Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 11
A pessoa mais feliz num raio de cem quilômetros


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo!



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Theodoro Martins era, naquele momento, a pessoa mais infeliz da Via Láctea. Bem, talvez fosse exageiro pensar isso, mas era certamente a pessoa mais infeliz num raio de cem quilômetros.

Tudo começou a dar errado ainda de manhã daquela quinta— feira quando Joel — um dos atores que ajudaria Theo a realizar as vozes da peça — ligou dizendo que não poderia ir mais, por "motivos de saúde". Após uma pequena troca de ofensas, Theo disse que estava tudo bem e que iria arrumar outra pessoa.

Mas não conseguiu. Ligou para vários colegas, mas todos estavam ocupados com os próprios trabalhos e não poderiam ajudá-lo. Teria que se multiplicar em dois para conseguir fazer todas as vozes masculinas. E para completar, o maldito carpinteiro de quem ele havia encomendado o cenário da peça ainda não havia feito a entrega. Theo havia ligado para ele e a filha dele falou que era um feriado islâmico e ele não trabalharia nesse dia. Que maravilha.

Ele achara que já tinha tudo sob controle. No dia anterior havia levado todas as marionetes para a universidade e confirmado todas as músicas com Marcos. Só que de nada iria adiantar as lindas marionetes sem a droga do cenário.

E só faltavam duas malditas horas para a apresentação começar.

Theo sentia-se como se o mundo estivesse caindo em cima dele.

— Fique calmo! Fique calmo! Fique calmo! — repetia esse mantra a si mesmo enquanto andava de um lado para o outro no apartamento.

— Se você ficar nervoso só vai piorar a situação, é normal que aconteça imprevistos.— disse Marcos, que estava sentado no sofá afinando seu violino.T

heo sentou-se e colocou as mãos na cabeça, estava no limiar de cair em completo desespero. Aquela era sua única chance, se ele não se apresentasse, não poderia concluir o seu curso e não se formaria. Sem pressão.

Seu celular tocou, era Elena. Provavelmente se perguntado onde ele estava. Ele não atendeu, não conseguiria lidar com o estado de espírito dela naquele momento.

— A culpa é minha! Eu deveria ter encomendado isso muito antes. Mas como eu ia saber que hoje seria a droga de feriado islâmico?! Eu acho que deveria ir me afogar na banheira, assim iria escapar da humilhação.

— Nós não temos uma banheira.

— Marcos! Me dê uma luz, por favor. O que eu faço agora? Só faltam duas horas e levar uma hora inteira para chegar até lá. Ou seja, estou fodido.

— Eu não sei! Não dá para improvisar um cenário?

— Sim, mas... eu queria que tudo ficasse perfeito Marcos, vai ter olheiros na apresentação. Gente que procura artistas novos, eu queria que meu trabalho chamasse a atenção deles... mas não vou conseguir isso.

Marcos parecia pensativo.

— Até onde você estaria disposto a ir para salvar a sua apresentação? — ele estava com aqula expressão qieis vilões fazem quando estão a ponto de revelar seu grande plano maléfico.

Theo ficou confuso.

— Como assim?

— Você quebraria a lei?

Refletiu sobre essa questão por alguns segundos.

— Quanto tempo de pena caso eu for pego?

— Uns quatro anos.

Quatro anos era o tempo que ele perderia caso não conseguisse se apresentar.

— Tudo bem.

— Pegue tudo o que você vai levar e coloque numa mochila — disse Marcos, já se levantando e guardando o violino. — Ah, pegue uma lanterna e se agasalhe bem.

— Mas não está tão frio.

Marcos deu um sorriso daqueles de quem sabe de uma coisa que o outro não sabia.

— Acredite em mim, você vai precisar de muito agasalho

.Theo se apressou em colocar um suéter cinza de lã por cima de duas camisetas. Passou no banheiro para checar sua aparência: seus cabelos pareciam um ninho após de um furacão, seus olhos estavam mergulhados em olheiras e suas bochechas estavam vermelhas. Ou seja, estava com a sua aparência nornal.

Calçou seu vans verde-limão e passou seu creme de pele sabor baunilha para impedir que o clima polar de Buenos Aires ressecasse a sua pele.

Encontrou Marcos já do lado de fora

.— Isso que vamos fazer tem uma grande probabilidade de dar merda, mas é melhor que ficar parado se lamentando. — disse ele — E acho que é difícil o suficiente para contar como um segundo desafio.

