Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 16
Conversa Espiritual




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/606609/chapter/16

Amber não sabia que possíveis respostas poderia adquirir e muito menos que tipo de perguntas poderia fazer a alguém que desconhecia, porém a única coisa que lhe passava pela mente naquele instante era que não tinha nada a perder. E isso já era o bastante.

Shane a conduziu pela aldeia, passando por várias tendas. Os habitantes locais de Yor'Em analisavam Amber da cabeça aos pés como se isso fosse o suficiente para conhecer alguém. A jovem correspondia os olhares com um sorriso meia boca sem saber o que fazer e com medo de ter alguma reação que desagradasse.

Quando passaram em frente a tenda que Amber antes estava, ficaram surpresos ao avistar Leena na entrada, sentada como se tivesse a espera de alguém.

Leena já havia acordado a alguns minutos, porém estava com receio de andar sozinha num local que não conhecia. Estava a procura de um rosto familiar e, até aquele momento, só conseguia avistar grupos de famílias que lhe faziam sentir vontade de estar com seus pais. Apesar de sua irmã mais nova estar sempre junto, ela sentia um dever de proteção com Elly, e estava sentindo falta de ter alguém tomando conta dela.

Havia deixado Elly dormindo na tenda e, de certa forma, gostaria de continuar deitada, porém sua mente andava em constante estado de alerta e isso dificultava qualquer tentativa de muito descanso. Não conseguia entender como a irmã conseguia manter um sono tão profundo diante de toda aquela situação, mas também não ousava acordá-la e preferia deixá-la desfrutar daquele pequeno luxo.

Ao se aproximarem da menina, Amber não pode deixar de reparar no vestido que Leena usava. O modelo era exatamente igual ao seu, com a única diferença sendo a cor azul safira ao invés do carmesim. Leena também havia prendido seu cabelo com um laço, na altura do pescoço, utilizando um pedaço de tecido de mesma cor que seu vestido.

– Acho que vocês não tem muita criatividade por aqui, não é mesmo? - Amber brincou com Shane.

– Pelo menos a cor é diferente. - Leena alimentou a brincadeira. - Vamos esperar para nos surpreender com que cor Elly sairá dessa tenda.

– Não seja por isso! Se vocês quiserem eu ficarei feliz em retornar com os trajes de vocês. Tenho certeza que vocês ficarão melhor naqueles trapos. - Shane deu uma risada quando notou que as meninas tinham adotado um olhar de repulsa ao lembrar das antigas roupas.

– Posso saber onde os dois estão indo? - indagou a menina mais nova em tom de curiosidade.

– Estamos indo falar com o líder dessa aldeia para ver o que ele sabe sobre as pessoas que nos capturaram.

– Mas a gente mal chegou aqui e, provavelmente, só de passagem. O que faz você pensar que ele teria tempo para falar com você? - retrucou Leena.

– Ajuda quando se conhece o filho dele. - Shane interrompeu fazendo com que Leena arregalasse os olhos perante tal revelação. - Gostaria de vir com a gente?

Falar sobre sua situação não era exatamente a primeira coisa que Leena gostaria de fazer quando acordasse. Se tivesse a opção de escolher esquecer o que havia passado, por pelo menos alguns minutos, com certeza não desperdiçaria a chance. Contudo, não conhecia a aldeia e não tinha com o que se ocupar e, além disso, sua irmã não dava indícios que acordaria tão cedo. A contragosto, resolveu aceitar.

Os três seguiram até chegar num caminho mais inclinado que os levava para o ponto mais alto da aldeia, de onde já era possível enxergar uma fumaça branca elevando-se lentamente.

Lá, uma fogueira queimava intensamente e a fumaça começava a ganhar um aroma mais forte, porém não desagradável, dando a impressão de confortabilidade. O local também possuía algumas tochas fincadas ao chão que, no momento, encontravam-se apagadas. Um totem de madeira com formatos que se assemelhavam a de animais situava-se bem ao lado de uma tenda que tinha um formato cônico, com a mesma estrutura de madeira comum em Yor'Em, coberta com uma espécie de tecido bem grosso.

