Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 9
O brilho intenso do eterno desejo




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Há muitas espécies de silêncio: aqueles que demonstram a ausência de interesse em falar, aqueles que demonstram o receio em dizer alguma coisa e aqueles que acompanham a paciência em ouvir o próximo. E era esse terceiro silêncio que acontecia na cozinha de um apartamento em Buenos Aires.

Elena tinha uma elegância descomunal em sua pose de segurar uma taça de vinho — segundo ela, as melhores conversas são regadas à álcool, pois ele obriga o coelho da verdade deixar sua toca e subir para a superfície. Ela pareceria uma atriz de cinema da década de cinquenta, se naquela época tivesse atrizes andrógenas.

Theo começou narrando o seu "romance" com Marcos a Elena. Contou sobre os passeios no parque, e como andavam de mãos dadas e se beijavam sentados no banco sem se importarem com as pessoas ao redor. E sobre as noites em que ficavam apenas abraçados na cama em silêncio. E sobre quando Marcos lhe presenteou. E sobre as noites na estação do metrô.

Mas ficar quieta tinha um preço: Elena acendia seu terceiro cigarro.

— Achei que você tinha falado que iria parar de fumar — disse Theo, já sentindo o vinho fazendo efeito.

— E eu achei que você nunca iria namorar, não era você que dizia que o amor era uma perda de tempo?

Ui.

— Eu achava mesmo, ou ainda acho não sei.

— Sou uma contradição de mim mesma, Theo. E preciso de um cigarro para me concentrar. Calmante de nicotina. Agora me fale como estão vocês. Já tiveram o D.A.R?

D.A.R? Ah, sim. Definir a relação. Theo nunca achou que precisaria definir uma relação. Sexo casual não necessitava disso. Sempre era uma troca de olhares, uma paquera monossilábica e o momento em que decidiam aonde iria "acontecer". Depois Theo ia embora feliz — ou não — e tudo ficava bem, sem dramas. Vez ou outra algum cara pedia seu telefone, mas ele inventava um na hora.

— Não. Nunca falamos sobre isso.

— Então é esse o problema? Não quer dar antes de D.A.R? Tem medo dele só estiver com você pra isso.

Não. Não duvidava da veracidade dos sentimentos de Marcos, por nenhum segundo.

— Não é isso. É que... Nunca importou antes.

Elena parecia confusa.

— O que nunca importou?

— Sexo, nunca antes houve expectativas ou preocupações sobre se ele irá gostar ou não.

— Pelas fodas que você já me relatou e sobre sua... Qual é a palavra? Atuação? Que seja... Sobre como você foi nelas. Acho que ele vai gostar sim.

Theo corou, odiando a si mesmo por ficar narrando suas "experiências" para Elena em suas noites de vodca e luz das estrelas. Ele sempre se esquecia do que ela contava no dia seguinte. Ela não.

— Não é nesse sentido. Elena, você sabe que tenho... Vergonha do meu corpo.

Elena pegou sua mão, compreensiva.

— Pobre Theo. Não faz ideia da própria beleza. Eu também já fui assim, quando eu era virgem.

— Beleza? Não! Talvez Marcos ache meu rosto... agradável, mas por baixo das roupas... não sei como ele vai reagir.

— Vai reagir como qualquer outro cara com tesão. Ou então vai querer morder sua pele de sorvete. Acho que você vai ter que evitar sair nas ruas dois ou três dias depois por causa das marcas, mas...

— Elena!

— O quê?!

— Mantenha foco no meu complexo de inferioridade, por favor. Deixe as mordidas fora da conversa.

Ela revirou os olhos. Se Theo expressava um leque de emoções com as suas sobrancelhas, Elena conseguia o mesmo feito com um revirar de olhos. E aquele ali queria dizer: qual o problema de falar em mordidas?

— Esse é o momento em que você fala que eu tenho que me amar mais ou coisa assim — continuou ele — Assim vou me sentir melhor, foi para isso que vim até aqui.

Elena bufou.

— Você feio até aqui para ouvir o que quer ouvir, ou para ouvir a verdade?

...

...

—... A verdade.

— Então deixa eu dizer uma coisa. — Então, para deixar o seu discurso mais dramático, ela amarrou o cabelo, levantou as mangas do quimono vermelho e acendeu outro cigarro — A verdade, que essa coisa de "amar você mesmo" é uma baboseira de merda. Não passa de um discurso de tumblr para garotinhas que são dispensadas pelo namoradinho do colégio. O lance é que você tem que aceitar que é amado, permitir saber que quem te ama possui motivos para te amar. Então não se entregue a pequenas questões como se ele vai te achar gostoso sem roupa ou não. Marcos se importa com você, para sair nesse frio e ir à casa de uma amiga sua que ele nem conhece. Para tocar no seu teatro. Para te dar aquela maravilhosa fita. Eu vi como ele olha pra você Theo. Ele te ama. Pare de drama e aceite que é amado.

Theo ficou, literalmente, sem palavras. Mas não havia realmente nada a ser dito. Existiam prêmios para Melhor Amiga Do Mundo? Porque caso existisse, Elena merecia ser indicada.

