O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 37
O outro médico.




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Retirei-me, indo ao encontro dos repórteres, que, apesar de em menos número, continuavam de plantão na entrada do Incor.

— Willian — chamou um deles. — Dá pra falar sobre Regis?

— Eu não! — neguei. — Mas tenho algo melhor! Regis está muito bem e quer falar com um de vocês! Só que precisamos de um acordo. Apenas um repórter e um operador de câmera podem entrar e se comprometer a distribuir a entrevista entre os outros.

— Eu me comprometo a distribuir a gravação! — disse o repórter.

— Se todos confiarem em você, podemos ir!

Como os demais repórteres concordaram, entramos para o apartamento de Regis. Pinduca já não estava e sim, João Batista.

— Bom dia João! — cumprimentei-o. — Pinduca já foi?

— Foi pra praia! — afirmou Regis.

— Aqui está o repórter e o câmera, Regis.

— Oi! — disse o pequeno. — Posso falar com as pessoas?

— As pessoas querem ouvir você! — animou-se o repórter.

A câmera foi ligada e o repórter iniciou:

— Pela primeira vez, desde o trágico incidente, estamos aqui no apartamento de Regis, no hospital, onde ele, já em estado de saúde bem melhor, concordou em falar conosco.

Aproximou-se de Regis e perguntou:

— Como você está se sentindo agora? Após passar diversos dias em estado complicado de saúde?

— Estou muito bem! Estou me recuperando rápido, graças aos pedidos de oração, que todas as pessoas fizeram a Deus por mim!

— Você acredita que as orações ajudaram em sua rápida recuperação?

— Eu sou um menino feliz! Tenho milhões de amigos! E quando esses amigos ficaram sabendo o que ocorrera comigo, se juntaram e pediram a Deus que me socorresse e Ele, me socorreu com certeza! Acho que sua caixa postal ficou lotada e Ele não teve como adiar.

— E os médicos, Regis?!

— A equipe de médicos do doutor Hernandes foi muito hábil na minha cirurgia. Eu assisti minha cirurgia e vi. Meu coração foi cortado pela faca! Doutor Hernandes disse que ninguém pode sobreviver, com o coração cortado por uma faca.

— Você acredita ter sido um milagre?

— Milhões de pessoas, de todas as religiões, pediram por mim! Eu fui pro outro lado da vida. É um lugar bonito, limpo... não há calor, nem frio... e nem tristezas. Mas um anjo me mandou voltar! Disse que eu precisava ficar aqui!

— O que os médicos falam sobre esse tal milagre?

— Quase não falam! Mas concordam que com o coração partido ninguém pode sobreviver! Eles planejavam fazer um transplante em mim. Mas para isso alguém teria que morrer em meu lugar! Não é verdade?

— Você tem algo a dizer sobre isso?

— Só quero agradecer a todos meus amigos. Todos aqueles que pediram por mim! E mesmo os que não pediram, mas acompanharam meu drama. Quero mandar um beijo de muita gratidão e dizer que amo a cada um… — pensou um pouco, depois prosseguiu. — Artista sempre diz, eu amo a todos. Da boca pra fora… mas eu não posso ser assim. Eu amo a todos, de verdade! Do fundo de meu coração... alma. Não é de meu coração cortado pela faca.

— Como está seu ferimento, hoje?

Regis baixou o lençol que cobria seu peito e disse:

— Pode ver você mesmo!

O operador de câmera focalizou de perto a cirurgia no peito de Regis e o repórter insinuou:

— O ferimento já está em estado adiantado de cicatrização.

Percebendo que o menino estava se cansando muito e seu coração batia acelerado, fiz sinal para o repórter, apontando o aparelho que media suas pulsações e pedi que encerrasse a entrevista. Ele, educadamente atendeu meu pedido e não fez mais perguntas. A câmera foi desligada e eu emendei:

— Ele não pode se cansar muito! Nem se emocionar!

— Amanhã eu falarei mais! — concordou o menino.

— Obrigado pela entrevista e continuaremos torcendo por você! — agradeceu o repórter.

— Diga aos outros repórteres que agradeço o apoio, só que não posso falar com todos! — alegou o menino.

— Eles entendem! — disse o repórter. — Esta gravação será compartilhada entre todos!

— Obrigado! — riu o menino.

