Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 10
Um exagero de diferença entre uma pessoa e as restantes


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Este capítulo ficou muito amor



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Depois que o momento de excitação passou, Theo começou a se sentir péssimo. E confuso. Primeiro era ele que tirara o corpo fora antes de "acontecer", e então, quando finalmente sentiu-se pronto para se entregar — no sentido primário da palavra — foi a vez de Marcos desistir.

"Precisamos Conversar".

Ai meu Deus.

O que tinha feito de errado?

— Tudo bem — foi o que disse.

Não, não estava tudo bem. Queria voltar alguns minutos no tempo, e não ter pulado em cima de Theo como uma ninfomaníaca maluca.

Foram para o sofá. Theo pegou uma marionete na estante para abraçar e esconder as mãos, que tremiam. Era um velho hábito, quando era criança e fazia algo que merecia um sermão dos pais, ele se abraçava aos seus velhos bonecos. Era uma ideia idiota, ele sabia.

Marcos parecia tenso. Como se estivesse meticulosamente escolhendo cada palavra, o que indicava que ele estava prestes a dizer algo difícil de ser dito — Theo debatia se aquilo era bom ou não.

— Diego me falou sobre uma coisa e eu... preciso tirar isso a limpo.

Em um quarto de segundo, Theo repassou mentalmente tudo o que já havia feito na vida que Diego pudesse saber.

— O que é?

Marcos inspirou fundo.

— Ele disse que você tinha uma... vida promíscua.

Ai meu Deus. Aquilo era sério? Ou era algum daqueles risíveis pesadelos de humilhação pública? Se beliscou, para tirar a prova. Infelizmente, estava mesmo acordado.

— O que você está fazendo?

— Me beliscando. Tive esperança disso ser uma pesadelo e Diego não ter dito nada a você.

— Então é verdade?

— Sim. Isso te incomoda?

— Um pouco — respondeu Marcos. — Mas não do jeito que você está pensando.

— E o que por acaso estou pensando?

— Que me incomodo por ter ficado com muitas pessoas porque isso me deixa com ciúmes, e que vou terminar com você por isso.

Theo achou graça naquilo. Marcos parecia um garotinho que dizia "eu não fiz nada!" quando flagrado pela mãe. Era óbvio que ele sentia ciúmes, se não, não teria feito aquela cena toda. É na natureza humana sentir ciúmes. As pessoas acham que são especiais em algum aspecto da vida, e auto declaram exclusividade pelas coisas ou pessoas ao seu redor. E a mera possibilidade de ter essa exclusividade perdida pode gerar imensas frustrações.

— Eu já fiquei com muitas pessoas antes, Marcos. Mais do que eu gostaria de admitir. Só que estou com você agora, e você é o suficiente.

Marcos lhe deu aquele sorriso.

— O que me incomoda, Theo, é que você ache que sou como os outros caras de ontem, que te usavam e depois iam embora. Eu não. Eu não vou embora, pelo menos não quando você me quiser por perto.

Foi a vez de Theo sorrir.

— Eu os usava também Marcos, mas... eu sei que você é diferente, sembre soube. Aliás não é isso que é o amor? O amor é um enorme exagero de diferença entre uma pessoa e as restantes.

Marcos o abraçou. Foi um abraço de uma insustentável delicadeza. Insustentável porque o que Theo queria era ser amassado pelos braços de Marcos, queria senti-lo em cada centímetro cúbico de seu corpo, em cada célula, em cada partícula da sua alma.

— Mas, se sou diferente... então por que você fugia todas as vezes que nós... ?

Theo ficou calado. Não queira dizer a resposta daquela pergunta. Mas ele precisava dizer. Afinal, tinha sido algumas faltas de respostas e mal entendidos que os colocaram naquela situação.

— Eu fiquei com medo — admitiu. Praticamente vomitou aquelas quatro palavras, desse jeito era mais fácil dizê-las, como arrancar a casca de uma ferida de uma vez, dói muito, mas é mais rápido e só dói uma vez.

Marcos interrompeu o abraço para olhá-lo nos olhos.

— Medo? Medo do quê?

— Eu não... olha, eu sei que é idiota e fútil da minha parte, mas é que eu não sou um exemplo de beleza física, Marcos. Eu só transei no escuro até hoje por isso. Mas achei que você merecia mais que isso.

Marcos deu uma gargalhada alta.

— Mas do que você está falando? Teve medo de que eu te achasse feio? Que aburdo! — Marcos delicadamente segurou os dois lados da cabeça de Theo para forçar um contato entre os olhos dos dois. — Theo, você é uma das pessoas mais bonitas que já tive oportunidade de conhecer. E olha que eu já frequentei muitos lugares nessa vida, só que há uma enorme diferença entre você e as pessoas restantes. E mesmo se você não fosse essa lindeza toda, eu te viraria do avesso e te amaria por dentro.

