O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente
Retirei-me, indo ao encontro dos repórteres, que, apesar de em menos número, continuavam de plantão na entrada do Incor.
— Willian — chamou um deles. — Dá pra falar sobre Regis?
— Eu não! — neguei. — Mas tenho algo melhor! Regis está muito bem e quer falar com um de vocês! Só que precisamos de um acordo. Apenas um repórter e um operador de câmera podem entrar e se comprometer a distribuir a entrevista entre os outros.
— Eu me comprometo a distribuir a gravação! — disse o repórter.
— Se todos confiarem em você, podemos ir!
Como os demais repórteres concordaram, entramos para o apartamento de Regis. Pinduca já não estava e sim, João Batista.
— Bom dia João! — cumprimentei-o. — Pinduca já foi?
— Foi pra praia! — afirmou Regis.
— Aqui está o repórter e o câmera, Regis.
— Oi! — disse o pequeno. — Posso falar com as pessoas?
— As pessoas querem ouvir você! — animou-se o repórter.
A câmera foi ligada e o repórter iniciou:
— Pela primeira vez, desde o trágico incidente, estamos aqui no apartamento de Regis, no hospital, onde ele, já em estado de saúde bem melhor, concordou em falar conosco.
Aproximou-se de Regis e perguntou:
— Como você está se sentindo agora? Após passar diversos dias em estado complicado de saúde?
— Estou muito bem! Estou me recuperando rápido, graças aos pedidos de oração, que todas as pessoas fizeram a Deus por mim!
— Você acredita que as orações ajudaram em sua rápida recuperação?
— Eu sou um menino feliz! Tenho milhões de amigos! E quando esses amigos ficaram sabendo o que ocorrera comigo, se juntaram e pediram a Deus que me socorresse e Ele, me socorreu com certeza! Acho que sua caixa postal ficou lotada e Ele não teve como adiar.
— E os médicos, Regis?!
— A equipe de médicos do doutor Hernandes foi muito hábil na minha cirurgia. Eu assisti minha cirurgia e vi. Meu coração foi cortado pela faca! Doutor Hernandes disse que ninguém pode sobreviver, com o coração cortado por uma faca.
— Você acredita ter sido um milagre?
— Milhões de pessoas, de todas as religiões, pediram por mim! Eu fui pro outro lado da vida. É um lugar bonito, limpo... não há calor, nem frio... e nem tristezas. Mas um anjo me mandou voltar! Disse que eu precisava ficar aqui!
— O que os médicos falam sobre esse tal milagre?
— Quase não falam! Mas concordam que com o coração partido ninguém pode sobreviver! Eles planejavam fazer um transplante em mim. Mas para isso alguém teria que morrer em meu lugar! Não é verdade?
— Você tem algo a dizer sobre isso?
— Só quero agradecer a todos meus amigos. Todos aqueles que pediram por mim! E mesmo os que não pediram, mas acompanharam meu drama. Quero mandar um beijo de muita gratidão e dizer que amo a cada um… — pensou um pouco, depois prosseguiu. — Artista sempre diz, eu amo a todos. Da boca pra fora… mas eu não posso ser assim. Eu amo a todos, de verdade! Do fundo de meu coração... alma. Não é de meu coração cortado pela faca.
— Como está seu ferimento, hoje?
Regis baixou o lençol que cobria seu peito e disse:
— Pode ver você mesmo!
O operador de câmera focalizou de perto a cirurgia no peito de Regis e o repórter insinuou:
— O ferimento já está em estado adiantado de cicatrização.
Percebendo que o menino estava se cansando muito e seu coração batia acelerado, fiz sinal para o repórter, apontando o aparelho que media suas pulsações e pedi que encerrasse a entrevista. Ele, educadamente atendeu meu pedido e não fez mais perguntas. A câmera foi desligada e eu emendei:
— Ele não pode se cansar muito! Nem se emocionar!
— Amanhã eu falarei mais! — concordou o menino.
— Obrigado pela entrevista e continuaremos torcendo por você! — agradeceu o repórter.
— Diga aos outros repórteres que agradeço o apoio, só que não posso falar com todos! — alegou o menino.
— Eles entendem! — disse o repórter. — Esta gravação será compartilhada entre todos!
— Obrigado! — riu o menino.
