Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 13
Um coração preenchido pelos fantasmas das incertezas.




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“A maioria dos dias do ano é comum. Eles começam e terminam, sem nenhuma memória durável nesse tempo. A maioria dos dias não tem impacto no decorrer da vida.”

Theo pensava sobre essa citação enquanto ia até a salinha dos fundos da casa funerária para tomar um café. Havia ido fazer aquilo que o acalmava nas temporadas de sentimentos confusos ou conflitos existenciais: ir à velórios de desconhecidos. Era o funeral de uma médica ou enfermeira, a julgar pela quantidade de pessoas que davam uma “passadinha” ali usavam jalecos brancos, ninguém estava chorando, o que significava que não importavam tanto com ela.

Que triste.

O café desceu com crueza pela sua garganta. Era amargo e forte, era possível sentir o pó dele raspando em sua língua. Estava amargo como a sua alma, estado de espírito ou qualquer outro nome que as pessoas dizem sobre seu status de interpretação sobre a vida, se ela era boa ou não.

Para Theo, naquele estranho momento, a vida não se encontrava em uma definição maquineísta — de ser boa ou ruim. Ela era simplesmente... Complicada. Ele Tinha uma impressão de que a vida era semelhante àquela equação nova cheia de xis e ípsilones que um aluno do quinto ano vê seu professor escrever na lousa pela primeira vez. Impossível de decifrar.

Mas será mesmo que a vida devia ser decifrada?

Ser jogado em meio aquela equação totalmente despreparado não era mesmo o sentido de viver?

Foi retirado de seus loucos e depressivos devaneios quando seu celular apitou, notificando uma nova mensagem. Era Marcos.

Bom dia.

Marcos costumava dizer bom dia todos os dias quando acordavam juntos na cama. Faziam um ritual que se consistia de um “bom dia”, um beijo ou dois e um “que vontade de ficar aqui deitado com você o dia inteiro”. Esse ritual não era realizado há dois solitários dias. Theo havia descaradamente evitado Marcos durante aquele tempo. Precisava de um tempo sozinho para poder pensar com clareza e fazer a sua escolha.

Dois dias haviam se passado desde que recebera a carta, e ele se sentia confuso. Seu coração era um coração preenchido pelos fantasmas das incertezas.

Incerteza. Uma palavra. Um sinônimo. Antes ele tinha apenas uma certeza: de que acordaria ao lado de Marcos todos os dias para fazer seu ritual de “bons dias”, de beijos e de “que vontade de fiar aqui deitado com você o dia inteiro”. Agora só restava a incerteza.

Theo passara noites imaginando como a vida junto a Marcos ali em Buenos Aires seria fácil. Seria fácil e maravilhosa. Theo trabalharia e alguma galeria de arte e com o tempo talvez até fosse começar a desenvolver suas próprias criações e ter a sua própria galeria, Marcos iria deixar a loja de discos e começaria a dedicar todo o seu tempo à música. Eles comprariam uma casa pequena na boêmia, uma daquelas que era feita de tijolinhos vermelhos e que tinham um belo jardim nos fundos, onde seria um lugar perfeito para se deitar na grama para observar as estrelas.

Agora esse sonho parecia uma paisagem para uma janela dei carro embaçada pela chuva, difícil de enxergar.

Theo: Bom dia, Marcos.

Marcos: Você está bem? Tem estado estranho ultimamente.

Theo: Estranho como?

Marcos: Sei lá... Meio distante. Eu fiz alguma coisa? Ou falei alguma coisa?

Meio nada. Tinha estado super distante. Tanto fisicamente quanto em pensamento.

Theo: Desculpa, é que fico meio deprimido de vez em quando, não tem nada ver com você.

Marcos: Jura?

Theo: TJuro.

Marcos: Okay, eu só queria mesmo saber se você estava bem. È que um carinha passou aqui e ele comprou um disco do Bowie... e é claro que me lembrei de você.

Theo: Você pode me encontrar no Papoyo às cinco?

Marcos: Claro.

Theo: Okay, então te vejo lá.

Marcos: Okay, você está realmente bem?

Theo: Sim, está tudo bem.

Ao guardar o celular no bolso Theo sentiu uma lágrima descer pelo seu rosto. Era uma lágrima molhada pelo choro das incertezas. Mas ninguém iria ligar, afinal estava em um velório. Aos olhos alheios ele chorava pela morte da mulher dentro do caixão... e não pela morte do seu próprio sonho.