Marcos não deu oportunidade para Theo responder. Iniciou um beijo montanha-russa: que começa devagar, cheio de vontade e expectativa, para, aos poucos, se transformar em algo mais intenso e que trazia aquele frio na barriga. Theo começou a acariciar os cabelos de Marcos, se deliciando com a maciez daqueles cachos. As línguas dos dois bailavam juntas, e as mãos exploraram o corpo um do outro. Theo ergueu se corpo para sentar no colo dele, Marcos encostou a cabeça no escosto do sofá para dar-lhe um maior acesso à seu pescoço. A barba por fazer dele provocava leves cócegas em Theo, que soltava levez risinhos.

Quando pararam para respirar, Theo, com uma voz sussurrante de desejo, perguntou:

— Quem é você e onde esteve durante toda a minha vida?

Marcos sorriu — quantos daquele maravilhoso sorriso Theo realmente merecia?

— Você falando assim, até fico parecendo um príncipe encantado.

Sobrancelha.

— Princípe encantado? Isso faria de mim uma princesa, não sei se fico feliz com isso.

— Por que não?

— Ora, princesas são difíceis de serem conquistadas. Comigo foi muito fácil, não teve castelos distantes vigiados por dragões ou maldições jogadas por uma bruxa invejosa. Você teria que vencer algum desafio para só então ficar comigo.

— Acho que valeria a pena. Posso fazer isso se você quiser, mas o prêmio tem que ser maior do que alguns beijos.

Sobrancelha.

— Prêmio maior ?

— Sim, você teria que se casar comigo.

Theo deu uma risada. Era claro que Marcos só estava brincando.

— Casar? — perguntou, incrédulo.

—Sim. Casar — respondeu Marcos, sem se deixar abalar.

Ele estava mesmo falando sério?

Theo saiu de cima dele e se sentou no chão. Desviou o olhar, não sabia o que dizer sobre aquilo. Casar? Sempre repugnou a vida comum entre duas pessoas casadas, que no começo vivam um mar de rosas, mas que no fim acavam em um mar de silencio e de indiferença. Ele não queria uma vida dessa para si. Se bem que, não seria um casamento comum — não teria uma noiva de branco, pelo menos; já era um começo.

Mesmo assim. Era algo que não combinava com ele.Decidiu desconversar com uma piada:

— Tudo bem. Você vai ter que vencer meus desafios então. Se conseguir, eu me caso com você.

Marcos sorriu.

— Mesmo?

—Sim.

— Quantos desafios?

— Hum... três. Três é um bom número, não é pouco e nem muito.

— Okay. Agora podemos voltar para onde paramos? Quero me sentir motivado.

— Não! Se é para eu agir como uma princesa, só vou me deitar com você depois de casarmos. Isso é motivação suficiente para você ?

Marcos pareceu chocado.

— Mas isso pode demorar muito tempo!

Theo deu um sorriso malvado.

Isso se chama motivação.

* * *

No dia seguinte, Theo e Elena — que apareceu ali de manhã numa fingida casualidade, quando na verdade ela só queria saber se Theo tinha transado ou não, ficando explicitamente decepcionada ao saber a resposta — estavam na sala assistindo desenho animado.

— Se eu fosse você, namorando um gostoso como ele, já estaria na farmácia comprando uma pílula do dia seguinte — disse ela.

— Na verdade se você fosse eu não iria precisar tomar uma.

—Ah, é verdade!

Ele estava ansioso, olhando para o celular a cada dois minutos para checar se havia uma nova mensagem. Marcos deveria ligar a qualquer momento, pois, naquele momento estava em algum lugar da cidade tentando cumprir o Primeiro Desafio Para Conseguir a Honra de Casar Com Theodoro Martins.

Theo tivera a ideia para o primeiro desafio ainda no dia anterior. Estavam assistindo Hora de Aventura, era um episódio em que o Rei Gelado tentava a todo custo convencer Marceline a compôr uma música com ele, e então a ideia surgiu:

— Me convença.

— O quê? — perguntou Marcos, que já estava quase dormindo.

— Me convença a me casar com você.

— O quê? Como?!

— Sei lá, isso é trabalho seu. Você tem vinte e quatro horas.

Então estava decidido. Aquele era o primeiro desafio. A princípio poderia parecer fácil demais, mas na verdade era muito difícil. Afinal, Theo era uma pessoa muito teimosa.

Elena estava muito animada com a idéia de ser uma madrinha de casamento, mesmo sem ter sido convidada para isso.