– É lá que você mora? - perguntou Amber estranhando o tamanho.

– Não. Ali meu pai fica somente durante o dia caso alguém o procure. - começou a explicar. - É uma questão de reclusão espiritual e assim ele consegue ter privacidade para falar com as pessoas que o procuram. Ao final do dia ele volta para casa, e retorna para cá assim que acorda.

De imediato, sem precisar que alguém anunciasse a presença dos jovens, um homem saiu da tenda e foi caminhando na direção deles como se já os aguardasse.

Era impossível negar o parentesco entre Shane e ele. A cor da pele e os traços do rosto eram os mesmos, com alguns toques de envelhecimento que o tempo tinha feito questão de colocar. Era careca, porém alguns fios grossos e brancos começam a aparecer. Era mais baixo que o filho e a falta de atividades lhe havia proporcionado um corpo mais avantajado. Trajava um poncho marrom claro, com padrões triangulares vermelho e marrom escuro bordados se repetindo ao longo do mesmo. Uma calça preta de tecido mais fino cobria os membros inferiores, deixando aparecer somente seus pés descalços.

– Ora, vejam só. Parece que nossas visitantes já estão em melhor estado. - disse com um sorriso no rosto. - Eu sou Eugene, o líder espiritual dessa aldeia. Em que posso ser útil?

Antes que as meninas pudessem responder, Shane se pronunciou apresentando-as fazendo menção até mesmo a Elly, que não se encontrava ali.

– Olá, senhor... - Amber não sabia como se referir a Eugene, mas não deixou isso impedi-la de continuar. - Tenho algumas perguntas que gostaria de fazer.

– Pois bem, menina. Ficarei contente em lhe responder o que eu souber.

A forma receptiva com que Eugene a estava tratando fez com que Amber repensasse em como iria falar o que queria. Apesar de não estar satisfeita com os métodos de vigia escolhidos pelo líder, não queria chegar fazendo acusações. Estava ali para obter respostas e não para arranjar inimizades.

– Não sei se você está sabendo o que aconteceu para estarmos aqui hoje... - Amber foi interrompida.

– Meu filho comentou sobre um confronto com certos guardas, mas gostaria de escutar o que tens a dizer.

Amber relatou os fatos ocorridos com ela sem omitir nada. Desde que estava com seus amigos treinando na floresta em um momento e sendo sequestrada em outro até o momento que se viu em um cativeiro e escapou. Explicou com detalhes a situação que seu lobo apareceu em sonhos pela primeira vez até quando ele apareceu, em chamas, na sua frente. E finalizou com a promessa que tinha feito a Elly de retornar para resgatar a mãe dela.

Eugene escutava atentamente tudo o que a jovem lhe contava. Qualquer reação que tivesse, boa ou ruim, ele não deixava transparecer. Não queria que o rumo da história ou o modo que estava sendo contada mudasse por qualquer sensação errada que Amber tivesse ao ver uma demonstração empática dele.

Após contar sua versão dos fatos, Amber expressou seu descontentamento, de forma branda, com as medidas escolhidas por Eugene sobre as atividades suspeitas na construção abandonada. Por mais que tentasse entender o modo de vida dos habitantes de Yor'Em, a jovem arqueira não podia deixar de lado que estivera numa situação muito ruim.

– Minha jovem menina, o que você esperava que fizéssemos? - questionou Eugene - Chegássemos atacando, provocando confrontos, sem nenhum motivo aparente?

– Os espíritos daqui estarem incomodados é não ter motivo? Achei que vocês levassem essas coisas a sério!

– Levamos tão a sério que ficamos de prontidão caso apresentassem algum tipo de ameaça. Estávamos analisando o território, mas não íamos invadi-lo sem propósito. - Eugene observou as expressões de discordância que Amber fazia. - Olhe, não estou dizendo que o que aconteceu com você não é um motivo forte, mas tente entender que não tínhamos como adivinhar que tudo isso estava acontecendo e não podíamos fazer nada a respeito...

