Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 13
Agora e Depois




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/606609/chapter/13

Achar Tyler não foi uma tarefa difícil. Dahlia já esperava que ele não tivesse ido muito longe pelo fato de não conhecer o local onde estava, porém não imaginava que ele não tivesse ido a lugar algum.

O jovem apenas tinha dado a volta no estabelecimento da avó e estava em pé, encostado na parede. Resmungava algumas palavras que Dahlia não conseguia compreender, mas ela concluiu que poderia ser algo relacionado a ela ou o motivo dele ter ido até Valmees. De qualquer forma, ela não estava interessada em saber a razão de suas lamentações e sim transformar aquela energia negativa em outro tipo de energia.

– A pessoa consegue passar do estado de raiva para o de surto em dois segundos. - provocou a caçadora. - Falando sozinho?

– Pois é. - disse Tyler não dando atenção para a provocação. - E será que você consegue perceber quando alguém não quer estar perto de você?

– Aparentemente elas estão do seu lado e insistem que eu peça algum tipo de desculpa a você. - explicou-se.

– Então acho que você está fazendo isso da maneira errada, caso não tenha percebido.

– E quem disse que essa alguma vez foi minha intenção? - retrucou Dahlia.

Tyler nem ao menos fez questão de responder. Percebeu que aquela conversa não chegaria a lugar nenhum. Assim como a anterior, só faria com que ele ficasse mais irritado. Assim, virou para se retirar e deu a entender que estava saindo de perto dela mais uma vez.

– Acho que esse clima de tensão entre nós não vai acabar, não é mesmo? - perguntou Dahlia querendo chamar a atenção do jovem para não sair.

– Realmente acho que não. Não é como se você estivesse facilitando. - respondeu Tyler rispidamente.

– Existem outros meios de acabar com a tensão, caso não saiba.

– É mesmo? - Tyler não estava entendendo onde Dahlia queria chegar. - O que você está querendo dizer?

– Você disse estar buscando por informações. Posso não ter as que você quer, mas posso lhe fornecer outras se tiver interessado. - a caçadora percebeu que Tyler ainda não compreendia seu objetivo. - Pegue aquelas espadas que você estava carregando e depois voltamos a conversar.

Ele não fazia ideia dos planos de Dahlia e também não estava com vontade de ficar na companhia dela. Contudo, a curiosidade estava falando mais alto. Tyler entrou novamente no estabelecimento de sua avó e, sem dar satisfações, pegou seu equipamento de luta sem demora e voltou encontrar caçadora do lado de fora.

– Agora vem comigo! - falou Dahlia de forma que parecia mais uma ordem do que um convite.

Se Tyler não estivesse curioso o suficiente, teria retrucado rapidamente e desistido da ideia de acompanhá-la. Porém, simplesmente respirou fundo e seguiu Dahlia.

Ele não sabia para onde estavam indo e já estava estranhando quando ela passou pelas guaritas, saindo do Vilarejo dos Caçadores. Não demorou muito para estarem passando pela trilha de terra úmida que já lhe era conhecida. Em seguida, viraram à esquerda por entre algumas árvores chegando em outra trilha que aparentava ser mais escondida.

Ao final do percurso, os dois jovens se encontraram numa área ampla. Cercado por árvores de grande porte, as gramíneas do local haviam sido removidas restando apenas terra e algumas rochas espalhadas. O chão era irregular, com vários buracos, dando a entender que o terreno tinha alguma finalidade e que era usado com frequência.

– Enfim chegamos! - exclamou Dahlia enquanto Tyler observava o local.

– Então, o que estamos fazendo aqui? - perguntou curioso.

– Essa área é utilizada quando nós caçadores queremos fazer algum tipo de treino prático. Individual ou em grupo. - explicou.

– Achei que você estava querendo me dar algum tipo de informação. - Tyler ainda estava sem entender qual era a intenção de Dahlia ao levá-lo para aquele lugar.

– E irei, mas antes de falar o que tenho a dizer, preciso que você, primeiro, me informe algumas coisas. - percebeu quando o olhar de Tyler adotou uma expressão de insatisfação, porém não ligou. - O que você sabe fazer? Quero dizer, além de fugir.

– Sei algumas técnicas na luta de espadas e algumas outras relacionadas ao ar. - respondeu sem rodeios.

– Isso explica muita coisa.

– Pois a mim não explica nada! - Tyler estava começando a ficar irritado novamente.

– Acalme-se que já entenderá. - iniciou. - Gostaria que de ver como usa essas suas espadas.

– Como assim? Você quer que eu use contra quem? Contra você? - o jovem viu quando Dahlia prontamente balançou a cabeça de forma afirmativa.