Theo balançou a cabeça, concordando.

Respirou fundo.

Estava pronto.

★ ★ ★

— Você sabe o endereço de lá? — perguntou Marcos, que levava Theo pela mão. Estavam indo em direção aos fundos do minúsculo estacionamento do prédio, onde ficavam guardadas as motos e bicicletas.

— De onde?

— Do carpinteiro.

— Ah, eu sei sim.

— Ótimo.

Eles andavam depressa, quase correndo. Theo sentia o efeito da adrenalina em seu corpo, seu coração estava acelerado e seus sentidos estavam em alertas. Era como estar em um episódio de 24 Horas: uma grande missão a cumprir em pouco tempo.

O estacionamento estava deserto, Theo ficou tenso. Nos filmes, estacionamentos vazios nunca eram um bom sinal.

Marcos soltou a sua mão e foi pegar uma... bicicleta dupla. Era uma daquelas que possuíam dois lugares e dois pedais. "Fofa" era palavra estranha para descrever uma bicicleta, mas aquela ali, de fato, era fofa — e muito hipster. Tinha uma cor azul celeste e uma cestinha na frente, Theo não conseguia visualizar Marcos pedalando nela.

— É sua? — perguntou, com as testas franzidas.

— Não, é da Sra. Peroni do 606. Só que ela nunca usa, nem vai notar que "pegamos emprestado", não se preocupe. E te avisei que essa era uma missão acima da lei. É melhor usarmos ela para escapar do trânsito, para ganharmos tempo.

Ela não saber que eles pegaram sua bicicleta não torna va o ato menos criminoso. Mas naquela noite, Theo não se importava. Era seu diploma que estava em jogo. E afinal, era só uma maldita bicicleta!

— Tudo bem.

— É melhor você ir atrás, ela é pesada e vou ter que sustentar a maior parte do peso.

Marcos levou a bicicleta até a saída e firmou-a no chão para Theo subir. Depois ele mesmo subiu.

— Está pronto? — perguntou ele, sem conseguir disfarçar a animação em sua voz.

— Estou.

— Segure firme no guidão e não faça movimentos bruscos ou nós dois caímos, deixe que eu conduzo.

— Okay. Pode ir.

Os dois começaram a pedalar. Demoraram um pouco para conseguirem sincronizar as suas pedaladas — Theo, com suas pernas curtas e finas, tinha que fazer muito esforço para isso. Theo sentiu dores em músculos que ele nem sabia que existiam. Provavelmente eram seus ossos que doíam.

Ele fato precisou daquele agasalho todo, o vento frio que ia de encontro à eles era de fazer os queixos baterem.

Percebeu no quão bizarra era aquela cena: dois garotos, um grande e outro pequeno, pedalando juntos em uma bicicleta. Casais normais andavam em motocicletas, mas, afinal, que graça havia em ser um casal normal?

Tiveram que manter uma velocidade moderada para conseguirem fazer as curvas das ruas. O bairro deles possuía ruas estreitas e numerosas que tinham uma aparência labiríntica, parecia um grande Beco Diagonal. Puderam acelerar quando chegaram na Avenida de Mayo, onde havia bastante espaço e ali não era permitido carros.

Não demorou muito para o seu físico de um pequeno roedor começar a cansado. Sua mochila parecia cada vez mais pesada. Porém, continuou pedalando. Precisava conseguir o cenário para a sua peça e, além disso, precisava conseguir dar a Marcos a oportunidade de vencer um desafio.

Finalmente chegaram na lojinha do carpinteiro. Era um bairro comercial que ficava próximo de um ponto turístico, era uma rua cheia de butiques e pequenos restaurantes.

Foi um pouco complicado "estacionar" a bicicleta, desta vez Theo teve que descer primeiro para ela não cair.O lugar estava todo escuro, não havia nem postes de iluminação pública por perto. Theo tirou a lanterna da mochila para conseguir enxergar a entrada. Na porta da loja tinha uma plaquinha escrito "fechado".

— Theo — chamou Marcos a seu lado — Fique aqui vigiando. Se aparecer alguém ou se algum alarme tocar, saia correndo que eu te alcanço depois. E qualquer coisa é só dar um grito. Me empresta a lanterna.

— O que você vai fazer?

— Vou dar a volta e tentar arrombar a porta dos fundos.

— E você sabe fazer isso? — aquilo era uma habilidade que só se via em filmes.

— Sei.