Permaneci no hospital até às dez horas da noite, quando o senhor Pedro chegou para dormir com Regis. Naquele dia, praticamente todos os componentes de nossa equipe passaram por lá, onde Jardel e Lucas resolveram dormir no ônibus.
Só retornei ao hospital, quase dez horas da noite seguinte, pois segundo a nossa escala era a minha vez de passar a noite com Regis.
Quando entrei em seu apartamento, ele estava deitado, acompanhado por Lucas e Marcos César.
— Só agora, Willian? — cobrou ele, com voz brava. — Não deu pra vir antes?
— Precisei fazer umas compras lá pra casa. Não tinha nem açúcar pra fazer café!
— Desde ontem!? — reclamou ele. — Compra difícil!
— Vocês ficam brigando aí, que nós vamos embora! — alegou Lucas.
Despediram-se, indo para suas casas, deixando a chave do ônibus comigo, pois ninguém passaria a noite nele.
— Como está meu menininho ferido? — perguntei-lhe.
— Triste! — alegou ele. — Eu queria que você estivesse aqui comigo!
— Fico feliz em saber que você quer minha companhia! Fico até exibido!
— Eu sei! Você é meu companheiro! A gente está sempre junto! Mas desde ontem sem vir?!
— Como vai seu coração ferido?
— Só dói um pouquinho! Tá quase sarando! O anjo prometeu me curar. Lembra?
— Claro! — concordei, meio duvidoso.
— E você ainda não se defendeu! Desde ontem sem aparecer!
Dei-lhe um beijo na testa, pedindo:
— Desculpe-me!
— Agora vou dormir! — disse ele. — Você apaga a luz?
Apaguei a luz e deitei-me na outra cama que ficava no mesmo apartamento. Ele dormiu rapidamente e eu, não sei por que, não conseguia dormir em hospitais e como da outra vez, acabei assistindo a todas as horas daquela noite, praticamente sem pregar os olhos.
Levantei-me daquela cama dura cansado, antes das sete horas, fui ao banheiro, lavei o rosto e a boca. Não havia trazido escova dental.
O menino dormiu a noite toda sem problemas e acordou pouco depois das sete horas, me chamando:
— Willian, me ajude a levantar.
Ajudei-o a sair da cama, desliguei o cabo do aparelho que media seu coração e o levei até o banheiro, deixando-o sozinho, respeitando assim sua privacidade.
Em dez minutos, me pediu para buscá-lo, onde, sozinho, já havia inclusive escovado os dentes e lavado o rosto. Passei um pente em seus cabelos e o coloquei na poltrona. Seu tórax continuava sem faixas e ele, para evitar qualquer incidente não usava camiseta.
Antes das oito horas, uma enfermeira serviu um delicioso e nutritivo café da manhã para Regis, que depois de me oferecer e eu negar, devorou tudo com apetite de leão. Fazia dias que ele não se alimentava decentemente.
Pouco depois das nove horas, o senhor Pedro, dona Odete e Tony, entraram e foram abraçar o filho, que continuava sentado.
— Agora que vocês chegaram, vou pra casa descansar um pouco. Não consegui dormir a noite toda!
— Por quê? Aconteceu alguma coisa? — perguntou-me o senhor Pedro.
— Não! Regis dormiu a noite toda! Só eu que não dormi!
— Você não vai embora não Willian! — negou Regis. — Vai me esperar! Vou embora hoje! Lembra!?
Abaixei-me diante dele e disse-lhe com certa preocupação:
— Regis, não fique esperando isso! Hoje é folga do doutor Hernandes e talvez ele nem venha ao hospital! Vai que você espera ele te dar alta e ele nem apareça por aqui! Você vai se decepcionar! Quem sabe amanhã!
— Ele vem aqui! Vai me dar alta! E eu vou embora hoje! — disse com muita convicção meu amiguinho.
— Está bem! — concordei, olhando para o senhor Pedro. — Vou tomar um café no bar e vou dormir um pouco no ônibus! Quando eu acordar, volto aqui!
— Não vai demorar!
Dei um sorriso e me retirei.
Estava preocupado, pois ele tinha tanta certeza que deixaria o hospital, que dava vontade procurar o doutor Hernandes e pedir esse favor a ele; caso contrário, Regis, que é sempre fiel a Deus, poderia se decepcionar com seu acreditado milagre e vir afetar a sua crença futura.
