Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 14
Sombras na Noite




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– Por quanto mais tempo será que teremos que andar antes de sairmos desse deserto de pedras? - reclamou Leena.

– Se o deserto te incomoda, você pode voltar para o conforto da sua cela. - rebateu Amber.

Elas já estavam caminhando há algumas horas. Seus pés descalços já estavam se arrastando, chutando pedras e terra e, alguns arranhões já estavam formados na sola e nas laterais, dos quais as meninas ignoravam o a dor e o incômodo para não terem que parar.

A paisagem acidentada, cercada por rochas, parecia não se alterar. Isso estava dando a impressão de estarem andando por mais tempo e sem rumo. O cansaço já era um fator que tentavam desprezar devido à urgência da situação em que se encontravam, mas isso não significava que seus corpos estavam resistindo.

Elly e Leena já tinham comido alguma coisa levada pelos guardas na prisão, mas Amber nem sequer lembrava quando havia sido sua última refeição. Seu estômago roncava, implorando por comida, mas não havia sinal de encontrar naquele local. Não queria deixar evidente sua condição na frente das meninas para não despertar preocupação, porém não sabia até quando iria resistir à falta de alimentação.

– Precisamos encontrar algum lugar para ficar. Daqui a pouco escurece e não acho que conseguiremos nos guiar por aqui. - constatou Elly dando uma olhada ao redor observando o sol se pondo. - Não sabemos que tipo de criaturas vivem por aqui.

Elly sentiu-se impotente. Seus poderes não tinham mais utilidade num local como aquele. Dentro de um sonho ela conseguiria achar o caminho que estivesse procurando de forma eficaz, mas ali estavam andando sem nenhum tipo de guia. E nada podiam fazer a respeito.

– Em nossas condições, se alguma criatura resolvesse aparecer, estaríamos com sorte. Pelo menos não teríamos que buscar algo para comer. - respondeu Amber.

– Isso seria fácil de resolver se aquele lobo ainda estivesse aqui conosco. - retrucou Leena. - Para onde ele foi?

Amber ficou sem entender a indagação de Leena. Ao que ela via, o lobo, que agora tinha aparência igual a de seu sonho, estava em pé a poucos centímetros de distância da garota. Não fazia ideia de como e de porque ele não podia ser visto.

– Não sei. - respondeu Amber. - Mas o que você estava dizendo sobre ele estar aqui?

– Fácil! - e deu de ombros. - Ele é um lobo e lobos tem bom faro. Ele bem que podia tentar achar alguma coisa pra gente comer. Ou caçar, tanto faz. Não deve ser tão difícil assim, não é mesmo?

– Faz sentido! - concordou a irmã mais nova. - Será que você não consegue chamar ele novamente?

– Para ser honesta, não faço nem ideia de como consegui fazer ele aparecer da primeira vez. Quando eu vi, ele já estava lá e pronto. - Amber queria dizer que o animal ainda estava lá, mas isso seria mais uma coisa que ela não saberia explicar como aconteceu e isso era tudo o que ela menos precisava naquele momento.

– Resumindo, tudo aconteceu como um mero acaso. - concluiu Leena. - Em todo caso, ele deveria estar por perto enquanto ela ainda estivesse se sentindo ameaçada. É praticamente a função dele!

– E, provavelmente está, irmã! Assim como os nossos também estão! - retrucou Elly.

– Como assim? O que você está querendo dizer com isso, Elly? - Amber tinha ficado um pouco confusa.

– Você não achou que fosse a única que tivesse um espírito guardião, não é mesmo? - Leena havia adotado um tom irônico, enquanto mostrava seu pingente para Amber.

Era um falcão que estava com o corpo em perfil, e a cabeça virada com duas pedras incolores no lugar dos olhos. Parecia estar encarando quem estivesse olhando o amuleto. A parte superior era cinza, e onde supostamente seria o peito da ave adotava um tom castanho. No pescoço, uma tintura branca fina circundava-o, assemelhando-se a um colar.

– Se vocês tinham isso, por que não o usaram para sair de lá?

– Não foi por falta de tentar. - respondeu Elly. - Tentamos isso e outras coisas, mas alguma coisa sempre bloqueava qualquer esforço nosso.

– E depois disso não tivemos motivo para utilizá-los. Afinal, seu lobo parecia estar dando conta do recado. - completou Leena.

