Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 12
Vilarejo dos Caçadores




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Numa parte mais alagada da floresta, encontrava-se uma pequena elevação, onde se situava a cidade de Valmees. Era cercada por raízes aéreas respiratórias com mais de dois metros de altura, assemelhando-se a grandes lanças de madeira fincadas no chão, que funcionavam como proteção contra qualquer criatura invasora.

Uma pequena trilha de terra úmida, que parecia ter sido construída estrategicamente, levava a entrada da cidade, onde dois guardas vigiavam de dentro de duas guaritas, quem entrava e quem saía.

Era uma cidade de passagem e mesmo assim recebia poucos visitantes. Pequena e habitada, em sua maioria, por aspirantes a caçadores, recebeu a alcunha de "Vilarejo dos Caçadores". Não tinha nenhum tipo de atrativo e nem apelo visual, e sua arquitetura era rústica, com casas parecendo choupanas estruturadas com madeira sem qualquer acabamento e com telhado revestido em palha.

A outra metade da população que não eram caçadores, pertencia a um grupo denominados druidas. Tinham encontrado refúgio na cidade quando estavam sendo perseguidos em tempos antigos e, em troca, ofereceram o conhecimento que possuíam auxiliando no que podiam. Com afinidade e poderes relacionados à natureza, foram responsáveis pelo cerco de raízes. Além disso, com conhecimento herbáceo, ajudavam na recuperação de caçadores feridos em combate e em tratamento de doenças.

Os caçadores e os druidas acharam um meio de colaboração e coexistência sem resistência alguma. Apesar do grande contato com a natureza, os druidas entediam que os caçadores apenas eliminavam ameaças e não exterminavam por diversão e motivos supérfluos. Em contra partida, os caçadores aproveitavam-se dos conhecimentos dos druidas quando realizavam uma caçada, obtendo possíveis informações das criaturas para poderem traçar algum tipo de estratégia que facilitasse na hora do confronto.

Com o tempo, os caçadores começaram a levar, ao menos, um druida em suas caravanas de caçada. Não possuíam grande agilidade na hora da luta, porém suas magias de assistência proporcionavam grande ajuda em tempos de dificuldade. Outro motivo para a inclusão em caravanas, era que os druidas possuíam maior articulação na fala, e isso era um fator positivo quando eles tinham que relatar o ocorrido para quem os havia chamado.

A cooperação foi aumentando gradativamente até que os druidas instituíram escolas para ensinar aos caçadores as artes e conhecimentos básicos de seu povo e os caçadores retribuíram ensinando, a quem desejasse, a arte do combate com armas e, também, rotinas de exercícios físicos para aumento de resistência. Assim, apesar de origens diferentes, os dois povos deram início à união de suas filosofias.

Aproveitando dessa situação colaborativa, os dois povos resolveram elaborar um sistema social baseado em "força e intelecto", que simbolizava a união dos dois principais aspectos de cada um deles. A parte da diplomacia era encarregada dos druidas enquanto os caçadores eram responsáveis pela formação do exército. Com isso, tinham dois representantes de poder: um na escola de escribas e outro na escola de caça.

Tais representantes só tinham poderes dentro de suas respectivas escolas. Fora delas, não existiam leis propriamente decretadas. Sendo uma cidade onde toda produção era voltada para os próprios habitantes, casos de furtos ou ações de má fé não existiam, e a ética era altamente prezada ali. Portanto, desconfiança não era uma prática comum.

Assim, quando Dahlia chegou com dois jovens desconhecidos, os guardas da guarita simplesmente deram uma breve olhada nos visitantes e os deixaram passar. Levar pessoas que estavam perdidas na floresta era algo comum em Valmees e, por isso, tinham organizado uma patrulha para fazer rondas em intervalos de horas.

