, para isso, você precisa sentir confiança no profissional e ao mesmo tempo confortável para falar com ele. Nem sempre isso acontece logo de primeira. Inclusive, se não se identificar comigo, ficarei feliz em te encaminhar para algum colega meu. Fique tranquilo com isso.

Poseidon assentiu, pensativo. Nunca tinha parado para pensar no que Gabriela lhe dizia, mas concordava que fazia sentido.

— Certo, é muito bom saber disso. E, bem, você mencionou a questão da confiança. Então, para nós começarmos, eu preciso que você assine um termo de confidencialidade. Só por precaução.

Poseidon começou a abrir sua maleta e a tirar a pasta de plástico contendo o documento, enquanto a ouvia dizer:

— Você sabe que isso não é necessário, certo? Eu sou eticamente proibida de falar qualquer coisa que for dita aqui.

— Eu sei – disse ele, estendendo a pasta. – Mas eu tenho alguns problemas realmente complicados, que envolvem outras pessoas, então prefiro me prevenir.

Gabriela franziu o cenho, pensativa. Pegou o documento de apenas uma página e começou a ler. Definitivamente, esperta, pensou Poseidon.

— Antes de eu assinar isso – disse ela, provavelmente terminando de ler, mas ainda encarando o documento – preciso saber se realmente vai confiar em mim para falar, principalmente para começarmos. Como eu disse, não tenho problemas se não gostar da minha abordagem, mas só atendo pessoas que realmente querem melhorar e fazer terapia.

— Eu te garanto – Poseidon respondeu, apreciando a honestidade e profissionalismo dela. – E não precisa se preocupar. Costumo ser bem aberto, e o fato de eu não poder falar sobre o que preciso com ninguém já me consome há um tempo.

— Certo. Isso é bom, de certa forma – ela respondeu, assinando o documento e o devolvendo para ele. – Problemas complicados, eihn? Já escutei vários deles. Vamos ver se você me surpreende. O que tem para mim?

— Então... meus problemas. Certo.

— Isso mesmo.

Poseidon soltou um suspiro demorado, relaxando no sofá. Era um alívio finalmente poder falar sobre tudo, mas por onde começar?

— Bem, então vamos começar pela minha esposa – começa ele, prestando atenção em Gabriela e se sentindo cada vez mais confortável ao perceber suas expressões de surpresa, ou sua mania de mordiscar levemente a ponta da caneta antes de anotar algo particularmente tenso.

Talvez esse negócio de outra abordagem dê certo, afinal.


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Notas finais do capítulo

Então, lendo os últimos comentários percebi que muita gente está notando, então acho prudente falar: essa história fala muito sim sobre saúde mental (acho que previ o tema da redação do ENEM, só pode).
Enfim, a intenção aqui é justamente fugir um pouco do "vilão da história". Porque, assim, na vida real o vilão da história somos nós mesmos em boa parte das vezes.
O que estão achando dos diálogos? Mais teorias? Beijinhos.



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