– E quando vocês planejavam falar isso? - Amber mostrou um pouco de indignação.

– Quando fosse necessário. Tipo agora, por exemplo. - respondeu a irmã mais velha, novamente com ironia.

– Mas isso não significa que esperávamos que você fizesse todo o trabalho. Os nossos também estão aqui, apenas não visíveis. - Elly estava tentando cortar a tensão do momento.

– Poderia explicar isso direito? - pediu Amber.

– Não sabemos muita coisa também. - explicou a irmã mais nova. - Sabemos que o amuleto é uma espécie de receptáculo para eles e que a função deles é nos proteger. Porém nem sempre ficam expostos de forma que todos consigam vê-los.

– É alguma coisa relacionada à energia ou algo do tipo. - interrompeu Leena. - Agora, na situação que nos encontramos, acho difícil ele ter voltado para dentro do amuleto, não é mesmo? - lançou um olhar inquisidor pra Amber.

– Eu apenas não sabia como responder. E não é como se vocês não tivessem omitindo algumas coisas também.

– Acalmem-se! No final das contas já foi tudo falado, certo? - Elly virou-se para a irmã. - E como você mesmo disse, pode ser algo relacionado à energia gasta e o guardião dela já fez bastante nos tirando da prisão. Além disso, nós também podemos dar um jeito.

Leena assentiu em concordância com sua irmã. Pegou seu amuleto e murmurou algumas palavras como se tivesse pedindo ajuda naquele momento. Segundos depois uma ave ganhou forma sobrevoando a cabeça das três meninas.

A ave não era muito grande. Agora via-se detalhes que o pingente omitia. A cauda tinha formato retangular de cor vermelho-ferrugem. As asas bicudas estendiam-se de forma majestosa enquanto planava no ar. E a tira branca no pingente, mostrava-se agora, no animal, como um belo conjunto de penas brancas em volta do pescoço do falcão.

O animal desceu até a altura dos olhos de Leena, onde a menina sussurrou algo. Rapidamente a ave alçou vôo, deixando as três garotas esperando seu retorno.

– Ele deve voltar assim que encontrar alguma coisa. - declarou Leena.

– Que tipo de coisa? - questionou Amber.

– Sei lá! Qualquer coisa que chame a atenção dele. Já teremos sorte se encontrar algo nesse fim de mundo. Estamos andando e até agora nada!

– Só espero que retorne antes do sol se ponha por completo. - intrometeu-se Elly enquanto observava os últimos fios de luz alaranjados que ainda forneciam algum tipo de colorido aquele dia.

Alguns minutos passaram, enquanto ansiedade e tensão se misturavam criando um clima desconfortante. As meninas prosseguiam desanimadas e em silêncio, em passadas lentas, à medida que as primeiras estrelas começavam a surgir. A sensação calorosa provida pelo sol agora dava vez a um vento frio, que trazia consigo uma brisa de preocupação.

A única sensação de otimismo passada naquela paisagem era a lua, que parecia sorrir para elas. Ainda assim, estava difícil ater-se a pequenos sinais quando nada parecia estar dando muito certo.

Uma nuvem cinzenta começava a tapar a lua em sentido vertical. Dentro dela, via-se uma mancha mais escura que ia crescendo e ganhando forma gradativamente. A noite podia não ajudar na distinção mas, com luz do luar refletindo, Leena conseguiu identificar que seu guardião já estava fazendo seu caminho de volta.

Não demorou muito para a ave estar voando em volta de Leena e novamente atingir o céu, indicando o caminho que as meninas deveriam seguir.

Leena tomou a dianteira acelerando seus passos e, não muito atrás, era seguida por Amber e Elly. Deixavam um cenário rochoso e arenoso para trás e prosseguiam em direção a mais areias e rochas. A monotonia daquela paisagem dava a sensação de não estarem saindo do lugar, porém sabiam que, pela primeira vez em muito tempo, tinham um objetivo de chegada.

Após alguns poucos minutos de caminhada, depararam-se com um grande rochedo. A ave simplesmente voou por cima, enquanto as meninas tiveram que contorná-lo. Já estavam esgotadas por andarem o dia todo sem poder recuperar as energias e esperavam que ali pudessem suprir tais necessidades.