Ainda incrédulo com o que havia sido lhe pedido, ele pegou as duas espadas e sem hesitar foi em direção à caçadora. Desferiu golpes rápidos, porém Dahlia conseguiu desviar de todos eles com facilidade, para espanto do rapaz.

– Por enquanto está bom. Pelo menos para o que eu quero lhe mostrar.

– E quando será isso? - perguntou Tyler um pouco cansado.

– Agora! Então preste atenção. - começou a caçadora. - A primeira coisa que eu tenho pra falar é que você é muito impulsivo nas suas decisões. Seja quando estava fugindo do leontropo na floresta, saindo com raiva da discussão lá em Valmees, buscando informações incertas sobre sua amiga ou até mesmo no seu manejo de espadas. - percebeu que Tyler não estava gostando do sermão. - Aliás, por ser impulsivo, o uso de espadas é muito bom para você. De ação rápida e imediata, controlada apenas por você. Mas, infelizmente parece que a arma quem te controla.

– Se fosse para você dar informações sobre mim mesmo, eu poderia ter poupado o meu tempo. Posso não saber da minha misteriosa história de vida, mas conheço o suficiente da minha personalidade. - retrucou Tyler expressando sua indignação com o que tinha acabado de escutar. - O que já é injusto o suficiente você saber tanto sobre mim enquanto nada sei sobre você.

– Não seja por isso. Pois já irá saber algumas coisas. - Dahlia pegou o bumerangue que sempre carregava preso à cintura. - Veja.

– Você está achando que eu não sei o que é bumerangue? Não tem mais alguma outra arma que você queira me apresentar? - debochou.

– Às vezes um segunda olhada é necessária para notar coisas que antes não foram percebidas. - iniciou a explicação. - Um bumerangue só deveria voltar para quem o jogou se não tiver um obstáculo em sua rota. E não foi isso que aconteceu daquela vez, foi?

Tyler pensou na ocasião em que ela havia lançado o bumerangue contra o leontropo. Certamente o objeto tinha acertado a criatura e a feito desmaiar. E isso não explicava como tinha voltado diretamente para ela. Observou por um momento.

De primeira instância, o objeto não possuía nada de anormal. Era feito com uma madeira mais clara com textura áspera. Tinha um tamanho considerável com formato aerodinâmico curvado e no centro e nas extremidades encontravam-se, adornando o bumerangue, três pequenas gemas esverdeadas.

– Explique-me então. - pediu Tyler querendo saciar sua curiosidade.

– Tente acompanhar e me interrompa quando quiser. - sentou numa das rochas e iniciou a explicação. - A minha família vem da linhagem dos druidas e isso fez com que eu direcionasse meus poderes para a natureza. Conforme fui crescendo, decidi treinar com caçadores e ver outras possibilidades. Ao contrário de você, minhas escolhas não são baseadas no agora e em impulsos, e sim em possibilidades e no que podem me render depois.

– Sou impulsivo. Já entendi, já sei. Continue. - retrucou impaciente.

– A escolha do bumerangue como arma baseou-se exatamente nessa minha teoria do depois. Saber que a arma retornaria para mim era uma segurança que eu tinha em relação ao depois.

– Não é nenhum tipo de segurança se ela não voltar. - interrompeu Tyler. - A questão que eu quero saber é porque ela voltou!

– Existe uma árvore chamada carvalho que possui um tempo de vida muito longo, bem mais que o de um humano. E é exatamente isso que essa arma é. - e Dahlia mostrou novamente o bumerangue de forma orgulhosa.

– Você está querendo dizer que isso é uma árvore? - Tyler não estava acreditando.

– Mais ou menos. - e riu da reação do rapaz. - É feita com a madeira de um, e contém o espírito de um. - apontou para as gemas. - Muito mais que uma arma, esse bumerangue é uma espécie de amuleto para mim.

– Amuleto? - Tyler lembrou do amuleto que, agora, carregava consigo. - Como esse aqui?

– Você também tem um? - espantou-se. - Exatamente! A diferença é que o seu tem a representação de um animal e o meu é feito da sua própria representação. A madeira e o espírito nesse bumerangue pertencem a um mesmo carvalho.

– Calma! Um espírito de árvore? - Tyler recusava-se a acreditar.

– Deixa eu adivinhar, espere. Você também não sabe sobre amuletos? - foi a vez de Dahlia não acreditar. - É como se você tivesse todas as ferramentas e não soubesse utilizá-las.

– Continue a explicação, por favor! - retrucou Tyler querendo poupar-se de mais discursos sobre sua vida de inexperiência.

