Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 15
Aldeia dos Espíritos




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Amber acordou assustada. Não tinha sido uma boa noite de sono. Seu sono permaneceu leve enquanto dormia, e quando finalmente se deixava levar pelo cansaço, era surpreendida por pesadelos. Sonhava que estava sendo mantida cativa, amarrada e torturada. Uma sensação que ela já conhecia na realidade e por isso transmitia uma agonia maior assim que acordava.

Estava deitada num colchão de palha e um pano grosso lhe servia de cobertor. Não era muito confortável, mas diante do ocorrido nos últimos dias, estava mais do que feliz de conseguir um lugar para repousar. Ao seu lado Leena e Elly dividiam o mesmo espaço, abraçadas, fazendo com que Amber sentisse um pouco de inveja por terem uma a outra naquela situação, enquanto ela apenas contava com apoio de pessoas desconhecidas que ia encontrando pelo caminho.

A tenda não era espaçosa, mas o tecido, que funcionava como revestimento, garantia proteção contra um tempo frio. Não havia muito pertences alocados, a não ser algumas ferramentas e pilhas de roupas. Dava realmente a impressão que a tenda só era útil em momentos de descanso.

Amber levantou. Apalpou rapidamente em volta de seu pescoço em busca de seu amuleto, e tranquilizou-se quando suas mãos encontraram o pingente. Suas roupas antigas não mais cobriam seu corpo e davam lugar, agora, a um vestido carmesim que descia até acima de seus joelhos. Ela não sabia a quem pertencia aquelas vestes, contudo, sentia-se mais leve sem ter que vestir seu antigo traje, já rasgado, que carregavam o fardo dos dias passados. Nada apagaria aquilo, mas estava disposta a substituir por novas lembranças.

Saiu da tenda. Uma suave rajada de vento gelado ainda soprava, provocando pequenos calafrios, fazendo com que Amber cobrisse seus ombros, desnudos, numa tentativa de aquecer-se. Ao mesmo tempo, os primeiros raios de sol da manhã começavam a aparecer, fornecendo a fagulha inicial de calor que ela precisava no momento.

– Mas já acordou? Achei que descansaria por mais tempo. - era uma voz que Amber não estava muito familiarizada, porém, conseguiu reconhecer.

– Não estava conseguindo dormir, mas, com certeza, já me sinto bem melhor.

– Ficará melhor ainda depois de comer alguma coisa. Temos algumas frutas se desejar. - ofereceu Shane, mostrando grande hospitalidade.

– Obrigada. Talvez enquanto comemos, você possa me explicar onde estamos.

Amber, Elly e Leena estavam muito cansadas quando chegaram. Desesperadas e temendo que alguém viessem atrás delas, simplesmente aceitaram abrigo no primeiro lugar que tinham oferecido, sem nem mesmo questionar. Agora, todavia, Amber já gostaria de saber o que pudesse sobre aquele local.

– Bom, não se preocupe! - iniciou o jovem. - Você está segura aqui. Pelo menos enquanto tiver nos limites das terras de Yor'Em.

Yor'Em era o nome dado a aldeia criada por uma tribo nômade. O rodízio de habitantes era muito grande, e isso fazia com que os moradores já estivessem acostumados com pessoas novas chegando quando menos esperassem, da mesma forma que era bastante comum, outras resolverem deixar a aldeia.

Suas habitações eram simples. Em sua grande maioria eram tendas que se assemelhavam a de acampamentos, porém podiam se ver alguns outros tipos maiores possuindo estrutura de madeira e cobertura de madeira e folhas. Não possuíam janelas, criando um ambiente escuro mesmo durante o dia, porém era um ótimo local para dormir, pois a luz do sol não apresentaria incômodos.

Ao fim de um terreno arenoso, passava um riacho raso, de onde provinha a água utilizada em toda a aldeia. Também era responsável por separar a paisagem amarronzada de uma verdejante floresta, para onde os moradores atravessavam em busca de frutas e outros tipos de alimentos.

Às margens desse riacho, Amber e Shane estavam sentados saboreando frutas recém-colhidas pelo jovem naquela manhã. A variedade não era muito grande, mas havia a possibilidade de escolha entre o cítrico e o doce, o que já proporcionava uma variância de sabor no paladar.

