Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 8
Um número maior de circunstâncias fortuitas


Notas iniciais do capítulo

Eu particularmente gostei muito desse capítulo! Acho que a chuva enquanto eu escrevia me inspirou...
Boa leitura!



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"Você pode dirigir com 16, ir para a gguerra aos 18, beber aos 21, e se aposentar aos 65. Mas, qual a idade você tem que ter antes quem seu amor seja verdadeiro? Já tive aos montes pessoas que não compensam esquentando a cadeira ao lado no cinema, o banco ao lado no carro e o travesseiro extra na cama. E nem por um minuto senti meu peito aquecido. A gente até engana os outros de que é feliz, mas por dentro a solidão só aumenta. Estar com alguém errado é lembrar em dobro a falta que faz alguém certo".

— Que depressivo. — disse Marcos. Estavam jogados no sofá, um nó de pernas e braços embaralhados, assistindo a um filme. Era sexta-feira, dia em que geralmente saíam para ir ao cinema, teatro ou só para dar uma volta pela boêmia; só que fazia muito frio, e assim preferiram ficar em casa.

— Na verdade não. É realista. Gastamos nosso tempo com uma pessoa ou outra porque nunca sabemos se ela é certa ou não, não é nossa culpa, afinal, só vivemos uma vez. Não houve ensaio ou uma pré-vida. Não existe meio de verificar qual é a decisão correta, pois tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação.

Não havia maior verdade que aquela. O que causava uma frustração aterradora: não saber o que viria a seguir. Às vezes tudo o que Theo queria era dar uma ‘olhadinha’ em seu futuro. Onde estaria dali a dez anos? Onde estavam os spoilers sobre a vida?

— Se a realidade é assim, eu prefiro viver em um sonho. Talvez eu já esteja sonhando, o que significaria que você é criação da minha cabeça.

Theo se inclinou e deu um selinho nos lábios dele.

— Se eu fosse você não sentiria isso. — Theo se espreguiçou, estralando ossos que ele nem sabia que existiam.— Que tal comprarmos pizza, estou com fome.

Marcos o olhou como se ele tivesse sugerido para saírem para queimarem gatinhos na praça.

— Você acabou de comer uma caixa de chocolates praticamente sozinhos! Como pode estar com fome?!

Que insulto!

— Só comi a maioria dos chocolates porque você falou que precisa manter sua boa forma. Devia me agradecer! Seu ingrato.

— Mas é claro, não sou como você que não engorda. Iria continuar m querendo se eu fosse um gordo?

Bem, pensando desse modo...

— Mas eu amo é a sua essência. É a sua alma que me fascina, mas gosto da embalagem também.

Marcos deu aquele seu sorriso.

— Acho que não posso reclamar disso.

— Estou entediado. Tédio me dá fome.

— Eu sei como te tirar do tédio — Marcos começou a lhe dar beijos em seu pescoço, fato que excitou Theo imediatamente, tudo o que queria era transar com ele ali mesmo no sofá. Mas ele não... Theo não estava pronto. Aquela cena do beco no outro dia havia sido uma surpresa até para ele próprio. O problema era que Theo ainda não estava confortável para se despir para Marcos, mostrar todas as suas imperfeições e vulnerabilidades. Com os outros caras era mais fácil, ele simplesmente transava no escuro, onde eles não poderiam enxergar o corpo dele.

Ele era magro demais, frágil demais. Sempre precisava ficar por cima para o caso do parceiro se empolgar demais — o que poderia resultar em hematomas nada bonitos. E também tinha a sua palidez exagerada, até nos lugares mais íntimos do seu corpo. Não, ele definitivamente não estava pronto.

Mas também queria que Marcos pensasse que ele estava rejeitando-o, quando na verdade Theo rejeitando a si mesmo. Não sabia como dizer isso isso a ele. As pessoas sempre dizem "sempre diga o que sente!", todavia, expressar sentimentos complicados é difícil. Articular emoções em palavras era uma habilidade além de suas capacidades.

Percebeu que precisava de terapia.

Mas não uma tradicional, uma que envolve conselhos da melhor amiga.

— Acho que deveríamos sair — disse ele.

Marcos interrompeu as carícias e protestou:

— Mas está muito frio lá fora!

— Podemos ir visitar a Elena.

— Seria interessante eu finalmente conhecê-la, só que temos que saber se ela está em casa.

— Não se preocupe. Vou perguntar — disse Theo, levantado-se para pegar seu celular. Mandou uma mensagem para Elena (que estava salvo em seu chipe com o nome "vadia louca", e ela mesma havia salvado).

Theo: S.O.S

vadia louca: ???

Theo: está em casa? preciso de conselhos

vadia louca: claro, mas adianta o problema aí

Theo: digamos que estou tento dificuldades em me mostar para o meu... (Não sei se somos namorados ou o que, ainda não definimos a relação)

vadia louca: okay. entendi, vejo vc dakia a pouco XOXO

Theo: beijos, já estamos indo.