Encontraram um acampamento montado. Três suportes de madeira amarrados em forma de tripé sustentavam uma lona de tecido grosso, formando uma tenda. Uma fogueira queimava a uma distância considerável da tenda, de onde vinha a fumaça que antes achavam que eram nuvens escuras. Havia um sustentáculo na fogueira, de onde pendia um pequeno caldeirão e um rolo de palha seca intacta situava-se ao lado do abrigo esperando ser utilizada.

A irmã mais velha aproximou-se do caldeirão para ver o conteúdo. Estava cheio de um caldo com alguns pedaços de legumes. O cheiro estava agradável e a barriga de Leena reagiu fazendo um ruído.

– Fiquem a vontade para se servirem. - disse uma voz grave masculina saindo de dentro da tenda.

O rapaz era mais alto que as meninas, passando de um metro e oitenta, porém um ar jovial, aparentando ser da mesma idade de Amber . Sua pele era escura e feições brutas. Seus olhos eram castanhos escuros igual a cor de seus cabelos, que estavam com um corte baixo. Tinha um nariz protuberante com maxilar largo que descia formando um queixo fino. Era um pouco corpulento com ombros quadrados, e isso fazia com que seus movimentos parecessem um tanto quanto desengonçados. Trajava um colete marrom e uma calça larga de mesmo tom. Seus pés estavam descalços enquanto em sua mão direita era possível ver uma espécie de cordão de contas enrolado até um pouco abaixo de seu cotovelo.

Leena, em reflexo, afastou-se da fogueira observando a pessoa que estava falando com ela. Ele não parecia apresentar nenhum tipo de ameaça para elas, mas já estavam apreensivas diante de tudo que já havia acontecido.

– Não precisam se preocupar. Meu nome é Shannon. - apresentou-se. - Mas podem me chamar de Shane, se preferirem.

– Eu sou Leena. E aquelas é minha irmã mais nova, Elly e uma conhecida, Amber. - disse enquanto apontava para as duas.

– Então, o que três garotas fazem perdidas nesse deserto?

– Nós estamos ....

– Estamos apenas de passagem. Acabamos nos perdendo um pouco, mas já nos localizando. - interrompeu Amber, não querendo dar muitas informações sobre elas enquanto Leena lhe lançava um olhar de dúvida.

– Bem, ainda assim, creio que estejam com fome, não é mesmo? Do contrário, sua amiga aqui não teria vindo direto ver a comida. - brincou.

– Desculpa, desculpa. Como ela já disse, acabamos nos perdendo e nossa última refeição já faz algumas horas. - Leena ficou sem graça.

– Não precisa se desculpar. - Shane pegava alguns recipientes de barro e já ia servindo o cozido de legumes para as recém chegadas.

– Obrigada. - agradeceu Elly, se pronunciando pela primeira vez desde que chegara ali.

– E a fera ali, come?

Elly e Leena não deram muita atenção ao que Shane havia dito, mas Amber prontamente ficou receosa ao ouvir aquilo. A única fera que ela conseguia ver por ali, era seu espírito guardião, mas não fazia ideia de como aquele rapaz conseguia vê-lo. E certamente não estava pretendendo arriscar para tirar suas dúvidas.

– Meninas, vamos continuar nosso caminho! - Amber adotou um tom de ordem.

– Mas pra onde? - replicou Elly.

– Vocês acabaram de chegar e ainda nem comeram. - Shane não estava entendendo a situação.

– Será que então poderia colocar para levarmos para casa? Não quero chegar queria chegar muito tarde e creio que já passamos da hora. - respondeu Amber tentando sair dali o mais rápido possível.

– Não precisamos ter tanta pressa assim. Acho que podemos comer primeiro e depois irmos. - respondeu a irmã mais velha. - Afinal, não podemos fazer desfeita.

Amber percebeu que estava encontrando resistência por parte de Elly e Leena, e se viu sem outra alternativa a não ser falar a verdade.

– Olha, eu não tive contato com muitas pessoas nos últimos dias mas, certamente, não acredito em coincidências. A última pessoa que me ofereceu comida, acabou me sequestrando! E adivinha? Mostrou interesse específico no meu amuleto. - explicou Amber. - Então me desculpe se eu não quero ficar aqui e descobrir se terei o mesmo destino de antes!