– E eles vão continuar fazendo o que querem e saindo impunes? E a mãe das meninas continuará refém? - Amber interrompeu.

– Paciência, paciência. - enquanto Amber parecia se alterar aos poucos, o chefe da aldeia mantinha a mesma expressão calma. - Como eu lhe disse, jovem, não podíamos fazer nada sem motivo. Agora os fatos são outros.

– Como assim? - foi a vez de Shane se envolver na conversa.

– Não podemos negar ajuda a quem nos requisita, não é mesmo? Ainda mais depois de ouvir toda essa história. - Eugene lançou um sorriso para Amber. - Além disso, eles atacaram vocês e isso já parece um motivo bem óbvio para mim. Tenho certeza que os espíritos dessa aldeia apreciariam um pouco de calma.

– Por mais que eu concorde com tudo o que você falou, pai, não conseguiremos fazer os habitantes daqui comprarem essa briga.

– Você está certo, Shane. Porém nunca disse que seriam eles quem nos ajudariam.

– Não estou entendendo. Aprecio a sua ajuda, mas não acho que nós três, o senhor e Elly seremos o bastante para fazer algum estrago. - disse Amber.

– Novamente apressada, senhorita. Os ventos sopram em várias direções e às vezes podem trazer boas surpresas. Você só precisa ter...

– Paciência, eu sei. - Amber antecipou o que ouviria. - Gostaria de saber de onde irá vir essa ajuda, isso sim.

– Apenas digo o que sei. Alguns presságios que os espíritos protetores me mandam. Quem serão esses aliados, eu não sei, mas algo me diz que em breve conseguiremos colocar rostos nesse grupo de pessoas desconhecidas.

– E enquanto isso faremos o que? - Leena perguntou de forma impaciente. - Minha mãe está lá ainda! Sabe-se lá até quando!

– Minha pequena, é minha vez de prometer que sua mãe será resgatada. Mas não posso deixar que vocês se arrisquem de forma despreparada. - Eugene tentou acalmar a Leena. - Tenho certeza que Shane pode ensinar algumas coisas para vocês e, quem sabe, aprender algumas outras também.

Mesmo com a garantia que havia recebido, Leena ainda pensava na mãe e ter que esperar mais, sem ao menos saber até quando, não provocava nenhum tipo de conforto. Infelizmente, não havia o que fazer. Se fosse buscar a mãe sozinha, existia uma grande chance de ser capturada novamente e não desejava passar por tudo aquilo uma segunda vez.

Amber e Leena agradeceram as palavras de Eugene e já estavam se retirando daquela elevação para retornar à parte mais baixa da aldeia, quando a voz do chefe de Yor'Em as fizeram parar.

– Tem certeza que é só isso que vocês tem a falar?

As meninas ficaram sem saber o que responder pois não faziam ideia ao que ele se referia. No momento nada lhes vinha a cabeça até que Eugene pegou uma espécie de cajado, com uma pedra acinzentada no topo e ornado de penas variadas, e bateu-o no chão.

Numa espécie de reação instantânea, a pedra ganhou uma luz e os amuletos de Leena e Amber também começaram a emitir a mesma luminosidade. Em segundos, o lobo e o falcão, já conhecidos por elas, apareceram em frente a Eugene.

– Vejam só o que temos aqui. - Eugene encarava ambos os animais analisando-os.

– Mas como? - perguntou Leena.

– Ele é um xamã. Não é a toa que ele é líder daqui. - Amber olhou para Shane, que balançou a cabeça em concordância.

– Ao que vejo, vocês tem muito mais dúvidas do que me falaram.

– Mas como o senhor sabe? Além de xamã também é vidente? Ou foram os espíritos que também ficam te informando da nossa vida? - indagou Leena.