Tyler e Clair estavam vislumbrados. Não por algo que tivesse visto na cidade, mas sim pelo fato de, pela primeira vez, estarem em algum lugar que não fosse Awalles. Queriam ter tempo para aproveitar a estadia, porém tempo era algo que eles não tinham. Chegaram ali com um objetivo e queriam alcançá-lo de maneira rápida, se possível.

– Bem vindos ao Vilarejo dos Caçadores! Ou Valmees. Como preferirem. - Dahlia tirou os dois jovens do momento de apreciação e os trazendo de volta à realidade.

– Então finalmente chegamos. - retrucou Clair. - Por um momento estava duvidando que acharíamos o caminho.

– Na verdade vocês não acharam, não é mesmo? Eu quem trouxe vocês. - respondeu a caçadora. - Mas quem se importa? Meros detalhes. A questão agora é saber onde vocês querem ir primeiro.

– É verdade! Essa é a grande questão, não é mesmo? - Clair virou-se para Tyler quando percebeu que nem ela mesmo sabia o que eles fariam quando chegassem em Valmees. - Para onde vamos?

– Se não me engano, vocês possuem uma espécie de albergue para caçadores. Ou um centro de recuperação. Ou algo do tipo. - iniciou Tyler. - De repente podemos ir lá para descansar um pouco.

– Mal chegou e já quer descansar? Podem descansar em minha casa, se quiserem- ofereceu Dahlia enquanto os outros dois estranharam a boa ação sem ironias.

– Eu realmente não quero incomodar. - respondeu o jovem. - Assim podemos conhecer um pouco mais daqui. Se lá estiver sem lugar para nós, aceitarei sua casa. Pode ser?

– Se insiste tanto. - aceitou a contra gosto.

Dahlia estava agindo com uma guia turística. A cada estabelecimento ou residência que passavam, fazia questão de dizer o que era ou fazer menção a algum fato curioso do morador ou dono do local. Mostrou onde morava e fez questão de destacar todos os pontos positivos que pudesse lembrar.

Chegaram em uma das maiores construções da cidade, que apenas se diferenciava das outras no quesito tamanho. Fora isso, as moradias ali pareciam seguir o mesmo padrão de estrutura e revestimento, sem luxo algum.

Sem nenhum tipo de anúncio, entraram no albergue e se encontraram numa espécie de sala de espera. Tinham cadeiras com encosto, bancos e uma mesa central. Todos eles feitos de madeira. Em cima da mesa, no centro, tinha um vaso de barro com flores variadas. Num canto, podia se ver uma pilha de almofadas com enchimento de palha para quem quisesse algum tipo de conforto. Na parede à leste da porta, tinha uma estante com várias esculturas, que em sua maioria era de argila, com poucas exceções feitas de algum material metalizado.

Não tinha ninguém os aguardando no local, porém podiam sentir um aroma forte vindo de algum lugar ali dentro. Aos poucos, passos leves e arrastados podiam ser escutados se aproximando. Não demorou muito para o som começar a ganhar forma.

Uma senhora, um pouco mais baixa que Dahlia, de pele bem amorenada entrava carregando um bule. Trajava um vestido largo e simples que ia até um pouco abaixo dos joelhos e meias de algodão com um chinelo. Seus cabelos eram negros e curtos estavam presos num coque atrás de sua cabeça. Aparentava ter pouco mais de cinquenta anos e rugas de expressão já estavam formadas por toda a sua face.

– Mas que falta de delicadeza de minha parte não estar aqui para recebê-los. - disse a senhora mostrando-se hospitaleira enquanto pegava algumas almofadas como quem estivesse os convidando a sentar-se. - Em que posso ajudá-los, meus queridos? Estão feridos? Cansados?

– Não precisa se preocupar. Estamos bem, eu acho. - Tyler respondeu à oferta da senhora. - Não sei nem quanto tempo iremos ficar aqui. Mas gostaria de saber se existe algum lugar aqui para ficarmos durante a nossa estaria.

– Não temos dinheiro, mas com certeza arranjaremos alguma outra forma de pagamento. Podemos ajudar em algum serviço, se necessário. - completou Clair.