* * *

Mesmo lendo aquelas palavras — sim, está tudo bem —, Marcos tinha uma sensação de que não estava tudo bem. Ele ficou parado no meio daquela multidão que passava por ele, olhando para aquelas quatro palavras.

Sim, está tudo bem.

Mas por qual motivo Theo estaria mentindo? Eles prometeram que não haveria mentiras ou segredos entre os dois. Mas era realmente o que parecia estar acontecendo ali. Principalmente pela forma estranha e distante que Theo estava agindo desde a manhã após a apresentação. Sentia-se como uma mãe que percebe que seu filho anda acuado e o pergunta se há algo acontecendo, ele responde que não... mas depois ela descobre que ele estava apanhado na escola. Aquilo se chamava omissão de salvamento. As pessoas omitem seus próprios problemas com medo de que eles atinjam as pessoas a sua volta.

Talvez Theo lhe contasse o que estava havendo no encontro dele.

Por isso resolveu não perder tempo e continuou a andar shopping para fazer aquilo o que pretendia fazer desde a conversa que tivera com Elena no carro. Ainda podia se lembrar claramente das palavras dela:

“... Theo passou muito tempo da vida desacreditado do amor... só que na verdade ele é um romântico de carteirinha.”

E foi pensando nisso que ele caminhou até a joalheria.

— Posso ajuda-lo em alguma coisa? — perguntou uma vendedora da loja, que o olhava como se ele não tivesse o direito de estar ali, afinal, a julgar pelas suas roupas de brechó ele não tinha dinheiro para comprar nada ali.

Ah, se ela soubesse que ele tinha dinheiro o suficiente para comprar aquela loja inteira...

Mesmo repudiando aquele comportamento, Marcos sorriu simpaticamente para ela.

— Sim. Eu estava olhando para essas alianças aqui e acabei ficando muito indeciso sobre qual escolher.

— Hum. Diga-me qual é o estilo da sua noiva e eu posso tentar te indicar alguma peça. Garanto que encontraremos algo bem barato.

Qual seria o estilo de Theo para alianças? Algo vintage, certamente. Ou talvez alguma que tivesse o emblema de Hogwarts.

O sorriso de Marcos se alargou.

— Não há nenhuma noiva, é um noivo. E eu vou querer a mais cara que tiver.

* * *

“Geralmente, quando as coisas chegavam tão longe

As pessoas costumavam desaparecer

Ninguém me surpreenderá a menos que você o faça

Eu posso dizer que há algo acontecendo

As horas parecem passar rápido

Todos estão partindo e eu ainda estou com você

Não importa o que façamos

Onde nós iremos também

Nós podemos ficar por aí e viver essa noite”

A melancolia que essa música despertou em Theo foi enquanto ele caminhava pela calçada até o Papoyo foi arrebatadora. Tudo o que ele queria era cair ali na rua e ser pisoteado pelas pessoas que passavam, sentia-se fraco derrotado. Mas não podia. Pois não podia se deixar cair para nunca mais ver o sorriso sonhador de Marcos nunca mais.

Com o rosto fechado, ele caminha e se enfurecia em cada risada ouvida em uma esquina. Como aquelas pessoas conseguiam rir em um dia como aquele? É terrível como a felicidade alheia incomoda aqueles de coração partido.

De fato, a maioria dos dias do ano é comum... Só que aquele não. Aquele seria um dia que ele se lembraria para sempre. Pois naquele dia, em uma praça sobre um céu cinzento de Buenos Aires, ele teria que fazer uma escolha.

E algo muito importante deve ser dito sobre as escolhas: são elas que moldam a vida, e que toda vez que você faz uma escolha, abre mão de alguma coisa. Quando se dá um passo a frente, inevitavelmente alguma coisa fica para trás.


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Notas finais do capítulo

algumas considerações...

a) o capítulo ficou meio "pequeno", mas acho que consegui dizer tudo que precisava sem ficar enchendo linguiça...
b) a primeira citação é do maravilhoso filme 500 dias com Ela
c) a segunda é da música Young Folks ( pare agora o que está fazendo e vá ouvi-la)
d) gostaria de o que acham dos títulos dos capítulos, tento dar um poeta mas tenho medo de ficar meio piegas
e) obrigado, mais uma vez, por ler



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