Os olhares dos outros três ganharam expressões de espanto. Com certeza ninguém esperava aquela reação e o clima de tensão se tornou algo palpável em questão de segundos.

Não houve tempo para se recuperarem, quando uma lança rapidamente atingiu o recipiente nas mãos de Elly, quebrando-o em pedaços. Dez guardas apareceram por entre o rochedo. Guardas que as meninas conheciam muito bem.

– Acho que realmente estávamos com pressa, irmã. - declarou Elly.

– Mas como será que chegaram tão rápido aqui? - Leena espantou-se. - Achei que aquele pó teria mais duração.

– Como? Provavelmente essa fogueira aqui deve ter alertado eles. - Amber tinha ficado irritada.

– Vocês acharam mesmo que seria difícil encontra-las nesse fim de mundo? - era uma voz que Amber conhecia muito bem. Artie apareceu em meio aos guardas. - Percorremos esse caminho várias vezes. Conheço esse lugar como ninguém e já está na hora de retornarem para a cela de vocês.

Mal Artie acabou de falar, os guardas iniciaram seu ataque para cima das garotas. Amber não fazia ideia do que fazer já que estava sem seu arco e flecha. Elly sentia-se incapaz de fazer algo com sua habilidade no local enquanto Leena mostrava um pouco de excitação por poder, pela primeira vez em tempos, mostrar-se útil. Já Shane observava a situação com uma expressão de calmaria no rosto.

O lobo guardião de Amber pareceu absorver energia vinda da fogueira, quando sua pelagem adotou a coloração igual a de chamas novamente. Isso deu uma ideia para Amber. Pegou a lança que havia sido jogada em Elly, e inflamou-a.

Leena ficou próxima de sua irmã mais nova, na esperança de conter qualquer tipo de ataque vindo na direção das duas. Era confiante o suficiente em suas habilidades e se algum tipo de situação desvantajoso aparecesse, chamaria sua ave guardiã para ajudá-la.

Artie apreciava a situação com certo sadismo. Acreditava que conseguiria conquistar seu objetivo ali e levar as meninas de volta. Não queria pensar na hipótese de falhar. Não novamente. Era sua chance de redenção.

Naquele instante, Shane, que antes apenas analisava a situação, fez um rápido movimento, pegando o rolo de palha seca e tacando-o na fogueira.

A palha foi consumida pela fogo, criando uma enorme labareda centrada naquele lugar. As chamas dos pelos do lobo pareciam ganhar vida própria enquanto Amber olhava admirada.

A surpresa se tornou maior quando os guardas simplesmente pararam de se mover. Resmungos estavam sendo escutados de todos os lados, enquanto Artie, também imóvel, blasfemava contra todas as entidades que conhecia.

As meninas não estavam entendendo o motivo daquilo, pois não haviam feito nada.

Elly que não estava focada na luta viu quando Shane fez um gesto manual e, agora, as sombras dos guardas emergiam do chão segurando-os. Eles tentavam se soltar, e mesmo quando conseguiam, pareciam que ficavam presos instantaneamente.

– Acho que pra uma usuária do fogo, você não deveria acusar uma fogueira tão facilmente. - ironizou Shane.

– E eu suponho que agora é hora que você espera que eu me desculpe, certo? - retrucou Amber.

– O que está acontecendo aqui? Logo agora que eu ia ensinar uma lição a esses guardas. - disse Leena com um tom de desapontamento.

– Não existe vitória quando se luta contra a própria sombra. É algo inútil! - respondeu Shane. - Às vezes a única coisa que pode nos parar somos nós mesmos.

– E agora? - perguntou Elly.

– Bom, se sua amiga não tiver objeções, podemos sair daqui e ela pode ter certeza que não terá o mesmo destino de antes.

– E até quando eles ficarão presos?

– Até as sombras deles desaparecerem. Mas quando isso acontecer, já estaremos em um lugar seguro.

– E onde isso fica? - perguntou Amber.

– Apenas me sigam e ficará tudo bem. Não se preocupem.

Shane deixou todo o seu acampamento para trás. Não se preocupou em carregar nada com ele, apenas em sair dali com segurança e levar aquelas meninas para longe daqueles sentinelas que as perseguiam.

Amber ainda carregava consigo a lança em chamas que servia de iluminação naquela noite estrelada. Olhando para cima, ela olhou para a lua que ainda insistia em sorrir para elas.


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