– Muito bem observado, mocinha. Os espíritos podem me contar quase tudo. - disse se aproximando de Leena e apoiando a mão no ombro da menina. - Porém não foi qualquer espírito que me deixou a par desses fatos. Os espíritos a qual você se refere estão na sua frente agora mesmo.

– Como assim?

– Sendo o líder dessa aldeia devo guiar as pessoas que por aqui passam, porém como xamã devo, também, guiar aqueles que não mais estão aqui.

– E você também é capaz de fazer isso? - Amber se dirigiu a Shane.

– Como já lhe disse, ainda estou em treinamento. Ser capaz de enxergá-los mesmo quando não querem já é um começo, porém estabelecer esse tipo de comunicação ainda está fora do meu alcance. Exatamente por isso resolvi lhe trazer até meu pai, esperando que você fosse falar das mesmas coisas que tinha falado comigo antes.

– Não achei que seria necessário agora.

– Acho que eles discordam de você, não foi a toa que vieram até mim. - Eugene interrompeu. - Então por onde começaremos?

– Que tal do início? - sugeriu Leena. - O que são esses espíritos guardiões?

– A resposta está em sua pergunta. São guardiões. - Eugene respondeu mostrando um senso de humor deixando escapar uma pequena risadinha. - Agora se quiser saber de onde eles vêm, acho que a história pode ser mais interessante.

Leena e Amber se entreolharam. Ambas não tinham muito conhecimento sobre os animais que as guardavam, então estavam prestando muita atenção no que Eugene falava.

– De forma simples, a princípio são seres que já estiveram presentes em nosso mundo e hoje apenas estão presentes de outra forma. Podem ser representações de qualquer criatura viva.- iniciou Eugene. - Muitos acreditam que não são todos os espíritos que retornam, onde somente os de grande valor tornam-se guardiões.

– E como exatamente isso acontece? - perguntou Amber.

– Existem muitas maneiras disso acontecer. Primeiro vocês devem saber que muitos espíritos humanos costumam adotar outras formas quando viram guardiões. Isso se deve ao fato das pessoas terem receio de estarem na presença de seres que já não estão nesse plano. Dessa forma, quando mudam de forma, evitam uma série de situações. Afinal, eles estão ali para proteger a pessoa e não assustá-las.

– E em relação a quem eles protegem? - foi a vez de Leena questionar.

– Então, a mais comum é quando alguém pede por algum espírito guardião. Precisa-se, é claro de um xamã para fazer isso. Daí, é preciso achar, no plano espiritual, algum espírito que tenha alguma forte conexão com a pessoa. E assim se cria uma espécie de vínculo entre as duas almas. Entre os dois planos. - explicou o líder xamã. - A segunda é quando o espírito nos procura com interesse de proteger alguém. Isso é muito comum quando algum membro de uma família morre e acha que seus parentes podem vir correr algum tipo de perigo. Aí cabe a nós, xamãs, irmos até a pessoa e comunicar esse interesse. Não é sempre que somos bem recebidos, mas fazendo o máximo que podemos. Fazer as pessoas acreditarem no oculto, está fora de nosso alcance.

– Em outras palavras, não importa quem peça, é função do xamã estabelecer o elo de ligação. - resumiu Shane. - E a forma que o espírito assume também tem relação com isso.

– Bem lembrado, filho! - agradeceu Eugene. - Algumas famílias possuem animais como brasões, e isso é um dos fatores que influencia a forma adotada pelo seu guardião. Como é seu caso, Leena.

– Como você sabe disso? - a menina ainda não entendia até onde iam as habilidades de Eugene.

– Enxergar através dos olhos de um espírito e saber sua origem, também é uma de minhas funções. Por esse motivo sei que esse seu falcão tem essa forma por uma questão simbólica familiar. Da mesma forma que o guardião de Amber é passado de geração em geração pela família dela.

– Mas você não disse que os espíritos são ligados a uma pessoa? Então não deveria poder passar um guardião adiante. - Amber perguntou.