Theo entregou-lhe a lanterna e se despediu com um roçar de lábios.O momento que ficou ali no escuro pareceram séculos. Vez ou outra ele pensou ter ouvido alguma coisa, e tinha a impressão de estar sendo observado. Começou a cantar mentalmente uma música infantil para se acalmar.

Foi um alívio quando Marcos finalmente abriu a porta da frente que, graças aos deuses, não tinha nenhum alarme.

— Vem! — chamou Marcos.

Theo entrou e encontrou um ambiente abafado que cheirava a produto de limpeza e madeira velha. As sombras projetadas pelo feixe de luz da lanterna fazia das peças da loja tinham uma aparência assustadora.

— Fique aqui vigiando enquanto eu vou lá nos fundos procurar — disse Theo.

Passeou por entre as estantes cheias de objetos como bonecos, suportes para livros e carrinhos de brinquedo. Foi fácil achar o seu cenário, ele era do tamanho de uma televisão de sessenta polegadas, era pintado de forma que parecesse com o interior de um castelo vitoriano, como aquele do Drácula nas HQ's do Van Helsing, tinha uma abertura para que as telas pintadas por Theo serem colocadas, elas seriam como o "chroma key" do cenário.

Ele chamou Marcos para ajudá-lo a pegar o cenário e pegou dinheiro na carteira para deixar sobre o balcão, não pretendia pagar o carpinteiro, estava puto demais com ele para isso, mas resolveu após ver que ele fizera um bom trabalho.

— Theo?

— Sim?

— Acho que esquecemos de um detalhe importante.

— Qual?Marcos apontou para o cenário.

— Isso não vai caber na bicicleta.Que merda!— O quem vamos fazer? Chamamos um táxi?

Marcos olhou no relógio.

— Vamos tentar, mas não sei se vai dar tempo.

Ai meu Deus.

— E o que fazemos com a bicicleta?

— Que se foda!

— Então tá.

Eles pegaram o cenário e saíram arrastando-o porta afora. Theo voltou para fechar a loja, torcendo para que carpinteiro não se importasse muito com aquela "visita" noturna.

Chamaram o táxi.

Faltavam meia hora para a apresentação.

Theo começou a contar os segundos, desejando possuir um vira-tempo ali com ele, assim conseguira chegar a tempo.

Tic.

Tac.

Tic.

Tac.

Finalmente o táxi chegou. Os dois praticamente pularam dentro do carro.Theo se inclinou para se aproximar do motorista.

— Chegue na Universidade de Buenos Aires em vinte minutos e eu lhe dou cem pratas.Isso foi como apertar o botão de "nitro" em um jogo de carros de video game.

★ ★ ★

Graças aos deuses da luz, eles conseguiram chegar a tempo. Theo sentia-se como um maratonista cruzando a linha de chegada.Correram para o anfiteatro da universidade, onde aconteceria as apresentações. O lugar tinha uma arquitetura que misturava um estilo barroco e moderno. Estava lotado, cheio de alunos, professores, familiares e até alguns jornalistas.

Avistou Elena de longe — era impossível não notá-la com aquele casaco de plumas cor de rosa, que estava por cima de num terninho branco. Ela havia sido irritantemente misteriosa sobre o seu trabalho, mas Theo desconfiava que envolveria uma performance de arte corporal.

Foram para os bastidores, onde encontrou Lúcia, que faria as vozes femininas da peça e estava com a caixa com as marionetes. Os organizadores já estavam definindo a ordem das apresentações. Havia pessoas fantasiadas, carregando quadros pintados — Theo tinha penas desses, pois teriam que explicar todo o conceito de suas obras, e só de pensar em falar em público, ele já sentia um calafrio, por isso escolhera no anonimato por trás de duas cortinas.

— Ufa! —exclamou Marcos, que estava colocando a mochila com o violino no chão. — Mais um desafio. Você já pode começar a planejar a cerimônia, vai levar menos tempo do que pensei.

Theo praticamente o atropelou, beijando-o com a força de uma leoa que ataca para proteger seus filhotes. Todos ao redor estranharam a cena. Mas ele não dava a mínima — pois, como o narrador de Meninas Superpoderosas costumava dizer: mais um dia estava salvo.

Theo não tinha palavras para descrever o alívio que estava sentindo.Ele era, naquele momento, a pessoa mais feliz da Via Láctea. Bem, talvez fosse exageiro pensar isso, mas era certamente a pessoa mais feliz num raio de cem quilômetros.


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Notas finais do capítulo

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