– Esses tipos de amuletos costumam ter algum espírito guardião. De qualquer ser vivo. - olhou e viu um sinal de compreensão vindo do jovem. - E como eu já disse, sou druida. Logo, nada mais justo que minhas origens fizessem com que meu espírito fosse uma árvore.

– E como exatamente uma árvore serve como guardiã? - perguntou.- Lembra das raízes prendendo seu conhecido leontropo? Então, eu consigo controlar árvores. - ironizou. - E se eu tenho um espírito de árvore no meu bumerangue, eu consigo controlá-lo também. Grande vantagem, não? E, assim, sei que ele retornará para mim.

– Tudo bem, você consegue fazer ele voltar. Esse é o grande poder do seu guardião? Não querendo fazer pouco caso, mas você poderia deixar ele atingir o inimigo e ir buscá-lo. Isso não é vantagem, é preguiça! - e Tyler se permitiu soltar uma pequena risada.

– Apenas observe!

Dahlia levantou da rocha e concentrou-se por um instante. Sacou o bumerangue e lançou numa direção oposta a de Tyler. Em determinado momento o objeto começou a crescer de tamanho aos poucos. Descreveu uma curva no ar fazendo o caminho de volta e quando retornou, Tyler notou que o bumerangue tinha atingido um tamanho igual ao de Dahlia.

– Acho que já foi o suficiente, não? - e observou a cara de surpreso que Tyler fazia.

– Mas como? - Tyler necessitava de uma explicação.

– Existem vários meios de utilizar uma arma, assim como um elemento. Pensar numa arma como apenas um objeto que você utiliza aleatoriamente, conforme você faz, é uma das maneiras. - e encarou-o por um momento. - Mas não é a linha que eu sigo.

– E qual seria? - Tyler a questionou, mas ao mesmo tempo queria que toda aquela explicação chegasse ao fim. Estava impaciente para saber qual era o objetivo de toda aquela conversa.

– Vejo as armas como extensões do meu corpo. Que eu tenho total controle a hora que eu quiser. E se, inicialmente, não tenho esse controle, procuro arranjar meios de consegui-lo através de treino.

– E isso tudo se encaixa na sua grande teoria que deve-se pensar no depois, certo? - disse Tyler em tom de deboche.

– Exatamente! - respondeu Dahlia firmemente. - O usuário quem deve controlar a arma, e não o contrário. Além disso, é bom usar suas habilidades não de uma maneira que é esperada, e sim de uma maneira útil para você.

– E no seu caso isso se aplicaria a que?

– Quando o foco dos poderes de alguém é a natureza, espera-se que a pessoa consiga controlar plantas e pronto! Aproveitar desse fato e ampliar o controle para a arma, é algo que não se espera. Requer muito foco.

– Tudo bem, você já explicou tudo o que tinha pra explicar. Mas, e agora? - Tyler estava inquieto com tudo aquilo. - Você já tinha pensado antes, onde tudo isso daria, não é mesmo?

– Você está com muita energia acumulada. E, de forma errada. - atentou Dahlia. - Acredito que melhor maneira de fazer isso é colocando isso para fora.

– E o que você sugere que eu faça?

– Proponho uma luta. - respondeu de forma simples.

– O que? Outra? - Tyler não acreditava na sugestão que havia recebido.

– E você acha que aquilo poderia ser chamado de luta? Foi apenas uma demonstração básica. - deu de ombros. - E eu nem revidei!

A ideia não agradava Tyler. Ele apenas possuía conhecimentos básicos de luta enquanto Dahlia era uma caçadora treinada. Em sua cabeça, já sabia o resultado final e a humilhação que ela faria questão de fazê-lo passar depois.

– E aí? Vai demorar muito para começar ou vai esperar o dia terminar pra decidir? - provocou Dahlia

Tyler não sabia o que era pior. Aturar as provocações de Dahlia agora ou a humilhação depois. Sua vontade era de simplesmente sair dali, mas imaginou que se o fizesse também seria motivo de comentários da caçadora futuramente. Vendo que não tinha jeito, optou por evitar o que poderia no momento. Pegou suas duas espadas novamente e posicionou-se.

Vendo que Tyler tinha aceitado o desafio e já estava de prontidão, Dahlia iniciou o ataque lançando o bumerangue na direção dele. O jovem espantou-se com a rapidez com que ela tinha tomado uma atitude, porém conseguiu esquivar-se sem problemas.

O objeto atingiu um pico de altitude em movimento giratório e, sem demorar muito, já estava fazendo o trajeto de retorno para a sua dona.

Tyler já estava preparando para desviar do bumerangue pela segunda vez, quando notou um sorriso malicioso sendo levemente esboçado na face de Dahlia. Com um gesto manual, a rota do objeto mudou drasticamente indo diretamente na direção do jovem.