– Quanto drama desnecessário! - retrucou Dahlia. - Se não tem como pagar, eu já disse que ofereço minha casa para vocês. Minha casa não é boa o suficiente para dois jovens viajantes descuidados?

– Calma, calma, minha jovem Dahlia. Todos se acalmem. - a senhora virou-se pegar alguns copos de metal e serviu o conteúdo escuro do bule em quatro copos. - Será um prazer tê-los aqui pelo tempo que precisarem.

– Obrigado, senhora... - Clair parou.

– Vamos parar com esse negócio de senhora. Podem me chamar de dona Ana. É assim que todos me conhecem por aqui.

– Então, obrigado dona Ana. Inclusive pelo café que está muito bom! - respondeu Tyler.

– Não acho que você deveria me chamar assim, jovem Tyler.

– O que? - Dahlia ficou surpresa. - Como você sabe o nome dele? Não lembro de vocês terem se apresentado desde que chegamos aqui!

Dona Ana se levantou e se aproximou de Tyler colocando a mão em seu rosto, fitando-o atentamente.

– Mas minha filha gerou um criança que não puxou em nada o nosso lado da família. - deu um sorrisinho brincalhão. - Essas expressões são todas do seu pai. Já se passaram anos mas, olhando você, é como se tivesse olhando para ele agora.

– Pelo menos um de nós pode dizer isso, não é mesmo? - ironizou sem saber se realmente era verdade.

– Você não está nem um pouco surpreso? - perguntou Dahlia e virou o olhar para Clair. - E nem mesmo você! Vocês já sabiam o tempo todo e por isso queriam vir pra cá!

– Não é bem assim. - respondeu a outra jovem. - Não é como se tivéssemos confirmação. Era apenas uma suspeita que acabou sendo verdade.

– Eu nem ao menos conhecia ela. Nem mesmo quando a vi podia afirmar com certeza. - explicou Tyler. - Esperava descobrir através de perguntas, mas ela foi mais rápida.

– Mas se seus outros filhos moram aqui, isso quer dizer que ele é filho...

– Sim, da minha outra filha, Sylvie. - interrompeu dona Ana. - Por que a surpresa minha filha?

– Você está querendo dizer que esse garoto, que quase virou presa de um leontropo na floresta e não habilidade alguma de luta, é filho de uma das caçadoras originais dos Caçadores do Rei e de um dos guerreiros mais conhecidos por aqui? - Dahlia estava perplexa.

– Mas do jeito que ela está falando parece até que você é uma quase uma lenda. Ela sabe mais de você do que você mesmo, Tyler. - brincou Clair

– Sei mais sobre ele e também sei mais sobre luta do que ele deveria saber! - rebateu Dahlia indignada com os fatos que lhe estavam sendo apresentados.

– Mas, Dahlia, minha querida, se acalme! - disse dona Ana tentando controlar a situação. - Não é como se ele tivesse sido criado para ser um caçador. E nem mesmo um guerreiro. Não há razão para isso.

– Ele podia pelo menos tentar manter um legado de algum lado da família! - discordou a caçadora.

– Não fale essas coisas como se fosse culpa minha! - Tyler se alterou. - Não é como se eu soubesse de tudo desde que nasci. E também não é pra discutir a minha vida que estou aqui! Então, obrigado por ter nós salvado e nos trazer até aqui mas isso não te dá o direito de ficar discutindo sobre minha vida como se já fossemos muito conhecidos.

Dona Ana não soube como reagir a repentina mudança de comportamento vinda do neto, e Clair espantou-se por nunca ter visto o amigo de forma tão alterada e ao mesmo tempo compreendia o motivo disso tudo.