Como combinado, tomei um pingado (café com leite) acompanhado por pão com manteiga na chapa, numa padaria próxima e fui para o ônibus, onde consegui escovar os dentes e me deitar, para tentar dormir.
Acordei quase ao meio dia, ouvindo o diálogo entre Charles e Pinduca.
Levantei-me e acompanhado por eles retornei ao hospital, onde parecia que todos sabiam da provável alta de nosso amiguinho, pois havia mais repórteres do que de costume e toda nossa equipe, inclusive o professor e o motorista do ônibus, além de muitos fãs, os quais Regis chamava de amigos, estavam presentes.
— Quem está com Regis? — perguntei a Daniel.
— Os pais dele e João Batista.
— E Tony? — perguntei.
— Também está lá!
— Alguma novidade?
— Não!
— Vocês entraram lá?
— Um pouco cada um! Quer ir lá, pode ir!
— Já tem quatro lá! — insinuei.
— Tony não conta! — considerou Daniel.
Em alguns minutos, Tony e sua mãe saíram, então, acompanhado por Marcos César, entrei. Regis havia acabado de almoçar e seu pai estava colocando-o na cama.
— Agora que vocês chegaram vou sair um pouco — alegou João Batista se aproximando do menino. — Sare logo meu canarinho!
— Tá com saudade de seus gracejos comigo? — ironizou Regis.
— Você é meu machinho predileto!
— Nem to conseguindo mais depenar o sabiá! — falou em voz baixa devagar.
— Deve tá ficando cheio de teias de aranha!
— O senhor não quer limpar pra mim?
— Sai fora! — protestou o produtor.
— Só uma massaginha! — franziu o nariz, o menino.
— Parem com essa briga pornográfica! —reclamei.
— Nossas brigas são de amor... — ironizou Regis.
João Batista, visivelmente emocionado, se retirou.
— Descansou bastante? — perguntou-me Regis.
— O suficiente.
Quinze minutos depois, embora sem uniforme de médico, entrou o doutor Hernandes, que seguiu direto a Regis, perguntando:
— Como está meu paciente predileto?
— Muito bem! — disse o menino, com ar de sorriso.
— E esse coraçãozinho partido?
— Quase bom!
— Vamos pra casa?! — disse o médico com certa euforia.
— Jura!? — entusiasmou-se o menino.
— É o que você quer! Não é?
— Claro!
— Mas veja lá! Vou deixar você ir pra casa, mas com um monte de condições! Topa?
— Todas! — aceitou Regis, prontamente. — Pode falar!
— Repouso absoluto! Nada de esforços! Alimentação do jeito que tiver em seu cardápio especial! Visitar-me duas vezes por semana! Não assistir programas de televisão, que inspira sua emoção e outras coisinhas que ainda vou lembrar!
— Aceitamos tudo! Não é papai?
— Com certeza! — concordou o senhor Pedro.
— Então podem se preparar! — disse o médico. — Depois passam em minha sala, que vou providenciar o papel da alta.
Doutor Hernandes se retirou, Regis pediu para descê-lo da cama, fez questão de feliz, abraçar a todos nós que estávamos ali com ele e tratou de se trocar direitinho, inclusive vestindo camiseta. Queria ficar bonito, para não dar má impressão aos jornalistas que estavam lá fora. Enquanto isso, eu e Marcos César seguimos para a sala de estar e avisamos a todos da decisão do médico. Pedi a Juliano para levar o ônibus embora e a João Batista para comunicar a decisão para a imprensa, então retornei ao apartamento com dona Odete e Tony. Regis e seu pai já estavam prontos para irmos embora, então seguimos à sala do doutor Hernandes.
Uma enfermeira pediu que esperasse que ela fosse verificar se ele nos receberia e como a resposta foi sim, entramos. Ele estava sentado atrás de sua mesa, em uma bonita sala climatizada e quase escura, destacada apenas por dois pequenos holofotes nas paredes.
— Pronto pra ir pra casa? — perguntou o doutor, rindo.
— Estou! — disse Regis, em leve sorriso.
Naquele instante, seus olhos se voltaram para um quadro grande na parede, com a foto de um senhor já grisalho. Então, apontando para a foto, ele disse ao doutor Hernandes:
— Era ele… O outro médico de sua equipe… O médico que não usava máscara.