– Muito impressionante o que você fez ontem com aqueles guardas. - Amber tentou quebrar o silêncio de maneira simpática.

– Foi um pouco de sorte combinada com o momento. Poderia ter dado algo errado. - respondeu Shane não sabendo como responder ao agradecimento inesperado. - Se eles tivessem em movimento ou fora do alcance da luz do fogo, as coisas poderiam ter sido bem diferentes.

– Então vamos apenas ficar contentes por ter dado certo. - concluiu Amber enquanto mordia um pedaço da manga que segurava.

– Você também pareceu saber muito bem o que estava fazendo quando acendeu aquela tocha. E também aquele seu guardião, vocês parecem ter uma boa conexão.

– Ainda não sei tenho muito controle com o fogo, mas dá pra me virar. Em relação ao lobo... - Amber silenciou-se por alguns segundos antes de prosseguir. - Sei menos ainda...

– E o que você saber fazer?

– Atirar flechas.

Shane olhou em torno de Amber, e depois tentou buscar, em sua memória, alguma imagem da noite anterior. Em nenhum momento ele se recordava de ter visto a menina carregando um arco ou uma balestra. Então lembrou-se do que Amber havia dito durante o rompante no momento em que o havia encontrado e preferiu não tocar no assunto, tirando suas próprias conclusões. Ainda era cedo demais para esse tipo de conversa.

– Espero que um dia eu possa vê-la em ação. - Shane tentou não se aprofundar no assunto. - Conte-me mais sobre seu animam guardião.

– Acho que não tem muito que eu possa falar. O que eu sei é que ganhei esse amuleto de minha mãe e, apesar dela ter me dito que era pra proteção, ele nunca teve muito uso. Até que... - pausou.

– Até que?

– Certa hora ele simplesmente apareceu. Estava em um momento de dificuldade e tudo pareceu ser uma jogada de sorte e eu me deixei levar pelo momento. Não sabia o que estava fazendo.

– Mas ele parecia muito bem saber o que fazer. - replicou Shane.

– O que você está querendo dizer com isso?

– Guardiões não possuem elementos. E o seu parecia se alimentar da brasa da fogueira assim que assumiu uma posição defensora na luta. - explicou o jovem. - E isso não é algo que se faz do nada.

– E como você sabe tanto assim?

– Pode se dizer que sou uma espécie de xamã em treinamento.

– E o que isso quer dizer? - Amber buscava uma explicação além do título fornecido.

– Que eu tenho uma certa empatia com espíritos. Por essa razão eu consegui enxergar o seu lobo sem sua permissão.

Por alguma razão, aquela simples explicação tinha deixado Amber mais tranquila. Ela ainda não entedia muito sobre como ela veio a ser protegida por aquele animal, mas estava sentindo que, finalmente, alguma de suas dúvidas poderiam ser eliminadas.

– Voltando a aquele momento em que nos encontramos, o que você fazia ali sozinho no meio do nada?

– Estava de vigia. Analisando a situação. - Shane foi breve em sua resposta.

– Que situação?

– Meu pai é o líder dessa aldeia e, assim como eu, ele também é um xamã. Com a diferença que ele não está em treinamento, é claro. - e permitiu dar um risada. - E há muito tempo, os espíritos tem se incomodando com algo na região.

– Espíritos? Que espíritos? - Amber estava ficando um pouco assustada.

– Lembra que eu te disse que estaria segura aqui? Exatamente por eles. Essa região pertence à aldeias xamãs há gerações. É uma zona purificada, por assim dizer.

– Uma zona purificada com espíritos? Está aí algo que eu nunca ouvi falar.

– Acredito que existam muitas coisas que você não tenha ouvido falar. - retrucou Shane. - Em todo caso, são espíritos ancestrais. Não ficam vagando por aí, apenas fornecem energia espiritual para proteção. E, por estarem ligados a essa terra, sentem-se no dever de protegê-la. Não é muito diferente de você e seu guardião.

– E como funciona essa proteção?

– Não é muito diferente de você e seu guardião. - Shane quis fazer uma comparação de modo que Amber entendesse melhor. - Só que esses espíritos não ganham forma. Como lhe disse, são apenas energia. Qualquer pessoa que eles julguem não ser bem vinda aqui, provavelmente ficaria com muito mal estar e enfraquecida ao entrar na aldeia, sendo incapaz de fazer alguma coisa.