Naquele instante, o rapaz entendeu o discurso sobre o controle de arma. Ela não precisava estar com ele para fazê-lo útil. Ele tentava escapar a cada vez que o bumerangue vinha em sua direção e, algumas vezes, por pouco não era atingido.

Não querendo continuar naquela situação, Tyler pensou que poderia fazer o objeto parar se tentasse contra atacar de algum modo. Esperou Dahlia mudar o curso do bumerangue mais uma vez e, quando estava quase se aproximando, posicionou suas espadas, uma sobre a outra, em forma de cruz provocando um choque entre as armas.

O impacto induzido por Tyler fez com que o bumerangue fosse arremessado e voltado à forma original, porém o mesmo havia acontecido com suas espadas. E, agora, ele estava sem defesa alguma.

Repentinamente, sentiu suas pernas sendo agarradas por algo. Não conseguia se mexer e se livrar daquela situação. Em seguida, suas mãos também foram agarradas e logo ele se lembrou da situação em que o leontropo estava. Agora ele era uma criatura imóvel a mercê de sua caçadora.

Dahlia aproximou-se lentamente dele com um ar de vitória. Pegou seu bumerangue que estava caído e encarou-o por alguns instantes.

– E então? Não foi para isso que veio para cá? Buscar informações? O que vai fazer com elas? - provocou Dahlia.

Tyler lembrou que tinha aceitado participar da luta justamente para acabar com as provocações, e isso não tinha acontecido. Só tinha piorado e não podia fazer nada naquele momento.

– Então, Tyler, o que vai fazer agora? Como é se sentir incapaz? O que sua impulsividade pode fazer para te salvar? - continuou com toda a provocação. - Pois eu sei o que vai acontecer depois. Eu te solto, voltamos para o vilarejo, você continua irritado e nada fará para salvar sua amiga.

Ele não estava mais aguentando. Estava fazendo tudo o que podia para conseguir se soltar. Parecia que ele tinha feito tudo o que ela esperava. E estava totalmente desarmado e despreparado para aquilo. Sentiu-se incapaz.

A única esperança que tinha jazia ali no chão. Suas espadas. Não fazia ideia do que poderia fazer. Apenas queria sair dali, não importando o custo. E o som das palavras de Dahlia ecoaram em sua mente: "Requer muito foco".

Dahlia continuava suas provocações que agora Tyler tentava não mais prestar atenção. Seu foco era outro. Precisava ignorar o que lhe incomodava e atentar para o que objetivava. Usar o pouco que sabia de modo que ela não esperasse.

Sentiu o ar sibilar em seus ouvidos como se lhe dissesse que aquele era o momento certo. Ao contrário do que antes estava acostumado a fazer, afastando objetos com rajadas de vento, utilizou o ar que lhe circundava para fazer com que as espadas viessem em direção a ele, cortando as raízes que prendia suas mãos.

A situação provocou surpresa em Dahlia, fazendo com que a mesma fizesse seu bumerangue aumentar o tamanho outra vez. Enquanto isso, Tyler liberta-se das raízes que aprisionavam suas pernas.

Mal se viu livre das raízes, ele viu que a caçadora já estava preparando-se para lançar o bumerangue em sua direção. Tyler, por pouco, desviou caindo no chão.

Ele entendeu que estava na mesma situação que antes. Sabia que tentar ir contra a força do bumerangue não daria certo. E não queria se ver preso nas raízes por uma segunda vez. Teria que, mais uma vez, fazer algo que não fizera antes.

Aguardou o objeto vir em sua direção mais uma vez, e preparou-se para esquivar. Tendo feito isso, lançou uma de suas espadas na direção das pernas de Dahlia, que como reflexo, saltou para desviar-se.

Aproveitando o salto da caçadora, Tyler fez uma das poucas coisas que já havia treinado. Lançou uma rajada de vento na direção dela, fazendo com que seu salto terminasse numa queda de costas no chão. Com isso, o objeto parou de girar caindo ao chão imóvel, assim como sua usuária.

Foi a vez de Tyler aproximar de Dahlia.

A garota o encarava esperando que ele fosse fazer algum tipo de comentário para revidar o que ela havia dito antes. Surpreendeu-se quando ele abaixou para pegar o bumerangue caído, ergueu a segunda espada que ainda estava em suas mãos e fincou no chão perto do corpo da caçadora sem ao menos dizer uma palavra.

– E agora? - perguntou Dahlia indignada.

Tyler encarou a caçadora de forma séria. Estendeu a mão ajudando-a a se levantar. O rosto do rapaz adotou uma expressão suave.

– Obrigado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Crônicas dos Elementais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.