– Como eu vos falei, cria-se uma espécie de vínculo. Quase uma forma de entendimento mútuo, que vai se criando o tempo. Com isso, é comum achar espíritos responsáveis por uma família inteira, apesar de terem sido ligados a uma pessoa. O senso de responsabilidade espiritual se estende para as pessoas e coisas as quais seu protegido também possui uma ligação.

– E os amuletos? Se o vínculo dos espíritos é com o protegido, para que servem?

– Como uma espécie de âncora que não deixa os guardiões se afastarem muito do protegido. Afinal, se pensarmos uma pouco, quanto mais distante ele ficar de você, mais desprotegido você está. É uma garantia lógica. - explicou o xamã. - Porém, se você retirar o amuleto ou tirarem de você, é como se tal elo fosse quebrado momentaneamente. O amuleto não funcionará e o guardião não exercerá sua função.

– Mas aí o que aconteceria com ele? - perguntou Leena curiosa.

– Sem a pessoa que ela protege por perto, ele fica sem propósito. E repousa dentro da pedra fixada ao amuleto por tempo indeterminado até ser achado por alguém. Se for o próprio protegido ou de sua linhagem familiar, o guardião volta a cumprir sua função, senão, tem que dar a sorte do objeto ser levado a algum xamã para ser desfeito o vínculo.

– É um triste fado, mas os espíritos estão cientes disso quando aceitam tal responsabilidade. E os protegidos sabem que devem ter cuidado com os amuletos se quiserem preservar tal proteção. - completou Shane

– Nem sempre as pessoas sabem disso! - rebateu Amber. - Vejam só o meu caso. Apenas fui presenteada com um amuleto sem saber o que fazia. E muito menos desse tal vínculo.

Eugene chegou mais perto do lobo e acariciou sua cabeça durante alguns segundos, e depois deixou sua mão repousar na altura do pescoço do animal. A pupila do animal se dilatou e a íris começar a ficar vermelha. Ao mesmo tempo, a brasa da fogueira começou a queimar mais intensamente.

– Amber, esse espírito está na sua família há anos. - soltou o pescoço do lobo. - Durante muito tempo, ele cumpriu sua função de proteção com seus antepassados e, provavelmente, ainda estaria cumprindo se sua família não tivesse se mudado para Awalles. Lá, sem escolha, encontrou abrigo dentro do amuleto esperando o momento em que fosse necessário outra vez. Isso não significa que ele não estava cumprindo sua parte do acordo.

– Que tipos de ameaça ele iria me proteger lá? Aliás, como ele iria sair do amuleto se nem mágica é possível ser executada na cidade?

– Não disse que ele estava te protegendo lá dentro. Guardiões não possuem poderes vindos dos elementos, então a reação que ele provocou ali na fogueira só poder ter vindo de você! Isso só acontece quando espírito e protegido estão em grande sincronia, sendo possível ambos aproveitarem as características um do outro. Aparentemente, durante seu tempo de repouso, ele conseguiu conhecê-la melhor. Agora, cabe a você conseguir canalizar as características dele também. - explicou o xamã. - Em todo caso, assim que foi necessário, seu guardião se fez presente. Protegeu você e até mesmo sua consciência.

– Porém não evitou que eu fosse rapitada! - retrucou a jovem arqueira, que mesmo diante de toda a explicação, não conseguia superar os fatos passados.

– Entenda que ele só poderá te proteger quando você se sentir ameaçada e que a energia dele, também vem de você! Você não pensava estar em perigo e, quando finalmente estava, ficou inconsciente. Dessa forma, seu guardião não teve como aproveitar qualquer resquício de energia vinda de você.

Por um instante, o silêncio tomou conta daquela elevação. Amber se acalmou, os olhos de seu lobo voltaram ao normal e o fogo havia abaixado. Finalmente a menina tinha compreendido um pouco sobre o guardião que lhe acompanhava. Apesar dele ser um desconhecido para ela, ela jamais havia sido desconhecida a ele.