Tyler estava se sentindo muito mal por ter se colocado naquela situação. Porém, estava cansado de ver que todos pareciam saber mais de sua vida do que ele mesmo. Enquanto muitas coisas sobre si mesmo eram surpresa para ele, parecia que as pessoas que conheciam já tinha lido um livro de seu passado que ele desconhecia. E, ver outros apontando coisas que ele não teve o direito de escolher só piorava a situação.

– Tyler, meu neto, agora é sua vez de se acalmar. - dona Ana falava afetuosamente para ver se surtia efeito no jovem. - Entendo que você possa estar passando por muitas coisas e talvez esteja atrás de respostas, mas não desconte nos outros.

– Ele não é sempre assim. - Clair se intrometeu vendo que o amigo não estava em condições de responder no momento. - Ele nem sequer sabia da existência de vocês direito, e para completar nossa amiga foi sequestrada. Decidimos vir para cá em busca de informações.

– Informações? Vocês se arriscaram no desconhecido em busca de informações? De algo incerto? E se não existir informações, o que vão fazer? Quais são os planos para depois? Estou com pena dessa amiga de vocês dependendo de coisas incertas e pessoas tão despreparadas.

– O que vamos fazer? Eu não sei! - Tyler se alterou novamente. - É isso que você quer escutar? Eu realmente não sei. Apenas queria fazer algo e não ficar parado esperando tudo acontecer. Mas você ficar assim realmente não está ajudando.

Tyler atingiu o máximo de irritação e deixou o albergue esperando sair daquela conversa que não estava chegando a lugar nenhum. Ele sabia que não tinha arquitetado nenhum tipo de plano para salvar Amber, mas não precisava que ficassem mostrando o quão despreparado ele estava diante de toda a situação.

– Dahlia, você passou dos limites! - dona Ana conhecia o temperamento da jovem caçadora e já havia escutados relatos de alguns rompantes vindo dela, mas não significava que concordava.

– Passou dos limites? Acho que era exatamente isso que ela estava tentando fazer desde que nos encontrou. - Clair lançou um olhar repreendendo as atitudes de Dahlia. - Não tinha necessidade você sair falando desse jeito. Você pode ser muito útil dentro campo de batalha, mas dentro de uma conversa você acaba de mostrar toda a sua inutilidade.

Pela primeira vez Dahlia tinha ficado sem ter o que responder. Estava acostumada a utilizar ironias como mecanismo de defesa e nunca tinha reparado o efeito que isso provocava nas pessoas. Achava que possuíam muitos pontos fortes, mas nunca tinha analisado quais eram seus pontos fracos e, aparentemente, alguém tinha feito questão de mostrá-lo.

– Acho que você está devendo um pedido de desculpas a alguém. - disse dona Ana tentando convencer Dahlia a consertar o estrago que havia feito, sabendo que a jovem não era acostumada a tomar iniciativa nesse tipo de situação.

– Você não me causou uma primeira boa impressão. - Clair pensou por uns instantes e continuou. - Na verdade, muito menos, segunda ou terceira impressão. Também sei o quão cabeça dura ele pode ser e, por isso, digo para tomar cuidado com que vai falar para não piorar mais a situação.

– Eu não vou pedir desculpas! - exclamou Dahlia irritada com a pressão que estavam colocando em cima dela e que ela achava não ter sentido.

– O que, senhorita? - questionou dona Ana ainda incerta se ela realmente tinha compreendido o que tinha escutado.

– Você realmente não tem jeito, garota! - Clair respirou fundo para não se irritar e preferiu ignorar.

– Não acho que pedir desculpas vá adiantar alguma coisa. Ele precisa descontar as frustrações no momento! - concluiu Dahlia. - Está na hora dele começar a aprender as coisas como se tivesse sido criado aqui.

Dahlia saiu do estabelecimento deixando Clair e dona Ana sem entender o que ela estava querendo dizer. Ela nunca tivera que se retratar com alguém, mas também sabia que conversar não era um ponto forte e que estava arriscado a fazer coisa pior. Então, iria focar no que sabia fazer melhor para poder tentar melhorar, talvez, a situação.


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