— Ela está lá, vamos.

— Não esquece de pegar um casaco dessa vez.

* * *

Elena morava a dois minutos apé do apartamento de Theo. Ela era sua colega de curso na universidade e sua única amiga naquela cidade. Elena era estranha, mas estranha de um jeito bom. Seu excêntrico estilo andrógeno e seus trejeitos afetados de agir a tornavam uma das pessoas mais interessantes que Theo já conheceu. E seu cabelo enorme e platinado era digno de inveja.

Os dois tremiam de frio quando apertaram a campainha. Elena abriu e o abraçou afetadamente, o impedindo de respirar. Ela estava usando um quimomo vermelho, e — meu Deus! — devia estar nua por baixo.

— Toda vez que te vejo tenho a esperança que tenha parado de usar esse seu creme de baunilha! — disse ela, praticamente gritando. — Cheira a sorvete. Fico com vontade de te morder.

— É bom te ver também, Elena. Agora me deixa respirar.

— Desculpe — disse ela, afastando-se. Em seguida, Elena olhou por cima do ombro dele, de um jeito que o deixaria com ciúmes se não soubesse que ela era louca pelo marino, o Diego. — E quem é esse bonitão aqui?

— Ah, é o Marcos. Marcos, essa é Elena.

Marcos educadamente estendeu a mão.

— Prazer em conhecê-la.

— O prazer é todo meu! — então ela se virou para Theo e falou de um jeito em que achava ser baixo: — É com ele que você disse que está com vergonha de dar?

Theo ficou mais vermelho do que nunca. Queria que o chão abrisse e o engolisse ali mesmo.

— Hum, Elena? Eu não sei do que você está falando— tentou disfarçar.

— Mas você falou que...

— Acho que é melhor nós entrarmos logo, estou congelando aqui — interrompeu-a, antes que ela piorasse mais ainda aquela situação super constrangedora. Theo não conseguia nem olhar mais para Marcos, apesar de ter uma sensação de que ele estava sorrindo nas suas costas.

— Tudo bem, entrem!

E eles entraram. Toda vez que Theo entrava na casa dela, havia uma decoração diferente. Daquela vez a casa estava parecendo uma toca de um adolescente nerd, é a melhor forma de descrever. Havia pôsteres de super heróis e vilões de quadrinhos e de personagens de Star Wars cobrindo as paredes havia um carpete feupudo preto na sala e um sofá em formato de um megazord.

Diego estava sentado na sala, jogando video game. Ele era quase cinco anos mais velho que Elena, provavelmente tinha 27, mas tinha um rosto infantil'e redondo, que fazia contraste com a sua barba grande e a maré de cores das tatuagens que cobriam seus dois braços.

Se comprimentaram e apresentou Marcos à ele. É claro que Marcos ficou amigo dele quase instantaneamente. É claro que os dois começaram a conversar sobre games, de modo que para Theo e Elena parecia que falavam outro idioma. É claro que Theo e Elena aproveitaram a distração de Marcos para escaparem até a cozinha. E é claro que foi tudo planejado.

Mal chegaram lá e Elena gritou:

— Onde você conseguiu achar aquela peça de arte viva? — deuses, ainda bem que a televisão estava com o volume alto e Marcos não conseguia ouvir.

— No funeral do nosso professor.

Elena fez uma cara de assustada, e não era para menos.

—Em um funeral?! Mas que coisa bizarra!

Theo riu, era sempre maravilhoso conversar com Elena.

— Eu sei — concordou.

— Sempre te falei que sua mania de visitar velórios era macabra e que você devia ir se tratar. Mas pelo menos isso serviu para alguma coisa.

Era verdade.

Theo parou para pensar na quantidade de acasos que o fez se encontrar com Marcos naquele dia e como tudo era improvável. Podia não ter aquela mania bizarra e nunca ter ido àquele velório, podia ter escolhido qualquer outro apartamento em qualquer outro bairro no dia em que se mudou pra Buenos Aires, podia... Quantos acasos!

Lembrou-se de uma passagem que lera em um livro há muito tempo: "Será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significados quando dependem de um número maior de circunstâncias fortuitas? Só o acaso pode ser interpretado como uma mensagem. Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado e que se repete todos dias, não é senão uma coisa muda. Somente o acaso tem voz."

... Theo? Ainda está aqui?

— O quê? Ah, desculpe. O que você perguntou?

Elena deu um sorriso conspiratório.

— Eu perguntei por quê diabos você ainda não conseguiu transar com aquela carinha de anjo. Vamos! Desembucha logo!

— Tá bom, acho melhor você se sentar. Na história vai ser longa.


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Notas finais do capítulo

A primeira citação é do filme Lembranças, que recomendo muito. E a segunda é do livro A Insustentável Leveza do Ser, do autor Milan Kundera, que também recomendo. (Obrigado por ler!)



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