Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 17
Insanidade




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Elly estava num jardim cheio de flores brancas. O vento soprava e levava algumas pétalas consigo, em que os raios de sol batiam e transformavam-nas em pequenos pontos brilhantes que sumiam no céu.

Ela conhecia aquele jardim como a palma de sua mão. Se não tivesse acontecido algum tipo de alteração, ela sabia para onde tinha que ir. Não precisava ter que confiar nos seus poderes de encontrar o centro da energia. Apenas deixou-se guiar por suas lembranças até chegar onde pretendia.

Era uma árvore. Ou pelo menos a representação etérea dela. Seu tronco era largo e longo, uma grande quantidade de galhos iam se ramificando e logo terminavam em volumosos grupos de folhas que farfalhavam enquanto o vento as tocava.

Elly costumava dizer que esta era a árvore que representava seus poderes, onde as ramificações simbolizavam cada caminho que ela tinha que fazer para entrar no sonho de alguém e que cada folha no final desses galhos eram as diferentes possibilidades de cenários que ela podia encontrar quando chegava.

A sombra projetada no solo havia sido o lugar onde Elly tinha passado várias tardes ensolaradas divagando sobre sonhos alheios. Porém, naquele instante, a sombra que ali se encontrava seria palco de mais uma de suas conversas com sua mãe. Farrah estava sentada, já aguardando sua filha, como se seu subconsciente soubesse que Elly iria visitá-la ali.

A menina correu de encontro a mãe e a envolveu num abraço. Por alguns momentos, Elly esquecia que existia alguma distância entre as duas e se permitia encarar aquela situação como muito além de um sonho. Mesmo que de forma alternativa, era sua realidade.

Os cabelos de Farrah eram pretos e curtos, seu rosto arredondado com traços brutos, em que ainda era possível notar alguma semelhança física com sua filha, principalmente na regiões dos olhos. A mudança de humor sempre claramente refletida no olhar, havia sido uma característica que Elly tinha herdado de sua mãe.

– Oh, minha filha, estava muito preocupada com você! - Farrah segurava o rosto da filha, com suas mãos nas bochechas de Elly. - Escutei uma agitação aqui, uma correria. Foi tudo tão rápido e não estava entendendo o que estava acontecendo. Depois apareceram na minha cela e disseram que vocês haviam escapado e que não gostavam de prisioneiros rebeldes. Não sabia o que eles iriam fazer se lhes encontrassem.

– Não tem com o que se preocupar, mãe. - a voz de Elly adotava um tom suave, tentando eliminar qualquer tipo de preocupação que a mãe pudesse ter. - Estou bem, ou pelo menos acho que estou.

– Como assim, Elly? O que aconteceu?

– Não sabíamos para onde ir e ficamos andando sem rumo durante algumas horas. Mas não estávamos sozinhas, mãe! Foi uma outra prisioneira que nos ajudou a escapar. Ela me prometeu que voltaríamos pra te resgatar.

Farrah passou a mão por entre os cabelos de Elly e foi guiando a cabeça de sua filha até seu colo para continuarem a conversa. A menina estava no seu lugar favorito, embaixo da árvore, aproveitando de um carinho materno. Era um sonho que ela preferia que não acabasse.

– Não pense em mim, Elly. Você sabe que você e sua irmã não serão o suficiente pra conseguir me resgatar. Muito nobre sua atitude, mas temos que ser realistas.

– Mas ainda não estou conseguindo encontrar o meu pai! Não importa o quanto eu tente. Ele simplesmente sumiu.

Desde que foram sequestradas, Farrah havia aconselhado a filha a tentar encontrar Gustav, com a esperança dele conseguir resgatá-las daquele local. Todas as tentativas tinham sido falhas e embora não quisesse contar para a mãe, Elly já estava se sentindo desestimulada a ficar insistindo numa ideia que parecia não dar certo.

– E quanto ao seu irmão? Conseguiu fazer algum contato com ele depois daquela vez? De repente ele pode encontrar algum tipo de ajuda.

– Não tive nenhum contato com ele, mas também não fiquei tentando. Mas se você insiste... - Elly não conseguia ver como alguém que nem conhecia direito poderia arriscar sua vida para lhe ajudar. - Mas você não acha que poderíamos entrar em contato com algum outro parente próximo?

– Não! - respondeu Farrah alto e bruscamente

Elly estranhou a mudança rápida no temperamento da mãe. Nem parecia ela mesmo. A mãe podia ter uma personalidade forte, mas nem por isso alterava de humor com tanta rapidez.

– Quero dizer, não quero ficar preocupando outras pessoas desnecessariamente, não é mesmo? - Farrah voltou a seu tom normal. - Nem pensaria em falar com seu irmão se você já não tivesse se comunicado com ele. Além disso, você e sua irmã já estão fora daqui, então só precisam correr atrás de alguém disposto a ajudar vocês.