Doutor Hernandes se levantou, caminhou até Regis e disse com os olhos marejados:
— Ele é um excelente médico… cardiologista… meu pai, Luís Hernandes. Mas ele não poderia estar… — Doutor Hernandes sentia forte emoção, se demonstrando trêmulo. —... No dia de sua cirurgia, Regis.
— Ele estava lá! Foi ele quem orientou o senhor e os outros médicos! Eu assisti tudo! Lembra?
— Meu pai faleceu... Está fazendo dois anos... Regis.
Doutor Hernandes continuava com os olhos cheios de lágrimas. Depois daquela conversa, eu e os pais de Regis, também. O menino, porém, mantinha um sorriso bonito estampado no rosto e os olhos fixos na fotografia.
Por alguns segundos ninguém disse mais nada, depois o próprio Regis pediu:
— Não chorem, pois eu não posso me emocionar. Lembra?
Doutor Hernandes abraçou o menino e ainda emocionado disse:
— Não é à toa que você é meu paciente especial!
Regis beijou o rosto de seu medico e então, segurando as mãos de sua mãe, se retirou. O senhor Pedro e Tony os acompanharam. Eu permaneci com o médico, que olhando a foto de seu pai, ainda me disse:
— De qualquer forma, acho que meu pai continua comigo. Estou convencido de que a cura milagrosa de Regis se deva principalmente a ele!
— Eu não tenho dúvidas! — insinuei com sinceridade.
— Por outro lado, seu menino tem algo de Divino! Lapide-o bem!
— É ele quem lapida a gente, doutor! — fui incisivo. — Obrigado por trazê-lo de volta a nós!
Segui para a saída do hospital.
Devido o grande número de admiradores e repórteres, nossa equipe resolveu criar uma proteção, para levarmos Regis até o carro do senhor Pedro, que já aguardava no hall de saída.
Mesmo sem falar com ninguém, Regis agradeceu com acenos e gestos o máximo que pode. As pessoas aplaudiram de leve a sua atitude e ele colocou o dedo indicador na boca como a dizer: “silêncio, estamos em um hospital” e então, seguimos até o centro de São Paulo, onde eles residiam.
Em sua casa, Regis se acomodara no mesmo dormitório em que repartia com o caçulinha Tony. Mas não se limitava em permanecer o tempo todo por ali. Pelo contrário, passava a maior parte do tempo na sala, brincando normalmente com o irmão e assistindo televisão.
Eu, além de muitos repórteres, o visitavam todos os dias e na segunda feira fui com ele e seu pai, que ainda continuava magoado comigo, ao encontro do doutor Hernandes, que nos atendeu com rapidez e o examinou com muito cuidado, depois disse:
— Pode vestir a camisa. Chega de exibir seu físico.
Regis fez gesto com os músculos, forçando seus bíceps e insinuou:
— Belo físico sem exercícios! Vou voltar às minhas atividades!
— Vai demorar! — caçoou o médico.
— Estou mau assim?
— Sua recuperação está fantástica!
— Tive grandes médicos em meu tratamento, doutor!
— Quero uma foto sua pra deixar em minha mesa — pediu rindo o médico.
— Todas as que o senhor quiser! Não tenho como pagar o que o senhor fez por mim! Serei eternamente agradecido e jamais me esquecerei do senhor! Nem do doutor Marcelo e José Henrique e de todos deste hospital.
Seguiu até a foto da parede e disse:
— E principalmente de seu pai e de um anjo que me trouxe de volta.
Voltou-se ao médico:
— Já ouviu minhas músicas, doutor?
— Posso ser sincero com você? — abaixou-se diante do menino. — Acho você meu paciente predileto. É importante, é bom e é muito famoso! O batalhão de gente que não arredavam pé deste hospital enquanto você esteve aqui, demonstra isso. Não quero magoá-lo, mas ser sincero! Não gosto do estilo de música que você canta!
Regis, sendo criança, parece ter se sentido magoado. O médico prosseguiu:
— Nada pessoal. Pela sua fama, você com certeza canta muito bem! É que gosto de outro tipo de música!
— Qual? — perguntou incrédulo o menino.
— Só curto músicas clássicas e internacionais!
— Se é assim — riu ele. — Em meu próximo disco vou gravar uma especialmente pro senhor.
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