— Você vai ficar puto se eu usar preto no dia? É que muita gente acha que dá azar, que bobagem! É que eu fico muito bem de preto. E vou combinar com a decoração não é mesmo? Já que você vai querer uma decoração estilo Tim Burton. Imagina! Você pode se vestir de noiva cadáver. Ou noivo cadáver, tanto faz, eu não vou julgar você. E podemos arranjar umas tesouras bem estilosas para o Marcos usar.

Deuses, como era difícil acompanhar o ritmo dela.

— Na verdade, não vai ter decoração nenhuma. Quando me imagino casando, penso em uma daquelas capelas pequenas de Las Vegas sabe?

—Mas que ideia maravilhosa! — gritou Elena, provavelmente acordando o prédio inteiro — Eu sempre quis ir à Las Vegas, claro que sou um pouco traumatisada com essa cidade por causa do que vi em CSI mas... podemos fazer a festa em um cassino!

— Sim.

E então seu telefone tocou.

Era Marcos.

Ai meu Deus.

— Atende logo!

E ele atendeu.

— Vá para o MALBA, agora. — e desligou.

* * *

MALBA era a sigla para Museu de Arte Laninoamericano. Era o museu preferido de Theo, pois era um que fugia um pouco do convencional, as obras eram coloridas, modernas, interativas e super diferentes. Lá tinha obras de artistas como Tarsila do Amaral, Diego Rivera, Frida Kahlo, Xul Solar, David Alfaro Siqueiros e Candido Portinari. Só não ia ali mais vezes porque era bastante longe do seu apartamento e a linha de ônibus que tinha que pegar para chegar demorava anoa para passar. Ficou quase meia hora no ponto até o ônibus passar.

Ficou o trajeto todo pensando no que diabos Marcos teria planejado para ele afinal de contas. Estava tão ansioso e distraído que nem conseguiu se concentrar na música que ouvia no fone de ouvido.

Quando chegou, quase saiu correndo para descobrir logo o que havia ali. Mas conseguiu se controlar.

Àquela hora, e em um dia semana, o MALBA estava praticamente vazio, só havia alguns turistas e os funcionários. Entrou, procurando Marcos com o olhar, mas não o encontrou.

Passeou por entre as obras que ele já conhecia. Estava atento, talvez algum detalhe dali fosse o bastante para a mensagem que Marcos queria passar.

Estava tendo uma exposição nova. Chama-se "Retratos Anônimos", consistia-se de pinturas quase inteiramente em preto e branco, apenas com alguns detalhes em cores. Em um cartaz informativo havia um texto explicando o conceito da exposição: o artista havia fotografado cenas aleatórias de pessoas fazendo coisas que extrapolavam as cenas cotidianas comuns, e depois havia pintado quadros a partir das fotos.

Eram lindas. Havia crianças correndo atrás de pombos na Praça de Maio, um casal de velhinhos se beijando em frente a à um bistrô e dois jovens se...

Foi então que Theo viu aquela tela.

Nela havia dois rapazes jovens que se beijavam, estavam no que parecia uma estação de metrô. Havia muitos pessoas ao redor, mas eles pareciam não se importar, estavam perdidos em seu próprio universo particular. O mais alto tentava impedir seu violino de cair no chão, enquanto que o mais baixo segurava em seu pescoço com uma mão e na outra segurava um pincel molhado de tinta. O cabelo do maia baixo era o único ponto da pintura que possuía cor.

Era azul.

Theo sentiu duas solitárias lágrimas molharem sua bochecha e seu coração disparar. Nunca havia visto algo tão... não havia adjetivo forte o suficiente para descrever aquela beleza.

Então sentiu dois braços envolverem a sua cintura e ser puxado de encontro a um peito forte. Marcos aproximou a boca da sua orelha, causando um já familiar arrepio e sussurrou:

— Viu como combinamos juntos? Somos como duas peças igual de um jogo da memória, só funcionamos quando estamos juntos. Olhe como nós somos diferentes das pessoas ao redor. É por isso que existe um enorme exagero entre mim e restate das pessoas, eu sou a única peça que combina com a sua.

— Mas... como você descobriu que isso estava aqui?

— O organizador da exposição é um cliente lá da loja, me contou que eu estava entre as pessoas fotografadas... Era pra exposição ser inaugurada só daqui duas semanas, mas com algumas promessas de descontos eu o convenci a adiantar.

Theo não conseguia respirar direito. Ninguém nunca havia feito algo daquela proporção para ele.

— Marcos, eu... eu não sei o que dizer.

— Só me responda se consegui passar no teste. Está convencido agora?


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Notas finais do capítulo

Algumas considerações:
a) eu sempre quis visitar o MALBA

b)era para esse ser o penúltimo capítulo, mas achei que ficaria muito clichê da forma que planejei, então vou estender um pouco mais para adaptar o novo final

c ) vocês podem, se quiserem, opinar sobre o que pode ser os próximos dois desafios



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