Permaneci no hospital até às dez horas da noite, quando o senhor Pedro chegou para dormir com Regis. Naquele dia, praticamente todos os componentes de nossa equipe passaram por lá, onde Jardel e Lucas resolveram dormir no ônibus.

Só retornei ao hospital, quase dez horas da noite seguinte, pois segundo a nossa escala era a minha vez de passar a noite com Regis.

Quando entrei em seu apartamento, ele estava deitado, acompanhado por Lucas e Marcos César.

— Só agora, Willian? — cobrou ele, com voz brava. — Não deu pra vir antes?

— Precisei fazer umas compras lá pra casa. Não tinha nem açúcar pra fazer café!

— Desde ontem!? — reclamou ele. — Compra difícil!

— Vocês ficam brigando aí, que nós vamos embora! — alegou Lucas.

Despediram-se, indo para suas casas, deixando a chave do ônibus comigo, pois ninguém passaria a noite nele.

— Como está meu menininho ferido? — perguntei-lhe.

— Triste! — alegou ele. — Eu queria que você estivesse aqui comigo!

— Fico feliz em saber que você quer minha companhia! Fico até exibido!

— Eu sei! Você é meu companheiro! A gente está sempre junto! Mas desde ontem sem vir?!

— Como vai seu coração ferido?

— Só dói um pouquinho! Tá quase sarando! O anjo prometeu me curar. Lembra?

— Claro! — concordei, meio duvidoso.

— E você ainda não se defendeu! Desde ontem sem aparecer!

Dei-lhe um beijo na testa, pedindo:

— Desculpe-me!

— Agora vou dormir! — disse ele. — Você apaga a luz?

Apaguei a luz e deitei-me na outra cama que ficava no mesmo apartamento. Ele dormiu rapidamente e eu, não sei por que, não conseguia dormir em hospitais e como da outra vez, acabei assistindo a todas as horas daquela noite, praticamente sem pregar os olhos.

Levantei-me daquela cama dura cansado, antes das sete horas, fui ao banheiro, lavei o rosto e a boca. Não havia trazido escova dental.

O menino dormiu a noite toda sem problemas e acordou pouco depois das sete horas, me chamando:

— Willian, me ajude a levantar.

Ajudei-o a sair da cama, desliguei o cabo do aparelho que media seu coração e o levei até o banheiro, deixando-o sozinho, respeitando assim sua privacidade.

Em dez minutos, me pediu para buscá-lo, onde, sozinho, já havia inclusive escovado os dentes e lavado o rosto. Passei um pente em seus cabelos e o coloquei na poltrona. Seu tórax continuava sem faixas e ele, para evitar qualquer incidente não usava camiseta.

Antes das oito horas, uma enfermeira serviu um delicioso e nutritivo café da manhã para Regis, que depois de me oferecer e eu negar, devorou tudo com apetite de leão. Fazia dias que ele não se alimentava decentemente.

Pouco depois das nove horas, o senhor Pedro, dona Odete e Tony, entraram e foram abraçar o filho, que continuava sentado.

— Agora que vocês chegaram, vou pra casa descansar um pouco. Não consegui dormir a noite toda!

— Por quê? Aconteceu alguma coisa? — perguntou-me o senhor Pedro.

— Não! Regis dormiu a noite toda! Só eu que não dormi!

— Você não vai embora não Willian! — negou Regis. — Vai me esperar! Vou embora hoje! Lembra!?

Abaixei-me diante dele e disse-lhe com certa preocupação:

— Regis, não fique esperando isso! Hoje é folga do doutor Hernandes e talvez ele nem venha ao hospital! Vai que você espera ele te dar alta e ele nem apareça por aqui! Você vai se decepcionar! Quem sabe amanhã!

— Ele vem aqui! Vai me dar alta! E eu vou embora hoje! — disse com muita convicção meu amiguinho.

— Está bem! — concordei, olhando para o senhor Pedro. — Vou tomar um café no bar e vou dormir um pouco no ônibus! Quando eu acordar, volto aqui!

— Não vai demorar!

Dei um sorriso e me retirei.

Estava preocupado, pois ele tinha tanta certeza que deixaria o hospital, que dava vontade procurar o doutor Hernandes e pedir esse favor a ele; caso contrário, Regis, que é sempre fiel a Deus, poderia se decepcionar com seu acreditado milagre e vir afetar a sua crença futura.