* * *

Marcos perdeu a partida pela décima vez. Gostar de vídeo game era diferente de ser bom jogando, e ele era a prova disso. Também não ajudava estar tão distraído. Não conseguia parar de pensar no que Elena dissera quando chegaram, sobre Theo não conseguir "dar". Primeiro porque achava essa palavra não vulgar, mas simples demais para descrever um momento especial que era o sexo. Era o momento mais íntimo que ocorria entre duas pessoas, quando suas almas se permitiam sentir os prazeres do corpo, do prazer compartilhado. Ele sabia que soava piegas pensar no sexo como "fazer amor", mas era como se sentia em relação a isso.

Principalmente com relação a Theo, a pessoa mais... sensível que ele já conheceu. Sim, queria "fazer amor" com ele. Mas não esperaria o momento em que Theo estivesse pronto, para que o momento fosse estragado por possíveis incertezas ou arrependimentos. Claro que essa cautela toda exigia muito esforço de sua parte. Afinal, Marcos era um homem em sua melhor forma, e tinha... necessidades. Esse sacrifício exigia beijos moderados, banhos frios e muita masturbação — ele sempre, depois de "fazer" aquilo, se sentia horrível por infringir a intimidade de Theo daquela maneira, as coisas que Marcos imaginava fazendo com ele...

— Então — disse Diego ao seu lado, que tinha uma voz fina que contradizia com sua aparência. — Você e Theo estão... juntos?

— Sim.

"Juntos" era a melhor palavra para descrever o relacionamento dos dois.

— Desde que o conheço nunca o vi junto com ninguém.

— Mesmo?

— Sim, eu até ficava meio preocupado com ele. Pessoas como Theo não combinam com uma vida promíscua.

Vida promíscua?

Marcos não gostou daquilo. Pensar na imagem pura e imaculada de Theo vivendo uma... "vida promíscua" era como pensar em um personagem de um desenho infantil em um filme pornográfico. Não combinava e era errado. E o ciúme que queimava em seu coração apenas em imaginar Theo com outro homem era sufocante.

Marcos contara a Theo muitos antigos casos seus, mas Theo nunca contara nada.

Até que ponto aquela fala de "nunca importou antes" era verdade? Com certeza havia algo além... mas o quê?

— Hum, ele nunca namorou antes ? — perguntou.

— Não. Se tivesse algum movimento ativista anti-amor ele participaria. Vivia dizendo que era feliz sozinho. Devo dizer que fiquei surpreso pra caralho em ver vocês dois juntos. Você deve ter feito alguma coisa muito certa para conquistá-lo.

Bem, aquilo explicava muita coisa. Se Theo realmente não tivera nenhum relacionamento sério antes de Marcos, tinha razão em manter dois pés atrás. Devia estar com medo de que Marcos apenas estar procurando uma transa, e que depois iria sair correndo. Se fosse isso mesmo, era um enorme mal entendido.

Estava prestes a responder quando Elena e Theo surgiram de Deus sabe onde.

— Meninos! — gritou Elena — Vocês tem que prometer voltar mais vezes! Mas uma vizinha despretensiosa, sem me usar para uma consulta de terapia informal. Os únicos dramas que me interessam é qual batom usar de manhã!

— Eu prometo. Nos vemos na quinta. — disse Theo, abraçando-a.

— O que tem quinta?

— Minha apresentação, obrigado por lembrar.

Elena sorriu.

— Não seja bobo, era claro que não me esqueci. Só estava brincando!

— Sei.

Terminaram de se despedir e saíram para o frio polar que estava à rua naquela noite. Praticamente corriam para chegar em casa mais rápido. Lembrar dos cobertores quentinhos era uma ótima motivação. Decidiram que iriam dormir no apartamento de Theo, estava frio demais para dormirem em colchões.

***

Quando chegaram, Marcos foi surpreendido por Theo, que praticamente o empurrou na cama e subiu em cima dele, sentando em uma área muito estratégica. Theo o beijou brevemente e começou a acariciar com um ponto sensível atrás da orelha de Marcos, que em questão de segundos, já estava excitado. O cheiro de Theo era delicioso, e agia como álcool no fogo, que só aumentava ainda mais o brilho intenso do eterno desejo que sentia por ele.

Porém — por que sempre havia um porém? —, ele precisava conversar com Theo, desfazer qualquer mal entendido que existisse entre os dois. Era a vez dele de recuar.

— Theo? — sua voz se confundiu a uma série de gemidos grossos.

— Hum? — respondeu ele. Parando e olhando-o bem nos olhos, um olhar de desejo.

— Espere.

Marcos sentou-se, precisando de um pouco de distância para conseguir pensar com clareza. A frustração de Theo era visível, parecia decepcionado. Era o olhar de alguém rejeitado.

— O que foi Marcos?

— Precisamos conversar.


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Notas finais do capítulo

Primeiro quero dizer que estou realmente surpreso ( e feliz) com a o número de leituras e comentários, eu não esperava ( e nem sei se mereço) isso! E segundo, o título desse cap é uma referência á Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, que super recomendo, obrigado por ler!



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