Como se soubesse que Amber havia entendido tudo, o lobo saiu de perto de Eugene e se recostou nas pernas de Amber. Ela abaixou-se e alisou os pelos do animal, agradecendo-o mentalmente.

– Agora é tua vez! - disse Eugene se referindo a Leena.

O xamã esticou o braço direito e o falcão da menina cravou suas garras no pulso dele. Levou o braço até a direção do peito e deixou os olhos da ave na mesma altura que os seus. A reação foi a mesma de antes. As pupilas se dilataram e olhos do animal ficaram brancos dessa vez.

– Jovem Leena, o seu caso é diferente e até mais simples. Este espírito foi vinculado especialmente a você. O guardião em forma de falcão foi dado a você e também a seus irmãos. - Leena ficou impressionada como em segundos ele já sabia sobre sua família, coisa que ela demorou anos para tomar conhecimento. - As pedras nos amuletos de vocês, foram retiradas da mesma gema e isso faz com que vocês consigam achar a direção até o outro. Como se as pedras chamassem umas as outras.

– Como isso é possível? - Leena estava interessada no assunto. Especialmente agora que sabia que tinha uma parte da família que não conhecia.

– É algo que você não precisa forçar. Acontece de forma natural. - iniciou Eugene. - Tão natural quanto você utilizando o que achava que sabia sobre seu guardião. E não estou dizendo que agiu de forma errada! Você fazia o que sabia e se isso fosse tudo, estaria até indo bem. Mas acho que agora, depois do que falei pra Amber, você sabe que precisa ir além disso.

– Se eu estava indo tão bem com o pouco que sabia, por que eu preciso fazer mais?

– Do que vale saber do que é capaz e não aproveitar essa capacidade? - rebateu Eugene. - Além disso, se você quiser resgatar a sua mãe precisará dar o seu melhor. E creio que no momento você ainda não esteja no seu melhor estado.

A intenção de Leena não era desprezar o que Eugene estava falando. Apenas não estava se sentindo emocionalmente revigorada para praticar coisas novas. Tomou ciência de como o que havia dito tinha sido interpretado após escutar a resposta.

Resgatar sua mãe estava entre suas prioridades no momento e faria o que precisasse para conseguir. Desejava somente que pudesse ter um tempo para si própria e processar tudo que havia passado. Cada vez mais parecia que esse desejo estava longe de se realizar. Só conseguiria um tempo para ela assim que isso tudo acabasse e isso ela não tinha noção de quando seria.

Leena foi tirada de seus pensamentos quando o barulho do bater de asas de seu falcão chegou a seus ouvidos. Despertou rapidamente num susto desculpando-se pelo modo que havia falado com Eugene.

– Não se preocupe com isso, minha jovem. Existem outras coisas para se preocupar no momento. - Eugene não tinha ligado para a maneira que Leena havia falado, porém tinha achado o momento oportuno para mostrar onde a menina tinha que focar.

– Eu sei! Tenho que focar e melhorar se quiser ajudar a tirar minha mãe daquela prisão.

– Não me refiro a isso. - iniciou Eugene. - Se eu fosse vocês, com certeza estaria indo procurar um abrigo agora. Nuvens de chuva estão chegando e vocês não vão querer estar do lado de fora quando ela finalmente resolver cair.

– Mas o dia ainda está ensolarado! - retrucou Amber.

– Não por muito tempo. - Shane apontou para um ponto mais a oeste.

Ainda estavam bem longe, mas nuvens cinzentas estavam se formando e as rajadas de vento estavam as levando lentamente na direção de Yor'Em.

Os três jovens deixaram Eugene sozinho na elevação e faziam seu caminho de volta à cabana onde Elly ainda repousava. Seus guardiões os acompanhavam dessa vez não por proteção, e sim por uma sensação de companheirismo.

Eugene não demorou muito para entrar em sua tenda. Havia sido uma longa manhã cheia de explicações e assuntos a se pensar. E ao que tudo indicava, seria uma tarde chuvosa na aldeia dos espíritos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Crônicas dos Elementais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.