Como combinado, tomei um pingado (café com leite) acompanhado por pão com manteiga na chapa, numa padaria próxima e fui para o ônibus, onde consegui escovar os dentes e me deitar, para tentar dormir.

Acordei quase ao meio dia, ouvindo o diálogo entre Charles e Pinduca.

Levantei-me e acompanhado por eles retornei ao hospital, onde parecia que todos sabiam da provável alta de nosso amiguinho, pois havia mais repórteres do que de costume e toda nossa equipe, inclusive o professor e o motorista do ônibus, além de muitos fãs, os quais Regis chamava de amigos, estavam presentes.

— Quem está com Regis? — perguntei a Daniel.

— Os pais dele e João Batista.

— E Tony? — perguntei.

— Também está lá!

— Alguma novidade?

— Não!

— Vocês entraram lá?

— Um pouco cada um! Quer ir lá, pode ir!

— Já tem quatro lá! — insinuei.

— Tony não conta! — considerou Daniel.

Em alguns minutos, Tony e sua mãe saíram, então, acompanhado por Marcos César, entrei. Regis havia acabado de almoçar e seu pai estava colocando-o na cama.

— Agora que vocês chegaram vou sair um pouco — alegou João Batista se aproximando do menino. — Sare logo meu canarinho!

— Tá com saudade de seus gracejos comigo? — ironizou Regis.

— Você é meu machinho predileto!

— Nem to conseguindo mais depenar o sabiá! — falou em voz baixa devagar.

— Deve tá ficando cheio de teias de aranha!

— O senhor não quer limpar pra mim?

— Sai fora! — protestou o produtor.

— Só uma massaginha! — franziu o nariz, o menino.

— Parem com essa briga pornográfica! —reclamei.

— Nossas brigas são de amor... — ironizou Regis.

João Batista, visivelmente emocionado, se retirou.

— Descansou bastante? — perguntou-me Regis.

— O suficiente.

Quinze minutos depois, embora sem uniforme de médico, entrou o doutor Hernandes, que seguiu direto a Regis, perguntando:

— Como está meu paciente predileto?

— Muito bem! — disse o menino, com ar de sorriso.

— E esse coraçãozinho partido?

— Quase bom!

— Vamos pra casa?! — disse o médico com certa euforia.

— Jura!? — entusiasmou-se o menino.

— É o que você quer! Não é?

— Claro!

— Mas veja lá! Vou deixar você ir pra casa, mas com um monte de condições! Topa?

— Todas! — aceitou Regis, prontamente. — Pode falar!

— Repouso absoluto! Nada de esforços! Alimentação do jeito que tiver em seu cardápio especial! Visitar-me duas vezes por semana! Não assistir programas de televisão, que inspira sua emoção e outras coisinhas que ainda vou lembrar!

— Aceitamos tudo! Não é papai?

— Com certeza! — concordou o senhor Pedro.

— Então podem se preparar! — disse o médico. — Depois passam em minha sala, que vou providenciar o papel da alta.

Doutor Hernandes se retirou, Regis pediu para descê-lo da cama, fez questão de feliz, abraçar a todos nós que estávamos ali com ele e tratou de se trocar direitinho, inclusive vestindo camiseta. Queria ficar bonito, para não dar má impressão aos jornalistas que estavam lá fora. Enquanto isso, eu e Marcos César seguimos para a sala de estar e avisamos a todos da decisão do médico. Pedi a Juliano para levar o ônibus embora e a João Batista para comunicar a decisão para a imprensa, então retornei ao apartamento com dona Odete e Tony. Regis e seu pai já estavam prontos para irmos embora, então seguimos à sala do doutor Hernandes.

Uma enfermeira pediu que esperasse que ela fosse verificar se ele nos receberia e como a resposta foi sim, entramos. Ele estava sentado atrás de sua mesa, em uma bonita sala climatizada e quase escura, destacada apenas por dois pequenos holofotes nas paredes.

— Pronto pra ir pra casa? — perguntou o doutor, rindo.

— Estou! — disse Regis, em leve sorriso.

Naquele instante, seus olhos se voltaram para um quadro grande na parede, com a foto de um senhor já grisalho. Então, apontando para a foto, ele disse ao doutor Hernandes:

— Era ele… O outro médico de sua equipe… O médico que não usava máscara.