– Vou tentar falar com ele novamente, mas se ele mora naquele lugar que você falou, não conseguirei entrar no sonho dele. - explicou Elly. - Enquanto isso posso ver se Amber ou Shane pensam em alguma coisa pra tirar você daí.

– Amber ou Shane?

– Amber foi a outra prisioneira que nos ajudou a sair daí. Então, quando já estávamos do lado de fora, encontramos o Shane. Eles no ajudou a escapar dos guardas pela segunda vez, quando eles nos perseguiram. Os dois foram de grande ajuda para nós, mãe. Tenho certeza que eles vão nos ajudar. Além disso, ela prometeu.

– Então vocês estão em perigo? Tem certeza que eles não seguiram vocês novamente?

– Certeza! O Shane fez uma armadilha e deixou todos os guardas presos. Conseguimos chegar seguros.

– Chegar onde?

– Não sei o nome de onde estou, mãe. Mas não é muito longe da prisão. É uma espécie de aldeia onde ele mora. Não consegui ver direito porque chegamos a noite. - explicou Elly. - Mas estamos bem. Estamos em um conforto que lhe faria inveja. - Brincou.

– Que bom, filha. Fico contente que vocês estejam bem e, claro, que não tenham esquecido de mim.

– Óbvio que não esqueceríamos. Se pudéssemos, já tínhamos resgatado você. Pode deixar que é nossa prioridade. - afirmou a filha mais nova.

– Não tenha pressa. Não quero que vocês sejam descuidadas e acabem sendo presas novamente. - alertou a mãe enquanto alisava os claros fios do cabelo de Elly. - Precisam ter cautela, querida.

– Mas...

– Sem discussões. - interrompeu a mãe. - É muito arriscado. Você já se arrisca muito vindo falar comigo aqui. Talvez seja melhor evitarmos um pouco.

– E que outra forma eu manteria contato com você? - Elly não compreendia essa estranha decisão que sua mãe estava tomando.

– Não é para sempre. Pense um pouco, minha filha. O tempo que você gasta vindo aqui se comunicar comigo, você poderia estar tentando falar com seu irmão ou com seu pai. Ou até mesmo, conforme você me disse, pensando em algo para me deixar livre dessa prisão.

– Eu já disse que as opções são difíceis, mas não vou desistir. - respondeu Elly decidida. - Eu ainda preciso de você, mãe...

– Eu sei, querida. Mas no momento estamos separadas. Encare isso como parte do processo de seu crescimento. Já, já estaremos juntas. - Farrah tentava animar a filha. - Pense que não será para sempre. Vamos fazer um acordo, pode ser?

– Que tipo de acordo?

– Você virá até mim sempre que tiver algum progresso. Assim você ainda terá contato comigo e eu terei certeza que você está tendo êxito. Considere isso como uma espécie de motivação pessoal.

– Pode ser! - Elly esboçava um grande sorriso, pois percebeu que sua mãe estava confiando nela.

– Então acho que você pode começar amanhã. Hoje, você deverá descansar e tirar uma noite de sono só para você.

– Mas não quero sair daqui agora. Está tudo tão bom...

– Ficarei aqui até você ficar descansada e dormir. Assim como quando você era mais nova.

– Tudo bem, mãe. - Elly se permitiu fechar os olhos.

Alguns minutos se passaram enquanto Farrah acariciava a cabeça da filha. A cada passada de mão em seus cabelos, Elly sentia seus problema diminuindo. Sentia seu corpo mais leve e aos poucos foi relaxando, se permitindo esquecer o que a rodeava. Em instantes, a energia etérea que formava o corpo de Elly se esvaiu, deixando Farrah sozinha.

Uma lágrima escorria dos olhos daquela mãe, tanto nos sonhos quanto na realidade.

*************

– Muito bem, minha prisioneira. É sempre muito bom adquirir controle da sua consciência, especialmente quando eu sei que você consegue ter noção do que acontece. - dizia um ser que esboçava um sorriso vil, se divertindo com toda a situação. - Considere isso minha própria forma de tortura. Cada um joga do jeito que pode. Agora é hora de passar para o próximo passo. - e já estava deixando a cela de Farrah. - Mas antes, é claro, não posso deixá-la dormindo...

O homem estalou os dedos e num movimento involuntário Farrah acordou daquele sonho, com seus olhos cheios de lágrima, encarando aquele que controlava todas as suas conversas com sua filha desde que chegara ali.

Queria gritar, mas sabia que isso não seria o suficiente. Só podia esperar que um dia ele tivesse o que merecia. E ela gostaria de estar presente para ver. Mas, naquele momento, ela só o observava indo embora e sabia que só dormiria quando ele lhe permitisse novamente. E ela não queria que isso acontecesse tão cedo.

– Minhas meninas, cuidado... - falava num tom que só ela poderia escutar, enquanto suas lágrimas atingiam o chão.


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