– Tipo a cidade onde eu vivia. - Amber sentiu-se estranha ao utilizar o termo no passado, mas também não sabia quando retornaria.

– E onde seria isso?

– Awalles. Só que ao contrário daqui, a proteção lá é contra mágica.

– É minha vez de perguntar como funciona isso.

– Tem um cristal que cria uma barreira que inibe a mágica dentro de qualquer pessoa. Simples assim, sem muita história. - Amber deu de ombros.

– Então vocês impedem mágica usando mágica? Irônico, não? É como proibir uma pessoa de fazer o que você mesmo faz.

Amber percebeu que Shane não estava vendo muito sentido no que ela havia falado, mas não estava a fim de debater e insistir no assunto. Podia parecer ilógico para ele, mas para ela era algo muito natural. Assim como era difícil ela ter que assimilar toda aquela explicação que ele estava dando sobre a proteção da aldeia. Eram duas coisas semelhantes e, ao mesmo tempo, bem diferente em vários aspectos.

– Enfim, estávamos na parte que algo estava incomodando os espíritos que moram aqui. - disse Amber voltando ao ponto que lhe interessava.

– Eles não moram aqui! - Shane desistiu de insistir nessa explicação. - Como eu estava dizendo, meu pai ficou preocupado e pediu para os habitantes daqui começarem a revezar na vigília. Se acontecesse algo, era para reportar a ele.

– E desde quando aconteceu esse incômodo?

– Não sei ao certo. O local de onde você fugiu estava abandonado e só fomos notar que tinha gente lá, depois do alerta espiritual.

– E vocês nunca pensaram em ir lá ver o que estava acontecendo?

– Pensar e fazer são duas coisas muito diferentes. - respondeu Shane prontamente. - Com certeza esse pensamento deve ter passado pela cabeça do meu pai e de outro por aqui, porém não somos um povo que gosta de confrontos e por isso estabelecemos essa estratégia de apenas ficar observando.

– O que vocês observaram? - Amber estava curiosa com a resposta

– De fato, nada muito interessante. Apesar de bastante suspeitos, eles nunca apresentaram nenhum tipo de ameaça a nosso povo. Nem mesmo passavam por aqui. Talvez se não fossem os espíritos, eles teriam passado despercebidos por mais tempo. - Shane fazia questão de reforçar a crença dele. - Eles simplesmente iam e vinham. Ora sozinhos, ora com algumas carruagens. Sempre assim.

– Pois saiba que o local funciona como prisão e que, provavelmente, dentro dessas carruagens que vocês viram, podiam estar eu ou até mesmo aquelas duas meninas e sabe mais quantos prisioneiros!

Amber tinham perdido toda a serenidade que havia adquirido quando acordou e adotou uma postura mais rígida e sem calma ao perceber que tinham testemunhas do ocorrido e que não estava sendo feito a respeito.

– E agora que sabe a verdade, o que pretende fazer a respeito?

– Honestamente, não sei. - Shane estava assustado com a mudança repentina no humor da menina. - Não acho que conseguiremos fazer muita coisa. Já disse que não somos adeptos a confrontos. E, além do mais, você também não está em condições de ir até lá e fazer alguma coisa.

– Você sugere que eu faça o que?! Espere? - Amber continuava irritada. - Eu prometi para as duas meninas que iríamos resgatar a mãe delas. E a cada minuto que ela passa lá dentro, aumenta o risco de eu não consegui cumprir.

– Eu sugiro que você primeiro termine de comer, descanse e acalme-se. Infelizmente, eu não posso fazer muita coisa por você. Você nem ao mesmo entende as coisas que estão acontecendo com você e quer consertar o que acontece com os outros.

– Tudo o que está acontecendo comigo não foi escolha minha.

– Porém não significa que não deva ser compreendido primeiro.

– Estou aceitando ideias de como fazer isso. - assumiu um tom de deboche.

– Vou levá-la a quem pode lhe fornecer explicações mais detalhadas do que as minhas. Talvez você consiga ter uma melhor noção das coisas.

– E quem é essa pessoa?

– Meu pai.


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