Doutor Hernandes se levantou, caminhou até Regis e disse com os olhos marejados:

— Ele é um excelente médico… cardiologista… meu pai, Luís Hernandes. Mas ele não poderia estar… — Doutor Hernandes sentia forte emoção, se demonstrando trêmulo. —... No dia de sua cirurgia, Regis.

— Ele estava lá! Foi ele quem orientou o senhor e os outros médicos! Eu assisti tudo! Lembra?

— Meu pai faleceu... Está fazendo dois anos... Regis.

Doutor Hernandes continuava com os olhos cheios de lágrimas. Depois daquela conversa, eu e os pais de Regis, também. O menino, porém, mantinha um sorriso bonito estampado no rosto e os olhos fixos na fotografia.

Por alguns segundos ninguém disse mais nada, depois o próprio Regis pediu:

— Não chorem, pois eu não posso me emocionar. Lembra?

Doutor Hernandes abraçou o menino e ainda emocionado disse:

— Não é à toa que você é meu paciente especial!

Regis beijou o rosto de seu medico e então, segurando as mãos de sua mãe, se retirou. O senhor Pedro e Tony os acompanharam. Eu permaneci com o médico, que olhando a foto de seu pai, ainda me disse:

— De qualquer forma, acho que meu pai continua comigo. Estou convencido de que a cura milagrosa de Regis se deva principalmente a ele!

— Eu não tenho dúvidas! — insinuei com sinceridade.

— Por outro lado, seu menino tem algo de Divino! Lapide-o bem!

— É ele quem lapida a gente, doutor! — fui incisivo. — Obrigado por trazê-lo de volta a nós!

Segui para a saída do hospital.

Devido o grande número de admiradores e repórteres, nossa equipe resolveu criar uma proteção, para levarmos Regis até o carro do senhor Pedro, que já aguardava no hall de saída.

Mesmo sem falar com ninguém, Regis agradeceu com acenos e gestos o máximo que pode. As pessoas aplaudiram de leve a sua atitude e ele colocou o dedo indicador na boca como a dizer: “silêncio, estamos em um hospital” e então, seguimos até o centro de São Paulo, onde eles residiam.

Em sua casa, Regis se acomodara no mesmo dormitório em que repartia com o caçulinha Tony. Mas não se limitava em permanecer o tempo todo por ali. Pelo contrário, passava a maior parte do tempo na sala, brincando normalmente com o irmão e assistindo televisão.

Eu, além de muitos repórteres, o visitavam todos os dias e na segunda feira fui com ele e seu pai, que ainda continuava magoado comigo, ao encontro do doutor Hernandes, que nos atendeu com rapidez e o examinou com muito cuidado, depois disse:

— Pode vestir a camisa. Chega de exibir seu físico.

Regis fez gesto com os músculos, forçando seus bíceps e insinuou:

— Belo físico sem exercícios! Vou voltar às minhas atividades!

— Vai demorar! — caçoou o médico.

— Estou mau assim?

— Sua recuperação está fantástica!

— Tive grandes médicos em meu tratamento, doutor!

— Quero uma foto sua pra deixar em minha mesa — pediu rindo o médico.

— Todas as que o senhor quiser! Não tenho como pagar o que o senhor fez por mim! Serei eternamente agradecido e jamais me esquecerei do senhor! Nem do doutor Marcelo e José Henrique e de todos deste hospital.

Seguiu até a foto da parede e disse:

— E principalmente de seu pai e de um anjo que me trouxe de volta.

Voltou-se ao médico:

— Já ouviu minhas músicas, doutor?

— Posso ser sincero com você? — abaixou-se diante do menino. — Acho você meu paciente predileto. É importante, é bom e é muito famoso! O batalhão de gente que não arredavam pé deste hospital enquanto você esteve aqui, demonstra isso. Não quero magoá-lo, mas ser sincero! Não gosto do estilo de música que você canta!

Regis, sendo criança, parece ter se sentido magoado. O médico prosseguiu:

— Nada pessoal. Pela sua fama, você com certeza canta muito bem! É que gosto de outro tipo de música!

— Qual? — perguntou incrédulo o menino.

— Só curto músicas clássicas e internacionais!

— Se é assim — riu ele. — Em meu próximo disco vou gravar uma especialmente pro senhor.


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